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Fernando Henrique Cardoso: Sair da crise
Dá para ter esperança, sempre com o pé no chão e o olhar no horizonte
Dizer que jamais se viu crise tão grande como a atual é lugar-comum. Mas é verdade, pelo menos quanto à crise política. Ela advém de muitos fatores e todos deságuam na falta de confiança que alcançou boa parte da chamada “classe política”, parte do empresariado e da administração pública. A Operação Lava Jato apenas mostrou um conjunto impressionante de ilicitudes, não foi causadora delas. Mas a percepção de que há muita coisa podre na vida político-governamental aumentou o desânimo e a desconfiança das pessoas.
Os desatinos dos governos lulopetistas nos últimos anos provocaram a crise econômica e desorganizaram as finanças públicas. Resultado: cerca de 14 milhões de desempregados. É com vista a esses e aos muitos milhões mais de brasileiros incertos quanto a seu futuro que o País precisa retomar o crescimento econômico. Para isso, entretanto, é necessário buscar saídas para os impasses políticos, senão eles atrapalharão as saídas econômicas e podem impedi-las.
O Congresso pode melhorar o sistema partidário. Basta aprovar, aperfeiçoando-os na Câmara, os projetos de lei que já transitaram pelo Senado. Um deles institui a “cláusula de barreira”, ou seja, um porcentual mínimo de votos em todo o País, em determinado número de Estados, para que um partido tenha acesso aos recursos do Fundo Partidário, ao horário “gratuito” de TV, etc. Outro proíbe as coligações de partidos nas eleições para os Legislativos, medida que reduzirá o número de partidos.
O porcentual mínimo aprovado no Senado seria de 2% do total de votos para deputado federal em pelo menos 14 Estados, nas eleições de 2018, e de 3% a partir das eleições de 2022. É uma cláusula branda, tanto mais porque o projeto prevê a possibilidade de que partidos que não ultrapassem a barreira possam manter as prerrogativas dos demais se aceitarem formar um só bloco por toda a legislatura. É o mínimo necessário para pôr fim a legendas de aluguel, que corrompem a vida pública brasileira.
Mudanças no financiamento de campanha devem também ser aprovadas. Proibidas as doações de empresas, recursos públicos serão necessários para financiar as campanhas em 2018. Para evitar que mais dinheiro público seja gasto com legendas de aluguel se impõem barreiras ao acesso a esse fundo.
Cláusula de barreira e fim das coligações proporcionais não esgotam os reclamos de melhoria do sistema eleitoral e partidário. Há a discussão sobre o voto distrital, puro ou misto, e até sobre o parlamentarismo. Porém não dá para discutir tudo ao mesmo tempo. Medidas desse tipo requerem maior grau de consenso. E a lei é clara: qualquer alteração, para valer nas eleições de 2018, terá de ser aprovada até o fim de setembro deste ano, um ano antes das próximas eleições.
O Congresso tem a responsabilidade de decidir logo o que está ao seu alcance para evitar que o futuro reproduza o panorama atual: um Legislativo fragmentado que para sustentar o governo cobra o tributo infame do dá-cá-toma-lá. O atual Congresso ainda pode e deve mais. A Câmara avançou na reforma trabalhista. Ela ainda depende, porém, do voto do Senado. Este, para evitar delongas, não deverá mexer no que a Câmara já dispôs. Deixará ao presidente a tarefa de vetar dispositivos considerados drásticos pelos trabalhadores e poderá apresentar em projetos diferentes modificações à lei aprovada, em benefício dos trabalhadores. Resta a reforma da Previdência, que há de calcar seus argumentos na redução de privilégios mais do que no ajuste fiscal, embora este seja necessário.
Não dá para tratar de modo igual quem é desigual: pedir que um trabalhador rural prolongue o tempo de trabalho para a aposentadoria tanto quanto se pede a um funcionário público não é justo. Da mesma maneira, as relações de trabalho no campo podem ser revistas, mas nunca para facilitar a exploração do empregado rural ou do pequeno agricultor, como disposto em projeto de lei proposto recentemente. O País clama por solidariedade, por ordem nas finanças públicas e por maior produtividade.
Falta o principal: sem líderes críveis, que desenhem o futuro do País no mundo e lutem por uma sociedade mais solidária, não há como recuperar a confiança nos políticos e nas instituições. Sem políticos não há como integrar a Nação no Estado nem fazer que este funcione para atender às necessidades do povo. Nas condições, atuais em que todos se informam e comunicam, é preciso que os líderes aprendam a escutar o que o povo diz sem cair em demagogia.
As circunstâncias criam líderes. Tomara não os criem nas vestes do demagogo, de direita ou de esquerda, e que, ao se mudar a geração no mando, se mude mais do que simplesmente a capacidade de iludir, não raro dizendo uma coisa e fazendo outra.
Não me assusto com pesquisas eleitorais fora de hora. Nem com manchetes atemorizadoras. O povo não tem o governo no coração, como as pesquisas de opinião demonstram, mas teme que o bolso piore se medidas não forem tomadas. Por isso mesmo não temo o resultado eleitoral em função do que o governo realizar em matéria de reformas. Temo antes outra coisa: que a cultura de permissividade termine por exigir dos líderes menos do que o momento necessita. Temo que nas futuras eleições, em vez de renovação, venhamos a dar de cara com a repetição. Com as mesmas ou com novas caras.
Há espaço, contudo, para evitar que isso aconteça. Dá para ter esperança, sempre com o pé no chão e o olhar no horizonte. No limite quem resolve é o eleitor e este, embora reagindo “contra tudo o que aí está”, repudiando uma cultura política que foi corrompida pelos maus usos, tem o bolso apertado e os ouvidos abertos. Os partidos e líderes que não quiserem apenas assistir ao desmoronamento da ordem pública devem esclarecer o eleitorado sobre o que está em jogo e mostrar grandeza para apontar caminhos e, assim, oferecer um futuro melhor para o povo e o País.
*Fernando Henrique Cardoso é sociólogo, foi Presidente da República
Fonte: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,sair-da-crise,70001766353
Luiz Carlos Azedo: Primeira fissura
Renan tem poder para emparedar as reformas que forem aprovadas na Câmara. A simples alteração pelo Senado faz o processo dar um largo passo atrás
Surgem as primeiras grandes fissuras na base do governo Temer, a principal delas no Senado, encabeçada pelo líder da bancada do PMDB, Renan Calheiros (AL), que assumiu uma clara dissidência em relação à orientação do governo. Renan é um sobrevivente de todos os governos, desde o de Fernando Collor, que o revelou para a política nacional. É um ás da baldeação: carregou o caixão de Dilma Rousseff até a porta do cemitério. Considerado um dos melhores estrategistas do Senado, ao lado de Jader Barbalho (PMDB-PA), que atua na surdina, seu desembarque do governo é iminente e perigoso.
Na manhã de ontem, Renan criticou mais uma vez a condução dada ao país pelo presidente Temer, o qual acusou de não ouvir ninguém, o que não é verdade. O presidente da República ouve pelo menos três integrantes da equipe de governo, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e os ministros da Casa Civil, Eliseu Padilha, e da secretaria de Governo, Moreira Franco, além de Rodrigo Maia, presidente da Câmara, e Romero Jucá, presidente do PMDB e líder do governo, que disputa influência no Senado com o líder da bancada.
Renan fez ontem uma comparação de Temer com a ex-presidente Dilma: “E a impressão de agora, com o presidente Michel, é que com essa política econômica, com esse aumento de imposto, com essa renegação da folha, com tudo isso, parece que, diferentemente da Dilma, que não sabia o que fazer, o Michel não tem o que fazer. E isso é pior para o Brasil”, disparou. E voltou a atacar a reforma da Previdência: “Uma reforma da banca, querendo arrecadar R$ 780 bilhões em 10 anos. Tem que fazer uma reforma da Previdência ideal”.
Ao atacar a política econômica deu uma pista do verdadeiro alvo: “O governo está errando ao querer resolver a crise econômica, colocar a inflação na meta com mais recessão. Isso é um horror. Isso vai levar o país, em um curtíssimo espaço de tempo, infelizmente, a uma crise maior”. O problema de Renan é a negociação da dívida dos estados, em apreciação na Câmara, que está sendo conduzida pelo ministro da Fazenda. Quer flexibilizar o acordo com os estados para favorecer o governo de Renan Calheiros Filho (PMDB), em Alagoas, candidato à reeleição junto com o pai.
Outro ator importante no jogo parece se manter ao largo da disputa, o presidente do Senado, Eunício de Oliveira (PMDB-CE), que tem boas relações com Temer, mas jamais seria eleito para o posto que ocupa sem o apoio de Renan. Eunício costuma virar uma esfinge nessas horas e esperar o vento firmar para escolher o rumo a seguir. Somente assume uma posição mais agressiva quando se sente ameaçado. Todos estão citados nas delações premiadas da Operação Lava-Jato, o que aumenta o estresse entre eles.
Temer já passou por muitas disputas com Renan, que inclusive tentou removê-lo da presidência do PMDB. É dispensável dizer quem foi que até agora riu por último. Quando parecia na iminência de ser derrotado dentro da legenda, Temer fez um acordo com os deputados do PT, foi eleito presidente da Câmara e, depois, vice-presidente da República na chapa de Dilma Rousseff, em 2010. Hoje, é o presidente da República, depois de romper com Dilma Rousseff e atrair o apoio de Renan.
A recidiva dessa velha disputa, porém, pode desestabilizar o governo. Renan tem poder para emparedar as reformas que forem aprovadas na Câmara. A simples alteração pelo Senado do que foi aprovado pelos deputados faz o processo dar um largo passo atrás. Além disso, caso Renan consiga manter a bancada de senadores do PMDB coesa, dificilmente isso não dividirá a bancada de deputados. Não é à toa que o Palácio do Planalto preferiu não alimentar a polêmica. A opção foi correr com a votação do acordo das dívidas dos estados na Câmara.
A renegociação
Esse assunto vem se arrastando desde o ano passado, quando os deputados retiraram as contrapartidas do projeto original do Ministério da Fazenda, sob forte pressão dos governadores. Temer enviou um novo texto para socorrer os estados em situação mais dramática, principalmente Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul. Há duas semanas, uma batalha surda se desenvolve entre a equipe econômica e base do governo na Câmara para votar o projeto.
Para renegociar as dívidas, a Fazenda quer que o acordo autorize a privatização de empresas dos setores financeiro, de energia e de saneamento para quitar dívidas, como já aconteceu com a Cedae, no Rio de Janeiro; que eleve a alíquota de contribuição previdenciária dos servidores estaduais; e que reduza incentivos ou benefícios tributários. Tudo enguiça na hora em que o acordo proíbe estados de conceder vantagem, aumento, reajuste ou adequação de salários a servidores; criar cargos ou funções que impliquem aumento de despesa; alterar a estrutura de carreira que gere aumento de gastos; realizar concurso público, ressalvadas hipóteses de reposição de cargos vagos; criar ou aumentar auxílios, vantagens, bônus, abonos ou benefícios de qualquer natureza. São matérias indigestas para candidatos ao Senado e governadores candidatos à reeleição.
Luiz Carlos Azedo: Cartas na mesa
Os partidos políticos, porém, estão sendo pautados pela necessidade de sobrevivência eleitoral de seus parlamentares
Com as principais lideranças do Congresso assediadas pela Operação Lava-Jato, a reforma política ganhou pernas longas e começou a andar bem rápido. Ontem, o relator da reforma, Vicente Cândido (PT-SP), tratou de antecipar os termos de sua proposta, que prevê lista fechada, voto distrital, 30% de financiamento eleitoral de pessoas físicas e o fim dos cargos de vice-presidente, vice-governador e vice-prefeito já no pleito de 2018.
Na véspera, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, num artigo intitulado Apelo ao bom senso, apresentou também suas sugestões, depois de analisar alguns inconvenientes de propostas mais audaciosas, como o parlamentarismo e o voto distrital misto. “Melhor sermos realistas e começarmos com mudanças menos ambiciosas”, avalia. Eis a proposta do líder tucano:
“Como há limites de prazo para definir novos procedimentos eleitorais (eles devem ser aprovados até setembro para terem vigência em 2018), creio que o indispensável é aprovar logo a “cláusula de barreira”. Neste caso, seriam necessários x por cento de votos, distribuídos por um número mínimo de Estados, para que os partidos pudessem ter representação institucional no Legislativo (menos para o Senado, no qual o voto é no candidato), acesso ao Fundo Partidário e ao tempo de televisão. Também é indispensável aprovar a proibição de coligações nas eleições proporcionais, para evitar que, ao votar num deputado de um partido, se eleja alguém de outro.”
Para abreviar o parto, FHC propõe que o fundo partidário seja distribuído com os mesmos critérios da cláusula de barreira e que, para baratear o custo os custos de campanha, os programas de tevê não tenham “marquetagem”. Além disso, que se adote o voto distrital para as eleições de vereadores e o voto distrital misto nas eleições de 2022. Seria uma maneira de reduzir as resistências ao fim do atual voto proporcional uninominal.
Todas as propostas buscam uma saída para a crise política, pois a sociedade não se sente representada pelo Congresso. Os partidos políticos, porém, estão sendo pautados pela necessidade de sobrevivência eleitoral de seus parlamentares. O pânico é maior, entretanto, quando o desgaste é diretamente causado pela Lava-Jato, porque as investigações em curso no Supremo Tribunal Federal (STF) não vão deixar de pautar a mídia enquanto os julgamentos dos réus não forem concluídos.
Bumerangue
A condição de réu na Lava-Jato, mesmo que o processo corra em segredo de Justiça, pelo sistema atual, representará uma derrota eleitoral quase certa. Além disso, a consequente perda do direito ao foro privilegiado implicará mudança de curso do processo do não-eleito na Lava-Jato, que passaria à esfera do juiz federal Sérgio Moro, em Curitiba, onde os julgamentos costumam acontecer muito mais rápido. Foi o caso, por exemplo, do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), já condenado a 15 anos de prisão num único processo.
A adoção do voto em lista abriria a possibilidade de evitar a derrota, pois eliminaria a concorrência dos setores dos partidos que desejam sua renovação, lançando candidatos novos e não “queimados” pela Lava-Jato. É esse o raciocínio atribuído à proposta do petista Vicente Cândido, mas ele rebate isso: “O investigado na Lava Jato vai ficar em evidência estando na lista ou fora da lista. Ele poderá ser eleito numa carona de puxador de voto às vezes despercebido pelo eleitor. Então, não é isso. Se ele estiver na lista, o partido vai ter que explicar o porquê, vai ter que apresentar currículo”, argumenta.
Vicente Cândido se inspirou no caso do México, que acabou com a eleição de vice-presidente em 2017, para propor a simples extinção do cargo. Argumenta que isso representará grande economia de gastos e, ao mesmo tempo, o fim das conspirações para destituir presidentes, governadores e prefeitos. O primeiro argumento é válido; o segundo, não, porque a conspiração tende a ser maior ainda, se o chefe do parlamento for de oposição.
O efeito bumerangue do voto em lista, que não permite ao eleitor escolher a pessoa que vai eleger, pois ela pré-ordenada, é uma rejeição ao partido como um todo e não apenas contra os candidatos enrolados. Isso pode enfraquecer bastante os partidos envolvidos na Lava-Jato e, em alguns casos, até provocar o desaparecimento deles, como aconteceu com a antiga Arena, o partido criado pelo regime militar, que já foi “o maior do Ocidente”.
Fonte: blogs.correiobraziliense.com.br/azedo
Luiz Carlos Azedo: Um teste de força
Somente um governo eleito com esse programa poderia fazer reformas profundas. Temer terá que fazê-las de forma mitigada, legitimado apenas pela recessão e pelo desemprego
O governo Temer é liberal e reformista, mas vive a contradição de ser de transição, em meio à maior recessão da história republicana, uma crise ética que ameaça levá-lo de roldão com a elite política do país e o colapso do capitalismo de Estado brasileiro, cujo último lance foi esse escândalo da carne. Quis a Fortuna que o Brasil não tivesse até agora um governo liberal. Houve duas oportunidades históricas, mas ambas foram abortadas.
A primeira foi o governo de Sarney, vice como Temer, que não fez o que faria Tancredo Neves, que morreu às vésperas da posse. Foi contingenciado por Ulysses Guimarães à frente da Constituinte. Do entulho autoritário do regime militar, ainda restaram a estrutura vertical do nosso Estado positivista, a forte presença estatal no setor produtivo e corporações poderosas na administração federal, que se reproduzem nos estados e municípios.
A segunda oportunidade perdida foi o brevíssimo governo Collor, eleito com o forte discurso liberal, mas que se embriagou com o poder e tropeçou nas próprias pernas, em meio a um escândalo envolvendo o tesoureiro de campanha e um caixa dois que, resguardada as proporções, parece até cofre de porquinho diante do petrolão e outros escândalos sob investigação da Operação Lava-Jato. Legou ao país, porém, a abertura da economia para a globalização.
O governo de Fernando Henrique Cardoso, um social-democrata, foi reformista, com uma equipe econômica social-liberal, em permanente conflito com a ala desenvolvimentista do PSDB. Todo seu esforço foi focado no combate à inflação, no equilíbrio fiscal, na reforma patrimonial do Estado em crise de financiamento e no desmonte de um setor produtivo estatal que havia se tornado anacrônico e deficitário.
Para a esquerda brasileira, liberal é sinônimo de tudo o que pode haver de ruim na política. Para a opinião pública, ao contrário, é a esquerda que virou palavrão, tamanho o desastre causado pelos governos Lula e, principalmente, Dilma. Esse ambiente é propício à aprovação de medidas reformistas, para reduzir o tamanho do Estado, como as concessões de aeroportos, portos, ferrovias etc. E também de austeridade, como a nova regra do teto dos gastos públicos aprovada pelo Congresso.
O atual governo ousou pouco do ponto de vista do enxugamento da máquina administrativa. Por duas razões: de um lado, foi loteado entre os partidos da antiga base governista que haviam se descolado do governo Dilma, a começar pelo próprio PMDB, e os partidos de oposição, principalmente PSDB, DEM, PSB e PPS, que lideraram a luta pelo impeachment de Dilma; de outro, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, em razão da recessão, temia que um ajuste forte nos gastos públicos levasse a economia ao colapso e decidiu fazê-lo a médio e longo prazos, o que não foi suficiente para evitar o rombo atual nas contas públicas em razão da queda de arrecadação.
O governo agora está diante de uma situação dramática, na qual tem que fazer cortes nos gastos públicos, com impacto nas políticas sociais, e aumentar impostos, agravando atividades produtivas, para manter o equilíbrio das contas públicas. Ao mesmo tempo, precisa realizar reformas na Previdência, na legislação trabalhista e no sistema tributário. Somente um governo eleito com esse programa poderia fazer reformas profundas. Temer terá que fazê-las de forma mitigada, legitimado apenas pela necessidade de salvar o país de mais recessão e desemprego.
Ou seja, não basta a vontade do presidente da República de passar à História como grande reformista. Há que se ter uma correlação de forças favorável tanto no Congresso quanto na sociedade. Em ano pré-eleitoral, nada passa no parlamento sem apoio da opinião pública. Não se trata da popularidade de Temer, mas do apoio social ao que está sendo feito para o bem comum. O primeiro teste do governo quanto a isso foi a aprovação da terceirização pela Câmara, que vai à sanção presidencial. Parece um assunto resolvido, mas não é.
Greve geral
A votação dividiu a base do governo, inclusive o PMDB, e colocou em xeque as demais reformas, principalmente a reforma da Previdência, que enfrenta uma ampla coalizão contrária. Temer pode sancionar sem emendas o projeto, como querem os representantes do empresariado que apoiam o governo, mas a contrapartida é a unificação e radicalização do movimento sindical e sua instrumentalização pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Essa é a praia do PT.
Uma greve geral está sendo organizada para 28 de abril, o que pode ser um teste de força. Com o desemprego em massa, dificilmente uma greve geral, mesmo que por tempo determinado, terá adesão maciça dos trabalhadores empregados no setor privado, mas há os funcionários públicos e os empregados de estatais, e uma massa de desempregados, sem-teto e sem-terra que estão sendo mobilizados. O PT parece renascer das cinzas da Lava-Jato. De volta às ruas, agita as velhas bandeiras vermelhas contra as reformas.
A terceirização desregulamenta a velha CLT da Era Vargas. Discute-se a aprovação de uma nova lei, complementar, no Senado, para garantir alguns dos direitos trabalhistas e evitar a “precarização” do trabalho assalariado. O governo não deve vetar o projeto aprovado na Câmara, mas na área econômica a “pejotização” é vista como um tiro no pé da arrecadação, com impacto direto na Previdência. Não é fácil ser um governo de transição.
Fonte: blogs.correiobraziliense.com.br/azedo
Luiz Carlos Azedo: Cresos e Cassandras
Uma das dificuldades do país hoje são as previsões extremas e antagônicas sobre os problemas nacionais que estão na ordem do dia
O físico Carl Sagan, na coletânea Bilhões e bilhões (Companhia de Bolso), tem um artigo muito interessante, embora publicado há mais de 20 anos, sobre as profecias e previsões entre cientistas preocupados com a poluição e a camada de ozônio às vésperas do Terceiro Milênio. Creso e Cassandra representam, na mitologia grega, as reações extremas às predições de perigo mortal e catástrofe iminente. Num ambiente de radicalização e narrativas exageradas como as que estamos vivendo, vale a pena revistá-los.
Creso, rei da Lídia (hoje Anatólia, na Turquia), conhecido na História pela riqueza e pela criação da moeda no século VII a.C., tinha uma ambição maior que os limites de sua nação. Imaginou que seria vantajoso invadir a Pérsia, a superpotência da Ásia Ocidental, que Ciro havia construído ao unir persas e medas. Para isso, mandou emissários ouvirem a sacerdotisa do Oráculo de Delfos, criado por Apolo para oferecer aos humanos previsões do futuro. Conta Heródoto que chegaram carregados de presentes e uma pergunta: “O que acontecerá, se Creso declarar guerra à Pérsia?”.
A resposta de pítia, a serpente, uma das encarnações da sacerdotisa, foi categórica: “Ele vai destruir um poderoso império”. Quando os emissários relataram a resposta a Creso, ele imaginou que tinha o apoio dos deuses e resolveu invadir a Pérsia. Sofreu uma derrota humilhante, seu reino foi destruído e Creso passou o resto dos dias como funcionário da corte persa, distribuindo conselhos inúteis, porque ninguém o levava a sério. Seu erro foi não mandar os emissários perguntarem quem seria destruído. Na política brasileira, abundam situações parecidas. Um dos erros mais frequentes é permitir que as próprias ambições atrapalhem a compreensão da correlação de forças e dos obstáculos políticos.
Outra história sobre os oráculos lembrada por Carl Sagan é a de Cassandra, a princesa de Troia, a mais bela filha de Príamo, por quem Apolo era apaixonado, sem ser correspondido. Para seduzi-la, ofereceu-lhe o dom das profecias. Cassandra aceitou a oferta, mas resistiu aos assédios. Na peça Agamenon, Ésquilo conta que Apolo ficou furioso. Não podia retirar os poderes, porém, por vingança, decidiu que ninguém acreditaria nas suas profecias. Cassandra previu a queda de Troia, mas ninguém levou a sério; como também não a levaram quanto à morte de Agamenon. Cassandra previu a própria morte e é chamada de profetiza do abismo e das trevas. Na política, quando alguém faz uma previsão pessimista, é chamado de Cassandra.
Uma das dificuldades do país hoje são as previsões extremas e antagônicas sobre os problemas nacionais, alguns dos quais estão mesmo na ordem do dia. Por exemplo, a reforma da Previdência. De fato há um grande interesse do sistema financeiro numa reforma radical, que transforme a previdência privada numa necessidade real para a grande massa de servidores públicos e trabalhadores assalariados de nível superior, que futuramente teriam que recorrer a alguma forma de fundo previdenciário para garantir uma renda satisfatória para compensar o novo teto das aposentadorias.
Se opor à reforma por causa dessas intenções, porém, seria uma aposta parecida com a de Creso, pois o adiamento da reforma pode ser um tiro no pé. A médio e longo prazos, a Previdência não tem sustentabilidade. O exemplo do que pode acontecer é a situação daqueles que estão sem receber suas aposentadorias e pensões no Rio de Janeiro, porque o sistema quebrou. De igual maneira, apoiar a reforma incondicionalmente pode não ser a melhor opção. É um erro tratar todos os críticos da reforma da Previdência como os troianos trataram Cassandra.
Apostas radicais
A mesma coisa vale para a legislação trabalhista. A recente votação do projeto de terceirização, por exemplo, se enquadra numa situação semelhante. Os defensores incondicionais da atual legislação trabalhista estão adotando como paradigma o sistema relação taylor-fordista, que foi completamente superado. O toyotismo, os sistemas flexíveis de produção, a automação e a robotização estão revolucionando as formas de produção, as condições de trabalho e as próprias profissões, pois algumas deixam de existir e outras surgem. Talvez o mais emblemático exemplo seja a difícil coexistência entre os táxis e o Uber.
Lidar com apostas radicais é sempre um risco. É a situação do presidente do PSDB, Aécio Neves (MG), autor da ação que pede a cassação da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer. O tucano está mais ou menos como Creso na campanha contra Ciro, pois Dilma foi afastada pelo impeachment, mas agora, no julgamento da chapa, quem está na berlinda é o presidente Michel Temer. Além disso, as investigações sobre o caixa dois da Odebrecht, que alimentou a campanha da petista, foram regionalizadas e derivaram para os demais partidos, inclusive o PSDB mineiro.
Deixando a mitologia de lado, o risco de “judicializar” as disputas políticas sempre é perder o controle da situação. No ano passado, a cassação da chapa poderia ter resultado numa eleição direta na qual Aécio teria possibilidades reais; hoje, não, a eleição seria indireta. E a cassação de Temer pelo TSE, em razão da condenação da chapa, lançaria o país num cenário de turbulência exacerbada e absoluta imprevisibilidade política.
Fonte: blogs.correiobraziliense.com.br/azedo
Luiz Carlos Azedo: Partidos sem projeto
O ambiente político no Congresso é pautado pelo instinto de sobrevivência, num momento em que o país precisa se reinventar sob vários aspectos
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em vídeo distribuído nas redes sociais, fez um alerta de que o Congresso não está no seu melhor momento para fazer uma reforma política profunda; sugeriu que se limite a discutir as medidas que estão em tramitação na Câmara e no Senado, como o fim das coligações e a cláusula de desempenho. Alertou que a proposta de lista fechada — que ganhou força graças ao relator da reforma política na Câmara, deputado Vicente Cândido (PT-SP) — aparece para a opinião pública como um subterfúgio para que os candidatos enrolados na Operação Lava-Jato mantenham privilégios e se livrem de eventuais processos.
Sua declaração é uma espécie de alto lá para o PSDB e aliados, que já estavam embarcando na proposta petista, que foi agarrada com as duas mãos pelos políticos enrolados do PMDB e outros partidos envolvidos no escândalo da Petrobras. Com a campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na rua, a proposta da lista fechada interessa, sobretudo, ao PT, que não está sendo oportunista, vale ressaltar, pois historicamente defende essa posição. Está apenas puxando a brasa para sua sardinha em tempos de Murici, digamos assim.
O ambiente político no Congresso é pautado pelo instinto de sobrevivência, num momento em que o país precisa se reinventar sob vários aspectos. Os grandes partidos discutem mudanças eleitorais cujo objetivo não é melhorar a qualidade da representação do Congresso, que está desmoralizado perante a opinião pública, mas manter o controle da Câmara e do Senado. Os partidos que poderiam protagonizar a renovação da política nacional, em vez de discutir projetos para o país, por sua vez, estão mais preocupados em garantir a ampliação de suas bancadas, digamos, para 15 deputados. Esta é a linha de corte que está sendo traçada pelos partidos maiores para canibalizar os menores.
Enquanto isso, o país patina para sair da recessão, sem um projeto nacional. É prisioneiro das corporações e de seus privilégios, de um lado, e de empresas e empresários incapazes de sobreviver sem sugar os recursos do Tesouro, do outro. Até agora, o ônus da crise foi lançado sobre os ombros da grande massa da população, que perdeu empregos e negócios, paga juros escorchantes e somente agora está se livrando da perda acelerada de poder aquisitivo via inflação. É daí que vem a resistência à reforma da Previdência, ao fim das desonerações fiscais e a novas regras do jogo nas relações entre o público e o privado.
Num momento em que o mundo vive uma grande batalha entra a globalização, um fenômeno objetivo, e as forças que a ela se impõem, agora lideradas pelo novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (quanta ironia!), o Brasil precisa encontrar seu novo lugar no mundo. A crise da “carne podre” é um sintoma de que o modelo de capitalismo de Estado (ou de laços) adotado pelos governos Lula e Dilma era voluntarista e fracassou. Noves fora as trapalhadas do delegado da Polícia Federal que “espetaculizou” a investigação nos frigoríficos, nada disso ocorreria se o setor não concentrasse capital por meio de privilégios e as duas gigantes não operassem um lobby político tão pesado quanto o das empreiteiras nas eleições, com objetivo de garantir benesses e facilidades oficiais para seus negócios.
Porto seguro
A vocação natural do Brasil na divisão internacional do trabalho é produzir alimentos, minérios e petróleo, mas isso não basta. O que vamos pôr no lugar da nossa indústria tradicional para desenvolver a economia, que cada vez emprega menos mão de obra nas atividades nos polos mais dinâmicos, como a indústria automobilística, que está sendo automatizada? Como reinventar o Estado brasileiro para que ele atenda às demandas da sociedade e se livre do patrimonialismo e do fisiologismo na política? Qual o futuro dos nossos jovens, marginalizados da atividade produtiva pela recessão, com a perspectiva de baixas taxas de crescimento nos próximos anos e a má qualidade do ensino? Muito provavelmente, não será a atual elite política que resolverá essas questões.
O establishment do país respira de canudinho, na esperança de que a Lava-Jato passe ao largo. Quem sabe a nova novela da Globo, uma superprodução sobre a chegada da família real e as peripécias de D. Pedro I, faça a crítica dos nossos velhos costumes políticos, muitos dos quais surgiram exatamente nessa época, protagonizados pelo imperador e sua corte, já se vão quase 200 anos. Talvez o folhetim eletrônico seja uma paródia do que estamos vivendo, no estilo do falecido Dias Gomes, autor da novela O Bem Amado, cujo protagonista, Odorico Paraguaçu, satirizou nossa tradicional política.
O porto seguro da democracia brasileira é o pleito de 2018. Até lá, a maior dificuldade será produzir uma nova síntese política, que aponte um rumo para a maioria da sociedade.
Fonte: blogs.correiobraziliense.com.br/azedo
Luiz Carlos Azedo: “É nós” de novo
Depois da narrativa do golpe, o PT quer consolidar o discurso da perda dos direitos sociais. É uma estratégia para não fazer autocrítica do próprio fracasso
O PT voltou às ruas ontem contra as reformas da Previdência e trabalhista, em manifestações organizadas pelas centrais sindicais e outros movimentos sociais. O ponto alto foi a presença do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no palanque armado pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) na Avenida Paulista, no centro de São Paulo, para onde confluíram professores em greve, bancários, metalúrgicos e integrantes do movimento dos sem-teto. No Rio de Janeiro, servidores públicos estaduais com salários em atraso e servidores federais encorparam os protestos na Avenida Presidente Vargas, próximo à Estação Central do Brasil.
As duas reformas estão sendo exploradas pela cúpula do PT como plataformas de lançamento da candidatura do ex-presidente da República às eleições de 2018, num momento em que a Operação Lava-Jato, com as delações premiadas da Odebrecht, jogam na vala comum do escândalo da Petrobras toda a elite política do país. O discurso de que todo mundo usava “caixa dois” ganha foro de verdade absoluta e Lula nada de braçada, fazendo-se de vítima. A impopularidade de Temer e a fraqueza do governo, com cinco ministros já identificados como arrolados nos pedidos de inquérito, fragilizam o Palácio do Planalto na opinião pública.
O principal artífice da reforma da Previdência é o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, que voltou ao governo, apesar de enroladíssimo na Lava-Jato. Seu “estoicismo” ao reassumir o cargo como quem vai para o sacrifício (convalescia de uma cirurgia na próstata) pode estar sendo levado em alta conta no Palácio do Planalto, mas sinaliza para a opinião pública aquilo que é verbalizado pelos sindicalistas que organizam os protestos: os trabalhadores pagarão o pato pelos desmantelos dos políticos.
Sim, é verdade, Padilha conhece o caminho das pedras das votações no Congresso e pode ser que realmente consiga manter coesa a base do governo para aprovar as reformas; ao mesmo tempo, porém, é um alvo fixo para os adversários das mudanças no regime de Previdência e nas relações trabalhistas. O que terá mais peso nas votações do Congresso: as verbas e cargos federais ou protestos sindicais? Qualquer observador atento sabe que as reformas serão mitigadas de alguma forma pelo Congresso, que haverá negociação e mudanças no projeto original, para estabelecer o teto das aposentadorias e pensões, o tempo de contribuição e a idade mínima para aposentadorias do setor público e do setor privado.
Essa é a primeira fileira de árvores da floresta, que é um emaranhado mais complexo, com muita diversidade. Em primeiro lugar, a reforma da Previdência é uma necessidade. O sistema está à beira do colapso, como aconteceu no Rio de Janeiro, por causa das desonerações fiscais, da roubalheira, da má gestão, dos privilégios e, principalmente, por causa da mudança de perfil demográfico da população (o xis da questão). Sem desonerações, roubos e má gestão, ainda que se consiga receber o que os sonegadores devem, a Previdência não suportará uma situação na qual cresce o número de aposentados e pensionistas e diminui o número dos que contribuem. Ou seja, o sistema perdeu sustentabilidade.
Narrativas
Os mesmos sindicatos que fecharam os olhos para a roubalheira na Petrobras e nos fundos de pensão (Previ, Petros, Fundef, etc) lideram as mobilizações ao lado de sindicatos de professores e servidores públicos que obtiveram sucessivos aumentos reais de salários e ajudaram a quebrar as contas públicas em vários estados. Alguns representam pequeno número de servidores com grande poder de barganha, por ocuparem posições estratégicas na administração pública. Todos voltaram às ruas para impedir as reformas, graças à montanha de dinheiro que arrecadam com o imposto sindical.
Os trabalhadores do setor privado, porém, que são a esmagadora maioria, não aderiram ao movimento. Algumas categorias estão definhando. Vivem uma realidade completamente diferente. Haja vista os metalúrgicos do setor automotivo, cujas fábricas estão sendo completamente robotizadas. O desemprego afasta qualquer possibilidade de greve; o peão não tem a mamata de ficar dias e dias parado e receber os salários sem desconto. Vive no andar de baixo e não frequentam a casa grande.
Depois da narrativa do golpe, o PT quer consolidar o discurso da perda dos direitos sociais. É uma estratégia para não fazer autocrítica ao próprio fracasso. Um grande biombo para não reconhecer a forma como se beneficiou do status quo durante 12 anos. E não fazer autocrítica do seu próprio transformismo, ao se alinhar às forças que agora são hegemônicas no poder, nas eleições de 2010 e 2014. É uma estratégia inteligente, mas falsa. Porque aposta num projeto historicamente derrotado, cujo eixo — a antiglobalização e o nacional desenvolvimentismo —, ironicamente, coincide com a política esdrúxula do novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e da direita xenófoba da Europa.
O grande problema do Brasil é chegar a 2018. É o que fazer depois, quando o país precisará encontrar o caminho de desenvolvimento sustentável e da renovação política. Os protestos de ontem reproduzem dogmas e palavras de ordem dos anos 1960. Ideias mortas há mais de 50 anos.
Luiz Carlos Azedo é jornalista
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-e-nos-de-novo/
Luiz Carlos Azedo: O gene dos políticos
A política é velha no Brasil não somente pelos costumes, mas também pela falta de renovação de suas lideranças
O gene egoísta, de Richard Dawkins, publicado em 1976, é uma síntese dos estudos sobre o surgimento e a diversidade das espécies, cujo ponto alto é análise do comportamento dos indivíduos. A tese central é de que somos uma máquina de sobrevivência de um gene egoísta perpetuador da espécie. Apesar da importância dos grupos e organismos (arranjos biológicos), o gene é que comanda. O altruísmo é apenas uma estratégia de sobrevivência: os organismos interagem entre si e com o mundo inanimado, e assim alteram seu ambiente e promovem a propagação de genes presentes em outros corpos.
As delações premiadas da Odebrecht revelaram no Congresso o gene egoísta de deputados e senadores. O melhor exemplo de gene egoísta é o comportamento do cuco, que não faz ninho nem toma conta das crias. Em vez disso, procura o ninho de outra ave. O cuco espera que esta se afaste do ninho. Quando tal acontece, retira um dos ovos e coloca o seu. O ovo é semelhante aos outros em cor e tamanho, para que o truque não seja percebido. A cria do cuco é a primeira a nascer; a ave enganada não nota a diferença e alimenta-a como se fosse sua. É aí que o filhote de cuco mostra sua genética: lança os ovos da outra espécie para fora do ninho para se livrar da concorrência e ser o único a receber comida.
É mais ou menos essa a operação em curso no Congresso. Parlamentares de todos os partidos discutem uma estratégia comum de salvação dos mandatos. Há um consenso de que as delações premiadas, diante do número de políticos envolvidos com o caixa dois da Odebrecht, ameaçam a sobrevivência da elite política do Congresso e podem implodir o sistema partidário. Não se trata apenas da criminalização do caixa dois. O desgaste político que pode inviabilizar a sobrevivência eleitoral dos citados, ainda que consigam se safar ou empurrar com a barriga os processos da Lava-Jato. Trata-se, isso sim, de garantir a própria sobrevivência eleitoral.
Por uma dessas ironias da política, o relator da comissão especial da reforma política na Câmara é o deputado Vicente Cândido (PT-SP). Sua indicação é resultado de um acordo feito entre a bancada do PT e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), por ocasião de sua primeira eleição. Para os deputados enrolados na Operação Lava-Jato, o petista é o cara certo, no lugar certo e na hora certa. Por uma simples razão, o PT sempre defendeu o financiamento público de campanha e o voto em lista. Ninguém poderá acusá-lo de adotar um expediente para se safar das delações premiadas.
Mas é disso que se trata, quando os demais partidos começam a aceitar a proposta. Diante do tremendo desgaste causado pela Lava-Jato, o voto em lista é como o ninho invadido pelo cuco. Essa pode ser a única possibilidade de os políticos que controlam os grandes partidos assegurarem a sobrevivência eleitoral. O eleitor vota numa lista, na qual são eleitos os primeiros da fila, na proporção da votação de cada partido. Atualmente, são eleitos os mais votados de cada chapa, embora a proporcionalidade também exista. Assim, seria possível o político queimado viabilizar sua eleição com base na votação da sua lista partidária, dependendo da posição que nela ocupe e do número de vagas conquistadas pela legenda. Com certeza, vai tomar o lugar de alguém com a ficha limpa, como aquele filhote de cuco que não admite concorrência no ninho.
Reforma política
O presidente Michel Temer entrou de cabeça na operação para salvar a elite do Congresso. Amanhã, vai discutir a reforma política e o financiamento de campanhas eleitorais com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia; do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE); e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes, de quem partiu a iniciativa. O financiamento público de campanha, testado nas eleições municipais, impediu o financiamento de empresas, mas não a existência de caixa dois; além disso, criou uma situação que favorece candidatos apoiados por organizações religiosas e meios de comunicação. O ministro Gilmar é a favor do financiamento privado, votou contra o financiamento público no Supremo Tribunal Federal (STF).
O fato concreto, porém, é que a discussão não ocorre motivada pela necessidade de renovação política. Pelo contrário, a articulação tem um caráter regressivo. Seu objetivo é exatamente o contrário: bloquear o surgimento de uma nova elite parlamentar. A política é velha no Brasil não somente pelos costumes, mas também pela falta de renovação de suas lideranças. Talvez a reeleição tenha empurrado a fila para trás. Uma simples comparação com os principais líderes mundiais torna evidente a necessidade do surgimento de uma nova geração de políticos. Há muitos jovens parlamentares no Congresso, mas a maioria foi catapultada pelas respectivas oligarquias, basta conferir os sobrenomes.
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Luiz Carlos Azedo: ABC do caixa dois
Políticos e empresários recorrem ao caixa dois para pagamento de propina, campanhas eleitorais e enriquecimento ilícito
Na tradição política brasileira, o que apartava políticos honestos dos desonestos não era o caixa dois eleitoral — quase sempre fruto do superfaturamento de contratos de obras e serviços —, era o desvio de recursos públicos para enriquecimento pessoal, a formação de patrimônio com o dinheiro da campanha eleitoral; as famosas “sobras de campanha” estão numa espécie de limbo entre uma coisa e outra. Essa tortuosa linha divisória, do ponto de vista jurídico, porém, nunca existiu, embora fosse um segredo de polichinelo no mundo da política.
Acontece que esse entendimento nunca foi o dos cidadãos, nem da Justiça Eleitoral, muito menos do Ministério Público e da Polícia Federal. Ou seja, não existe uma suposta linha divisória entre o joio e o trigo do ponto de vista legal. Só existe na política, mesmo assim é unilateral, porque os malvados não aceitam que os mocinhos citados nas delações premiadas fiquem safos da Operação Lava-Jato. Desculpem-me a expressão, querem “suruba” geral, como diria o presidente do PMDB e líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR).
Esse assunto esquentou depois que Marcelo Odebrecht e os ex-executivos Hilberto Mascarenhas, Cláudio Mello Filho e Benedito Barbosa da Silva Junior prestaram depoimentos contraditórios no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ao ministro Hermann Benjamin, relator da ação do PSDB que pede a cassação da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer. Os depoimentos foram verdadeiros bumerangues, pois acabaram envolvendo o presidente do PSDB, Aécio Neves (MG), que teria pedido R$ 15 milhões para aliados, depois que Odebrecht se recusou a doar dinheiro diretamente para sua campanha. Sobrou também para o presidente Michel Temer, que pediu ajuda financeira à Odebrecht para a campanha do PMDB, o que teria resultado na entrega de dinheiro do caixa dois da empreiteira para o ministro da Casa Civil licenciado, Eliseu Padilha, via escritório do advogado José Yunes, amigo e ex-assessor do presidente da República.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que estava na Itália, saiu em defesa de Aécio, criticando versões que não refletiam exatamente os depoimentos. A polêmica sobre a separação do joio do trigo, uma imagem bíblica, que ganhou as páginas dos jornais e os programas de televisão, surgiu de uma frase do ex-presidente: “Há uma diferença entre quem recebeu recursos de caixa dois para financiamento de atividades político eleitorais, erro que precisa ser reconhecido, reparado ou punido, daquele que obteve recursos para enriquecimento pessoal, crime puro e simples de corrupção”.
O debate foi parar na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), que acolheu denúncia contra o senador Valdir Raupp (PMDB-RO), por um placar apertado: três a dois, com o relator da Lava-Jato, ministro Luiz Édson Fachin, que acolheu a denúncia, sendo apoiado pelos ministros Celso de Mello, decano da Corte, e Ricardo Lewandowski, contra os votos dos ministros Gilmar Mendes, presidente da Turma, e Dias Toffoli. Entendeu-se que não há separação entre o joio e o trigo, no caso de Raupp, que teria recebido, na campanha de 2010, uma doação legal de R$ 500 mil da construtora Queiroz Galvão. Os recursos teriam sido desviados de contratos que a empresa mantinha com a Petrobras.
Doações legais
A expressão caixa dois tecnicamente se refere a recursos financeiros não contabilizados e não declarados aos órgãos de fiscalização. A lavagem de dinheiro e a organização criminosa com esse fim agravam o crime. É utilizado por algumas empresas que deixam de emitir ou emitem notas fiscais com valor menor ao da transação realizada para pagar menos tributos. A diferença entre o faturamento real e o valor declarado forma o caixa dois da empresa. Na política, governantes e grandes corporações recorrem ao caixa dois para formar fundos destinados ao pagamento de propina, financiamento de campanhas eleitorais, enriquecimento ilícito e outras ilegalidades.
Do ponto de vista legal, é um crime financeiro, de sonegação fiscal, com pena prevista na Lei nº 7. 492, de 16 de junho de 1986. De forma mais ampla, aplica-se o artigo 1º da Lei nº 8.137, de 1990, para relações tributária, econômica e de consumo. Pode resultar em condenações de 1 a 5 anos de reclusão e multa (quando não se caracterizar como lavagem de dinheiro e organização criminosa). O que está em discussão na Operação Lava-Jato e outras investigações é o caixa dois eleitoral associado à lavagem de dinheiro e às doações legalizadas junto à Justiça Eleitoral.
O ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel faz uma analogia com os critérios adotados pelo Leão para caçar os sonegadores: se alguém usa dinheiro não declarado para pagar o dentista e ele declara que recebeu o dinheiro, quem usou caixa dois foi o primeiro; se o paciente informa a origem dos recursos e o pagamento, e o dentista não declara, o sonegador é o segundo. Quando os dois não declaram, ambos estão ocultando receitas e operando com caixa dois. O problema se complica no caso das doações eleitorais por causa da origem do dinheiro, o superfaturamento ou desvio de recursos públicos. Se o beneficiado ou autor é o ordenador de despesa, é uma situação; se não é esse o caso, a situação é outra. Tudo isso começa a ser examinado pelo Tribunal Superior Eleitoral, no caso das contas da campanha da chapa Dilma-Temer, e pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento das doações da Queiroz Galvão para a campanha de Raupp.
Fonte: blogs.correiobraziliense.com.br/azedo
Luiz Carlos Azedo: Monopólio da política
Publicado no Correio Braziliense em 07/03/2017
Há uma contradição entre a sensível melhora do ambiente econômico e a deterioração crescente do ambiente político, em razão da degenerescência dos partidos
Há muito que a política deixou de ser monopólio dos políticos, dos diplomatas e dos militares. No caso brasileiro, embora pareça o contrário, os atores políticos decisivos para a irrupção de crises que balançam o coreto dos mais poderosos costumam ser personagens à margem do processo decisório, como o motorista do ex-presidente Fernando Collor de Mello, o caseiro do ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci e, mais recentemente, a secretária do Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht, Maria Lúcia Tavares, que, por 11 anos, cuidou dos pagamentos nacionais do caixa dois da empreiteira. Os pagamentos internacionais são outra história, que já começa a aparecer.
No Tribunal Superior Eleitoral, Maria Lúcia explicou ao ministro Hermann Benjamin, relator da ação do PSDB que pede a cassação da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer, a atual dor de cabeça do Palácio do Planalto e do stablishment político do país. “A gente recebia uma planilha. Nessa planilha havia uns codinomes, esses codinomes vinham com os valores e a data da entrega. Esperava o chefe mandar pra mim os endereços e eu passava para o prestador de serviço”, disse Maria Lúcia. Uma das planilhas, chamada Programa Especial Italiano, contabilizava os repasses para o Partido dos Trabalhadores. Entre 2008 e 2013, teriam sido R$ 128 milhões.
Ontem, o engenheiro civil Fernando Sampaio Barbosa, ex-diretor da Odebrecht, arrolado como testemunha de defesa do ex-presidente da Odebrecht S.A. Marcelo Odebrecht e, ao prestar depoimento ao juiz federal Sérgio Moro, em Curitiba, confirmou o que os investigadores da Operação Lava-Jato já sabiam: o operador do esquema de caixa dois do PT na campanha de 2010 era o ex-ministro da Fazenda de Lula, que chefiou a Casa Civil nos primeiros meses do governo Dilma Rousseff, posição conquistada por sua atuação na campanha. “A gente sabia que o ‘Italiano’ era o Palocci”, disse Barbosa. O petista é réu no processo porque recebeu R$ 128 milhões em propinas e repassou ao PT, entre os anos de 2008 e 2013. O “Italiano” era citado num e-mail enviado por Marcelo Odebrecht para Barbosa e outros executivos da empresa. Palocci nega. Havia outro italiano no esquema da campanha de 2014: o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, denunciado pelo próprio Marcelo Odebrecht na semana passada.
A débâcle
Ontem, três delatores da Odebrecht prestaram depoimentos sigilosos no Tribunal Superior Eleitoral: os ex-executivos Cláudio Melo Filho, Hilberto Mascarenhas e Alexandrino de Salles Ramos de Alencar, que ocupou a diretoria de Relações Institucionais da Odebrecht; na semana passada, depuseram Marcelo Odebrecht, ex-presidente da companhia; Benedicto Júnior, ex-presidente da Odebrecht Infraestrutura; e Fernando Reis, ex-presidente da Odebrecht Ambiental. Cláudio Melo Filho era responsável pelo contato da cúpula da empresa com políticos no Congresso. Revelou que a doação de R$ 10 milhões para o PMDB em 2014 foi feita a pedido do presidente Temer, então vice de Dilma Rousseff.
Vem muito mais por aí. Alexandrino de Alencar era o companheiro de viagens internacionais do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, patrocinadas pela Odebrecht, na prospecção, digamos, assim, de negócios no exterior, principalmente grandes obras de engenharia. Hilberto Mascarenhas era um dos executivos do “Setor de Operações Estruturadas”, uma engrenagem complexa, com empresas que lavavam dinheiro, como cervejarias, e até mesmo uma transportadora de valores. A conexão entre as investigações da Operação Lava-Jato e o julgamento da ação do PSDB contra a chapa Dilma-Temer são dois lados de um triângulo de fogo. A incógnita é a temperatura de ignição, ou seja, o clima político no país.
A decisão estratégica de promover uma ampla, geral e irrestrita delação do esquema de propina da Odebrecht, que era considerado inexpugnável até a secretária entregar o ouro, depois de 10 dias de prisão, foi tomada por Emílio Odebrecht, que reassumiu o comando da empresa para tentar salvá-la do colapso total. O acordo de delação premiada deslocou o eixo das investigações do modus operandi das grandes empreiteiras e do nosso capitalismo de laços para o financiamento eleitoral dos partidos e dos políticos, que se confunde com os desvios de recursos públicos, o enriquecimento ilícito e a lavagem de dinheiro. Engenheiros conhecem muito bem a teoria do caos e parece ter sido essa a grande aposta para escapar de longas penas de prisão, como a de Katia Rabelo, do banco Rural, no julgamento do mensalão.
Há uma contradição entre a sensível melhora do ambiente econômico e a deterioração crescente do ambiente político, em razão da degenerescência dos partidos. Para que o país possa reencontrar o rumo do desenvolvimento, terá que fazer escolhas difíceis. O grande problema é que os políticos acreditam que têm o monopólio da política. Temos, porém, uma Constituição democrática, um calendário eleitoral e uma democracia de massas, com 145 milhões de eleitores. Se a Constituição for respeitada, sempre haverá uma saída democrática, mesmo se houver uma implosão do sistema partidário por causa da Lava-Jato.
Luiz Carlos Azedo: Rito de passagem
O resultado das eleições no Congresso é favorável à aprovação das reformas da Previdência e trabalhista, eixo do ajuste fiscal e da retomada do crescimento
A reeleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ) para a Presidência da Câmara dos Deputados, em primeiro turno, muito mais do que uma vitória do presidente Michel Temer, foi um sinal de que o país recuperou a estabilidade política, mesmo diante da crise ética. Uma espécie de rito de passagem para as eleições de 2018, para o qual colaboraram o Palácio do Planalto, ao isolar e derrotar os dissidentes de sua própria base, adversários declarados da Operação Lava-Jato, e o Supremo Tribunal Federal (STF), cujo decano, ministro Celso de Mello, rechaçou a tentativa de judicializar a disputa. Nada disso, entretanto, ofusca o brilho da vitória pessoal de Maia. À frente da Casa, em poucos meses, conquistou a confiança da maioria de seus pares. Maia obteve 293 votos. Esta é a segunda vitória expressiva do governo: na véspera, o senador Eunício de Oliveira (PMDB-CE) foi eleito para a presidência do Senado, também com grande votação.
O segundo colocado, Jovair Arantes (PTB-GO), obteve105 votos. É uma votação significativa, que possibilita ao líder dissidente negociar as condições de sua permanência na base do governo ou liderar a oposição, que acabou isolada e dividida: André Figueiredo (PDT-CE), apoiado oficialmente pelo PT, obteve 59 votos, ou seja, foi traído; Júlio Delgado (PSB-MG) obteve 28 votos; e Luíza Erundina (PSOL-SP), 10 votos. Registra-se o isolamento de Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que obteve apenas quatro votos. PMDB, PSDB, PP, PR, PSD, PSB, PRB, PTN, PPS, PHS, PV e PTdoB formaram uma ampla coalizão de apoio ao governo, que incorporou, inclusive, quatro partidos do antigo Centrão (PP, PR, PSD e PRB).
Mas há sinais de turbulência nos dois principais partidos da base, PMDB e PSDB. A eleição do primeiro vice-presidente foi uma zebra. O candidato oficial do PMDB, indicado pelo Palácio do Planalto, deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), obteve 133 votos e ficou em terceiro lugar. Irmão do ex-ministro da Secretaria de Governo Geddel Vieira Lima, um dos principais aliados de Temer, foi atropelado facilmente pelo deputado Fábio Ramalho (PMDB-MG), que depois derrotou o segundo colocado, o veterano Osmar Serraglio (PMDB-PR), ao obter 265 votos. No PSDB, houve uma disputa surda na bancada, na qual a deputada Mariana Carvalho (RO) deslocou da segunda secretaria um dos caciques da legenda, o deputado Carlos Sampaio (SP). Surpresa também no PSB, onde o candidato do clã Arraes, João Fernando Coutinho (IPE), perdeu a terceira secretaria para seu companheiro de bancada JHC (AL), também no segundo turno.
Reformas
O resultado das eleições no Congresso é favorável à aprovação das reformas da Previdência e trabalhista, que estão no eixo do ajuste fiscal e da retomada do crescimento. A primeira tem por objetivo restabelecer o equilíbrio das contas públicas, não somente em nível federal, mas também nos estados e municípios, alguns dos quais com a previdência em colapso; a segunda, visa estancar a onda de desemprego e flexibilizar a legislação trabalhista, pois o problema não é só consequência da crise econômica, mas também da informatização dos serviços e da robotização das indústrias.
Alguns analistas que estudam as votações do Congresso acreditam que a derrota e fragmentação do antigo Centrão facilitará a vida do Palácio do Planalto, mas há que se considerar o fato de que essas reformas enfrentarão forte oposição das corporações encasteladas no Estado, inclusive no Judiciário, como é caso da previdenciária, e também do movimento sindical, que tradicionalmente resiste a todas as mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), originária do Estado Novo do presidente Getúlio Vargas. Convém ao governo aprovar as reformas o mais rápido possível, pois a aproximação das eleições de 2018 tende a exercer força centrífuga sobre a sua base e fazer recrudescer o fisiologismo.
No embalo das vitórias no Congresso, o presidente Temer blindou um de seus principais colaboradores: medida provisória recriou a Secretaria-Geral da Presidência da República, para o qual foi nomeado Moreira Franco, atual secretário-executivo do Programa de Parceria de Investimentos (PPI), que ganha status de ministro. Temer também deu novas atribuições ao ministro Alexandre de Moraes, cuja pasta passa a se chamar Ministério da Justiça e da Segurança Pública. Transformou em Ministério a Secretaria de Direitos Humanos, cuja titular é a desembargadora Luislinda Valois. Finalmente, nomeou o deputado tucano Antônio Imbassahy para a Secretaria de Governo. Na contramão do ajuste fiscal, passou de 26 para 28 o número de ministérios.
Dona Marisa
Um gesto de afetividade, solidariedade e tolerância política: o abraço de condolências do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, logo após declarada a morte cerebral da ex-primeira-dama Marisa Letícia ontem à tarde.
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Luiz Carlos Azedo: Os limites da União
O poder centralizador da União se manteve como herança do regime militar. Vem daí o desequilíbrio na relação entre os entes federados
O pacto federativo é assim chamado porque pressupõe, digamos, uma grande aliança nacional e acordos entre os estados e a União. Não é uma coisa simples. Muito sangue já correu no Brasil por causa disso. A Revolução Pernambucana, por exemplo, que completará 200 anos no próximo dia 6 de março, foi provocada pela insatisfação popular causada pela Corte de D. João VI, desde sua chegada ao Brasil, em 1808. A ocupação dos cargos públicos pelos apaniguados portugueses e os impostos e tributos criados por D. João VI causaram a revolução, que fechou o ciclo das revoltas do período colonial e, de certa forma, precipitou a Independência, pois seu caráter era emancipacionista.
Os pernambucanos sofreram grande influência das ideias iluministas, que se opunham à monarquias absolutas, a partir da Revolução Francesa. Liberdade, igualdade e fraternidade eram as bandeiras dos revoltosos. A crise econômica provocada pela queda das exportações de açúcar, consequência da guerra na Europa, foi agravada pela seca de 1816, que aumentou a fome e a miséria no sertão pernambucano. Seus revolucionários, liderados por Domingos José Martins, com apoio de Frei Caneca e Antônio Carlos de Andrada e Silva, queriam a independência, a República e uma Constituição. Mas foram duramente reprimidos e a revolta acabou esmagada.
A centralização política sempre foi submetida à prova. No Império, na Confederação do Equador (1824), uma espécie de repeteco da Revolução Pernambucana; na Cabanagem (1835 a 1840), no Pará; na Balaiada (1838 a 1841), no Maranhão; na Sabinada (1837 a 1838), na Bahia; na Guerra dos Farrapos (1835 a 1845), no Rio Grande do Sul e Santa Catarina; e na Revolta dos Malês (1835), uma rebelião de escravos muçulmanos em Salvador. Durante a República, pela revolta de Canudos, pelo movimento tenentista e, principalmente pela Revolução de 1930. O golpe militar de 1964 também teve elementos de esgarçamento das relações entre os estados e União, mas a influência da Guerra Fria e da radicalização política dela decorrente fizeram toda diferença.
Talvez a grande singularidade de hoje, em relação às situações anteriores, seja o fato de que o atual pacto federativo não se baseia apenas na relação entre a União e as oligarquias regionais, embora essa característica também dela faça parte. Na Constituinte de 1987, houve um pacto do Estado com sociedade em bases democráticas. O poder dos governadores acabou mitigado pela emancipação dos municípios, que passaram a ser considerados entes federados. Em contrapartida, o poder centralizador da União se manteve como herança do regime militar. Vem daí um desequilíbrio na relação entre os entes federados que foi exacerbado durante os governos Lula e Dilma. Como? Via desonerações fiscais (principalmente dos tributos compartilhados) e transferência seletiva de recursos para estados e municípios controlados pelos petistas e seus aliados.
Descompressão
O impeachment da presidente Dilma Rousseff funcionou como uma espécie de válvula de descompressão nessa relação com os governadores, que agora buscam jogar nas costas da União toda a responsabilidade pela crise fiscal. Tentam se aproveitar da fraqueza do governo Temer, numa hora em que o equilíbrio das contas públicas é o único caminho viável para o controle da inflação e a retomada do crescimento. Dos nove estados com folha salarial acima do limite estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal, apenas três realmente estão em situação de calamidade: Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Estão sem condições de pagar servidores e aposentados. Mato Grosso do Sul, Paraíba, Goiás, Paraná, Roraima e o Distrito Federal ainda podem segurar a onda se voltarem atrás na farra dos aumentos salariais.
Os demais estados apresentam situação fiscal sob controle, mas também tentam tirar vantagem da negociação do governo federal com os estados quebrados, principalmente a negociação com o Rio de Janeiro.Vários estados ingressaram com ações no Supremo Tribunal Federal (STF), que deu um prazo de 60 dias para que o governo federal chegasse a um acordo com os governadores que mitigasse os efeitos da crise sobre as finanças estaduais. O acordo foi feito e o Congresso aprovou uma lei dando um prazo de mais 20 anos para que os Estados quitassem a dívida que já tinha sido renegociada pela União, suspendendo o pagamento das parcelas mensais até o fim de 2016. O pagamento das prestações será retomado neste mês, com elevação gradual de 5,26 pontos percentuais até 2018. Foram ampliados também os prazos de créditos dos estados com o BNDES. O acordo vale R$ 26 bilhões (R$ 20 bilhões com o Tesouro e R$ 6 bilhões com o BNDES). Quem pagará essa conta? Todos nós!
Fonte: blogs.correiobraziliense.com.br/azedo