comunicação
Nas entrelinhas: No meio do caminho tem um Janones
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
O presidente Jair Bolsonaro vive o rescaldo da grande convenção de domingo que oficializou sua candidatura. Seu discurso no Maracanãzinho mirou aquilo que as pesquisas estão mostrando e seus marqueteiros também: (1) precisa do voto das mulheres, daí o discurso de Michelle, a primeira-dama, na convenção, dirigido ao mundo evangélico para chegar ao eleitorado feminino; (2) está em franca desvantagem junto à população de mais baixa renda, em que o ex-presidente Lula nada de braçadas, situação que tenta reverter prometendo manter o Auxílio Brasil no valor de R$ 600 após as eleições (apesar de a equipe econômica só conseguir garantir R$ 400 remanejando o Orçamento da União de 2023); e (3) sonha com os votos de classe média que recebeu em 2018 e está perdendo, por causa de seu radicalismo, principalmente nos estados do Sudeste. Jovens e o Nordeste são batalhas perdidas.
Acontece que Bolsonaro não se aguenta e fala o que realmente pensa, não o que as pesquisas qualitativas da equipe de campanha estão mostrando: na convenção, fugindo ao script, partiu novamente para cima do Supremo Tribunal Federal (STF) e das urnas eletrônicas, o que é um tiro no pé, porque reforça a imagem de candidato perdedor e a ideia de que prepara um golpe de Estado, ainda mais depois de ter feito uma nova convocação para mais uma manifestação contra o Supremo no 7 de Setembro.
O Dia da Independência pode ser um Rubicão. É aí que o papel do candidato a vice, general Braga Netto, precisa ser observado com atenção. Além de ser o responsável pelo programa de governo, que promete entregar nas próximas semanas, ascendeu à condição de articulador da campanha e está viajando aos estados. O ex-ministro da Defesa transita muito bem no universo de apoiadores de Bolsonaro, não esconde sua afinidade com as teses golpistas e é o mais preparado para cuidar, com outros militares, da mobilização da militância de campanha. Como todos sabem, Bolsonaro tem uma milícia política armada.
Ciro Gomes (PDT), Simone Tebet (cuja candidatura sofre um ataque da ala lulista do MDB, às vésperas da convenção para homologar seu nome) e André Janones (Avante), juntos, somam de 12% a 13%, o suficiente para levar a eleição ao segundo turno e manter Bolsonaro dois dígitos distante de Lula, caso a polarização entre ambos se mantenha. Mesmo que esse quadro não se altere a favor de uma terceira via, são candidaturas que têm um papel a cumprir no debate político e na negociação do segundo turno, porque forçariam um entendimento em direção ao centro. Entretanto, temos uma eleição com forte tendência de polarização, com 70% do eleitorado supostamente já definido, que pode registrar o voto útil tanto em favor de Bolsonaro como de Lula na reta final do primeiro turno.
Esse é um tipo de aposta incorporada à narrativa da frente de esquerda que apoia Lula, para vencer no primeiro turno, alimentada pelos arreganhos autoritários de Bolsonaro e da extrema direita que o apoia. Mas não existe eleição decidida de véspera, os 45 dias de campanha de rádio e televisão tanto podem abduzir completamente os candidatos de terceira via como provocar o contrário, com um dos três postulantes à terceira via se beneficiando do aumento da rejeição aos dois candidatos, em razão da pancadaria entre Lula e Bolsonaro.
David contra Golias
A candidatura do deputado André Janones à Presidência da República foi oficializada no sábado. A convenção foi em Belo Horizonte, com o grande Teatro do Minascentro lotado. Advogado, filho de uma empregada doméstica, Janones é um fenômeno das redes sociais, seu primeiro emprego foi como cobrador de ônibus. Nas pesquisas divulgadas ontem, figurava com 2% de intenções de votos; vem sendo assim, teimosamente. Ele é um fenômeno da antipolítica: em 2016, quando se candidatou à Prefeitura de Ituiutaba pelo PSC, perdeu; em 2018, surfou a greve dos caminhoneiros e foi o terceiro mais votado nas eleições para deputado federal em Minas. Disputa pela primeira vez a Presidência da República, é um David contra Golias.
Janones é uma pedra no caminho do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, porque a resiliência de seus eleitores pode inviabilizar uma vitória do petista no primeiro turno, somada aos votos de Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB). O candidato do Avante tem seu discurso na ponta da língua: “Só de eu poder dizer que nós temos de fato um projeto para o país, para mim, já fez tudo valer a pena. Hoje, nós temos um projeto que contempla todas as áreas: saúde, segurança, educação, agro… Todas as áreas e todos com a mesma mensagem, com o mesmo objetivo: a diminuição da desigualdade social no nosso país, a diminuição da distância entre os mais ricos e os mais pobres”, explica.
O deputado mineiro defende um programa de combate à pobreza, financiado por uma reforma tributária, para taxar lucros e dividendos, e criar um imposto sobre grandes fortunas, rever os atuais incentivos fiscais, sem sacrificar a classe média com mais tributação. Na convenção, André Janones defendeu a democracia; em entrevistas, já disse que não apoiará Bolsonaro, no segundo turno. O Avante tem oito deputados federais, 16 deputados estaduais, 82 prefeitos e 1.074 vereadores.
Revista online | Em busca do Exército cidadão na república democrática
Ricardo José de Azevedo Marinho*, especial para a revista Política Democrática online (45ª edição: julho/2022)
O que pensam os oficiais do Exército Brasileiro1 é um livro que aparece no percurso da pandemia do coronavírus e tem o propósito de discernir o principal marco da percepção dos oficiais do Exército Brasileiro (EB) em face da instituição em que atuam e da nossa democracia.
Veja todos os artigos desta edição da revista Política Democrática online
Fruto de uma pesquisa, patrocinada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), no âmbito de convênio celebrado entre o Departamento de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e o Centro de Estudos de Pessoal e Forte Duque de Caxias (CEP-FDC), da Diretoria de Educação Técnica Militar (DETMil) do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx), na linha do Edital do Programa de Apoio ao Ensino e à Pesquisa Científica e Tecnológica em Defesa Nacional (Pró-Defesa) de 2008, tratou-se de um survey em âmbito nacional, que envolveu questionário a 20.435 oficiais da ativa, o que possibilitou a construção de um banco de dados contendo os retornos de 2.423 respondentes.
Este livro oferece instigante interpretação sobre o EB, colocando seu foco nos oficiais. Trata-se de um retrato deles, obtido a partir do uso de potente zoom. O alcance destas lentes não deixa de lado sequer as forças que impelem o EB a tentar redefinir, tanto seu formato, como suas funções, sobretudo, após a Constituição de 1988. Assim, ainda que se possa sustentar que se trata de um "retardatário", quando comparado com outras instituições, também o EB se vê convidado a adaptar-se a um novo contexto democrático.
Duas ordens de questões são analisadas: de um lado, a questão institucional propriamente dita e, de outro, a característica das demandas que chegam até eles. E o resultado encontrado foi: um oficialato compassivo na avaliação do sistema de educação continuada que caracteriza sua formação; o deslocamento da ideia de vocação para a carreira militar em favor da ideia de sua estabilidade; a ênfase na capacitação profissional, com sua exigência correlata por melhor formação; e a demanda por acesso a vantagens conferidas a outras carreiras de Estado, dimensões que apontam para a ideia de profissão.
Veja, a seguir, galeria de fotos:


















O novo formato institucional assumido pelo EB é, como sustentam as autoras e o autor, menos o efeito de uma política desejada por estes do que uma consequência de um complexo processo de transição para a democracia.
Além do texto coletivo que dá corpo ao livro, ele conta ainda com um prefácio do professor Francisco Fonseca – Departamento de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e Centro de Estudos em Administração Pública e Governo da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV EAESP) –, uma apresentação do nosso imortal da Academia Brasileira de Letras José Murilo de Carvalho e posfácio do Eduardo Raposo, onde fazem a ponte da publicação com o contexto em que a vê surgir, aludindo que o 38º presidente do Brasil tenta usar os militares para forçar a barra na disputa política.
Isso não retira a importância do EB na balança política de 2022, ainda que seus oficiais não estejam majoritariamente dispostos a apoiar políticas momentâneas que alterem o curso de suas preferências, como revela a pesquisa em tela.
Importa reter que, quando entendeu que a pandemia não cabia na securitização e nas metáforas dos conflitos armados, o Ministério da Defesa (MD) oportunizou, para os profissionais civis e militares da área de saúde, treinamento para mitigar o coronavírus no Brasil. A capacitação dos profissionais vem sendo realizada em unidades de saúde militares, a exemplo do Hospital das Forças Armadas (HFA), em Brasília, e da Escola de Saúde do Exército (EsSEx), o estabelecimento de ensino militar responsável pela seleção e formação do Quadro do Serviço de Saúde do EB, no Rio de Janeiro.
Por tudo isso, O que pensam os oficiais do Exército Brasileiro realiza a tarefa de mostrar quem são eles, e o faz com maestria, traçando o perfil demográfico e social desses oficiais, sua trajetória profissional e suas atitudes em face de questões atinentes ao seu exercício profissional, ao sistema político e à sociedade. O livro é mais do que um simples retrato, sem consequências. É um retrato que, ao conferir estatura a esse grupo profissional, fornece elementos para a discussão tanto de questões relativas à própria corporação como dos desafios de uma democracia em busca de equalizar sua jornada.
1 Raposo, Eduardo, Carvalho, Maria Alice Rezende de e Schaffel, Sarita. O que pensam os oficiais do Exército brasileiro. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio. São Paulo: Hucitec Editora, 2022. 152 p.
Sobre o autor

*Ricardo José de Azevedo Marinho é professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE.
** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de junho de 2022 (44ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não refletem, necessariamente, as opiniões da publicação.
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Nas entrelinhas: PT submerge na campanha de Lula
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Não tem muita explicação a forma como o PT realizou sua convenção e da federação que lidera, integrada também pelo PCdoB e pelo PV, ontem, para homologar a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República. O evento foi realizado a portas fechadas, sem grande divulgação. Após a reunião, Gleisi Hoffmann concedeu uma entrevista coletiva e anunciou a oficialização da chapa Lula-Geraldo Alckmin (PSB). Nenhum dos dois compareceu.
Gleisi choveu no molhado: “A primeira deliberação homologada é a indicação da candidatura à presidência de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência e de vice-presidência de Geraldo Alckmin. A segunda deliberação é a de coligação de PSol, Rede, PV e Solidariedade. A terceira é o número do candidato à presidência da República. Número 13, Lula”, afirmou. O PCdoB já havia tomado a mesma decisão na quarta-feira; resta ainda o PV, que deve se reunir virtualmente para endossar a proposta.
Sem dúvida, havia uma formalidade burocrática a cumprir, porque a decisão estratégica da aliança com o ex-governador de São Paulo e da federação com o PCdoB e o PV, bem como a coligação de esquerda com a federação PSol-Rede, PV e Solidariedade já estavam tomadas. Entretanto, poderia se fazer um grande ato político, o que não aconteceu. Lula e Alckmin estavam num encontro com artistas e produtores culturais no Recife. Na quarta-feira, haviam estado em Garanhuns, terra natal do petista, onde visitou a casa em que nasceu.
Lula cantou, dançou e prometeu regionalizar sua política cultural, caso seja eleito. “Além de recriar o Ministério da Cultura, quero criar comitês de cultura estaduais para que não haja monopólio da cultura do centro-sul sobre o restante da cultura do país”. Pernambuco é um fio desencapado do ponto de vista eleitoral. De longe, Lula é o maior eleitor no estado, porém, enfrenta mais uma vez um conflito envolvendo o clã Arraes, que controla o governo local há 16 anos e é a força hegemônica no PSB.
Em Garanhuns, Lula anunciou oficialmente apoio a Danilo Cabral (PSB) ao governo de Pernambuco. “Eu tenho candidato a governador no estado de Pernambuco, que é o companheiro Danilo Cabral. Eu não confundo a minha relação pessoal com a minha relação política”, disse, para acalmar o prefeito João Campos, do Recife, e o governador Paulo Câmara. Era uma referência a Marília Arraes, candidata do Solidariedade, que apoia Lula e está ameaçando destronar o PSB no estado. Marília deixou o PT para ser candidata ao governo do estado porque sabia que não teria a legenda do partido para confrontar seu primo, o prefeito do Recife, João Campos, líder do PSB. Ambos são netos de Miguel Arraes.
Segundo plano
A ausência de Lula da convenção não é inédita, pois o mesmo aconteceu em 2018, mas, naquela época, ele estava preso. Agora, não. Foi uma decisão política, que só tem uma explicação: a necessidade de descolar a sua candidatura do PT e demais partidos de esquerda e reforçar a imagem de que é o candidato da “frente ampla”, ou seja, de um conjunto de forças maior do que uma frente de esquerda. O sinal de que essa é a postura que pretende seguir foi a distinção feita pela cantora Anitta, que apoia Lula, mas não aceita que seu nome seja utilizado pelos demais candidatos petistas durante a campanha.
A estratégia de marketing da candidatura de Lula passa por atrair setores de centro-esquerda por gravidade e evitar que seu índice de rejeição aumente na medida em que a campanha avance, o que poderia inviabilizar sua vitória. Uma maneira de fugir da rejeição é fazer uma campanha eleitoral focada na imagem de Lula, colocando-a num patamar acima do PT, que submergiu. Lula não está desprezando os petistas, pois sabe que a lealdade dos dirigentes e militantes foi fundamental quando esteve condenado na Lava-Jato, em julho de 2017, a nove anos e seis meses de prisão pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá.
Em 2021, porém, uma decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo, anulou as condenações e tornou Lula elegível. A 13ª Vara Federal de Curitiba, responsável pelos casos da Lava-Jato relacionados à Petrobras, segundo a interpretação do ministro, não era a instância competente para julgar Lula — para o ministro, as acusações ao ex-presidente não tinham relação direta com a empresa. O Supremo confirmou a decisão e enviou os processos para a Justiça Federal do Distrito Federal. Lula sempre alegou inocência.
Erramos: na coluna de ontem, sobre a candidatura de Ciro Gomes, afirmamos indevidamente que o candidato do PDT viajou para Paris, no segundo turno de 2018, para não votar no candidato do PT, Fernando Haddad. Ciro viajou para não fazer campanha em favor do petista, mas voltou ao Brasil a tempo de votar: “Essa é outra mentira do Lula. Não viajei para não votar. Votei no Haddad. Declarei isso antes de encerrada a apuração”, garante.
Batalha de poesias – Slam DéF retoma apresentações presenciais
João Vítor*, com edição da coordenadora de Mídias Sociais da FAP, Nívia Cerqueira
Depois de dois anos sendo realizada de forma online, a batalha de poesias Slam-DéF volta a acontecer presencialmente. O evento está marcado para o próximo sábado (23/7), a partir das 9h30, no Conic, loja 52, no hall de entrada Biblioteca Salomão Malina, mantida pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP).
As inscrições acontecerão presencialmente, por ordem de chegada com premiação de R$100 e troféu para o vencedor. Além da batalha de poesias, a biblioteca promoverá uma feira de troca de livros para quem doar um agasalho em bom estado. As arrecadações serão destinadas a uma instituição de caridade.
O coordenador do Slam-Déf, Will Júnio celebra a retomada presencial do projeto na biblioteca e diz que a poesia “tem tudo a ver com leitura", estando ligada à linguagem e comunicação verbal e não verbal.
Confira, abaixo, galeria de fotos:














Para o poeta carioca Raulf Henrique Gomes Jatobá, de 19, mais conhecido como Jatobá, a poesia dá propósito à vida. “É uma das formas de inspirar outras pessoas e democratizar o acesso ao conhecimento, à arte e à cultura”, afirma.
Jatobá foi o vencedor da edição do mês de junho e lamenta a ausência neste evento presencial, pela distância e questões financeiras, mas ressalta a importância do evento presencial. “Faço parte dessa história lindíssima e vocês também fazem parte da minha”, destaca.
Sobre o Slam-DéF
O slam nasceu em Chicago, Estados Unidos, nos anos 1980. Chegou ao Brasil duas décadas depois. No Distrito Federal, começou em 2015, com o Slam-DéF, que também atua no Entorno. O grupo integra pessoas de qualquer idade, cor, raça, etnia e orientação sexual.
Interessados podem solicitar mais informações por meio do WhatsApp oficial da Biblioteca Salomão Malina (61 98401-5561).
Serviço
Batalha de Poesias Slam-DéF
Dia: 23/7/2022
Horário: 9h30
Onde: Hall de entrada da Biblioteca Salomão Malina, localizada no SDS, Bloco P, ED. Venâncio III, Conic, loja 52, Brasília (DF).
Realização: Slam-DéF, em parceria com Biblioteca Salomão Malina e Fundação Astrojildo Pereira (FAP)
*Integrante do programa de estágio da FAP sob supervisão.
Revista online | Simone Tebet: “Precisamos pacificar o Brasil”
Por Caetano Araújo, Arlindo Fernandes, Eumano Silva, Luiz Sérgio Henriques e João Rodrigues, especial para a revista Política Democrática online (45ª edição: julho/2022)
A senadora Simone Tebet (MDB-MS), pré-candidata à presidência da República pelo MDB, PSDB e Cidadania, criticou o orçamento secreto e classificou as emendas de relator-geral do Orçamento (RP-9) como “o maior escândalo de corrupção da história da República”, cobrando investigação intensa dos órgãos de controle sobre esse esquema bilionário que garante apoio ao governo federal no Congresso Nacional. Professora, escritora e advogada, Simone Tebet é a entrevistada especial da 45ª edição da revista Política Democrática online (julho/2022).
Os principais pontos de seu programa de governo, baseado no combate à pobreza e na economia verde, estão entre os temas da entrevista. O fim da reeleição, os riscos de um golpe de Estado em meio à tensão eleitoral e a importância do investimento em educação pela União são outros assuntos abordados pela entrevistada.
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A necessidade de pacificação do país é mais um tema tratado com profundidade por Simone Tebet. “Se quisermos falar em pacificar o Brasil, temos que apostar nessa candidatura de centro. Não há outra forma”, analisa a senadora. “Chega de ameaça à democracia brasileira, às instituições democráticas. É necessário focar na erradicação da miséria. Fazer o Brasil voltar a crescer”, complementa.
Antes de ser eleita senadora pelo Mato Grosso do Sul, em 2014, Tebet foi deputada estadual, duas vezes prefeita de Três Lagoas (MS), sua cidade natal, e vice-governadora do estado. Confira, a seguir, os principais trechos da conversa com a senadora Simone Tebet.
Revista Política Democrática Online (RPD): Temos vivido momentos de tensão, com uma escalada da intolerância e da violência política. As instituições democráticas estão em risco pelas palavras e pelos atos do presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição. O que as forças democráticas devem fazer para combater essa situação e prevenir essas ameaças?
Simone Tebet (ST): Nunca vi uma escalada tão rápida e tão profunda contra o Estado Democrático de Direito. O presidente da República tem um viés autoritário e autocrata, mas, em função da sua própria incompetência, acaba ficando isolado. A democracia persistirá porque as instituições são fortes. Estamos diante de uma situação de desarmonia entre os poderes. Mas de alguma forma eles resistem, no que se refere à defesa das instituições, dos valores democráticos. Diferentemente do passado, não temos nenhum sinal de possibilidade de ruptura, pelo menos na direção do que chamamos de ditadura nos moldes clássicos. O presidente da República não tem apoio popular, não tem apoio internacional, não tem apoio de 99% dos órgãos da imprensa. Entretanto, essa questão nos preocupa muito. Afinal, as instituições de alguma forma estão abaladas. O presidente teve a capacidade de mudar parte da mentalidade de um segmento da população brasileira especialmente devido às fake news disseminadas por sua equipe de redes sociais. Contudo, esse discurso de nós contra eles não começou de agora. Sabemos que vem do passado, juntamente com esse processo de polarização que só atinge e beneficia os dois lados da oposição. Nesse processo, criam-se inimigos e não adversários políticos. A criação de crises artificiais, as tentativas de deturpar a realidade e o enfraquecimento da imprensa livre são nocivos para a democracia. Isso faz com que todos nós, democratas e partidos democratas, estejamos imbuídos do propósito maior de romper essa polarização. Com isso, vamos garantir ao país, a partir do ano que vem, acima de tudo, um governo democrático. Um governo que honre o Estado Democrático de Direito, capaz de enfrentar os reais problemas do Brasil, que são a desigualdade social, a erradicação da miséria, a diminuição da pobreza. Precisamos fazer o Brasil voltar a crescer, gerar empregos e renda para a população. Nossa força está na nossa união; com ela estamos prontos para resistir e persistir. Nesse movimento se encontram os verdadeiros democratas que estão presentes no PSDB, no Cidadania e no MDB. No entanto, como diz um provérbio popular, “não podemos dormir de touca”. Mas não vejo risco de uma ruptura, embora não seja possível desconsiderar a necessidade de reconstruir o Brasil. As instituições democráticas estão enfraquecidas perante a opinião pública e nós teremos que reconstruir o Brasil. Reerguer os pilares dos valores democráticos que foram enfraquecidos por essa fábrica de fake news em operação e pela ação de um governo que, por meio do incentivo à polarização e da criação de crises artificiais, sempre investe contra a democracia.
Veja, a seguir, galeria de fotos da entrevistada:




















RPD: O Brasil vive desde 1988 sua mais importante experiência democrática. Experiências anteriores, como de 1946 a 1964, foram mais breves e aparentemente menos profundas. Entretanto, nós cometemos falhas e terminamos por aceitar distorções desse importante ambiente democrático. Quais teriam sido os erros que permitiram que ascendesse ao poder o projeto político autoritário que temos hoje no governo?
ST: Nós nos assemelhamos ao que aconteceu no mundo na segunda metade do século passado. O liberalismo econômico operou com eficácia depois da segunda guerra mundial até os anos 1990 promovendo o crescimento da economia. Tivemos aumento continuado da qualidade de vida, mas de repente veio a crise. Houve queda desse dinamismo econômico, perda de investimentos na área social, além de diminuição dos gastos públicos naqueles pontos capazes de resolver efetivamente os problemas que afligem a população brasileira. Há culpa, sim, da política tradicional. Trouxeram para nós uma crise sem precedentes, acima, talvez, do observado na média de muitos países considerados democráticos. O Brasil teve queda de investimentos na área social, ampliação do gasto público, e um aumento também daquela sensação, nos meios populares, de “a minha vida não melhora”, e “por que tantos privilégios?". Esquemas de corrupção foram desvendados. O mensalão, algo na ordem de R$ 160 milhões, que acabou ficando pequeno em termos percentuais perto da crescente corrupção, aparente nos escândalos posteriores. Afinal, o petrolão atingiu a ordem de R$ 2 bilhões, considerando apenas o que foi investigado de repasse das empreiteiras para os partidos políticos. E agora chegamos a um orçamento secreto por meio do qual foram pagos R$ 28 bilhões em emendas nos últimos três anos. Paralelo a isso, a sensação de uma população mais envelhecida e empobrecida, o aumento da desigualdade social, além de uma série de outros fatores, como a criminalização da política. Temos que reconhecer: a corrupção tornou-se sistêmica no Brasil, mas houve também, simultaneamente, a criminalização exacerbada da política. Com isso, proliferaram esses partidos populistas, e dentro deles surgiram candidatos outsiders. A política tradicional não percebeu isso, pois uma parte dela estava mancomunada com esse sistema de corrupção. Então, não interessava perceber. Tivemos uma fatalidade no Brasil: elegemos um presidente da República que não participou de debates. A população sequer o conhecia; votou no escuro, muito em função lamentavelmente do atentado que sofreu. O conjunto desses fatores, promoveu, infelizmente, uma tempestade perfeita. O bolsonarismo vai permanecer, independentemente de o presidente sair vitorioso ou derrotado do pleito de outubro. Temos que enfrentar essa situação reconsiderando a questão do fim da reeleição e o retorno à situação anterior. Eu que já fui favorável à reeleição no passado, hoje a questiono. Entra governo, sai governo – e isso vale para os governos de todos os matizes ideológicos –, no último ano do seu mandato o Chefe do Poder Executivo faz graça com o dinheiro público, violando os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal, criando situações que levam a privilégios e corrupção. Tudo isso pensando apenas em reeleição. Vamos ter que enfrentar essa questão. A democracia brasileira e a classe política não convivem bem com a reeleição.
RPD: Quais ideias novas e papel positivo a sua candidatura pode representar nesse conturbado momento político do país?
ST: Precisamos trazer de volta para o Brasil o centro democrático. As democracias mais maduras do mundo, especialmente as europeias, mostram que quando o grande partido de centro sai de cena você dá sorte para esse tipo de situação que vemos hoje no Brasil. No Congresso Nacional, por exemplo, um Centrão, composto por parlamentares de diversos partidos, fisiológicos, pensando apenas em si mesmo, nos seus próprios interesses. Desculpem fazer uma deferência ao meu partido, mas o MDB sempre foi o maior partido do Brasil, o mais expressivo partido do centro político. Foi muito criticado porque integrava todos os governos. Da minha parte, sempre fiz essa crítica à parte fisiológica do partido, a parte do toma-lá-dá-cá. Mas não fiz essa crítica na figura essencial do maior partido do parlamento, peça necessária na base de sustentação ao governo, em projetos que são essenciais para a população. Quando o MDB se tornou um partido mediano no Congresso Nacional, balzaquiano, de 30 e poucos parlamentares, surgiu um modo ainda mais nefasto de apoio parlamentar. Trata-se desse escândalo do orçamento secreto. Então, a nossa pré-candidatura, o retorno do centro democrático, é um verdadeiro impacto a favor do Brasil, de convergência, união, diálogo. Nosso objetivo é a defesa dos valores democráticos. Precisamos defender a democracia no Brasil.
São tantos os retrocessos promovidos por esse governo autoritário que nós estamos articulando uma frente democrática entre MDB, Cidadania, PMDB e outros partidos que ainda virão, para garantir a democracia por meio de um grande pacto a favor do Brasil, pela defesa dos valores democráticos. Por outro lado, a nossa pré-candidatura garante ao Brasil o verdadeiro combate ao discurso de nós contra eles, ao radicalismo intolerante. A nossa pré-candidatura tem condições de pacificar o Brasil, em termos de pacificação política, pacificação social, equilíbrio entre os poderes, estabilidade, segurança, institucional e política. Garantir essa paz por que a população tanto clama. Sem pacificação não vai haver crescimento e o Brasil precisa voltar a crescer para gerar emprego e renda, erradicar a miséria, diminuir a pobreza. Sem pacificação não haverá confiança entre os cidadãos, tampouco em relação ao futuro do país. Esse é o verdadeiro foco. Nosso objetivo principal é erradicar a miséria e diminuir a pobreza e vamos conseguir isso por meio da geração de emprego. Eu tenho conversado com setores produtivos do agronegócio, da agroindústria, do setor de bens e serviços e da indústria brasileira. Todos reclamam um primeiro ponto: a garantia da segurança jurídica. Querem saber se os contratos vão ser honrados, se não vai haver mudança da legislação a cada ano, a cada seis meses. Para tudo isso, temos que voltar naquilo que jamais imaginaríamos ter que estar defendendo novamente, uma frente democrática pela democracia, capaz de garantir essa pacificação política. Mas o objetivo principal da nossa pré-candidatura é, sem dúvida nenhuma, o combate à miséria, à fome, de modo a gerar emprego e renda para a população brasileira.
Fomos muito criticados inclusive porque votamos favoravelmente à PEC Kamikaze. Não era uma escolha de Sofia, quando tantas Sofias estão dormindo hoje com fome. Fomos apanhados em uma armadilha e não havia saída. Tanto que a aprovação foi praticamente por unanimidade no Senado. É importante que essa transferência de renda seja em caráter permanente, não como política de governo, mas como política de Estado. Esse Auxílio Brasil, que eu voltaria a chamar de Bolsa Família ampliado e melhorado, com regras muito claras, precisa ter, sim, um valor diferenciado a partir da escala de pobreza e de miséria de cada um, da quantidade de filhos, do perfil socioeconômico. Mas sempre com uma porta de saída, apesar de não gostar de usar esse termo. Eu modificaria a política, com novos condicionantes para essas famílias, não só a carteira de vacinação, e permitindo inclusive ter uma visão do quadro familiar, como, por exemplo, se há ou não indício de violência contra a mulher. É preciso também garantir junto à iniciativa privada cursos profissionalizantes para a mãe, para o jovem, para o trabalhador. Com isso, em médio prazo, os beneficiários poderão deixar o programa com dignidade.
Paralelo a isso, como professora que sou, digo sempre que precisamos falar de educação. Infelizmente, a gente está falando tanto em defesa da democracia que deixamos de falar daquilo que realmente vai resolver o problema do Brasil, para que daqui a 20 anos não estejamos discutindo ainda políticas de transferência de renda. A União precisa encampar e trazer para si a responsabilidade pela educação no Brasil. O governo federal tem que parar com esse empurra-empurra, dizer que a responsabilidade pelo ensino fundamental, ensino infantil é do município e pelo ensino médio é do governo estadual. Foi isso que o próprio governo do PT fez, foi seu maior equívoco, ficou 15 anos, 16 anos e não cuidou verdadeiramente da educação no Brasil. Cuidou de forma equivocada do ensino fundamental sem rever o sistema pedagógico, verificar como os nossos professores estão sendo formados. A União vai ter que ser a grande propulsora desse pacto também pela educação, coordenando um trabalho com os municípios na educação infantil e com os estados no ensino médio. No ensino fundamental, graças ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), acho que os municípios estão conseguindo aumentar seus índices de desempenho. Porém, no ensino infantil todas as crianças precisam estar na creche, bem alimentadas e bem assistidas. É lá onde se forma o intelecto. Todos os jovens têm que ter um atrativo para ingressar e permanecer no ensino médio. Temos que colocar de forma efetiva para valer, regulamentando, colocando para funcionar a nova reforma do ensino médio que garante que a União passe R$ 2 mil por aluno para as escolas que consigam garantir carga integral para os nossos jovens. Garantir sempre conectividade, boa internet, para que eles possam ter duas portas de saídas: ensino técnico ou o banco da universidade. A União precisa assumir mais responsabilidade com a educação brasileira.
RPD: Na hipótese da sua eleição para a Presidência da República, como a senhora pretende lidar com o orçamento secreto?
ST: Com uma canetada. A primeira coisa é a transparência absoluta em relação a esse orçamento secreto. Precisamos mostrar para a maioria do Congresso Nacional que eles também não estão sendo tratados de forma igual. Eu conheço esse modus operandi. Não é de agora. Como você cala a oposição? Você traz para o seu lado. Então você faz com que ela fique também contaminada, oferecendo as mesmas benesses. É um cala-boca dentro do Congresso Nacional. Desde 2019 eu acompanho essa questão do orçamento secreto. Foi oferecido para todo mundo, foi oferecido para comprar a eleição das Mesas da Câmara e do Senado. Eu era candidata e comecei com 30 e poucos votos na minha cadernetinha e fui perdendo ao longo do tempo. Não convém aqui mencionar e nem me delongar em relação a esse assunto, mas é mais do que isso. Mesmo para aqueles 21 que votaram em mim, depois foi oferecido esse orçamento secreto no final do ano. Eles verificavam principalmente a situação na área da saúde, que os municípios de determinado Estado do senador tinham teto para receber dinheiro do Sistema Único de Saúde (SUS), do Fundo Nacional de Saúde. Então, ofereciam. Foi assim também com o tratoraço, entre outros escândalos. Alguns podem ter caído de gaiato nessa história, mas muitos ficaram com a digital nesse processo. Ou seja: foi uma mordaça. No fundo é isso. Colocaram um esparadrapo na boca de cada um. Muitos senadores não caíram. Mas poucos conseguem denunciar.
Mas precisamos dar total transparência a esse tema. Mostrar que dos R$ 16 bilhões anuais apenas cerca de R$ 2 bilhões são distribuídos para a maioria. O restante fica com meia dúzia. Nós estamos diante do maior escândalo de corrupção da história da República. Não é só da redemocratização. É o maior escândalo de corrupção em mais de cem anos de República. Nem o mensalão, o petrolão ou qualquer outro escândalo é maior que o orçamento secreto em termos de volume de recursos. Precisamos dar transparência a isso. Colocar a Controladoria Geral da União (CGU) à disposição, o Ministério Público e outros órgãos de fiscalização. Eu não sou contra as emendas parlamentares. Porém, é necessário agir de forma transparente. Falamos em qualitativo e em números percentuais, mas vamos falar do modus operandi que também é importante. O mensalão era para comprar votos. O petrolão era para comprar no combo partidos, que direcionavam a votação. Também era uma forma dos próprios partidos terem caixa para eleger seus parlamentares. Agora é mais do que isso. O orçamento secreto é um tipo de corrupção que contamina toda a cadeia. Inclusive os prefeitos. Não é só para todos se reelegeram. É para haver um enriquecimento pessoal ilícito mesmo. Da minha parte, darei transparência absoluta, com a ajuda dos órgãos de fiscalização e controle. É a única forma de rever ou cancelar esse orçamento secreto.
RPD: Um tema bastante específico do Brasil e pouco comentado nessa eleição é o desmonte do Estado. Em especial de algumas agências que têm atribuições específicas, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) e a Fundação Nacional do Índio (Funai). De que maneira a senhora analisa esse assunto e como faria para reconstruir essas agências?
ST: Eu fui a relatora do novo marco das agências reguladoras. A gente procurou dar autonomia, tirar um pouco a interferência política de dentro dessas agências. Elas precisam ter o mínimo de independência administrativa e de gestão. As agências reguladoras de um modo geral têm que ser fortalecidas. A partir do momento em que deixamos de ter um Estado máximo para ter um Estado necessário é preciso dispor de agências que tenham independência para verificar nas duas pontas. Não só a iniciativa privada, mas também os serviços públicos. Nosso programa de governo, que tem sido elaborado com a participação do Cidadania e do PSDB, tem um tripé muito claro: social, economia verde e governo parceiro de todos, inclusive da iniciativa privada. Um dos ministérios mais importantes do próximo governo será o das Relações Exteriores. Precisamos esclarecer para o mundo que nós não somos esse pária internacional que as políticas vigentes apontam, que não pensamos como pensa o atual presidente. Que nossa economia é verde. Para isso, temos que fortalecer os órgãos de fiscalização e controle. O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), a Funai, e todos os órgãos que protegem a questão ambiental serão importantíssimos para isso. Vamos mostrar que há uma diferença entre a Amazônia e o setor produtivo fora da Amazônia. Existem, sim, grileiros, mineradores ilegais, invasores de área pública. São bandidos, não fazem parte do agronegócio brasileiro. Vamos proteger a Amazônia. A meta deve ser desmatamento ilegal zero. Nenhuma árvore pode ser derrubada sem licenciamento, sem estar dentro dos rigores da lei. As portas do mercado asiático e do mercado europeu já estão sendo fechadas para nós, com exceção de algumas de nossas commodities. Esse governo teve a capacidade de desmontar os órgãos de fiscalização e controle de uma maneira jamais vista no Brasil. Os nossos povos originários estão sendo dizimados. Muitas vezes entram nessas aldeias oferecendo produtos com base no escambo para poder extrair toda a riqueza. A economia verde e o combate ao desmatamento ilegal são agendas prioritárias para nossa candidatura.
RPD: Senadora, o anticomunismo é um dos temas mais explorados pelo atual presidente para manter sua base fiel de seguidores. Inclusive, este ano o Partido Comunista Brasileiro, que teve entre os seus fundadores Astrojildo Pereira, completa 100 anos. Qual a sua opinião sobre a exploração do anticomunismo pelo presidente Bolsonaro?
ST: Ele se alimenta desse discurso de polarização. Cria crises artificiais e inimigos imaginários. Eu sempre defendo que o Estado não deve ser mínimo, nem máximo: deve ser um Estado necessário, com uma responsabilidade social com o Brasil. O presidente da República se alimenta desse discurso de ódio. Precisa criar inimigos imaginários para criar um clima de nós contra eles. Ele quer se perpetuar no poder. Por isso, vende a sua própria pauta armamentista, que não é a boa do povo brasileiro. Nosso povo é pacífico. Não é a pauta da mulher brasileira, que repudia veementemente essa política armamentista. A bancada feminina é brilhante dentro do Congresso Nacional. Aliás, fomos nós que combatemos e conseguimos derrotar o presidente Bolsonaro nessa pauta de armar a população brasileira ainda de forma mais ampla. Mas estamos diante de um cenário nebuloso. A primeira pergunta que vocês me fizeram foi em relação a um perigo de golpe. Nós não temos essa preocupação, mas temos a preocupação de que um lobo solitário possa criar algum tumulto no período eleitoral. Isso pode fazer com que o presidente – que alimentou todo esse discurso anticomunista, de inimigos da nação e tudo o mais – baixe uma GLO (Garantia da Lei e da Ordem) e tente colocar as Forças Armadas nas ruas. Isso é o modus operandi dele. Nós repudiamos tudo isso, uma vez que nossa luta é no sentido oposto. Essa é uma das razões de contarmos com uma frente democrática com uma candidatura própria, com equilíbrio, moderação e diálogo. Não se pode negar o fato de que quando ele, presidente, estimula essa posição, vem a reação do outro lado. Não estamos colocando os dois polos no mesmo prato. Estamos falando de um candidato, apenas um, que não é democrata. Os outros são, temos que reconhecer esse fato. Mas que a polarização alimenta essa crise sem precedentes no Brasil, eu não tenho dúvida.
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RPD: O MDB hoje é um partido fragmentado. Diversas diretórios regionais já declararam voto no Lula no primeiro turno. Como a senhora encara o papel do PT em um contexto de frente democrática?
ST: Se quisermos falar em pacificar o Brasil, temos que apostar nessa candidatura de centro. Não há outra forma. E não sou eu que estou comparando algo que é incomparável. Só temos um lado que não é democrático, ponto. Não é uma questão de escolha de Sofia. Isso para mim está muito claro. O problema é que a volta do PT hoje não garante a pacificação do Brasil. Precisamos virar essa página de discussão. Chega de ameaça à democracia brasileira, às instituições democráticas. É necessário focar na erradicação da miséria. Fazer o Brasil voltar a crescer. Mas entendo também que um governo que ficou por quatro mandatos no poder e não garantiu a autonomia e cidadania para o povo brasileiro, tendo inclusive denúncias gravíssimas de esquemas de corrupção, não merece voltar ao poder. A volta do PT levará a continuidade da disputa política acirrada, do discurso de ódio, da polarização, do apelo irresponsável às armas. Isso não convém ao Brasil. É este o pensamento que a maior parte do MDB entende. A princípio, sete estados brasileiros estariam com o presidente Lula já no primeiro turno. Não vamos esquecer que na verdade se trata de lideranças que nunca deixaram de estar com ele. Lideranças, inclusive, que eu particularmente sempre combati. As pessoas sempre fazem essa pergunta: "por que você nasceu no MDB e continua no partido tendo o MDB feito parte desse esquema de corrupção como, por exemplo, o petrolão?". Primeiro, porque a história do MDB não é essa. Nós temos que combater aqueles que destroem a história do partido. A mesma coisa da política. Perguntam: “o que você faz dentro da política se ela é tão suja?”. Não é a política que é suja. Vamos parar de criminalizar a política. São alguns políticos que mancham a história da política brasileira. Eu pertenço ao MDB de Ulysses Guimarães, de Tancredo Neves, de Mário Covas, do meu pai (Ramez Tebet). Daqueles que lutaram pela redemocratização, que não abrem mão das liberdades públicas, da defesa dos direitos das minorias, do fortalecimento do Estado. Daqueles que não se utilizam do dinheiro público. No Ceará, o ex-presidente do Congresso Nacional Eunício Oliveira sempre foi aliado do ex-presidente Lula. Da mesma forma em Alagoas o senador Renan Calheiros. Hoje, se deixássemos o partido solto, 70% do MDB lamentavelmente estariam mais propensos a apoiar Bolsonaro. Isso é o que mostra o mapa partidário do MDB. Atualmente, o partido é muito mais presente no Sul e Sudeste. Consequentemente, são estados muito mais propensos a estar com Bolsonaro do que com Lula. Essa é uma das razões porque o presidente Baleia Rossi e nós estamos nessa luta. E devo dizer que estou extremamente otimista. Tenho andado e visto que aproximadamente um terço da população brasileira está cansada dessa polarização, quer olhar para a frente, quer um porto seguro e políticas públicas efetivas para melhorar a sua vida. A população brasileira está cansada. Hoje as pesquisas mostram que a mulher é quem mais rejeita Bolsonaro. E, em menor parte, também o Lula. A mulher brasileira quer uma alternativa de poder que seja essa da moderação, do diálogo, do equilíbrio. Que faça os governantes voltarem os olhos para resolver o problema do desenvolvimento sustentável do Brasil.
RPD: Senadora, qual mensagem a senhora deixaria para as pessoas que ainda acreditam em um futuro melhor para o Brasil?
ST: Minha mensagem final é de otimismo. É um prazer estar com uma missão tão importante nessa frente democrática. É muito bom apresentar uma proposta para o futuro do Brasil. E isso passa indubitavelmente por proteger as pessoas mais carentes, que mais precisam dos serviços públicos, sobretudo, nesse momento de fome e miséria. Precisamos garantir políticas públicas eficientes. Não só de saúde e de segurança, mas especialmente por meio da universalização de uma educação de qualidade. Com isso, conseguiremos um futuro digno para todos. Encerro, com uma homenagem ao Cidadania, citando uma das falas mais brilhantes de Ulysses Guimarães. “Só é cidadão quem come, só é cidadão quem mora, só é cidadão quem sabe o ABC, quem ganha salário digno, quem tem lazer aos finais de semana.” É em nome dessa cidadania que nós do MDB, do PSDB e do Cidadania nos somamos. A nossa obrigação é servir as pessoas. Garantir dignidade, felicidade, educação de qualidade, saúde, segurança pública, lazer, salário digno. Em resumo, cidadania.
Sobre a entrevistada

*Simone Tebet é advogada, professora, escritora e política brasileira, filiada ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Atualmente, ocupa o cargo de senadora da República pelo estado de Mato Grosso do Sul e é pré-candidata à Presidência da República.
** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de maio de 2022 (45ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.
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Nas entrelinhas: Simone Tebet vive semana decisiva no MDB
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
A uma semana da convenção eleitoral do MDB, a candidatura da senadora Simone Tebet (MS) à Presidência da República vive uma semana decisiva, com muitas articulações políticas contrárias, mas em condições de derrotar a ofensiva dos caciques do MDB que desejam remover sua candidatura e apoiar o ex-presidente Luiz Inácio lula da Silva já no primeiro turno. Na segunda-feira, 11 representantes de diretórios regionais, a maioria do Nordeste, se reuniram com o PT para consolidar a dissidência que apoia Lula. Ontem, o ex-presidente Michel Temer e o presidente da legenda, deputado Baleia Rossi (SP), com apoio de 19 diretórios, reafirmaram a candidatura. A conta não fecha. São 27 diretórios.
Os senadores Eduardo Braga (AM), Renan Calheiros (AL), Veneziano Vital do Rêgo (PB), Rose de Freitas (ES) e Marcelo Castro (PI); o governador de Alagoas, Paulo Dantas; e os ex-senadores Eunício Oliveira (CE) e Edison Lobão (MA), além do presidente do diretório estadual do MDB no RJ, Leonardo Picciani, participaram do encontro com Lula. O governador do Pará, Helder Barbalho, e o ex-senador Garibaldi Alves (RN), aliados do petista, não compareceram.
Ontem, Eduardo Braga, Renan Calheiros, Rose de Freitas, Marcelo Castro, o deputado federal Isnaldo Bulhões (AL) e o ex-governador Moreira Franco (RJ) se reuniram com Temer, no seu escritório, no Itaim Bibi, em São Paulo. O ex-presidente é uma peça-chave no tabuleiro das relações entre os caciques emedebistas. Até agora, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva vem trabalhando para dividir o MDB e não procurou Temer, principalmente por causa dos ressentimentos petistas em razão do impeachment da presidente Dilma Rousseff.
Temer anda descontente com a situação da candidatura de Simone Tebet, que não decolou nas pesquisas. A senadora pantaneira, porém, se beneficiou diretamente do fato de a cúpula do PSDB ter removido a candidatura do ex-governador João Doria e desistido da chapa própria. O Cidadania, liderado por Roberto Freire, que integra a federação com o PSDB, é a única legenda que se engajou na candidatura de Tebet, apesar de alguns deputados de sua bancada se fingirem de mortos. O PSDB, cuja cúpula chegou a anunciar o apoio a Tebet, não se mobiliza para a campanha da emedebista. Os tucanos vivem um salve-se quem puder, especialmente em São Paulo, onde o governador Rodrigo Garcia está em dificuldade para se reeleger.
Um balanço da situação interna do MDB mostra, porém, que Tebet ainda tem o apoio da maioria dos estados e dificilmente sua candidatura seria deslocada sem uma negociação muito ampla com o PT, para atrair Temer, o que é improvável. Uma ala que apoia a candidatura do presidente Jair Bolsonaro também não tem força para impor essa orientação. Por essa razão, prefere manter a candidatura de Tebet e barrar o apoio formal a Lula, o que daria muito tempo de televisão ao petista.
Rubicão
Segundo o senador Eduardo Braga, que lidera a dissidência, o grupo ainda não tem posição definida sobre como pretende se comportar na convenção. As disputas no MDB costumam ser resolvidas na base da Lei de Murici, “cada um cuida de si”. O partido é uma federação de grupos regionais, cujas lideranças convivem na divergência há muitos anos. De um lado, o grupo do ex-presidente José Sarney e de Renan Calheiros, aliados de Lula desde 2002; de outro, o grupo de Michel Temer e Moreira Franco, que se aliou a Lula em 2006 e fez parte da chapa de Dilma Rousseff em 2010 e 2014. Em 2016, Temer e Moreira romperam com Dilma Rousseff e aderiram às articulações do impeachment, o que a cúpula petista não perdoa.
A sete dias da convenção, o grupo pró-Lula ainda busca convencer Temer a aceitar a aliança, mas isso depende de uma iniciativa pessoal e pública de Lula, que mantém distância regulamentar do ex-presidente da República. A sorte de Tebet, mesmo estagnada nas pesquisas, é que o MDB também gosta de cristianizar seus candidatos, como fez com Ulysses Guimarães, em 1989; Orestes Quércia, em 1994; e mais recentemente, em 2018, com Henrique Meirelles.
A candidata do MDB ainda tem condições de tentar crescer nas pesquisas. Tebet é leve nas ruas, onde não é hostilizada, podendo circular nos eventos sem grandes aparatos, o que não acontece com Bolsonaro nem com Lula. Mesmo Ciro Gomes, candidato do PDT, tem mais dificuldades que ela, quando nada porque não leva desaforo para casa ao sofre provocações de petistas e bolsonaristas.
A convenção do MDB, marcada para o dia 27, será virtual. É um jogo de cartas marcadas, ou seja, a favor de Tebet ou contra ela, tudo será acertado antes. Do ponto de vista de sua candidatura, é um Rubicão, porque isso garantirá acesso ao tempo de radio e televisão quando a propaganda política começar para valer, em 15 de agosto. A distribuição de tempo entre os principais candidatos será a seguinte: Lula (PT) terá 3 minutos e 10 segundos a cada um dos dois blocos de 12 minutos e 30 segundos; Bolsonaro (PL), 2 minutos e 50 segundos; Bivar (União Brasil), 2 minutos por bloco; Simone Tebet (MDB), 1 minuto e 50 segundos; e Ciro Gomes (PDT), 50 segundos.
Nas entrelinhas: Bolsonaro faz campanha de anticandidato
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Em termos diplomáticos, o encontro de ontem do presidente Jair Bolsonaro (PL) com embaixadores de vários países para denunciar suspeitas não comprovadas sobre o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), seus ministros e a segurança das urnas eletrônicas foi um tiro no pé. Para a maioria dos diplomatas, seu discurso é de candidato derrotado por antecipação e sinaliza a intenção de realmente não aceitar o resultado das urnas. Obviamente, sua escalada contra as urnas eletrônicas é uma campanha de anticandidato, passa para o mundo — e internamente – a ideia de que pretende se manter no poder pela força.
Existe uma correlação entre a política nacional e nossas relações internacionais. Apesar da excelência e dos esforços dos nossos diplomatas de carreira, toda vez que Bolsonaro faz política internacional própria é um desastre. É o que está acontecendo, por exemplo, no caso da guerra da Ucrânia. No mesmo dia em que promoveu o desastrado encontro com os embaixadores, conversou por telefone com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky: “Discutimos a importância de retomar as exportações de grãos para prevenir uma crise de alimentos provocada pela Rússia”, escreveu Zelensky em seu Twitter. “Convoco todos os parceiros a se unirem às sanções contra o agressor.”
Para bom entendedor, a conversa de Bolsonaro com Zelensky não foi nada boa. Ao divulgar seu pedido de adesão do Brasil às sanções contra a Rússia, o presidente ucraniano criou um constrangimento para o Brasil, que assumiu uma posição de neutralidade, na tradição da política de Estado do Itamaraty. Porém, pessoalmente, Bolsonaro cada vez se aproxima mais do presidente russo Vladimir Putin. Por óbvio, esse posicionamento tem muito mais peso nas relações com os países ocidentais do que as suspeitas que levantou sobre a segurança das eleições.
Bolsonaro utilizou as dependências do Palácio da Alvorada e a estrutura de governo para uma série de acusações sem provas contra a Justiça Eleitoral e os ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso. Também atacou seu principal adversário, o ex-presidente Luiz Inácio lula da Silva (PT), cujo prestígio internacional só aumenta na medida em que mantém o favoritismo nas pesquisas e as eleições se aproximam. Atacou o petista, porém acabou criticado por dois adversários que sonham tomar seu lugar contra ele, Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB). Ou seja, Bolsonaro está se colocando como alvo fixo de todos os principais concorrentes.
Os ministros Carlos França (Relações Exteriores), Paulo Sérgio Nogueira (Defesa), Ciro Nogueira (Casa Civil), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria-Geral) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), que formam o estado-maior da Presidência, participaram da reunião, que Fachin classificou como um encontro de pré-candidato a presidente da República, ao declinar do convite, com o argumento de que deveria ter uma posição imparcial como responsável pela condução do processo eleitoral. Na Ordem dos Advogados do Paraná (OAB-PR), à tarde, Fachin classificou a apresentação como uma “encenação”. Sem citar Bolsonaro, disse que há “inaceitável negacionismo eleitoral por parte de uma personalidade pública” e uma “muito grave” agressão à democracia.
Discurso de perdedor
E o anticandidato? É um sinal trocado. Bolsonaro está agindo como perdedor antecipado das eleições, como quem não pretende aceitar o resultado das urnas e quer virar a mesa, como tentou sem sucesso o ex-presidente norte-americano Donald Trump, seu aliado. Está fazendo uma campanha de anticandidato, que deixa em desespero os aliados do Centrão. O ministro Paulo Sérgio Nogueira reverbera as acusações de Bolsonaro e arrasta as Forças Armadas para uma posição que evoca o passado do regime militar. Somente após as eleições saberemos se age por disciplina, pois Bolsonaro é presidente da República e comandante supremo das Forças Armadas, ou por convicção golpista e autoritária.
A propósito do passado autoritário, o mais ousado desafio ao regime militar, no auge do seu poder, foi o lançamento da “anticandidatura” de Ulysses Guimarães à Presidência da República, pelo MDB, em setembro de 1973, no colégio eleitoral que elegeria o general Ernesto Geisel à Presidência. Como um Dom Quixote, Ulysses percorreu o país desafiando os militares, ao lado do ex-governador de Pernambuco Barbosa Lima Sobrinho, que depois viria a ser presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI).
“Não é o candidato que vai percorrer o país. É o anticandidato, para denunciar a antieleição, imposta pela anticonstituição que homizia o AI-5, submete o Legislativo e o Judiciário ao Executivo. Possibilita prisões desamparadas pelo habeas corpus e condenações sem defesa, profana a indevassabilidade dos lares e das empresas pela escuta clandestina, torna inaudíveis as vozes discordantes, porque ensurdece a nação pela censura à imprensa, ao rádio, à televisão, ao teatro e ao cinema”, discursou Ulysses, cuja plataforma era centrada na revogação do Ato Institucional 5 (AI-5), na anistia e na convocação de uma Assembleia Constituinte. Quanta ironia. Bolsonaro faz campanha em busca do passado.
Nas entrelinhas: As duas táticas de Bolsonaro para se manter no poder
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
O presidente Jair Bolsonaro opera simultaneamente duas táticas para se manter no poder. Ambas podem dar errado, se não conseguir reverter a grande vantagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições. Ambas se combinam quando à possibilidade cada vez mais evidente de que planeja melar as eleições de outubro próximo, caso seus resultados sejam desfavoráveis. A primeira, operada com extrema competência pelo Centrão, é a PEC da Eleição, promulgada ontem, com medidas para transferir recursos para a população de baixa renda, caminhoneiros e taxistas.
A PEC nasceu no Senado, onde somente não conseguiu a unanimidade porque o senador José Serra (PSDB-SP), solitariamente, votou contra. Na Câmara, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), operou um rolo compressor para que a emenda constitucional fosse aprovada em dois turnos e promulgada nesta semana, após 72 horas de articulações, sessões relâmpagos e votações. Somente o Novo e alguns parlamentares isolados em seus partidos, votaram contra a PEC.
Na essência, a proposta tem um viés golpista, porque a legislação eleitoral proíbe a adoção de medidas de caráter assistencialista a menos de 100 dias eleições. Para que isso seja possível, o Congresso aprovou um “estado de emergência”, que possibilita descumprir a legislação eleitoral, tendo como pretexto a guerra da Ucrânia, por causa da crise dos combustíveis. Com isso, a máquina do governo federal será usada para influenciar o voto dos eleitores de forma sem precedentes.
A legislação eleitoral estabelece um equilíbrio entre a vontade dos políticos no poder (ética das convicções) e a legitimidade dos meios de sua atuação nas eleições (ética da responsabilidade), a cargo dos órgãos de controle do próprio Estado: Controladoria-Geral da União (CGU), Receita Federal, Polícia Federal, Tribunal de Contas da União (TCU), Procuradoria-Geral das República (PGR) e Justiça Eleitoral. Com a PEC, esses órgãos nada poderão fazer para evitar o abuso de poder econômico e outros crimes eleitorais, derivados da execução da PEC em plena campanha eleitoral. A única barreira a ser vencida é a resistência surda da própria burocracia, responsável pela implementação das medidas.
A outra tática em curso, sob responsabilidade dos generais do Palácio do Planalto, é semear a desconfiança em relação à segurança das urnas eletrônicas, corroborando os ataques que o presidente Jair Bolsonaro vem fazendo contra o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e os ministros Edson Fachin, atual presidente, e Alexandre de Moraes, o próximo a comandar a Corte. Para isso, o Ministério da Defesa está sendo acionado, contrapondo o prestígio das Forças Armadas à legitimidade do TSE no processo eleitoral, o que não é nenhuma novidade na história republicana.
O golpe
Ontem, durante audiência no Senado, palco de ataques à Justiça Eleitoral, o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, chegou a propor que fosse utilizado o voto impresso durante a votação, para checar as urnas eletrônicas por amostragem, proposta já recusada pelo TSE. No encontro, o coronel Marcelo Nogueira de Souza, especialista em guerra cibernética, admitiu que as urnas são invioláveis a ataques de hacker externos, porém sustentou que não são seguras do ponto de vista de eventuais violações internas, ou seja, colocou sob suspeita a próprio TSE.
Mesmo que a intenção do ministro da Defesa não fosse pôr sob suspeita a segurança das eleições, o resultado prático da audiência foi fortalecer a percepção de que o presidente Bolsonaro não pretende aceitar um resultado desfavorável nas urnas, e as Forças Armadas estariam coniventes com isso. Impossível não lembrar do Plano Cohen, documento divulgado em 30 de setembro de 1937, com supostas “instruções da Internacional Comunista (Komintern) para a ação de seus agentes no Brasil”. Na realidade, tratava-se de um plano simulado como “hipótese de trabalho”, segundo seu verdadeiro autor, o capitão Olímpio Mourão Filho, então chefe do serviço secreto da Ação Integralista Brasileira (AIB).
Com base no Plano Cohen, o presidente Getúlio Vargas solicitou imediatamente ao Congresso autorização para decretar o estado de guerra pelo prazo de 90 dias. A aprovação da medida abriu caminho para o golpe do Estado Novo, desfechado em 10 de novembro de 1937, que suspendeu as eleições e institucionalizou a ditadura. A fraude do Plano Cohen só foi revelada após a extinção do Estado Novo, em 1945.
Nas entrelinhas: Deus, família e “gripezinha”
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Começo a prosa com um pedido de desculpas aos leitores, por não ter escrito a coluna de domingo, como estava combinado, desde que entrei em férias. Na quinta-feira passada, testei positivo para a covid-19. Apesar de ter tomado quatro doses de vacinas, essa nova variante da Ômicron me tirou de circulação. Felizmente, duas Sinovac/Butantan, uma Pfizer e outra AstraZeneca estão amenizando meus padecimentos. Segundo meu infectologista, essa variante concentra seus ataques na garganta e no nariz, como foi o meu caso e o da maioria dos seus pacientes, alguns com tanta dor na garganta que foram internados.
Depois de um mês em férias, vou tratar de um assunto que não sofreu grandes alterações nesse período: a polarização entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente Jair Bolsonaro, que vem se mantendo nesta pré-campanha eleitoral. Essa polarização está sendo atribuída ao fato de que, pela primeira vez, temos uma disputa entre um ex-presidente da República, que governou por dois mandatos e deixou governo com alta aprovação, e um presidente da República que disputa a reeleição no exercício do mandato, quando sabemos que todos que tiveram essa possibilidade foram reeleitos. O resultado da disputa seria uma equação entre as realizações do passado e as adversidades do presente. É uma leitura da chamada real política.
Mas será que o favoritismo de Lula pode ser atribuído apenas a isso? Parte de sua resiliência deve-se ao enraizamento do PT nos movimentos sociais e seu entrincheiramento nos grupos indenitários, em condições muito adversas, após o impeachment de Dilma Rousseff, o que merece mais reflexão. Numa das suas entrevistas, o historiador Eric Hobsbawm faz uma observação interessante sobre o enfraquecimento dos partidos socialistas europeus, atribuindo-o às mudanças ocorridas na estrutura de classes da sociedade pós-industrial e ao fato de que a desestruturação da família unicelular patriarcal pela revolução dos costumes restringiu a capacidade desses partidos se reproduzirem no ambiente familiar, como sempre fizeram.
Os partidos marxistas fizeram a crítica da “família burguesa” como uma forma de dominação, mas a “família socialista” também era monogâmica e heterossexual. Foram os anarquistas, socialistas utópicos e as feministas que não se conformaram com os limites da dupla jornada de trabalho, contribuindo com a renda familiar e arcando com os afazeres domésticos, que caracterizavam a relação homem/mulher na família proletária moderna. Ao se refugiar nos movimentos identitários, no momento de refluxo de sua influência política, a militância petista deu cavalo de pau e foi uma tábua de salvação para Lula, tecendo, inclusive, as alianças que tornaram sua candidatura amplamente preferida entre os eleitores de esquerda.
Católicos e evangélicos
A outra face dessa moeda, sem dúvida, foi a eleição de Jair Bolsonaro em 2018, muito favorecido pelas circunstâncias políticas, a operação Lava-Jato e a forte repercussão da facada que levou em Juiz de Fora, em plena campanha, alavancando sua candidatura, enquanto estava entre a vida e a morte. Bolsonaro saiu da sua bolha reacionária quando capturou o sentimento de preservação da família unicelular patriarcal, monogâmica e heterossexual, como estrutura social básica da sociedade, principalmente para as camadas mais pobres da população, ameaçadas pelas desigualdades sociais, a baixa renda, o desemprego, a desestruturação das relações homem/mulher e pais/filhos, a evasão escolar, as drogas e a prostituição.
A orientação conservadora da Igreja Católica, a partir dos papados de João Paulo II e Bento XVI, desarticulou as chamadas comunidades eclesiais de base. Seus militantes derivaram para o PT, porém a influência católica nas parcelas mais pobres da população brasileira se esvaiu. As denominações evangélicas ocuparam esse espaço, empunhando a bandeira de defesa da família tradicional e as teses mais conservadoras do cristianismo, com exceção do celibato de seus sacerdotes e outros dogmas de Roma.
A aliança de Bolsonaro com esses setores evangélicos é muito mais responsável pela sua resiliência eleitoral nas camadas populares do que suas realizações e a força do corporativismo de setores beneficiados por seu governo, como militares, policiais, ruralistas, caminhoneiros, garimpeiros, atiradores, motociclistas etc. O papel da religião, bem situado na esfera ideológica da sociedade, como outras instituições — o sistema educacional e os meios de comunicação, por exemplo —, também precisa ser considerado por esse ângulo antropológico, ainda que a aliança de Bolsonaro com as igrejas evangélicas tenha adquirido a dimensão das práticas mais deploráveis da política brasileira, como o clientelismo, o fisiologismo e o patrimonialismo, haja vista o novo escândalo do Ministério da Educação.
E a “gripezinha”? O fantasma que ronda a reeleição de Bolsonaro nas camadas mais pobres é o luto das famílias desestruturadas por 672.101 óbitos por covid-19, de um total de 32,5 milhões de casos registrados da doença. Como a cobertura da vacina não é completa, o atual número de mortes atingiu a média de 214 por dia, o que agrava ainda mais a nossa crise social.
Morre, no Rio, Sergio Paulo Rouanet, diplomata autor da lei que beneficia a cultura no Brasil
Raoni Alves e Daniel Silveira, g1 Rio*
Morreu, neste domingo (3), no Rio de Janeiro, aos 88 anos, o diplomata e ex-ministro da Cultura Sergio Paulo Rouanet, autor da Lei de Incentivo à Cultura no Brasil. Ele deixou a mulher, a filósofa alemã Barbara Freitag, e três filhos - Marcelo, Luiz Paulo e Adriana.
A informação foi confirmada pelo Instituto Rouanet, fundada por ele e a mulher, Barbara Freitag. Segundo a instituição, ele foi vítima do avanço da síndrome de Parkinson.

"É com muito pesar e muita tristeza que informamos o falecimento do Embaixador e intelectual Sergio Paulo Rouanet, hoje pela manhã do dia 3 de julho. Rouanet batalhava contra o Parkinson, mas se dedicou até o final da vida à defesa da cultura, da liberdade de expressão, da razão, e dos direitos humanos. O Instituto carregará e ampliará seu grande legado para futuras gerações", dizia a nota do instituto.
“Diplomata, filósofo, professor universitário, tradutor e ensaísta brasileiro”. Assim é descrito o criador da lei brasileira de incentivos fiscais à cultura que por 27 anos levou o seu nome. A Lei Rouanet foi criada por ele durante o governo de Fernando Collor e modificada, quase três décadas depois, pelo presidente Jair Bolsonaro.
Sérgio Paulo Rouanet nasceu no Rio em 23 de fevereiro de 1934, filho de Paulo Luís Rouanet e Hebe Cunha Rouanet. Viveu quase nove décadas, dedicando a maior parte de sua trajetória à área acadêmica e, sobretudo, à cultura.
"Rouanet foi um dos grandes intelectuais do país", destacou a Academia Brasileira de Letras (ABL), em nota de pesar pela sua morte.
Rouanet tinha 20 anos quando, em 1954, estreou no jornalismo cultural, colaborando com um artigo semanal para o jornal Suplemento Literário. Quase 40 anos depois, em 1992, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras. Era o oitavo ocupante da Cadeira nº 13, na sucessão de Francisco de Assis Barbosa, tendo sido recebido pelo acadêmico Antonio Houaiss.
Ao longo de sua carreira, Rouanet assinou artigos para prestigiadas revistas brasileiras e internacionais. Coordenou a série de livros “Correspondência de Machado de Assis”, editada pela ABL. Por suas traduções de livros de Walter Benjamin, ganhou a Medalha Goethe. É autor dos livros “O homem é o discurso - Arqueologia de Michel Foucault”, “Imaginário e dominação”, “Itinerários freudianos em Walter Benjamin”, “Teoria crítica e psicanálise”, “A razão cativa”, “Riso e melancolia”, entre outros.
Trajetória acadêmica e diplomática
A primeira formação de Rouanet foi pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Aos 21 anos, formou-se no curso de preparação à carreira de diplomata do Instituto Rio Branco. Em universidades dos EUA fez pós-graduações em economia, filosofia e ciência política, área na qual veio a doutorar-se pela Universidade de São Paulo (USP).
A carreira diplomática começou, no Brasil, em 1957. Logo depois foi para os Estados Unidos, onde estagiou na Organização dos Estados Americanos (OEA), serviu na embaixada brasileira em Washington e atuou na Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova Iorque.
Já na década de 1970 foi transferido para a Suíça, onde chegou ao posto de cônsul-geral, em Zurique. No final dos anos 1980 foi nomeado embaixador da Dinamarca, cargo que ocupou por quatro anos, até ser chamado de volta ao Brasil para se tornar ministro de Cultura do então presidente Fernando Collor.
Pai da Lei de Incentivo à Cultura
Foi Sérgio Paulo Rouanet o autor da Lei de Incentivo Fiscais à Cultura, promulgada por Collor em 1991, que autoriza produtores a buscarem investimento privado para financiar iniciativas culturais. Em troca, as empresas podem abater parcela do valor investido no Imposto de Renda.
Na campanha eleitoral de 2018, o então candidato a presidente Jair Bolsonaro defendeu mudanças na lei, afirmando que "ninguém é contra a cultura", mas que a Lei Rouanet teria de ser "revista" caso ele fosse eleito. E assim o fez.
Em abril de 2019 a Lei Rouanet foi alterada pelo governo de Jair Bolsonaro – passou a se chamar Lei de Incentivo à Cultura e sofreu um corte drástico no limite para captação de recursos – de R$ 60 milhões para apenas R$ 1 milhão por projeto.
Depois de deixar o governo, Rouanet fez parte do Consulado Geral do Brasil em Berlim, como Cônsul Geral, entre 1993 e 1996.
*Texto publicado originalmente no g1
Frente popular: o caso do Chile
Alberto Aggio, Horizontes Democráticos*
Muito se tem falado e escrito nos dias que correm sobre a atualidade das frentes populares, em especial no Brasil nesses meses que antecedem as eleições presidenciais. Esse interesse vem se cristalizando, não apenas no Brasil, por conta da necessidade de se enfrentar os chamados regimes, governos ou tendências que hoje caracterizamos como iliberais, reconhecendo que alguns personagens a eles referidos apresentam vivíssimos traços fascistas. Evidentemente, não se trata de imaginar uma repetição do passado, contudo, a perspectiva de enfrentamento a essa situação tem suscitado a lembrança das Frentes Populares que tiveram vigência a partir de meados da década de 1930. A menção ao tipo de aliança política que comportava a estratégia política da frente popular nem sempre tem enfatizado a necessidade de compreender a sua história bem como suas vicissitudes. A ênfase recai, no mais das vezes, na intenção ou na necessidade premente de ultrapassar um governo marcado permanentemente por ameaças a democracia brasileira. Nesse sentido, refletir sobre a trajetória histórica da frente popular no Chile, único país latino-americano a vivenciar concreta e objetivamente uma política com essas características, torna-se importante para se perceber tanto a positividade quanto os desafios e limites que esse resgate pode implicar.

Em função da vitória do nazismo na Alemanha no início da década de 1930, a Internacional Comunista (IC), passou a adotar, a partir de agosto de 1935, uma nova orientação política: a estratégia da Frente Popular. Embora não tão conhecida, ao lado da França e da Espanha, o Chile conheceu a vitória eleitoral e o estabelecimento de um governo baseado na política de Frente Popular, em 1938. Para o movimento global do comunismo, essa estratégia significava a ultrapassagem da política anterior de “classe contra classe” que não tinha gerado nenhum ganho efetivo ao movimento. Para a IC, haveria a necessidade de se impulsionar a unidade de ação entre os comunistas e outras forças políticas com o intuito de se fazer frente, política e ideologicamente, ao fascismo e ao nazismo, então em ascensão na Europa ocidental. Ainda que a América Latina figurasse como absolutamente secundária frente aos propósitos da IC, Brasil e Chile, em virtude de suas posições estratégicas, em relação ao Atlântico e ao Pacífico, passaram a ser vistos como países importantes para que se estimulasse a nova linha política.
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Apesar de cronologicamente posterior às experiências da França e da Espanha, as vicissitudes que deram origem a Frente Popular no Chile foram, de certa forma, similares. Tratava-se da necessidade de unidade político-social de setores populares para resistir ou impedir a instalação de um governo repressor. Da mesma maneira que na Europa, a Frente Popular articulou-se no Chile como uma aliança político-eleitoral que abrigava correntes político-ideológicas mais amplas do que o espectro formado pela esquerda de matriz marxista. Em oposição ao segundo governo de Arturo Alessandri (1932-1938), marcadamente autoritário e repressivo, a Frente Popular chilena foi composta essencialmente pelos partidos Radical, Socialista e Comunista, que assumiram, gradativamente, a defesa da democracia política como fundamento de uma coalizão de centro-esquerda, ainda que, à época, ela fosse caracterizada como um agrupamento genuinamente “esquerdista” por seus adversários.
Igualmente efêmeras, essas três experiências governativas de Frentes Populares foram historicamente decisivas em suas histórias nacionais, a despeito dos desfechos tão dispares que tiveram. A frente popular na Espanha redundou, como se sabe, no banho de sangue da guerra civil, iniciada em 1936, e, na França terminou, sumariamente, em função da falta de apoio parlamentar ao gabinete socialista de Léon Blum, em abril de 1938. No Chile, ao contrário da Espanha, não eclodiu a guerra civil. No entanto, a Frente Popular não conseguiu sustentar-se como aliança política passados os dois anos de sua chegada ao poder. Em 1941, ela seria irreparavelmente rompida. Mesmo assim, diferentemente da França, a ruptura da coalizão de centro-esquerda não significou, no Chile, o colapso do governo iniciado em 1938. Sustentado pelo presidencialismo da Carta Constitucional de 1925, o governo do presidente Pedro Aguirre Cerda (eleito em 1938 pela Frente Popular) prosseguiu mesmo após a ruptura da coalizão originária e seu mandato somente foi interrompido em virtude de sua morte, no mesmo ano em que se rompia a aliança dos partidos da Frente Popular.

Ainda que as alianças eleitorais e de governo posteriores a 1941 tenham sido mais amplas e variáveis do que a coalizão vitoriosa em 1938, a característica distintiva assumida pelo Chile está no fato de que a experiência da Frente Popular proporcionou ao país mais de uma década de governos sob sua inspiração, tendo sempre à testa um presidente vinculado ao Partido Radical. Depois da vitória de 1938 e da ruptura da Frente Popular em 1941, os Radicais venceram as duas eleições consecutivas para a Presidência da República. Na primeira, em 1942, com Juan Antonio Ríos encabeçando uma coalizão amplíssima, denominada “Aliança Democrática”. Na segunda, em 1946, Jorge González Videla foi o candidato da “União Nacional”, alcançando o poder com um forte e explícito apoio dos comunistas para em seguida colocá-los na ilegalidade, em 1947. Em ambas, como se nota, a consigna “Frente Popular” cedeu lugar, significativamente, a outras expressões. Depois de 1938, Videla foi o único presidente Radical do período que terminou seu mandato – Antonio Ríos, da mesma forma que Aguirre Cerda, morreu antes de concluí-lo. O desprestígio do Partido Radical como força política governante e as divisões no seio da esquerda no início da década de 1950 possibilitaram a eleição presidencial do ex-ditador Carlos Ibáñez del Campo, em 1952.
A Frente Popular e o Radicalismo, seguindo a dinâmica do processo de modernização iniciado na década de 1920, assentaram e implementaram profunda e sistematicamente, mas sem assumir uma feição revolucionária, políticas que possibilitaram a alteração da fisionomia econômico-social do país, através da ação estatal. Se os quatorze anos que se seguiram à vitória eleitoral de 1938 não devem ser compreendidos, em sua integralidade, como um período articulado pela linha política da Frente Popular, tampouco podem ser vistos em descontinuidade com as forças políticas que assumiram o poder em 1938 ou como externo às mudanças que a partir daquele momento se processaram. Numa visão comparativa, não seria despropositado um paralelo entre os quatorze anos de predomínio Radical no Chile e o período em que Getúlio Vargas governou o Brasil, entre 1930 e 1945, ainda que as diferenças no que se refere à dimensão política sejam contundentes e expressivas. Entretanto, o que mais chama atenção, além do contexto cronológico, são os projetos econômicos que foram implementados, mesclando nacionalismo e integração internacional, tendo como base a sedução pelo “americanismo”, apesar de ambos os países manifestarem também à época uma adesão incontestável aos fundamentos organicistas de matriz fortemente europeia.

No entanto, ao contrário do Brasil, a partir de 1938, a política conciliatória, flexível e pragmática do Partido Radical passou a ser o ponto de referência central na vida política do país, fortalecendo as convicções democráticas do republicanismo chileno. Isso acabou por gerar, a despeito das enormes divergências internas desde o estabelecimento da Frente Popular e dos conflitos latentes com as forças de direita, um clima de relativo consenso em torno de temas como a industrialização e a intervenção continuada do Estado na economia. À testa dos governos que se sucederam, o Partido Radical garantiu uma relativa estabilidade do sistema político e pautou-se pela conciliação, em quase todo o período a partir de 1938, em relação aos interesses das camadas subalternas, em especial as urbanas. Acomodando-se também às oscilações dos outros segmentos políticos, o Partido Radical pôde realizar, ao longo deste período (sobretudo depois de rompida a Frente Popular), alianças eleitorais e de governo de amplo espectro, ora encaminhando-se mais à esquerda, ora à direita, conforme os ditames da conjuntura. No geral, as alianças eleitorais lideradas pelos Radicais foram de centro-esquerda. Uma vez vitoriosos e no poder, os Radicais buscavam, e por vezes conseguiam, o apoio de frações dos Liberais, dos Conservadores e da Falange Nacional (futuro Partido Democrata-Cristão). Entre 1932 e 1952, os Radicais e os Conservadores nunca compuseram alianças eleitorais, ainda que tenham participado de algumas alianças de governo, no início e no final deste período.
Numa visão de conjunto do processo aberto em 1938, o consenso a que nos referimos anteriormente jogou um papel muito mais decisivo do que a natureza das coalizões levadas a efeito pelas políticas de esquerda ou aquelas do Radicalismo. Por esta razão, a ascensão ao poder da Frente Popular abriu um período na história do Chile que não correspondeu integral e precisamente aos anseios que expressavam (retoricamente ou não) suas bases de apoio e as representações políticas e sociais que lhe deram origem na conjuntura repressiva de 1936[4].

Neste sentido, pode-se dizer que o destino reservado aos atores políticos que operaram as mudanças empreendidas naquele período não corresponde à envergadura da tarefa realizada. Em relação à esquerda, ainda que as consequências da sua participação nos governos de coalizão tenham sido prontamente avaliadas como negativas – e esta visão será predominante no seio da esquerda chilena até a década de 1970 –, pode-se dizer que, em favor desta participação está o fato de que os partidos Comunista e Socialista não somente conseguiram assegurar o seu papel de representantes dos trabalhadores organizados, como também puderam aumentar suas bases e seu prestígio para, enfim, atuarem como forças proeminentes do processo político nacional, em condições de igualdade com os demais partidos. Isso é extremamente importante porque, além da experiência governativa, permitiu assegurar a autonomia política e organizativa das classes subalternas no processo de modernização que o país viveria a partir deste período.
Por outro lado, levando-se em conta que uma das bases do seu programa era o nacionalismo, podemos dizer que, no plano da economia, a esquerda foi incapaz de influenciar no sentido de se promover o desenvolvimento econômico e, ao mesmo tempo, diminuir a vulnerabilidade e a dependência do país em relação ao exterior. No plano da cidadania, verificou-se a impossibilidade de se ampliar o eleitorado nacional e de se conseguir estender o processo de sindicalização ao campo. A ascensão ao poder das forças que se articularam na Frente Popular não levou a um processo de democratização, via ampliação do eleitorado. No final da década de 1940, o percentual de votantes em relação à população era menor do que ao término da década anterior e se comparamos as eleições presidenciais de 1932 e de 1946 verificamos que o crescimento da participação eleitoral foi insignificante: de 7,6% para 8,5%[5].

Este conjunto de resultados não se encontra fora do âmbito explicativo. Em primeiro lugar, é verdadeiro que a correlação de forças não era inteiramente favorável à esquerda e que a direita (Conservadores e Liberais, fundamentalmente), em maioria no Parlamento por quase todo o tempo, conseguiu bloquear a implementação de medidas voltadas para os objetivos democratizantes que constavam do programa da Frente Popular de 1938. Além disso, em diversas oportunidades, a direita demonstrou claramente aos Radicais que seus interesses teriam preferência até mesmo sobre a manutenção da democracia representativa. A direita combinou assim a sua força eleitoral com o seu poderio econômico: vetou tudo o que afetava seus interesses imediatos, especialmente a sindicalização camponesa, e permitiu as mudanças que expressavam os interesses das organizações empresariais, acomodando seus potenciais conflitos internos.
Neste sentido, operando a situação política para permanecer sempre com o controle da presidência da República, a disposição do Partido Radical em ceder às pressões da direita seguiu à lógica de afirmação histórica deste partido. Nela, o tema da ordem assumia importância equivalente ao da mudança. A afirmação das representações da esquerda, em função da estabilização democrática do sistema político, empurrou o Radicalismo para o centro. Nessa posição, os Radicais tinham tudo a oferecer aos dois lados do espectro político, desde que estes o brindassem, conforme as circunstâncias, com o posto maior da República e/ou com o apoio ao futuro governo. A leitura que os Radicais fizeram desta situação definiu com maior precisão o seu papel político. A partir dai, a combinação mais eficaz para dar andamento à modernização e garantir a estabilidade estava na sua própria razão de ser como ator político.
A trajetória histórica da Frente Popular no Chile chama atenção para inúmeras dimensões, especialmente para o conflito político, as representações da esquerda bem como para a estabilização de um sistema político democrático e pluralista. Seria importante atentar também para a difícil e complicada relação entre a proposição de origem, enfaticamente democratizadora, e os resultados alcançados que limitaram esse avanço, embora não o tenham suprimido integralmente. Contudo, comparada com França – onde sobreveio a invasão do nazismo – e com a Espanha – que imergiu numa guerra civil sangrenta –, a Frente Popular no Chile conseguiu realizar uma façanha histórica, especialmente se pensarmos no contexto latino-americano da época: conciliar democracia política e modernização econômico-social, mesmo com todas as limitações que se evidenciaram no percurso de quatorze anos.
Ps. A imagem de capa desse artigo registra a manifestação popular em frente ao palacio La Moneda, no dia da posse de Pedro Aguirre Cerda, presidente eleito pela Frente Popular em 1938.
*Publicado simultaneamente em Estado da Arte, em 30 de junho de 2022; https://estadodaarte.estadao.com.br/frente-popular-chile-aggio/
Jason Miller diz que não vai tolerar 'invasão do Congresso' em rede social
Mariana Sanches, BBC News Brasil*
Da penúltima vez que esteve no Brasil, o ex-assessor de Donald Trump e atual CEO da rede social Gettr, Jason Miller, havia passado quase quatro horas detido pela Polícia Federal (PF) para prestar esclarecimentos no inquérito das fake news, no aeroporto de Brasília.
Há três semanas, no entanto, ele voltou ao país, para participar, ao lado dos deputados federais Eduardo Bolsonaro (que defendeu no evento que a "Hungria era exemplo a ser seguido") e Carla Zambelli, ambos do PL-SP, da versão brasileira do Conservative Political Action Conference, o CPAC Brasil, em Campinas, em São Paulo. E dessa vez, sua passagem não teve tensões com autoridades no país. Segundo sua assessoria, ele foi "ovacionado de pé" no evento destinado a conservadores.
A nova visita ao Brasil era vista por Miller como central para tentar alavancar a rede social — amplamente associada à direita tanto no Brasil quanto nos EUA e em outros países — e para a qual ele tenta alcançar a marca de um milhão de usuários brasileiros. Ainda não conseguiu. Mas a Gettr afirma que a passagem de poucos dias de Miller ao Brasil alavancou o número de perfis baseados no país de 750 mil para 800 mil.
A rede cresce justamente com a ajuda de eleitores trumpistas e bolsonaristas. Globalmente, Miller se conecta com atores da direita radical não só por ideologia, mas também porque isso é bom para seus negócios.
Ele mostra apoio explícito, por exemplo, ao partido AfD, na Alemanha, e a Marine Le Pen, na França, país em que esteve em ao menos quatro ocasiões antes do pleito em que a candidata da direita radical foi derrotada por Emmanuel Macron, que se reelegeu presidente recentemente.
"O presidente Bolsonaro é um dos nossos dez maiores perfis globais. Acredito que ele esteja entre sexto ou sétimo em número de seguidores", diz Jason Miller à BBC News Brasil, em Washington D.C., um pouco antes de embarcar para o Brasil, em junho.
Bolsonaro tem 674 mil seguidores na Gettr, contra 8,3 milhões no Twitter, o que dá uma medida tanto do potencial de expansão da plataforma quanto de quão pequena ela ainda é, um possível sinal de que a rede social, que completará um ano nesta semana, pode não decolar.
O próprio Trump, que motivou o ex-assessor a criar uma espécie de Twitter alternativo após ter sido banido das redes no episódio da invasão do Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, não chegou a um acordo financeiro com a Gettr para criar seu perfil.
Mas figuras centrais em sua gestão, como o ideólogo Steve Bannon e o ex-secretário de Estado Mike Pompeo estão entre os cerca de 5 milhões de usuários da rede social.
Presença frequente no Brasil
Como já fez em outros países, no entanto, com a proximidade das eleições no Brasil, Jason Miller deve reforçar sua presença no país para atrair usuários ao mesmo tempo em que os Bolsonaro tentam arregimentar eleitores.
"Espero estar no Brasil com bem mais frequência agora e dar um grande impulso nos números", diz Miller, que nega qualquer envolvimento com a campanha pela reeleição de Jair Bolsonaro (PL).
"Temos visto o Brasil como nossa segunda maior comunidade. É cerca de 14% ou 15% da nossa plataforma, atrás apenas dos EUA. Uma das melhores coisas sobre a Gettr é que ela é 51% americano e 49% internacional. Logo após o Brasil, temos o Reino Unido, com cerca de 10% dos usuários, a Alemanha, entre 8% e 9% e a França, entre 5% e 6%. É uma comunidade internacional em crescimento", diz Miller.
A Gettr também tem se beneficiado de usuários que costumavam usar o hoje ostracizado Parler. O Parler se firmou como uma rede de usuários de direita, atraindo inclusive expoentes brasileiros, como Eduardo Bolsonaro, ao longo de 2019 e de 2020.

Em janeiro de 2021, segundo a plataforma, ela contava com 15 milhões de usuários. O ataque ao capitólio em 6 de janeiro, no entanto, representou praticamente o seu fim.
A própria plataforma reportou ao serviço investigativo americano FBI ter sido extensamente usada por usuários trumpistas para preparar e coordenar o ataque ao Congresso americano, que resultou em cinco mortos e na interrupção da certificação da vitória eleitoral do democrata Joe Biden por algumas horas.
As investigações mostraram que o Parler foi totalmente tomado por mensagens que afirmavam ter havido fraude no pleito americano de 2020, ressoando alegações do próprio Trump, e clamavam por "guerra civil", ameaças de morte a policiais e conclamação à insurreição. O aplicativo foi incapaz de conter o fluxo e moderar as mensagens para que elas não se traduzissem em violência no mundo real. Depois disso, o Parler foi excluído das lojas de aplicativos do Google e da Apple, e houve um intenso movimento de anunciantes para retirar seus anúncios da plataforma.
Confrontado com a possibilidade de que sua plataforma, a Gettr, pudesse ser usada no Brasil para coordenar algum tipo de insurreição após as eleições nos moldes dos ataques ao Capitólio americano, possibilidade que vem sendo aventada por políticos e analistas nos EUA, Miller é incisivo em sua resposta.
"Não importa em que país do mundo, este não é o tipo de coisa que permitiríamos em nossa plataforma", diz ele à BBC News Brasil.
Segundo o CEO, o serviço de streaming de vídeo pelos próprios usuários só está disponível para perfis verificados e ainda assim está sujeito a uma série de regras para coibir abusos e violência. Recentemente, atiradores americanos usaram esse tipo de serviço de plataformas para transmitir ao vivo massacres com armas de fogo.
"Nossos termos de serviço deixam muito claro que, se você estiver fazendo ameaças físicas ou planejando cometer violência ou dano contra alguém, isso seria uma violação de nossos termos de serviço ou diretrizes da comunidade", diz Miller, garantindo que o conteúdo seria retirado do ar por meio do sistema de moderação humano e automático.
O presidente Jair Bolsonaro tem feito alegações de que o sistema eleitoral brasileiro é fraudulento e de que pode não aceitar o resultado, o que poderia motivar situação semelhante à vivida nos EUA, segundo analistas políticos.
Miller, no entanto, não reconhece essa possibilidade: "tudo o que eu vi (de manifestações) do presidente Bolsonaro parece ter sido sempre no sentido de apoiar muito a lei e a ordem. Não houve nenhum tipo de atividade ou comunicação (de Bolsonaro) na Gettr nesse sentido".
No início de junho, em viagem a Orlando (Flórida, EUA), Bolsonaro foi questionado pela BBC News Brasil se, após a divulgação do resultados das eleições no Brasil, o país poderia viver uma situação de violência análoga à invasão do Capitólio nos EUA, em janeiro de 2021.
O presidente brasileiro respondeu: "Eu não sei o que vai acontecer, de minha parte teremos eleições limpas, com toda certeza nós vamos tomar providências antes das eleições", disse, sugerindo que as Forças Armadas atuarão no processo eleitoral.
Bolsonaro então citou uma declaração recente de Ciro Gomes, candidato presidencial do PDT: "O Ciro Gomes, terceiro lugar nas pesquisas, acabou de dizer que 'se Lula ganhar, o Brasil amanhece em guerra'. A população brasileira, a maioria esmagadora, está comigo".
Miller testemunhou na Comissão da Câmara dos EUA que investiga invasão ao Capitólio
Dentro de casa, nos EUA, Miller é parte de um processo de investigação da Câmara dos Representantes (equivalente à Câmara dos Deputados no Brasil) sobre as ações do ex-presidente Donald Trump que, de acordo com o inquérito, foram determinantes para o desfecho da invasão do Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, quando o republicano ainda era presidente.

No primeiro dia de audiência pública, a vice-presidente do comitê investigativo, Liz Cheney, colocou no ar um depoimento em vídeo de Miller no qual ele diz ter presenciado, no Salão Oval, um diálogo entre Trump e seu principal analista de dados da campanha, Matt Oczkowski. Na ocasião, Oczkowski disse a Trump que ele perderia o pleito, pouco tempo depois da eleição.
"Lembro que ele afirmou ao presidente — em termos bastante contundentes —, que ele iria perder", disse Miller, confirmando que as informações do analista eram baseadas em resultados de condado por condado e Estado por Estado.
A fala de Miller foi usada para basear a interpretação dos deputados americanos do comitê de que Trump sabia estar mentindo quando repetiu aos seus eleitores que ele havia sido vítima de uma fraude eleitoral.
Depois da divulgação do trecho do vídeo, Miller afirmou que o material cortava parte de sua argumentação. Segundo Miller, ele contou aos deputados que Trump discordava do analista Matt Oczkowski porque acreditava que seu funcionário não estava levando em conta as chances de vitória em batalhas judiciais.
"Ele acreditava que Matt não estava olhando para a perspectiva de desafios legais em nosso caminho e que Matt estava olhando puramente para o que esses números estavam mostrando, em oposição a coisas mais amplas para incluir questões de legalidade e integridade eleitoral que, como um cara de dados, ele pode não estar monitorando", teria dito Miller ao comitê.
Miller continua próximo a Trump e deve ser peça importante na campanha se o republicano realmente se candidatar em 2024.
Esta semana, no entanto, revelações feitas por uma ex-assessora da Casa Branca indicaram que Trump sabia que havia manifestantes armados em seu comício, permitiu sua presença e desejava participar junto com eles dos atos que se seguiram no capitólio, no qual seu vice-presidente, Mike Pence, teve que ser protegido para não ser assassinado. É incerto que tipo de impacto as revelações, que Trump classifica como falsas, podem ter sobre sua elegibilidade futura.
Entre os eleitores de Trump, foi justamente o seu banimento das redes após o episódio do Capitólio o que motivou um aumento ainda maior do sentimento contra "as big techs do Vale do Silício", como são conhecidas as redes como Facebook, Twitter, Youtube.
Segundo Miller, o mesmo sentimento existe no Brasil. Sem mencionar diretamente os casos, o ex-assessor de Trump faz referência à situação de bolsonaristas seguidamente derrubados de plataformas por espalhar fake news ou incitar violência, como o blogueiro Allan dos Santos, a ativista Sara Winter, e o deputado federal Daniel Silveira, em inquéritos dos quais o próprio Miller também foi alvo.
"No que diz respeito especificamente ao Brasil, muitas pessoas estão frustradas com a escolha restrita de meios e redes de comunicação no Brasil, o fato de você não ter a descentralização do livre fluxo de informações", diz.
Ele acusa as redes e a imprensa de censurarem as opiniões de direita em nome de manter a segurança ou confiabilidade das plataformas. Segundo Miller, seria possível manter as opiniões da direita radical na íntegra sem ferir esses princípios, um tipo de moderação que sua rede faria.
Ele, no entanto, se nega a discutir com a BBC News Brasil tanto casos hipotéticos quanto exemplos reais de conteúdos de bolsonaristas retirados do ar no Brasil.
E embora já tenha feito ironias públicas com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, que conduz o inquérito das Fake News, Miller se esforça pra mostrar colaboração com as autoridades brasileiras e critica o Telegram por ter ignorado orientações ou interpelações do Supremo.
"Parece-me que eles (Telegram) provavelmente deveriam ter feito um trabalho melhor e certificar-se de que seriam melhores parceiros no processo. Quer dizer, a coisa toda sobre emails (do Supremo) se perderem na pasta de spam e coisas assim…. Eles provavelmente provavelmente encontrarão alguns bons advogados no Brasil", opina Miller, que no Brasil compete com o Telegram por um público de mesmo perfil.
Segundo Miller, nem sua plataforma nem ele próprio estão sob investigação no Brasil atualmente, embora afirme possuir advogados continuamente monitorando a situação no país.
"Nossa expectativa no Brasil é que a Gettr seja um parceiro muito bom. Obviamente, respeitamos muito todas as regras e regulamentos locais. Nós concordamos com qualquer coisa que nos tenha sido solicitado. E acreditamos que, em última análise, seremos uma voz forte pela liberdade de expressão no Brasil, onde queremos estar por muito tempo", diz Miller.
Ele acrescenta: "Com nossa política de moderação inteligente, proativa e robusta, garantimos que não haja ameaças online ou qualquer coisa que possa ser interpretada como ilegal, também garantimos que não haja xingamentos raciais ou religiosos, que não haja doxing (vazamento) de informações. Acreditamos que criamos um ambiente positivo onde as pessoas podem se expressar, mas sem discriminação política e sem preconceitos políticos".
Ele admite, porém, que não esperava gastar tanto dinheiro com advogados.
"Essa é uma das coisas eu não sabia quando lançamos a Gettr, há quase um ano: que passaria tanto tempo com advogados quanto no ano passado, ou que as contas de advogados seriam tão altas no Brasil".
*Texto publicado originalmente em BBC News Brasil: Título editado.