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Luiz Carlos Azedo: A pinguela de ouro

No futuro, historiadores e cientistas políticos terão que explicar a submissão dos nossos reformadores progressistas à velha cultura ibérica, na qual entrincheiraram suas próprias ideias

É do ex-senador Marco Maciel uma das ironias mais finas do nosso folclore político recente: “O problema é que as consequências vêm depois”. É sob medida para a reforma política recém-aprovada pelo Congresso, que terá grande impacto no nosso sistema político e partidário. Por quê? Primeiro, porque cria condições muito favoráveis para que os caciques políticos e partidos enrolados na Operação Lava-Jato sobrevivam a eventual tsunami eleitoral em 2018, tamanha a “disparidade de armas” que terão a seu favor, em termos de financiamento de campanha e tempo de propaganda de tevê e rádio. Segundo, porque possibilita que esses partidos — principalmente o PMDB — canibalizem os demais, salvando os deputados eleitos das legendas barradas no baile.

O surgimento de uma alternativa renovadora dos costumes políticos e reformista da economia no centro democrático se tornou muito mais difícil, embora não seja uma engenharia impossível, à margem do atual sistema de poder. Na verdade, o aperfeiçoamento da democracia brasileira, que alguns consideram ameaçada por uma “ditadura do Judiciário” ou sob tutela militar, está sendo bloqueado, apesar do clamor por mais ética na política. No futuro, historiadores e cientistas políticos terão que explicar a submissão dos nossos reformadores progressistas à velha cultura ibérica, na qual entrincheiraram suas próprias ideias, em razão da experiência vivida de resistência pacífica à ditadura. Percebem o impacto causado pela globalização e pela revolução tecnológica, mas não conseguem traduzi-lo em novas práticas políticas.

Enquanto isso, o velho patriarcado descrito por Gilberto Freyre, em Casa grande & senzala, está vivíssimo. O jovem ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, que nesta semana revelou o desejo de privatizar a Petrobras, por exemplo, é herdeiro direto do capitão português Valério Coelho Rodrigues, pioneiro do sertão pernambucano que obteve uma grande fazenda da Casa da Torre por volta de 1745, na região dos atuais municípios de Afrânio, Dormentes, Petrolina, Lagoa Grande e Santa Maria da Boa Vista.

O relator da denúncia contra o presidente Michel Temer na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara é Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), deputado federal desde 1979. Descendente por parte de pai do patriarca da Independência, José Bonifácio de Andrada e Silva, começou a carreira como oficial de gabinete no Ministério da Agricultura do governo Dutra. Passou por vários partidos (UDN, Arena, PSD, PTB) antes de se filiar ao PSDB. Na linha de frente da tropa de choque do Palácio do Planalto, mantém ainda hoje o protagonismo da mais tradicional família de políticos mineiros.

Conciliação
Se o patrimonialismo é uma das faces do nosso iberismo, a outra é a velha “política de conciliação” que uniu liberais (“luzias”) e conservadores (“saquaremas”) no Império, a partir do gabinete de Marques do Paraná (1853), o mineiro Honório Hermeto Carneiro Leão. Seu objetivo era conciliar as ações políticas dos dois partidos do Império, o Conservador e o Liberal, em torno de interesses comuns; no caso, a manutenção da escravidão, que somente foi abolida em 1888. Para o notável historiador Capistrano de Abreu, a política de conciliação era um “termo honesto e decente para qualificar a prostituição política de uma época.”

Mas essa não era a ilustre opinião de Joaquim Nabuco. Conservador e monarquista, o político e diplomata pernambucano escreveu duas obras monumentais: O abolicionismo (1883), fruto de suas pesquisas no British Museum, de Londres, cuja famosa biblioteca também era frequentada por Karl Marx (autor de O capital), e os três volumes de Um estadista no Império (1897-1899), dedicada ao seu pai, o conselheiro Nabuco de Araújo, autor de um dos mais célebres discursos da história do Senado: “A ponte de ouro”, no qual se coloca em oposição aos liberais na província de Pernambuco, mas aceita participar do gabinete de maioria liberal de Paraná por lealdade ao imperador Dom Pedro II.

Em suas memórias, o abolicionista Nabuco justifica assim seu apoio à monarquia e à “política de conciliação”: “O reformador em geral detém-se diante do obstáculo; dá longas voltas para não atropelar nenhum direito; respeita, como relíquias do passado, tudo que não é indispensável alterar; inspira-se na ideia de identidade, de permanência; tem, no fundo, a superstição chinesa — que não se deve deitar abaixo um velho edifício, porque os espíritos enterrados debaixo dele perseguirão o demolidor até a morte”.

É mais ou menos o que está acontecendo com a política brasileira, prisioneira de suas velhas contradições, como se nosso patrimonialismo fosse realmente uma fatalidade. Na travessia de pinguela que nos levará às eleições de 2018, arrastarmos as correntes do passado como almas penadas.

 


Rogério Furquim Werneck: A Lava-Jato e as perspectivas da economia

A 12 meses das eleições e enfraquecido, governo já não tem mais condições de assegurar o avanço da agenda de reformas

Quis o destino que, numa mesma semana de setembro, viessem a público o devastador depoimento de Palocci, sobre Lula, e a nova e desgastante denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o presidente Temer e dois de seus ministros mais próximos. A coincidência permitiu entrever quão complexos têm sido os efeitos da Lava-Jato e operações similares sobre a formação de expectativas acerca das perspectivas da economia.

A esmagadora maioria dos analistas políticos parece não ter dúvida de que, mais uma vez, o Planalto conseguirá bloquear, na Câmara, a denúncia da PGR contra o presidente. Mas, mesmo sustada, a segunda denúncia terá custado muito caro ao Planalto. Temer vem tendo de lidar com uma bancada governista cada vez mais voraz, empenhada em extrair o que pode de um governo patentemente fragilizado, seja por meio de novos esquemas de pilhagem do Erário, seja pela ampliação do seu controle sobre cargos-chave da administração federal.

Basta ter em mente, por exemplo, o novo e indefensável programa de refinanciamento de dívidas fiscais, cuja aprovação avança à revelia das autoridades fazendárias, ou os pleitos da bancada ruralista quanto a dívidas do Funrural. Ou, ainda, a agressividade com que o centrão vem pressionando o Planalto para que o atual ministro da Secretaria de Governo, responsável pela articulação do Executivo com o Congresso, seja substituído por um dos seus.

Por mais seguro que pareça estar sobre sua capacidade de bloquear a segunda denúncia na Câmara, o Planalto não parece disposto a correr riscos. Inclusive para se precaver contra novas delações. Só na terça-feira feira passada, o presidente Temer recebeu em palácio nada menos que meia centena de deputados federais.

A 12 meses das eleições e enfraquecido como está, o governo já não tem mais condições de assegurar o avanço da agenda de reformas fiscais no Congresso. A reforma da Previdência parece fadada a ser deixada para o próximo mandato presidencial. E o que de melhor se pode esperar, a esta altura, é que as contas públicas não se deteriorem ainda mais, na esteira da fragilização do Planalto.

Visto por este ângulo, haveria razões de sobra para que os mercados financeiros se tornassem mais pessimistas acerca das perspectivas da economia. Mas o que se viu nas últimas semanas foi o oposto. Os mercados ficaram mais otimistas.

É bem verdade que, fora do problemático quadro fiscal, as notícias no front estritamente econômico têm sido muito boas. Basta ter em conta, além da persistência de um ambiente externo favorável, o extraordinário sucesso do Banco Central no combate à inflação, a rápida redução das taxas de juros e a percepção de que a recuperação da economia poderá ser bem mais vigorosa do que se esperava.

Mas tudo indica que, por si sós, essas boas notícias não teriam sido suficientes para sustentar a onda de otimismo das últimas semanas, se a incerteza sobre o desfecho das eleições de 2018 ainda estivesse tão alta como estava há poucos meses.

O que parece ter feito enorme diferença foi a súbita e substancial redução desta incerteza, em decorrência de outro efeito importante do avanço das operações de combate à corrupção. O pessimismo quanto às possibilidades da política fiscal, no que resta do governo Temer, foi amplamente compensado pelo relativo otimismo que adveio da reavaliação das perspectivas da candidatura de Lula à Presidência em 2018, após o devastador testemunho do ex-ministro Antonio Palocci.

A incerteza sobre o desfecho da eleição presidencial continua alta. Ainda há muita água para correr debaixo da ponte. Mas a probabilidade de que, afinal, seja eleito um presidente comprometido com a continuidade do esforço de ajuste fiscal tornou-se bem maior do que parecia ser em meados deste ano. E maior ainda se tornará se a recuperação da economia for de fato tão vigorosa como promete.

É a isso que os mercados agora se agarram, ao arrepio do que ainda sugerem as pesquisas de intenção de voto.

* Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio


Luiz Carlos Azedo: Ficha Limpa retroage

A decisão pode promover um expurgo na política, alijando da disputa eleitoral não somente muitos prefeitos e vereadores eleitos nas últimas eleições, mas também candidatos às eleições de 2018

O alcance da Lei da Ficha Limpa foi ampliado ontem pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que decidiu estender a aplicação da medida aos políticos condenados por abuso de poder em campanhas eleitorais antes de 2010, quando a lei entrou em vigor, por 6 votos a 5. Esse efeito retroativo é consequência do fato de a Corte ter ampliado de 3 para 8 anos o período de inelegibilidade dos políticos, o que alcança vários prefeitos eleitos em 2014, que agora correm o risco de terem os mandatos cassados pela Justiça Eleitoral. Prevaleceu o voto do ministro Luiz Fux, que classificou a decisão como uma “condição de moralidade”.

Edson Fachin. Luís Barroso, Rosa Weber e a presidente do Supremo, Cármen Lúcia, votaram a favor da medida, contra os votos de Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello. Na próxima quinta-feira, porém, será discutida a aplicação da pena aos prefeitos eleitos em 2010 que haviam sido condenados e cumpriram a pena de três anos de inelegibilidade. Para alguns ministros, eles não poderão ser cassados, já que cumpriam os requisitos exigidos à época da candidatura. Segundo Fux, a ausência de condenação (ficha limpa) é um dos requisitos para registro de candidatura.

Foi mais uma situação na qual o ministro-relator foi derrotado pelos colegas, no caso o ministro Ricardo Lewandowski. O julgamento começou em 2015, mas havia sido interrompido por um pedido de vista. A decisão tem repercussão geral, embora tenha sido proferida por causa de um candidato a vereador de Nova Soure (BA) nas eleições de 2012, que recorreu contra a rejeição de seu registro de candidatura.

Ele fora condenado por abuso de poder econômico e compra de votos em 2004 e cumpriu o prazo de três anos de inelegibilidade. Em 2008, o candidato concorreu novamente ao cargo, foi eleito e exerceu o mandato, mas em 2012, teve a candidatura negada com base no novo prazo de oito anos de inelegibilidade da Ficha Limpa.

A decisão pode promover um verdadeiro expurgo na política brasileira, alijando da disputa eleitoral não somente muitos prefeitos e vereadores eleitos nas últimas eleições, mas também possíveis candidatos às eleições de 2018, que acreditavam ter se livrado da ficha suja. No pleito passado, para a Câmara, já foi visível o impacto da nova legislação, com a eleição de jovens parentes de políticos que estavam impedidos de disputar eleições. Há expectativas que esse impacto seja ainda maior nas eleições de 2018. Somam-se a isso os processos da Operação Lava-Jato, já que muitos políticos estão sendo investigados porque seus nomes aparecem nas listas de doação do caixa dois da Odebrecht e da JBS. Há também dezenas de processos por abuso de poder nas eleições de 2016 que ainda estão em curso.

Coligações

A Emenda Constitucional que cria uma cláusula de desempenho, a partir de 2018, para as legendas terem acesso ao Fundo Partidário e ao tempo gratuito de rádio e TV foi promulgada ontem pelo presidente do Congresso, senador Eunício de Oliveira (PMDB-CE). Terá um impacto no sistema partidário que está sendo subestimado. Deve reduzir o número de partidos significativamente, provocando fusões e incorporações, antes e depois das próximas eleições, porque prevê o fim das coligações proporcionais a partir das eleições de 2020. A emenda teve origem no Senado, onde foi aprovada em 2016. Como sofreu mudanças na Câmara, o texto precisou ser aprovado novamente pelos senadores, o que ocorreu na terça-feira, numa sessão que durou 30 minutos.

Nas eleições de 2018, os partidos terão de obter, nas eleições para deputado federal, pelo menos 1,5% dos votos válidos, distribuídos em, no mínimo, um terço das unidades da federação, com ao menos 1% dos votos válidos em cada uma delas; ou ter eleito pelo menos nove deputados, distribuídos em, no mínimo, um terço das unidades da Federação. Em 2022, para a Câmara, pelo menos 2% dos votos válidos, distribuídos em, no mínimo, um terço das unidades da Federação, com ao menos 1% dos votos válidos em cada uma delas; ou ter eleito pelo menos 11 deputados, distribuídos em, no mínimo, um terço das unidades da Federação.

Em 2026, os partidos precisarão de pelo menos 2,5% dos votos válidos, distribuídos em, no mínimo, um terço das unidades da Federação, com ao menos 1,5% dos votos válidos em cada uma delas; ou ter eleito pelo menos 13 deputados, distribuídos em, no mínimo, um terço das unidades da Federação; e finalmente, em 2030, pelo menos 3% dos votos válidos, distribuídos em, no mínimo, um terço das unidades da Federação, com ao menos 2% dos votos válidos em cada uma delas; ou ter eleito pelo menos 15 deputados, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação. Todos terão que alcançar esse objetivo sem coligações.

 


Merval Pereira: Choque de visões 

Não cabe ao Senado desacatar uma decisão do STF. O caso do senador tucano Aécio Neves, que coloca em xeque uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) e ameaça o país com uma crise institucional grave, é consequência de um embate que vem se desenvolvendo desde o julgamento do mensalão em 2011, às vezes sub-reptício, às vezes escancarado.

Naquela ocasião, vários políticos do governo em exercício e empresários foram condenados e presos, fato raro na História do país que deu início a um novo paradigma de interpretação da legislação penal e da própria Constituição.

Essa disputa de interpretações tem levado o Congresso a diversas tentativas de legislar em causa própria, para refrear o ímpeto dos investigadores, especialmente os procuradores de Curitiba — berço da Operação Lava-Jato, que se espalhou por vários pontos do país encontrando eco generalizado no Ministério Público e em juízes como Sergio Moro, de Curitiba, o juiz natural do caso, Marcelo Bretas, do Rio, ou Vallisney de Souza, de Brasília.

O Brasil vive uma disputa entre os que querem usar a lei para punir as ilegalidades que ocorrem há anos — e nos levaram à situação de degradação político-social em que nos encontramos —, e os que, a pretexto de defender o estado de direito, acabam, com a interpretação restrita da lei, alimentando a percepção da sociedade de que a impunidade é a marca da Justiça brasileira.

A legislação basicamente é a mesma, o que está mudando é sua interpretação. O falecido ministro do Supremo Carlos Alberto Direito cunhou a expressão “jurisprudência evolutiva”, que explica o que está acontecendo: para os tempos atuais, já não servem mais os critérios adotados até então, que, aliás, nos levaram aonde estamos. Uma marca registrada do sistema jurídico nacional era a possibilidade de escapar de uma punição com os vários recursos existentes.

A decisão recente do STF de permitir a prisão depois de uma condenação em segunda instância trouxe um ar renovador para um ambiente jurídico envelhecido, e não é por acaso que já existem dentro do próprio STF movimentos para reverter essa decisão, que tem sido fundamental para barrar a impunidade e, por isso mesmo, incomoda os que não eram expostos à ação da Justiça e agora temem simplesmente ir para a cadeia, situação inimaginável anteriormente.

A prisão preventiva também passou a ser utilizada para impedir a ação do condenado de obstrução da Justiça, especialmente quando ele é poderoso, pelo cargo que exerce ou pela situação social. Desde o mensalão, a interpretação da lei passou a ser feita com o objetivo de punir, e não mais de ser benevolente com os que tinham poder, dinheiro, ou capacidade de influência.

A partir da Lava-Jato, essa situação foi exacerbada, e agora vão para prisão o político, o empresário, o ex-ministro e quem mais tiver de ir. Os antes beneficiados estão revoltados, porque nunca estiveram ao alcance desse tipo de ação na Justiça. Não foi outra a intenção dos que, no Congresso, queriam punir o chamado “crime de hermenêutica”, ou seja, a possibilidade de criminalizar a interpretação que um juiz dê a determinado fato do processo.

No caso dos parlamentares, por exemplo, a interpretação usual da norma constitucional era que só se podia prendê-los em flagrante por crime inafiançável. E, por isso, nunca acontecia nada. O sociólogo e jurista alemão Niklas Luhmann, um dos maiores intérpretes das teorias sociais do século XX, considerava que, para ser efetiva, qualquer medida dependia de três fatores: a tomada de decisão, a implementação dessa decisão e a consequente paz social que ela geraria.

É o caso atual, uma decisão da Primeira Turma do Supremo que corrobora uma anterior, do relator da Lava-Jato, Edson Fachin, derrubada por uma medida monocrática do ministro Marco Aurélio Mello. Como a Constituição trata de prisão de parlamentares, mas não garante a eles a impunidade, a decisão não fere a Constituição, pois a punição dada ao senador foi uma pena alternativa à prisão, que consta como do novo Código de Processo Penal.

Não cabe ao Senado desacatar uma decisão do Supremo, mesmo que alguns ministros do próprio STF, estranhamente, venham a público defender que a decisão majoritária da Primeira Turma deve ser contestada como inconstitucional.

E a paz social só será alcançada se a sociedade passar a acreditar que a lei é para todos.

 

 


Luiz Carlos Azedo: Não há anjos na política

O caso Aécio Neves, ao pôr em xeque a relação entre os poderes, é um embate entre a tradição ibérica de nossa política e a tendência americanista da nova magistratura

“Se os homens fossem anjos, não seria necessário haver governos”, resumiu um dos fundadores da democracia americana (Madison, O Federalista nº 51), ao se referir aos políticos de um modo geral. A citação é oportuna porque estamos diante de um contencioso entre duas vetustas instituições da União, o Supremo Tribunal Federal e o Senado, ambas herdadas do Império (Constituição de 1824) e não uma criação republicana. Quarto presidente norte-americano, James Madison teve um papel fundamental na elaboração da Constituição e da Declaração de Direitos dos Estados Unidos, com Alexandre Hamilton e John Jay, nos ensaios de O federalista, clássico da ciência política.

Madison dedicou especial atenção à necessidade de controlar os detentores do poder, porque os homens não são governados por anjos, mas por outros homens: “Ao constituir-se um governo — integrado por homens que terão autoridade sobre outros homens —, a grande dificuldade em que se deve habilitar primeiro o governante a controlar o governado e, depois, obrigá-lo a controlar-se a si mesmo”. Para eles, as estruturas governamentais devem funcionar de maneira a evitar que o poder se torne arbitrário e tirânico. “Não se pode negar que o poder é, por natureza, usurpador e que precisa ser eficazmente contido, a fim de que não ultrapasse os limites que lhe foram fixados” (O Federalista, nº 48).

O caso do afastamento do mandato e recolhimento noturno do senador Aécio Neves (PSDB-MG), entre outras medidas cautelares decididas por três dos cinco ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux), transcende tudo o que já houve até agora em termos de “judicialização” da política, inclusive a prisão do então senador Delcídio do Amaral (MS), ex-líder do governo Dilma Rousseff, por obstrução da Justiça. “Estamos diante de uma crise institucional, mas será suplantada porque nossa democracia veio para ficar”, adverte o ministro Marco Aurélio, relator do caso, que votou contra o afastamento, sendo acompanhado apenas pelo ministro Alexandre Moraes.

Ontem, por 43 votos a 8, o Senado evitou o agravamento do impasse, adiando para a próxima semana a votação sobre a decisão do Supremo. Os senadores decidirão se acatam ou derrubam a ordem da Primeira Turma. A votação estava prevista, mas não houve o quórum desejado pelo líder do PSDB, senador Paulo Bauer (SC). Apenas 47 dos 81 senadores estavam presentes. A turma do deixa disso tenta empurrar o caso com a barriga, com a esperança de que o plenário do Supremo reveja a polêmica decisão, que dividiu a Corte. Avaliam que a rejeição pode provocar uma decisão ainda mais drástica do Supremo, elevando a tensão entre os dois poderes.

Americanismo

A famosa teoria da separação dos poderes de Montesquieu se baseava na experiência de “governo misto” da Inglaterra, no qual a realeza, a nobreza e o povo são obrigados a cooperar em regime de liberdade, com a divisão em três funções básicas: a legislativa, a executiva e a judiciária. Nos Estados Unidos, a ideia de um “governo misto” estava descartada pela própria Independência, o que gerou um impasse entre os constituintes, ainda mais porque uma parte da elite política local era aristocrática e escravocrata, como o próprio Madison. O que estava em questão era como garantir a liberdade do povo, refreando as ambições e interesses dos mais poderosos. Na monarquia, as maiores ameaças à liberdade partiam do Executivo; mas nos regimes republicanos, o poder se desequilibrava em favor do Legislativo.

A solução encontrada pelos federalistas foi criar um regime bicameral, no qual o Senado funcionaria como uma espécie de poder moderador das ambições da Câmara. Ao mesmo tempo, reforçou-se o Judiciário, o mais fraco entre os poderes, porque destituído de iniciativa política, garantindo-lhe autonomia e atribuindo à Suprema Corte a interpretação final sobre o significado da Constituição. No Brasil, porém, esse papel de poder moderador somente passou a ser exercido pelo Supremo após a Constituição de 1988. Até então, desde a proclamação da República, foi anulado pelo Executivo ou usurpado pelos militares, com exceção de breves momentos de predomínio do Legislativo, como nas Constituintes de 1945 e de 1987 e nos 17 meses de regime parlamentarista do governo Jango (1961-1962).

O caso Aécio Neves, ao pôr em xeque a relação entre os poderes, é um embate entre a tradição ibérica de nossa política (da qual faz parte o patrimonialismo das oligarquias) e a tendência americanista da nova magistratura, predominante, por exemplo, no modelo de delação premiada (de 80% a 95% dos crimes ocorridos nos Estados Unidos são solucionados pelo plea bargaining, no qual o Ministério Público preside a coleta de provas no inquérito policial e faz a acusação perante a Justiça). É uma verdadeira encruzilhada político-institucional, porque em matéria de interpretação da Constituição o nome já diz: Supremo.

 


Luiz Carlos Azedo: Homem ao mar

A decisão da Primeira Turma do STF, que afastou Aécio Neves (PSDB-MG) do Senado, provocou uma espécie de efeito Orloff entre os senadores:“Eu sou você amanhã”

O Palácio do Planalto organiza uma operação de salvamento do senador Aécio Neves (PSDB-MG), afastado do mandato por polêmica decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal. A cúpula do Senado reagiu à decisão, tomada por três votos a dois, como a tripulação de uma embarcação que tenta salvar um marinheiro que caiu no mar em meio à tempestade. Há três tipos de manobras possíveis, todas precisam guinar o barco para o bordo da queda, fazê-lo voltar ao local do acidente e posicioná-lo à barlavento, de modo a proteger o náufrago das ondas com o próprio casco. É o que o Senado provavelmente fará, com o apoio do Palácio do Planalto, o que aumentará a tensão entre os poderes da República.

PMDB e PT também se mobilizaram para salvar Aécio, mais até do que o próprio PSDB, que está dividido entre os aliados do senador mineiro — presidente afastado da legenda — e os liderados pelo presidente interino, senador Tasso Jereissati (CE). O principal gesto de solidariedade a Aécio veio do presidente Michel Temer, que se reuniu com o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), para articular a rejeição da decisão da Primeira Turma do Supremo pelo plenário da Casa.

Há duas grandes motivações para isso: primeiro, Aécio é o principal aliado de Temer no PSDB e teve um papel fundamental na rejeição da primeira denúncia do então procurador-geral, Rodrigo Janot, contra o presidente da República pela Câmara e, ao retribuir o gesto, com seu apoio, Temer consolida o respaldo da ala governista do PSDB à rejeição da segunda denúncia pela Câmara. Segundo, como a maioria dos senadores do PMDB e do PT está enrolada na Operação Lava-Jato, a decisão da Primeira Turma do STF provocou uma espécie de efeito Orloff (“eu sou você amanhã”) no Senado, pois outros parlamentares podem sofrer o mesmo tipo de punição quando seus processos forem a julgamento.

A decisão da Primeira Turma realmente é polêmica, até mesmo no Supremo. Os ministros do STF Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux votaram a favor do afastamento de Aécio, que também teve que entregar o passaporte, está proibido de viajar para fora do país e não pode sair de casa à noite. Ontem, o ministro Marco Aurélio Mello, relator do caso, que votou contra o afastamento — como o ministro Alexandre Moraes —, defendeu a tese de que o Senado pode rever a decisão: “Eu sustentei, sem incitar o Senado à rebeldia, na minha decisão, que, como o Senado pode rever uma prisão determinada pelo Supremo, ele pode rever uma medida acauteladora”.

A Constituição determina que, nos casos de prisão em flagrante de senadores, por exemplo, o Senado deve, num prazo de 24 horas, autorizar ou não a manutenção da detenção, mas não prevê uma situação como a de agora, ou seja, o recolhimento domiciliar, que é uma “medida cautelar” prevista no Código Penal. Barroso, que liderou a derrubada do voto de Marco Aurélio, rechaçou a possibilidade de revisão da decisão: “O que a Primeira Turma fez foi restabelecer as medidas cautelares, inclusive a de afastamento que já havia sido estabelecida pelo ministro Fachin, acrescentando uma: que é a do recolhimento domiciliar no período noturno”, disse Barroso.

Manipulação

Aécio reagiu à decisão com uma nota, na qual afirma que a medida foi “proferida por três dos cinco ministros da Primeira Turma do STF como uma condenação sem que processo judicial tenha sido aberto”. Disse que nem sequer foi considerado réu e que não teve direito à defesa. E desqualificou a acusação: “As gravações consideradas como prova pelos três ministros foram feitas de forma planejada a forjar uma situação criminosa. Os novos fatos vindos à tona comprovam a manipulação feita pelos delatores e confirmam que um apartamento da família colocado à venda foi oferecido a Joesley Batista para que o senador custeasse gastos de defesa. Usando dessa oportunidade, o delator ofereceu um empréstimo privado ao senador, sem envolver dinheiro público ou qualquer contrapartida, não incorrendo, assim, em propina ou outra ilicitude”, argumentou.

O líder da bancada do PSDB, Paulo Bauer (SC), já apresentou requerimento para que uma sessão extraordinária seja convocada com objetivo de deliberar sobre a questão. O presidente do Senado, Eunício de Oliveira (PMDB-CE), porém, aguardava comunicação oficial do STF, o que aconteceu na noite de ontem. “Primeiro, o Senado precisa ser notificado sobre o teor da decisão tomada pela Suprema Corte para saber de que forma vai agir. Se vai ou se não vai agir. Não sei qual o teor da decisão e tenho o hábito de dizer aqui que eu não falo sobre hipótese”, declarou.

 


Estado de S. Paulo: Atual legislatura é a mais 'infiel' dos últimos dez anos

Um de cada quatro deputados federais mudou de partido desde a eleição de 2014; migrações provocam brigas na base do governo

Elisa Clavery, Marianna Holanda e Daniel Bramatti, O Estado de S. Paulo 

O plenário que discute a reforma política na Câmara é o que vivenciou o maior número de trocas partidárias nos últimos dez anos. Desde janeiro de 2015, quando iniciou esta legislatura (2015-2019), até agora, um de cada quatro parlamentar mudou de partido. No total, foram 124 deputados “infiéis” e, destes, 31 mudaram mais de uma vez.

O “mercado de vagas” dos partidos escancarou nesta semana uma briga entre DEM e PMDB, com críticas do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), às iniciativas do partido do presidente Michel Temer em arrematar deputados que já estavam em negociação com a sua sigla (mais informações nesta página).

Segundo dados da Câmara, foram quase 400 trocas desde 2007, quando o Supremo Tribunal Federal determinou que os mandatos pertencem aos partidos, não a deputados e vereadores. Desde então, só dois deputados perderam o mandato por infidelidade partidária, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ambos eram do DEM. Walter Brito Neto (PB), em 2006, e Robson Rodovalho (DF) dois anos depois. Do total de trocas, 160 foram feitas desde o começo de 2015. E as mudanças devem se intensificar em março, quando está prevista a janela partidária, brecha para a troca sem o risco de perda do mandato.

Apesar de criticadas pelos próprios parlamentares, as propostas relativas à troca de siglas não avançaram nas discussões da reforma política. A supressão dos artigos que tratam de fidelidade partidária será, segundo a deputada Shéridan (PSDB-RR), um dos poucos consensos na votação do segundo turno de uma proposta de emenda à Constituição (PEC) da qual é relatora, prevista para ocorrer amanhã na Casa.

+++ ENTREVISTA: Para ex-ministro do TSE, cláusula de barreira pode diminuir mudanças

O relatório da deputada propõe estender a regra da fidelidade partidária para cargos majoritários e seus vices e prevê que o candidato eleito por um partido que não atingir a cláusula de barreira pode mudar de sigla. A cláusula de barreira impõe restrições à legenda que não alcançar determinado porcentual de votos. “Eu acho que não ficou como queríamos, mas podia ser pior. Foi a construção política que conseguimos”, afirmou Shéridan.

Para o cientista político da Arko Advice Murillo Aragão, o levantamento feito pelo Estado com base em informações da Câmara indica uma “indústria de partidos”. “Troca de partido não é necessariamente um problema, mas não pode ser abusivo. O mundo político desmoraliza os partidos ao permitir a criação de legendas sem orientação programática.”

Por outro lado, a professora de Ciência Política da Unicamp Andréia Freitas disse ver com naturalidade o aumento das mudanças. “Em momentos de crise, é normal que haja uma maior movimentação entre os partidos. Neste momento, a que estamos vivendo é a (Operação) Lava Jato. Os políticos estão calculando qual o melhor lugar para disputar reeleição, estão se reposicionando.”

+++ Câmara recua e fim das coligações valerá somente para 2020

Janela
Em março de 2016, quando ocorreu a primeira janela partidária, houve 94 trocas de partido. Por meio dela, o parlamentar não tem direito à “portabilidade” – levar tempo de TV e recursos do Fundo Partidário para a nova legenda. Pela regra, a troca durante o mandato, fora da janela, só é permitida se houver “justa causa” – discriminação política pessoal, mudança no programa partidário ou se o parlamentar quiser migrar para um partido recém-criado.

Inicialmente, o relatório de outra PEC sobre reforma política, de autoria do deputado Vicente Cândido (PT-SP), previa antecipar a janela para dezembro, mas, sem consenso, a data foi mantida em março.

Na avaliação do professor de Direito do Mackenzie Diogo Rais, a janela partidária “desrespeita o laço com a sociedade”. “É uma janela casuística. Não é isonômico, pois quem mudou de partido uma semana depois tem de responder por isso”, afirmou o professor.

Campeões
Com quatro trocas de legendas no currículo - três nos últimos dois anos-, o deputado Valtenir Pereira (MT) voltou para o PSB, em julho, legenda que estava em 2013. O parlamentar alega “ânsia em fazer o melhor para o povo” e “dificuldade de entrosamento político” em legendas antigas. "(Em 2013) Tinha um grupo no PSB que queria me detonar", justificou.

Deputados que mais trocaram de partidos nos últimos dez anos

Duas das trocas de Pereira foram para partidos recém-criados, o PROS, que o elegeu em 2014, e o PMB, em 2015. Em seguida, aproveitou a janela em março do ano passado para migrar para o PMDB, mas a volta para o PSB teve outra motivação. "Eu voltei para ser presidente estadual, isso me motivou a voltar para ‘casa’”, explica o parlamentar, que não está em exercício e alega “interesses pessoais”.

+++ Ponto da reforma pode barrar quem ainda não é político

Além de Pereira, dois deputados já mudaram quatro vezes nas últimas três legislaturas. Segundo dados da Câmara, Sérgio Brito (PSD-BA) passou pelo PDT, pelo PMDB e pelo PSC e, hoje, está no PSD. Brito alega que os partidos têm ideologias muito parecidas. "Se existisse uma grande discrepância do estatuto partidário, aí sim seria um problema", justificou. O parlamentar disse, ainda, que trocou de siglas por "questões regionais" e para ter maior chance de eleição. "Se você escolher o partido correto, você já tem 50% de chance de se eleger", explicou.

O deputado, entretanto, nega ter sido do PMDB e diz que "deve ter havido um equívoco da Câmara". O Diário da Casa guarda os registros de 2007: primeiro, quando ele notificou a mudança de sigla, em setembro, e um mês depois, quando pediu para atualizar seus dados partidários para o PDT. Apesar de apresentar documentos das “trocas” nas duas ocasiões, as legendas não chegaram a notificar o TSE, portanto, a mudança não foi oficializada.

Ele acredita que a janela partidária prevista para março "teria a maior troca partidária do Congresso" caso o fim das coligações fosse aprovado para 2018. "De 513 deputados, uns 300 iam mudar. Não tem outra saída, as pessoas querem se reeleger".

Já Silas Câmara (PRB-AM), vice-líder do partido na Casa, já foi do PTB, do PAN, do PSC e do PSD. No extinto PAN ficou cerca de um mês, porque o partido foi incorporado à sua legenda anterior. Silas foi um dos 40 anistiados pelo plenário da Câmara, quando o TSE fez a resolução que previa a punição por perda de mandato a “infieis partidários” - meses depois o STF chancelou a decisão do TSE. Procurado pelo Estado, o deputado não respondeu até a publicação desta reportagem.

+++ Em data-limite para reforma, Congresso prioriza fundo

A mudança de partido pode levar à perda do cargo se houver algum conflito, explica Rais. “Por exemplo, o partido originário pedir na Justiça o mandato do parlamentar. Isso gera um conflito e se discute se é caso de exceção”, explica.

Segundo o professor, o processo de infidelidade pode ser repressivo ou preventivo. No primeiro caso, o parlamentar sai do partido, que tem até 30 dias para pedir à Justiça Eleitoral sua vaga. "Se o partido não pedir, outras pessoas poderiam pedir, como o primeiro suplente ou o Ministério Público Eleitoral", explica Rais. Já numa situação preventiva, o deputado pode consultar seu partido antes da troca, para não ser surpreendido com a perda de mandato.


Ricardo Noblat: Mãos sujas

Sem maioria no Congresso nenhum presidente governa. Mas nenhum Congresso integrado por tantos pecadores como este é capaz de salvar-se sem um aliado na presidência

Destina-se a produzir espuma e mais nada a segunda denúncia por corrupção contra o presidente Michel Temer remetida, ontem, à Câmara dos Deputados pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Não que se trate de uma denúncia vazia. Não é. E assim o demonstrou fartamente o voto do ministro Luís Roberto Barroso, na linha do voto do relator do caso, o ministro Edson Fachin.

Haveria razões de sobra para que fosse aprovada na Câmara. Ao STF, depois, caberia examiná-la e decidir por seu acolhimento ou não. Uma vez acolhida, Temer responderia a processo.

Falta à Câmara, porém, sensatez, espírito público e compromisso com a busca da verdade. Sobra medo. Preferirá pela segunda vez a solução de deixar no poder um presidente sob suspeita.

O que seria pior? Permitir que a Justiça investigasse um presidente alvo de tão graves acusações? Ou condenar o país à incerteza sobre se permanecerá sendo governado por um criminoso ou inocente?

A escolha da Câmara já foi feita. Não haverá, ali, os 342 votos necessários para a aprovação da denúncia. Temer, de fato, é refém do Congresso. Mas o Congresso é também refém dele.

Sem uma larga maioria de votos no Congresso nenhum presidente governa. Mas nenhum Congresso integrado por tantos pecadores como este é capaz de salvar-se sem um aliado na presidência.

Um presidente pode muito – e mesmo sem apoio popular, Temer tem demonstrado que pode. Uma mão, portanto, lavará a outra. Ao fim e ao cabo, as duas continuarão sujas.

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O Globo: STF não vai barrar denúncia de Janot contra Temer

Ministros avaliam que encaminhamento de acusação é automático

Carolina Brígido | O Globo

O Supremo Tribunal Federal (STF) não vai barrar a denúncia contra o presidente Michel Temer, como quer a defesa. Na sessão de amanhã, os ministros devem autorizar o envio do documento para a Câmara dos Deputados, como prevê a Constituição. Se, em votação, dois terços dos deputados concordarem, o caso retorna para a Corte para julgamento. Na avaliação da maioria dos ministros, nessa primeira fase, o Supremo tem o dever de encaminhar, automaticamente, o caso para a Câmara, sem fazer juízo de valor sobre a denúncia ou as provas nas quais o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, se baseou. Pelo menos não neste momento.

Embora tenha conhecimento dessa tendência do tribunal, o relator do processo, ministro Edson Fachin, preferiu levar a questão de ordem apresentada pela defesa para o plenário do Supremo, em vez de decidir sozinho. Em junho, quando Temer foi denunciado pela primeira vez, por corrupção passiva, Fachin encaminhou o caso para a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, que enviou para o Congresso Nacional. Tudo ocorreu em poucos dias.

A segunda denúncia chegou ao STF na quinta-feira, mas Fachin quis que o plenário primeiro julgasse o pedido da defesa, para não dar margem a qualquer pedido de nulidade futuro. E, também, por cortesia aos colegas.

O FUTURO DAS PROVAS DA JBS
O governo já se movimenta para barrar, na Câmara, a segunda denúncia apresentada contra Temer, por obstrução de justiça e participação em organização criminosa. A primeira denúncia, por corrupção passiva, foi apresentada por Janot ao STF em junho. Por maioria, os deputados decidiram enterrar o caso. O inquérito continua aberto no tribunal, mas as investigações só poderão ser retomadas depois que ele deixar o cargo.

Se a Câmara autorizar as investigações, a denúncia será devolvida ao STF — que, somente então, vai analisar o mérito das provas elencadas por Janot contra o presidente. A defesa de Temer lembrou que parte dos elementos da denúncia foram retirados da delação da JBS. Como ainda não foi encerrada a investigação sobre os novos áudios dos delatores da JBS, que colocam em xeque a lisura da delação premiada dos executivos, as provas poderiam ser anuladas, diz a defesa. Por isso, o mais prudente seria suspender o processo até que essas investigações fossem concluídas.

A avaliação de ao menos dois ministros e de juízes auxiliares da Corte é crítica. Ouvidos pelo GLOBO, eles consideram que a peça é confusa e mistura, em uma mesma “salada”, a suposta organização criminosa do PMDB da Câmara com a atuação dos executivos da JBS — que, na avaliação deles, deveriam ser separadas em duas investigações diferentes.

Na avaliação de um ministro, o procurador-geral agiu de maneira apressada nas últimas denúncias que enviou ao STF, já ao fim do mandato, com o intuito de limpar sua gaveta e não deixar os principais casos com pendências para sua sucessora, Raquel Dodge, que tomou posse ontem. Na PGR, Dodge e Janot pertencem a grupos diferentes.

Nos bastidores, ministros já afirmaram que as provas poderiam ser usadas nas investigações — no entanto, com o acordo de delação rescindido, as provas já não teriam mais tanta força. Há também a possibilidade de pedido de vista no julgamento de amanhã. Se isso acontecer, não seria um problema, porque Fachin não depende necessariamente da decisão do plenário para enviar a denúncia para a Câmara.


O Estado de S. Paulo: Jungmann convoca comandante do Exército para ouvir explicações sobre fala de general

Pelo Regulamento Disciplinar do Exército, Mourão pode ser punido por dar declarações de cunho político, sem autorização de seu superior hierárquico

Tânia Monteiro | O Estado de S.Paulo

Diante da repercussão negativa das declarações do general da ativa Antonio Hamilton Martins Mourão que, na última sexta-feira, 15, em palestra, defendeu a possibilidade de intervenção militar, diante crise enfrentada pelo País, caso a situação não seja resolvida pelas próprias instituições, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, convocou o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, para pedir explicações em relação às declarações do militar, para "orientá-lo quanto às providências a serem tomadas".

Jungmann, em nota, no entanto, não explica que providências poderão ser tomadas. No fim de semana, ao tomar conhecimento do ocorrido, Jungmann relatou o fato ao presidente Michel Temer e avisou que deixou nas mãos do comandante a decisão sobre como conduzir o caso.

O general Villas Bôas, depois de ouvir as explicações do contexto da fala do general, que já protagonizou outro problema político em outubro de 2015, quando criticou o governo e a ex-presidente Dilma Rousseff, disse ao Estado que o problema estava "superado".

Pelo Regulamento Disciplinar do Exército, Mourão pode ser punido por dar declarações de cunho político, sem autorização de seu superior hierárquico. A decisão de tentar abafar o caso, no entanto, parece não ter agradado a Jungmann, que queria algum tipo de sinal de que esse tipo de declaração não pode ser tolerado.

O Exército, no entanto, está tentando contornar a situação, para evitar subir a temperatura e criar um problema ainda maior já que Mourão tem uma forte liderança na tropa. Além, de acordo com integrantes do Alto Comando, Mourão está exatamente seis meses de deixar o serviço ativo e é melhor não colocar lenha no fogo, criando um novo problema.

Em 2015, por conta das suas declarações, o general Mourão perdeu o Comando Militar do Sul e foi transferido para a Secretaria de Economia e Finanças, um cargo burocrático. Agora, diante da pressão política, Mourão pode ser retirado de sua função, como medida paliativa para que seu gesto não sirva de incentivo a outras manifestações.

Mas o assunto ainda está sendo objeto de discussão porque há quem entenda que puni-lo, de alguma forma, poderia levar a uma leva de solidariedade, criando um clima político considerado "desnecessário", neste momento, transformando a Força em vidraça.

A fala de Mourão, desagradou integrantes do Alto Comando que consideram que o pronunciamento "inoportuno" e que ele trouxe para os quartéis um problema que não é da classe militar, criando uma verdadeira "saia justa" para ele e para o comandante. Em nota, o ministro Raul Jungmann afirmou que "as Forças Armadas estão absolutamente subordinadas aos princípios constitucionais, à democracia, ao estado de direito e ao respeito aos Poderes constituídos". O ministro acrescenta ainda que "há um clima de absoluta tranquilidade e observância aos princípios de disciplina e hierarquia constitutivos das Forças Armadas, que são um ativo democrático de nosso País".

O comandante do Exército, general Villas Bôas, segundo a nota da Defesa, estava em tratamento em São Paulo, quando foi "convocado" pelo ministro Jungmann "para esclarecer dos fatos relativos a pronunciamento de membro do Alto Comando do Exército e orientá-lo quanto às providências a serem tomadas".

 

 


Luiz Carlos Azedo: A contradição principal

O Palácio do Planalto teme mesmo é uma eventual delação premiada do ex-ministro Geddel, que voltou a ser preso por causa do dinheiro que escondia

A nó da política brasileira é a contradição principal do governo Temer, que opõe uma equipe econômica capaz de tirar o país da recessão e apontar um horizonte de retomada gradual do crescimento, com inflação controlada e juros mais confortáveis, ao núcleo político no Palácio do Planalto, cada vez mais desmoralizado pelo envolvimento de seus principais integrantes na Operação Lava-Jato. Essa contradição se aprofundou ontem, com a segunda denúncia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra o presidente Michel Temer, desta vez pelos crimes de obstrução à Justiça e organização criminosa.

Dois ministros (Moreira Franco e Eliseu Padilha), dois ex-ministros (Geddel Vieira Lima e Henrique Eduardo Alves), dois ex-deputados (Eduardo Cunha e Rodrigo Rocha Loures), um empresário (Joesley Batista) e um executivo (Ricardo Saud) foram denunciados, acusados de arrecadarem mais de R$ 587 milhões em propina. Esses recursos teriam sido desviados da Petrobras, Furnas, Caixa Econômica Federal, Ministério da Integração Nacional, Ministério da Agricultura, Secretaria de Aviação Civil e Câmara dos Deputados.

O empresário Joesley Batista, um dos donos do grupo J&F, e o executivo Ricardo Saud, ambos delatores da Operação Lava-Jato, estão entre os denunciados, mas somente pelo crime de obstrução de Justiça. Ontem, Janot pediu a transformação da prisão temporária de ambos em prisão preventiva e foi atendido pelo ministro do STF Edson Fachin. Mas essa não é a grande preocupação. O Palácio do Planalto teme mesmo é uma eventual delação premiada do ex-ministro Geddel, que voltou a ser preso por causa do dinheiro que escondia num apartamento de um amigo em Salvador. Mais de R$ 51 milhões em malas e caixas repletas de notas de R$ 50 e R$ 100.

Janot lançou a segunda flecha contra Temer em seus últimos dias no cargo de procurador-geral. Sustenta que “diversos elementos de prova” apontam que o presidente tinha o “papel central” na suposta organização criminosa. A denúncia acusa Temer, Henrique Alves e Eduardo Cunha de serem os responsáveis pela obtenção de espaços para o grupo político junto ao governo do PT, graças à influência que detinham sobre a bancada do PMDB da Câmara. “Ao denunciado Michel Temer imputa-se também o crime de embaraço às investigações relativas ao crime de organização criminosa, em concurso com Joesley Batista e Ricardo Saud, por ter o atual presidente da República instigado os empresários a pagarem vantagens indevidas”, afirma.

Segundo a PGR, o esquema utilizou transferências bancárias internacionais, na maioria das vezes com o mascaramento em três ou mais níveis, em movimentações sucessivas com o objetivo de distanciar a origem dos valores; e a aquisição de instituição financeira, com sede no exterior, para tentar controlar e ludibriar normas de ética, conduta e boa governança em empresas (práticas da chamada compliance) e dificultar o trabalho dos investigadores.

“Ao denunciado Michel Temer imputa-se também o crime de embaraço às investigações relativas ao crime de organização criminosa, em concurso com Joesley Batista e Ricardo Saud, por ter o atual presidente da República instigado os empresários a pagarem vantagens indevidas a Lúcio Funaro (apontado como operador financeiro de políticos do PMDB) e Eduardo Cunha, com a finalidade de impedir estes últimos de firmarem acordo de colaboração”, acusa Janot.

No mesmo barco

No começo de seu governo, quando surgiram as primeiras denúncias contra os ministros Moreira Franco e Eliseu Padilha, o presidente Temer traçou uma espécie de círculo de giz para proteger a equipe: disse que as investigações não eram motivo para afastamento dos auxiliares, mas que não hesitaria em fazê-lo caso se tornassem réus. Acontece que o presidente da República também foi denunciado. E agora, se Edson Fachin, relator da Operação Lava-Jato no STF, acolher a denúncia, o que deve acontecer? Temer tem a blindagem constitucional, e a Câmara pode também não acolher a segunda denúncia e sustar as investigações até o fim do seu mandato, como aconteceu na primeira. Mas não tem como impedir que seus ministros virem réus.

A contradição entre uma política econômica exitosa e esse processo contínuo de desmoralização do governo não deve se resolver antes das eleições de 2018. Por mais que o Palácio do Planalto suba o tom contra Janot, esse argumento cairá por terra a partir da próxima semana, uma vez que a nova procuradora-geral, Raquel Dodge, assumirá o cargo na segunda-feira. Depois da decisão tomada pelo STF, que não acolheu a suspeição arguida por Temer contra Janot, será muito difícil dar um cavalo de pau nas investigações. Ou seja, a crise ética evoluirá para mais uma discussão na Câmara sobre a aceitação ou não da denúncia.


Luiz Carlos Azedo: Aposta na reforma

Temer tenta andar duas casas na frente da oposição, aproveitando a oportunidade criada pela escandalosa gravação da conversa entre Joesley Batista e Ricardo Saud

O presidente Michel Temer reuniu ontem, para um almoço, uma espécie de estado-maior das reformas política e da Previdência: os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e do Senado, Eunício de Oliveira (PMDB-CE); os ministros da Fazenda, Henrique Meirelles: da secretaria de Governo, Antônio Imbassahy; da Secretaria-Geral da Presidência, Moreira Franco; da Justiça, Torquato Jardim; e da Integração Nacional, Hélder Barbalho; além do deputado Heráclito Fortes (PSB-PI), que virou uma espécie de ministro sem pasta, como articulador de bastidores no Congresso.

Temer tenta andar duas casas na frente da oposição, aproveitando a oportunidade criada pela escandalosa gravação da conversa entre Joesley Batista e Ricardo Saud, sobre a atuação do ex-procurador Marcelo Miller nas negociações da delação premiada da JBS. O caso pôs na berlinda o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que tem apenas uma semana no cargo para fazer a tão anunciada segunda denúncia contra Temer, baseada na delação premiada do doleiro Lúcio Funaro. Janot corre o risco, porém, de ver a primeira denúncia, já rejeitada pela Câmara, ser anulada pelo Supremo Tribunal Federal (ST¨F), o que significará uma espécie de saída pela porta dos fundos da Procuradoria-Geral.

Janot pediu a prisão dos três protagonistas de sua desgraça: Joesley, Ricardo e Marcelo. Não havia outra saída, uma vez que, se não o fizesse, alimentaria as especulações de que tinha conhecimento das tratativas entre Marcelo e Joesley. Não bastou desovar, nessas últimas semanas, as denúncias que mantinha na gaveta, contra o PP, o PMDB, o PT e o PSDB. No próximo dia 18, a nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge, assumirá o cargo e dará um freio de arrumação na instituição, num momento crucial para a Lava-Jato. A velha guarda da PGR, que comemora a saída de Janot, jamais imaginaria uma situação como a atual. A preocupação agora é com o retrocesso que a trapalhada pode provocar nas relações entre o MP e os poderes da República, inclusive com a perda de vantagens e regalias.

Ofensiva

Para reagrupar sua base política no Congresso, fragilizada desde a primeira denúncia, Temer aposta na votação da reforma política e na aprovação da reforma da Previdência. Como se sabe, não houve votos suficientes para afastar o presidente da República, mas a operação para rejeitar a renúncia na Câmara desarrumou a base do governo. O Palácio do Planalto prometeu mundos e fundos para os parlamentares que garantiram o mandato de Temer, mas não entregou os cargos e as verbas que havia prometido. Temia-se, inclusive, que a segunda denúncia pudesse fomentar retaliações dos parlamentares insatisfeitos. Até as velhas desconfianças em relação à lealdade de Maia, o presidente da Câmara, estavam brotando nos jardins do Palácio do Jaburu, a residência de Temer.

Agora, mudou a correlação de forças. Parlamentares da base acuados pela Lava-Jato ganharam mais coragem para atacar Janot, as investigações e defender a inocência de Temer. A narrativa de que a Lava-Jato e as delações premiadas são uma excrescência jurídica ganharam vida nova a partir da conversa de Joesley e Saud, motivando um pedido de instalação de CPI contra a JBS. Além disso, a sensível mudança no ambiente econômico, com indicadores positivos de que a recessão acabou e o país lentamente está retomando o crescimento, encoraja os governistas a passarem à ofensiva. Temer voltou da China com o discurso afiado e não é à toa que o ministro da Fazenda foi chamado para o almoço de ontem.

O raciocínio é aquele mesmo da campanha eleitoral de Bill Clinton contra George Bush, que havia vencido a Guerra do Golfo, em 1991, e resgatado a autoestima dos americanos perdida após a derrota no Vietnã. Era o favorito absoluto nas eleições de 1992, ao enfrentar o então desconhecido governador de Arkansas, Bill Clinton. O marqueteiro de Clinton, James Carville, apostou que Bush não era invencível com o país em recessão e cunhou a frase que virou case de marketing eleitoral: “É a economia, estúpido!”. Mas esse tipo de análise não se aplica a uma economia que saiu da recessão, mas não recuperou ainda a capacidade de investimento e de geração de emprego necessárias para reverter a impopularidade do presidente da República, que é igual à de Dilma Rousseff à época da aprovação do impeachment.

Para reverter a impopularidade de Temer e tornar possível o surgimento de uma candidatura competitiva do Palácio do Planalto, a economia precisa crescer a taxa maiores. Isso não é possível com o atual deficit público, cuja meta foi aumentada de R$ 129 bilhões para R$ 159 bilhões. Para isso, é preciso aprovar a reforma política, blindando os grandes partidos e seus caciques com vantagens estratégicas que impeçam um desastre eleitoral, e a reforma da Previdência, que, tanto vai reduzir o deficit sem cortes ainda mais drásticos no Orçamento da União, quanto sinalizar aos investidores que o rumo de modernização da economia traçado por Temer foi consolidado. O problema é que essa insegurança dos investidores decorre também do cenário que está sendo armado para as eleições de 2018 e não apenas dos tropeços do governo Temer até aqui.