Câmara

Rosângela Bittar: omissão fatal

Lira e Pacheco comportam-se como reféns de uma dívida acidental com Jair Bolsonaro

Com a pressão elevada pela carta de exortação dos banqueiros e o apelo direto do empresariado paulista à interferência dos presidentes da Câmara e do Senado, o presidente Jair Bolsonaro pode estar entrando hoje numa nova onda. Participa de encontro com os presidentes dos três Poderes, governadores e ministros para ser aconselhado sobre a gestão da pandemia.

Todos sabem, trata-se de um faz de conta institucional, como se o presidente já não soubesse o que precisa fazer. Vá lá, serve o pretexto. Apostas na mesa sobre o resultado desta iniciativa:

Um. Os financiadores de campanha abrem a Bolsonaro a brecha para abandonar os delírios impostos pelo obscurantismo que move suas atitudes e assumir a coordenação das soluções da crise de saúde pública com base na ciência e eficiência.

Dois. O presidente usa a reunião para promover um movimento circense destinado a distrair a arquibancada e dar a impressão que faz alguma coisa com seu mandato presidencial.

Três. Bolsonaro busca e encontra, no grupo, disposição para socialização do prejuízo e da impopularidade. Como de hábito, ouvirá uma coisa, fará outra e, diante das consequências trágicas, coletivizará as culpas.

O histórico da personalidade do presidente manda jogar as fichas na terceira opção.

Mas só ele tem o comando executivo das soluções. Não é mais possível viver na expectativa dos recuos de Bolsonaro, cujas mutações obedecem apenas às suas conveniências pessoais e eleitorais.

Supremo Tribunal Federal, única instância que parece estar cuidando do interesse da população aflita, submeteu o convite para o encontro ao seu colegiado. Que o aprovou, desde que não haja conflito de interesse.

Ora, é só o que há. Na reunião do Palácio do Planalto, o presidente do STF poderá recomendar o isolamento social para enfrentar o colapso hospitalar. Ao atravessar a praça, de volta ao seu plenário, estará diante de ação de Jair Bolsonaro contra os que decretaram o isolamento. Como ele fica?

O ceticismo em torno deste Conselho se impõe. Parece haver uma só saída para reinserir o Brasil na rota da humanidade nesta pandemia sem controle: a intervenção objetiva, seja pelo afastamento do presidente da República, seja por algum tipo de sobreposição às suas funções executivas.

A qual instituição, senão ao Poder Legislativo, caberia esta função? Pode o Congresso, no limite, tentar algo parcial, assumindo tarefas e deixando ao presidente o papel de malabarista verbal nos encontros com sua claque, no gradil do Alvorada.

Mas há abertura para ir além disto. Se por ela optasse, o Brasil não precisaria esperar mais dois anos, quem sabe seis, para se salvar.

Congresso tem uma velha tradição de astúcia em negociações de acordos. Estabelece um contrato de compra e venda do varejo político que, um dia, a depender do objeto determinado, transforma-se em cumplicidade dolosa.

Os presidentes da Câmara e do Senado comportam-se como reféns de uma dívida acidental com Jair Bolsonaro, contraída por ocasião de sua eleição. Sua propalada independência tem sido pura ficção.

No Senado, os pruridos da reciprocidade impedem que Rodrigo Pacheco instale a CPI da pandemia, única medida capaz de conter, até pelo medo, os desmandos do governo. Tem sido excessiva e injustificada a prudência do Poder Legislativo.

Na Câmara, Arthur Lira já teria quitado sua fatura com a prioridade a um assunto fisiológico, a PEC da impunidade parlamentar, e a surdez ao clamor contra a entrega da presidência da CCJ ao governo, para ser exercida por uma parlamentar extremista e investigada. Mas foi além, condenando ao esquecimento 50 pedidos de impeachment do presidente Jair Bolsonaro.

As abstenções, tanto quanto as ações, não permitem reconhecer que o Congresso esteja cumprindo sua parte na luta contra a pandemia.


Lei Mariana Ferrer: Senado recebe projeto de proteção a vítimas de estupro em julgamento

Aprovado pela Câmara, texto obriga juiz a excluir do processo manifestação que ofenda a dignidade da vítima e punir excessos de advogado do réu

Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP

Depois de ser aprovado na Câmara dos Deputados, o Senado vai analisar projeto de lei que proíbe o uso de linguagem, informações ou material que ofenda a dignidade de vítimas de estupro ou de testemunhas. Pela proposta, juízes ficam obrigados a zelar pela integridade delas em audiências de instrução e julgamento sobre crimes contra dignidade sexual.

O Projeto de Lei 5.096/20 foi aprovado, pela Câmara, em regime de urgência, nesta quinta-feira (18/3), com votos de parlamentares do Cidadania, ao qual a FAP (Fundação Astrojildo Pereira) é vinculada. Com autoria da deputada Lídice da Mata (PSB-BA), a proposta foi subscrita por 25 parlamentares de diversos partidos

A apresentação da proposta é uma reação do Legislativo ao caso da promoter e influenciadora digital Mariana Ferrer, popularmente conhecido como “estupro culposo”. Em audiência divulgada no início de novembro do ano passado, a jovem foi alvo de humilhações por parte do advogado de defesa do empresário André Aranha, que foi inocentado do crime de estupro contra ela.

Manifestação ofensiva

De acordo com substitutivo da relatora, deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), o juiz deverá excluir do processo qualquer manifestação que ofenda a dignidade da vítima ou de testemunha. O texto diz que, se houver excessos, o advogado do réu ou outras partes poderão ser denunciados, com pena de responsabilização civil, penal e administrativa.

A determinação, conforme a proposta, será aplicada em audiências de instrução e julgamento, especialmente em crimes contra a dignidade sexual, e em juizados de pequenas causas. Por isso, segundo o texto, o magistrado deverá garantir o cumprimento da lei.

É consenso entre as parlamentares de que o projeto deverá garantir dignidade à vítima de estupro, que, segundo elas, se expõe ainda mais ao exibir sua dor e fragilidade em tribunal de Justiça. No caso de Mariana Ferrer, elas entendem que o advogado de defesa do réu a atacou duramente, reproduzindo clichês de revitimização, ao afirmar que ela estava com roupa curta ou vestido decotado.

Aumento da pena de coação

Além disso, o projeto aumenta, de um terço até a metade, a pena do crime de coação no andamento do processo que envolve crime contra dignidade sexual. No Código Penal, a pena para coação no curso do processo é de reclusão, de um a quatro anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

Esse crime, de acordo coma legislação, é caracterizado pela atitude contra autoridade, qualquer das partes, pessoa que trabalhe ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou mesmo no juízo arbitral.​


Pablo Ortellado: Eles em nós

A editora Record acaba de lançar o novo livro de Idelber Avelar, “Eles em nós”, que busca interpretar os acontecimentos recentes da política brasileira com os instrumentos da análise retórica.

O maior mérito da obra é examinar os processos políticos recentes, reconstruindo cuidadosamente os acontecimentos, de uma perspectiva razoavelmente distanciada. A posição política do autor, que vem da esquerda, mas se afasta dela, confere rara equidistância para tratar criticamente as administrações petistas e o governo Bolsonaro.

A principal limitação do livro é justamente o que seria a sua virtude: o uso de categorias da retórica para explicar os processos políticos. Avelar tem larga experiência como comentador político, mas preferiu se apoiar em sua especialidade, como professor de Literatura, para se lançar neste projeto de interpretação do Brasil contemporâneo. Os conceitos da retórica às vezes dificultam, em vez de ajudar a esclarecer as questões.

Avelar usa, por exemplo, o conceito de oximoro (figura de linguagem que combina palavras de sentido oposto) para tratar das contradições do lulismo. Mostra que, enquanto Lula criticava os ruralistas, tinha Blairo Maggi como interlocutor; enquanto atacava os meios de comunicação, ampliava as verbas de publicidade do governo.

A análise dessas contradições é perspicaz, mas o recurso à figura do oximoro não as ilumina. Lula não empregava expressões antinômicas, mas adotava uma postura ideológica junto à militância, contraditada por seu pragmatismo como presidente. Se se debruçasse sobre o conceito de “governo em disputa”, reivindicado pela militância petista, talvez pudesse entender melhor o fenômeno.

Avelar caracteriza essa ambivalência como uma forma de administração dos antagonismos sociais. E é essa forma de gerenciar os conflitos que teria implodido com os protestos de junho de 2013. A incapacidade do sistema político de entender e dar resposta à revolta teria criado as condições para a emergência de Bolsonaro, cuja radicalidade antissistêmica daria uma expressão de ultradireita aos antagonismos represados.

O último capítulo do livro trata da ascensão de Bolsonaro. Avelar explica sua candidatura a presidente por meio de uma aliança entre o agronegócio, o punitivismo policial e judiciário e o evangelismo cristão. A coalizão teria, no ativismo de internet, uma espécie de vanguarda digital e seria sacramentada pelo compromisso liberal de Paulo Guedes.

A enumeração das forças políticas que apoiam Bolsonaro é bem ponderada, mas a sugestão de que Bolsonaro tenha costurado uma coalizão política é pouco amparada em evidências. Tudo indica que Bolsonaro lançou sua candidatura de maneira aventureira e foi ganhando o apoio desses setores à medida que se popularizava.

As explicações de Avelar nem sempre são persuasivas, mas o livro tem o mérito de fazer as perguntas certas. Entender como passamos do impulso libertário de junho de 2013 para o pesadelo autoritário de 2018 segue sendo um dos grandes desafios da inteligência brasileira.


Carlos Andreazza: Um modo de privatizar

O Parlamento esteve paralisado — por mais de semana — em decorrência do caso Daniel Silveira; escada para que Arthur Lira pusesse em marcha o trator que pretendeu alargar a câmara de blindagem que distingue a casta política brasileira. Afinal, a PEC da Impunidade não prosperaria. Mas foi a agenda legislativa do Brasil — ainda sem Orçamento para 2021, ainda sem solução para a volta do auxílio emergencial — na semana em que o país bateu o recorde de mortos pela peste em um só dia.

Nada mais se moveu no Congresso, desde a prisão do deputado, senão a tentativa corporativista de subverter o princípio da imunidade parlamentar para que crimes como o de Silveira — contra a ordem democrática — restassem autorizados. O Parlamento, à cata de escudar seus investigados por corrupção, quase aceitou dar guarida à fábrica de conflitos que ataca a própria democracia representativa. Exemplo perfeito do que produz a sociedade entre bolsonarismo e Centrão. Exemplo também de por que a natureza — para o golpismo — da base social que elegeu Bolsonaro contamina e interdita qualquer pauta reformista.

Avalie-se a constituição da persona do presidente e do fenômeno reacionário que encarna — exercício que mostra como sempre foi improvável crer que um seu governo pudesse reformar o Estado. Um sujeito cuja ignorância econômica forjou-se na segunda metade da década de 1970; péssimo militar cujos rudimentos sobre economia beberam do fetiche de um Brasil Grande induzido pelo governo central.

O apego ao tamanho da superfície estatal aumentaria com a chegada a Brasília. No curso de três décadas, Bolsonaro — aboletado nas bordas fartas (aquelas recheadas de catupiry) da pizza do establishment — se estabeleceria como bem-sucedido líder classista, agente contra qualquer esboço de diminuição do território em que ergueu frutífera (sim, laranjas) empresa familiar.

Um tipo que, para acrescentar complexidade ao reformismo impossível, tornou-se competitivo nacionalmente ao incorporar a demanda de ressentimentos variados contra o sistema de que sempre foi parte, eleito presidente associado a (e dependente de) um ímpeto por ruptura institucional, movimento desestabilizador em essência, que tem personificação em Daniel Silveira e efeito materializado na revolução dos caminhoneiros que travou o país em 2018.

Um presidente — com cabeça de sub-Geisel, que, agora desde o Planalto, orienta-se em função dos interesses dos mesmos grupos de pressão (armados, não raro amotinados) de quando era vereador — que é o próprio núcleo provedor da instabilidade avessa ao mais mínimo programa de reformas do Estado. Isso, claro, se houvesse projetos para reformar o Estado. Não há. Porque a Bolsonaro se juntou — para compor este raro espetáculo de estelionato eleitoral — um ministro da Economia incompetente como gestor público e que, politicamente autoritário, apaixonou-se pelo populista autocrata que o chefe é. Reformas?

Não se iluda mais, amigo liberal. Daqui até 2022, com algumas migalhas para as viúvas de um Guedes de fantasia, a parceria entre iguais — Bolsonaro e Lira — trabalhará por proteção e reeleição; o que significará mais Estado, contida na ideia de proteção a defesa das mamas em que os presidentes da República e da Câmara engordam há décadas. (Mas você pode acreditar que os estudos modais para a capitalização da Eletrobras avançarão celeremente até que a operação esteja pronta, a ser realizada à véspera ou no próprio ano eleitoral.)

Veja-se a maneira como vai humilhada a tal PEC Emergencial, prioridade de Paulo Palestra. Um projeto que se tentou requentar socado como contrapartida à retomada do auxílio; transformado, porém, numa frondosa árvore de jabutis perversos, a ponto de se haver condicionado a retomada urgente do auxílio ao fim dos pisos constitucionais para Saúde e Educação. Uma aberração. Que não prosperará — felizmente. Mas de cujo impasse se insinua, tocado pela pressa, o improviso. Tem método. O bolsonarismo depende de volubilidades.

O ciclo da fortuna bolsonarista, beneficiado e acelerado pela peste, consiste em prolongar — pela inação calculada — a circulação do vírus, provocar o caos (pela falta de vacinação em massa), atribuir responsabilidades a inimigos artificiais (governadores) e colher créditos extraordinários, para os gastos populistas que financiarão 2022, liberados pela urgência em enfrentar problemas deliberadamente gerados pelo governo Bolsonaro.

Porque o auxílio voltará — sempre se soube, mesmo quando se apregoava a mentira de que o vírus cedia, e a economia se recuperava em V. E a PEC Emergencial avançará, tudo indica, como síntese do liberalismo do amanhã de Guedes; minguando no Senado até resultar num corpo de compensações fiscais desprovidas de impacto imediato. Isso se o auxílio não regressar sem o estabelecimento de qualquer resposta fiscal — nem mesmo as empurradas ao futuro. A pandemia — que é sustentada no Brasil — desculpa e justifica. Reaja-se.

É o que querem Bolsonaro e seus parceiros do Centrão: um cheque especial, à margem do teto de gastos, para investir em popularidade e apaniguados — e que se dane a dívida pública. O minion Guedes topa. O presidente informa que as privatizações devem ficar para 2023. Não mente. A autocracia é um modo de privatizar. Guedes fica. Sabe bem ao que serve.


Luiz Carlos Azedo: O retrato da (in)governança

“A crise sanitária escancara a incapacidade de o governo pôr em movimento, de forma coordenada e a partir de amplos consensos, as políticas públicas do país”

A foto divulgada pelo presidente Jair Bolsonaro no Twitter, na noite de domingo, com as sete pessoas mais importantes da República –– excluídos o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, e vice-presidente Hamilton Mourão ––, após uma reunião fora da agenda no Palácio da Alvorada, diz muito mais sobre o que se deixa de fazer do que sobre qualquer outra coisa. Embora os assuntos tratados, segundo o post, fossem muito relevantes: vacina, auxílio emergencial, emprego e situação da pandemia. As conclusões da reunião são um mistério.

Quem são as autoridades na foto? Além de Bolsonaro, os generais Braga Neto (Casa Civil), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Eduardo Pazuello (Saúde), todos sem máscara, a atitude mais negativista possível em relação à pandemia; os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e o ministro da Fazenda, Paulo Guedes, esses com máscaras. Evidentemente, a foto sinaliza força política, os pilares da governabilidade: a união entre os generais do Palácio do Planalto e os chefes do Legislativo, além do homem que toma conta do cofre da União, em torno do presidente da República.

Mais governabilidade, impossível. Entretanto, a foto é o retrato da crise de governança em que o país está sendo lançado. A reunião não apontou um rumo. Muito pelo contrário, a crise sanitária se agrava, a escassez de vacinas retarda a imunização em massa, permanece o impasse sobre a PEC Emergencial, a economia desanda. Não foi à toa que o dia de ontem foi pautado pelas manifestações de governadores e prefeitos cobrando mais responsabilidade do governo federal e do Congresso no enfrentamento da crise sanitária. Na semana passada, como em outras, não era essa a prioridade de Bolsonaro e das principais lideranças do Poder Legislativo.

Há uma grande diferença entre governabilidade e governança. A expressão “governance” é uma invenção do Banco Mundial (Bird), focada na existência de um “Estado eficiente”. É a maneira pela qual o poder é exercido na administração dos recursos sociais e econômicos de um país visando ao desenvolvimento, ou seja, a sua capacidade de planejar, formular e implementar políticas e cumprir funções. Ao formular o conceito, o Bird considerou dois aspectos: o desenvolvimento sustentado, o que inclui equidade social e direitos humanos, e os procedimentos governamentais, entre os quais a articulação público-privada e a participação dos interessados nas decisões.

Pintando meio-fio

A alta burocracia do governo federal foi treinada para operar os dois conceitos, com os quais Bolsonaro não tem intimidade. Demorou para valorizar a governabilidade, que se refere à dimensão estatal do exercício do poder, suas condições sistêmicas, como as relações entre os poderes e a intermediação de interesses. A governança, porém, ainda é como aquele caviar do samba de Barbeirinho e Marcos Diniz, consagrado na voz de Zeca Pagodinho: “Nunca vi, nem comi/ eu só ouço falar”.

A governança não se restringe aos aspectos gerenciais e administrativos do Estado. Refere-se a padrões de articulação e cooperação entre atores sociais e políticos e arranjos institucionais, coordenação e regulação de transações dentro e através das fronteiras do sistema econômico e do mundo social, como o consórcio que prefeitos estão formando para fazer o que o governo não faz: comprar vacinas. A crise sanitária escancara a incapacidade de o governo pôr em movimento, de forma coordenada e a partir de amplos consensos, as políticas públicas do país.

Infelizmente, os generais que comandam o Palácio do Planalto não trabalham com os demais entes federados e a sociedade na base da cooperação e coordenação (como recomenda a moderna doutrina militar). Sob o comando de Bolsonaro, operam de forma prussiana, vertical, hierarquizada, de cima para baixo, como quem manda pintar de branco o meio-fio dos quarteis ou tomar ivermectina e cloroquina contra a covid-19. Além de um centro, essa visão das coisas tem um método: manda quem pode, obedece quem tem juízo. O resultado é que o país está paralisado, sem rumo, como o coelho hipnotizado pela serpente.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/o-retrato-da-ingovernanca/

Folha de S. Paulo: Sob pressão, Câmara freia votação a jato de blindagem a deputados e impõe revés a Lira

Presidente da Casa tentou acelerar tramitação da proposta, mas reação da opinião pública e desconforto no STF provocaram adiamento

Danielle Brant , Gustavo Uribe , Matheus Teixeira , Renato Machado e Daniel Carvalho, Folha de S. Paulo

Apesar da tentativa de tratorar opositores para acelerar a votação da PEC da imunidade parlamentar, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sofreu um revés nesta quinta-feira (25) com o adiamento da votação da proposta no plenário da Casa.

As dificuldades de costurar um acordo para diminuir a oposição ao texto fizeram com que a sessão se arrastasse por seis horas.

O tempo, no entanto, foi insuficiente para vencer a resistência dos congressistas contrários à proposta, que teve uma repercussão negativa perante a opinião pública e também desagradou a ministros do STF (Supremo Tribunal Federal).

A proposta de emenda à Constituição teve uma tramitação a jato na Câmara, o que gerou críticas de parlamentares.

A PEC foi agilizada pela Câmara como resposta à prisão em flagrante do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), determinada pelo ministro Alexandre de Moraes e ratificada pelos plenários do Supremo e da própria Câmara na semana passada.

A decisão da prisão teve como base a publicação de um vídeo de Silveira com ataques aos ministros da corte e defesa ao AI-5 (Ato Institucional nº 5), que deu início ao período mais autoritário da ditadura.

Em linhas gerais, o texto amplia a blindagem de deputados e senadores e reduz as possibilidade de prisão em flagrante dos parlamentares.

A proposta prevê, por exemplo, punição disciplinar no conselho de ética a deputados que fizerem discursos que possam ser considerados excessivos e impede afastamento judicial cautelar de congressistas, colocando também o parlamentar preso em flagrante por crime inafiançável sob custódia da Câmara ou do Senado, e não da Polícia Federal, como no caso de Silveira.

Lira anunciou a criação de uma comissão pluripartidária sobre a PEC na sexta-feira (19) passada, antes da sessão convocada para apreciar a prisão de Silveira.

A pressa para votar a PEC gerou reclamação de deputados, que diziam não ter tido acesso ao texto final e contestavam a tramitação acelerada da proposta e o impacto que isso geraria perante a sociedade, principalmente pela avaliação de que a proposição blinda os congressistas.

Como comparação, a PEC do Orçamento de Guerra, idealizada no ano passado para munir o Executivo de ferramentas para combater a pandemia de Covid-19 e que tinha acordo entre todos os líderes partidários, foi aprovada em dois dias.

A PEC da imunidade parlamentar está longe de ter o mesmo consenso e teria a mesma tramitação expressa —foi apresentada na terça-feira.

A admissibilidade da proposta, que avalia se o texto segue preceitos constitucionais, recebeu o aval de 304 deputados, enquanto 154 votaram contra. Por regra, uma PEC precisa de 308 votos para ser aprovada na Câmara, em votação em dois turnos, antes de seguir para o Senado.1 9

Sem conseguir apoio suficiente para avançar a proposição, coube ao presidente da sessão, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), a decisão de adiar a votação, sob risco de derrota no plenário. Uma nova tentativa deve ser feita nesta sexta-feira (26), às 10h. ​

Lira afirmou que a regra é necessária para que o STF não tenha “que recorrer a uma lei de segurança nacional” pelo fato de o Congresso não ter esclarecido os limites da imunidade parlamentar.

“Eu respeito os ministros, respeito o Supremo. O Legislativo, da mesma forma, merece todo respeito na sua atuação primordial, que é legislar. E nesse aspecto de uma regulamentação de um artigo constitucional, eu não vejo onde o Legislativo esteja ofendendo ou agredindo outro Poder”, disse.

Para tentar diminuir a resistência dos colegas, a relatora, deputada Margarete Coelho (PP-PI), retirou do texto os dispositivos que não diziam respeito ao artigo de imunidade parlamentar, como o que tratava de ficha limpa e das competências do STF e do STJ (Superior Tribunal de Justiça).

A delimitação proposta busca regulamentar a imunidade parlamentar. O dispositivo foi idealizado para proteger os deputados, de forma que possam votar e discursar sem temor de quaisquer retaliações.

A crítica que se faz, inclusive no caso de Daniel Silveira, é que essa garantia acabou sendo usada para blindar congressistas de punição, dando a prerrogativa de praticar crimes usando a liberdade de expressão como escudo.

Em seu parecer sobre o texto, Margarete Coelho negou que a proposta amplie a imunidade material ou proteja congressistas. "Além de não modificar a jurisprudência do STF sobre a temática, a proposta não cria qualquer blindagem normativa aos congressistas”, escreveu.

Mais cedo, questionado sobre a relevância da medida, Lira se esquivou. "A minha opinião é irrelevante", disse.

Apesar disso, a proposta não teve apoio suficiente dos deputados. Ao final da primeira sessão, Margarete Coelho acenou com um acordo voltado a convencer o PT a votar a favor da proposição.

A deputada acatou uma alteração no artigo 53, para retirar o trecho que previa a punição ético-disciplinar a congressistas —há críticas de que o dispositivo restringiria a possibilidade de ingressar com processos por ofensas cometidas por parlamentares em discursos em tribuna.

A deputada Alice Portugal (PC do B-BA) defendeu a PEC e afirmou que a proposta era fundamental para proteger os parlamentares.

"Nós, do PC do B, que sabemos o que é a falta de liberdade, o que é perder uma bancada inteira por quebra do manto da imunidade. Nós que sabemos o que é a prisão, o cárcere, a morte de líderes, nós não abrimos mão desse instituto", disse.

Líder do Cidadania, Alex Manente (SP) criticou a tramitação acelerada da proposta. "Nós estamos fazendo de maneira rápida, de maneira afobada uma mudança que tem um grande impacto, especialmente diante daquilo que passamos e votamos na semana passada", afirmou.

A PEC ratifica o que já é contemplado no regimento interno da Câmara: parlamentares que quebrarem o decoro parlamentar estão sujeitos a responsabilização ético-disciplinar.

Segundo a proposta, os congressistas poderão ser presos em flagrante por crimes inafiançáveis previstos em lei —uma mudança em relação ao texto original, que previa apenas crimes inafiançáveis determinados pela Constituição.

A seguir, porém, o deputado ou senador ficaria sob responsabilidade de sua respectiva Casa, em vez de ficar sob custódia da Polícia Federal, explica Moroni Costa, sócio do Bichara Advogados.

A PEC veda o afastamento judicial do deputado ou senador. "O Congresso está delimitando a fronteira com o Judiciário", diz. "O mandato vem do povo, não do Judiciário. Agora quem vai decidir efetivamente quanto à custódia vai ser o Congresso."

A interpretação de ministros do STF, no entanto, é de que inúmeros trechos da PEC são inconstitucionais e, se forem contestados, devem ser derrubados pelo Supremo.

A aposta deles, no entanto, é que a Câmara colocou em pauta uma proposta com proteções exageradas para se ter margem de negociação e, ao final, aprovar uma emenda que preserve parte das imunidades inicialmente previstas.

Assim, mesmo que não conquistem tudo o que pretendiam, os deputados irão garantir maior proteção.

Um dos pontos de maior preocupação no STF é a previsão de que as prisões em flagrante de parlamentares só possam ser decretadas por decisão colegiada. Os ministros entendem que a medida é inviável e que praticamente inviabilizaria a detenção de congressistas.

No entendimento de ao menos dois ministros do Supremo, a norma afronta a separação de Poderes, pois afetaria a organização interna dos trabalhos da corte.

Para o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), todos devem respeitar o "senso de urgência" da Câmara em relação à PEC da Imunidade.

"Foi entendido pelo presidente Arthur Lira e pela Câmara como algo necessário, diante especialmente do episódio havido com o deputado federal Daniel Silveira", disse o presidente do Senado.

Pacheco evitou fazer previsões sobre o ritmo de tramitação da proposta no Senado.

Nesta quinta, em sua live semanal, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse não ter nada a ver com a PEC e que, por se tratar de emenda à Constituição, ela é promulgada, não cabendo nem possibilidade de veto presidencial.

"Eu não tenho conhecimento dessa PEC [...] Se eu não me engano, deve ter uns 30 mil projetos, no mínimo, tramitando no Congresso Nacional. Eu não tenho como saber de tudo o que acontece lá", disse Bolsonaro.

"E, obviamente, essa PEC, uma vez tramitando, ela tem a ver com a imunidade parlamentar, não tem nada a ver comigo, como chefe do Executivo. Daí o pessoal começa já a tirar, falar que eu vou ter proveito próprio, a família vai ter proveito próprio em cima disso. São críticas que realmente deixam a gente chateado, dada a ignorância de quem critica sem saber o que está falando", disse o presidente na transmissão. ​


Alon Feuerwerker: A montanha-russa da oposição

Daniel Silveira uniu a esquerda, mas a Petrobras voltou a dividi-la

A prisão do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) e a mudança no comando da Petrobras expuseram ao longo dos últimos dias possíveis caminhos e também dificuldades para a formação de uma frente ampla contra Jair Bolsonaro em 2022. A oposição a ele terá mais liga se o foco do debate estiver na dita “questão democrática”. E menos se enveredar pela condução da economia. (Isso já se sabia. Mas é sempre bom quando os fatos comprovam as teorias.)

Claro que em condições normais de temperatura e pressão. Se, por exemplo, o freio econômico trazido pela Covid-19 estender-se durante, pelo menos, mais um ano e meio, aí o discurso usual da “mudança” encontrará forte eco mesmo se a pauta for a economia. Mas, vamos supor, apenas por hipótese, que ela exiba leve ascensão na segunda metade de 2022. Com alguma recuperação sustentada da atividade e do emprego.

Até porque o governo tem instrumentos para criar o microclima favorável. E a mudança na Petrobras mostrou que o presidente não vai hesitar se precisar acionar o joystick.

Sobre Daniel Silveira, quando a prisão do deputado fluminense foi a voto em plenário, viu-se não apenas a coesão da esquerda contra ele, mas inclusive a luta dos parlamentares dela para assumir a linha de frente no apoio à decisão do Supremo Tribunal Federal. O objetivo político imediato de enfraquecer o bolsonarismo sobrepôs-se a preocupações da esquerda com tornar-se ela própria, algum dia, eventualmente, vítima do cerceamento à imunidade parlamentar.

Funcionou a máxima de que não se faz omelete sem quebrar os ovos. E assistiu-se finalmente à formação da frente amplíssima. Mas poucas horas depois o Planalto já dava sinais de a pauta dele ser outra: impedir que a autonomia absoluta do comando da Petrobras acabe provocando uma greve de caminhoneiros em meio à pandemia, um fato político 100% capaz de reintroduzir na agenda a desestabilização do governo.

 “Defender reajustes dos combustíveis bem acima da inflação não é propriamente algo popular”

E isso poucas semanas depois de Jair Bolsonaro ter afastado a ameaça de impeachment, pois os candidatos dele venceram as eleições para as presidências no Congresso. Em especial na Câmara, onde o bicho começa a pegar nesses casos.

A decisão do acionista controlador de trocar o CEO da petroleira rachou a frente ampla de poucas horas antes. Do centro para a direita, viu-se uma condenação unânime do ato presidencial. Já na esquerda, notou-se simpatia por quem rechaça a ideia de que lucros e distribuição de dividendos devam ser a única variável quando a diretoria da Petrobras toma decisões.

Há um setor da esquerda disposto a pagar (quase) qualquer preço para ver Bolsonaro pelas costas em 1º de janeiro de 2023. Mas não é ainda majoritário. Inclusive porque a sucessão presidencial é fundamental, mas 2022 também tem eleição para um monte de outros cargos. E tem cláusula de desempenho a atingir. E os candidatos, de deputado estadual a senador, precisam estar munidos de alguma narrativa própria, distintiva, dizer coisas atraentes ao eleitor no delicado tema do sustento.

E defender reajustes dos combustíveis toda hora e bem acima da inflação não é propriamente algo popular.

Publicado em VEJA de 3 de março de 2021, edição nº 2727


Merval Pereira: Os extremos se encontram

O conselheiro da Petrobras Marcelo Mesquita, em entrevista à GloboNews, fez um comentário lateral sobre a crise na estatal, com a tentativa do governo Bolsonaro de controlar os preços dos combustíveis, que se torna fundamental quando se olha o quadro de maneira mais abrangente. Disse ele que “se fosse o PT, nós sabemos que teríamos esse problema há dois anos”, referindo-se à política do governo Dilma Rousseff na mesma direção.

Não é à toa que o PT está defendendo a intervenção do governo, e até mesmo o ex-ministro Aloizio Mercadante elogiou o general Joaquim Silva e Luna como “um militar nacionalista”. Há muitos pontos de contato entre visões de mundo autoritárias. Lula deu uma entrevista recente apoiando Bolsonaro quando ele critica o jornalismo profissional. Os dois se sentem atingidos pelas críticas e denúncias.

Tanto Bolsonaro quanto o PT consideram que o indutor do crescimento nacional é o governo e usam as estatais com tal objetivo, mesmo que já tenha sido provado na prática que o resultado é nulo. Mesquita lembrou que a Petrobras teve que pagar US$ 3 bilhões para encerrar uma ação de investidores internacionais (class action), quando o governo Dilma segurou o preço dos combustíveis com o intuito de conter a inflação.

Noutros governos, como o de Fernando Henrique Cardoso, houve essa tentativa, frustrada, uma das vezes quando o ex-ministro José Serra era candidato à Presidência em 2002 e queria que o ministro da Fazenda, Pedro Malan, segurasse os aumentos de combustíveis durante a campanha.

Agora o presidente Bolsonaro anuncia que vai “colocar o dedo” na eletricidade, o que geralmente dá choque nos governantes que tentam. Também a ex-presidente Dilma controlou o preço da eletricidade na canetada, e o resultado foi que, mais adiante, o repasse teve que ser feito de maneira mais acentuada, e até hoje a Eletrobras ainda sofre com o rombo provocado naquele tempo.

Na medida provisória que permite ao BNDES estudar a privatização da estatal de energia — o que parece mais um gesto simbólico do que realidade —, há o sistema de capitalização com a intenção desfazer o rombo nas tarifas das usinas da Eletrobras da época de Dilma. Com isso, a empresa pode vir a recuperar sua capacidade de investimento. Mas técnicos admitem que um impacto para cima nas tarifas haverá, seja ela privatizada ou não.

As trapaças da sorte levaram a que tanto Bolsonaro quanto o PT tivessem inimigos comuns, como o ex-ministro Sergio Moro, e métodos semelhantes para tentar se livrar das acusações de corrupção que atingem Lula e Flávio Bolsonaro. O caminho da anulação de provas, ou de julgamentos, leva ao mesmo objetivo: conseguir nos tribunais superiores (STJ e STF) a alforria dos seus.

A razão pela qual a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça anulou as provas contra o hoje senador Flávio Bolsonaro, uma justificativa insuficiente do juiz de primeira instância para autorizar quebra de sigilo, é uma tecnicalidade semelhante à que levou à anulação do processo conhecido como Castelo de Areia, que envolvia empresários e políticos: a investigação se originou numa denúncia anônima.

Mas, quando se quer beneficiar alguém, aceitam-se até provas ilícitas, como no processo que julga uma denúncia de parcialidade contra o então juiz Sergio Moro. A decisão da 2ª Turma do Supremo, que deve ser contra ele, vai anular a condenação do ex-presidente Lula no caso do triplex do Guarujá e poderá levar de roldão todos os demais julgamentos em que ele foi condenado. E até outras condenações de réus da Lava-Jato.

Assim como a anulação das provas pode levar a investigação contra Flávio Bolsonaro à estaca zero. É possível ampliar o entendimento da lei, como a Operação Lava-Jato fez durante cinco anos, com bons resultados. Mas também usar provas ilegais, como os diálogos entre os procuradores e o então juiz Moro, para absolver condenados. Mesmo que, sabendo da discutível utilização dessas provas, elas não apareçam nos votos dos ministros da 2ª Turma do STF, elas já foram divulgadas largamente para criar um clima contrário ao juiz. O mesmo que acusam os procuradores e o próprio Moro de ter feito. Desde que Bolsonaro partiu para a confrontação com Moro, surgiu um campo enorme de interesses comuns entre Lula e ele.


Mariliz Pereira Jorge: Instituições barram ímpetos golpistas do presidente, mas não de seus seguidores

Ataques de Bolsonaro a seus opositores empoderaram essa muito gente cafona e, certamente, desocupada

Depois do decreto que pretende flexibilizar o acesso às armas e que só tem o intuito de abastecer milícias bolsonaristas, temos mais um capítulo de “como as democracias morrem”. Um grupo criou uma tal Ordem dos Advogados Conservadores do Brasil, que nada tem com a OAB, mas com o compromisso de intimidar críticos ao governo.

Por meio de um comunicado nas redes sociais, ameaça processar “todos” que ofenderem Bolsonaro, sua família e integrantes da administração: “vamos derrotar o mal”. O “mal”, como sabemos, é a liberdade de expressão garantida pela Constituição, que dá aos brasileiros o direito de fiscalizar, questionar, desaprovar e esculhambar até o ocupante do cargo mais importante do país.

Os ataques de Bolsonaro a seus opositores empoderaram essa muito gente cafona e, certamente, desocupada, que pretende promover uma cruzada contra políticos de oposição, artistas, professores e, claro, jornalistas, os que estão em primeiro plano na mira da seita criada pelo presidente.

Se o ministro da Justiça usa sua caneta para perseguir profissionais como está fazendo com meus colegas Ruy Castro e Hélio Schwartsman, por que um grupo de gente ressentida e ignorante, mas com diploma de advogado, não faria o mesmo? Sigamos o mestre, devem pensar.

Pode parecer meia dúzia de aloprados, mas é exatamente como têm sido tratados grupos envolvidos em manifestações pró-golpe militar e em disparos de fake news. As instituições, por enquanto, têm barrado os ímpetos golpistas do presidente, mas não podemos dizer o mesmo sobre seus seguidores. Somos testemunhas do como a democracia vem sendo corroída pelas bordas —e por gente aparentemente insignificante.

Sempre bom lembrar do vice-presidente Pedro Aleixo, em 1968, que foi a única voz discordante da atrocidade do AI-5. “O problema é o guarda da esquina.” Como sabemos, este governo está cercado cada vez mais de gente assim, em cada esquina do país.


Bruno Boghossian: Congresso pode afrouxar caixa dois, improbidade e investigações

Câmara faria um serviço ao país se modernizasse regras, mas ideia cria brecha para retrocessos

Poucas coisas movimentam tanto o Congresso quanto a força-tarefa que tenta mudar as leis que mexem com a vida política dos parlamentares. A ideia é reformar regras ultrapassadas e conter abusos, mas o esforço abre caminho para perdoar o caixa dois, blindar deputados e livrar prefeitos que fazem barbaridades com dinheiro público.

Logo nas primeiras semanas de atividade, os parlamentares lançaram um grupo de trabalho para reformar a legislação eleitoral. O Congresso faria um bem ao país se criasse regras modernas para a propaganda e o financiamento de campanhas. Os deputados, no entanto, também querem discutir retrocessos que interessam principalmente à sua sobrevivência política.

Voltaram ao debate monstrengos como o distritão, que enfraquece os partidos políticos e facilita a eleição de aventureiros para o Legislativo, e a flexibilização da cláusula de barreira, que impediria o enxugamento do número de siglas nanicas.

Segundo os deputados, também podem entrar na pauta mudanças para aliviar punições por caixa dois, um sonho antigo de muitos parlamentares. Além disso, eles estudam mexer na Lei da Ficha Limpa –que tem regras defeituosas, mas pode acabar desfigurada.

Os deputados elaboraram ainda a PEC da imunidade. De um lado, ela acaba com aberrações como a possibilidade de um tribunal de instância inferior afastar um parlamentar do mandato. De outro, dificulta prisões e impõe um excesso de restrições nas investigações contra políticos. Na prática, cria uma blindagem e abre caminho para imitadores do golpista Daniel Silveira.

Na Câmara, já se fala também em liberar o nepotismo e em afrouxar as punições contra políticos por improbidade administrativa. Esta mudança pode fazer a festa de prefeitos interessados em gastar dinheiro público sem prestar contas. A ideia tem o apoio de Jair Bolsonaro, que tenta fortalecer sua base eleitoral nos municípios. “Alguma coisa vai ser mudada, pode deixar”, avisou.


Catarina Rochamonte: STF - Autoritarismo contra boçalidade

O deputado se excedeu em palavras e o ministro se excedeu em ato: tentou combater a boçalidade com autoritarismo.

A verborragia do deputado Daniel Silveira que deu azo ao mandado de prisão em flagrante expedido pelo ministro Alexandre de Moraes é de estarrecer pela sua vileza, violência, chulice e boçalidade. Essa boçalidade tem degradado a política brasileira, mas, convenhamos, ela não é exclusividade do deputado que serviu de boi de piranha para o Supremo mandar seu recado ao bolsonarismo.

Que a fala do deputado foi criminosa, parece consenso; todavia, a prisão em flagrante teve sua legalidade amplamente questionada no meio jurídico. O deputado se excedeu em palavras, e o ministro se excedeu em ato: tentou combater a boçalidade com autoritarismo e defender o Estado de Direito corroendo seus alicerces. A punição deveria ter sido pleiteada segundo o rigor das normas constitucionais.

O STF merece muitas críticas, que podem ser feitas sem excessos criminosos. Não apenas pode ser criticado como deve ser investigado, inclusive pela já de há muito proposta CPI da Lava Toga, que está barrada no Senado pelo acordo de impunidade entre os Três Poderes. CPI essa, aliás, que sofreu ativa resistência do senador Flávio Bolsonaro.

Mesmo sendo legalmente questionável, a prisão do deputado foi referendada pela unanimidade do STF e corroborada pela Câmara. O presidente Bolsonaro, por sua vez, silenciou, como já o fizera em relação às prisões de Sara Winter e Oswaldo Eustáquio. É que a turma radical não lhe é útil nesse momento: tornou-se um ruído a perturbar a paz que uniu Planalto, ala anti-Lava Jato do STF e políticos de rabo preso que não se podem indispor com o Supremo.

Se a Câmara optou por não oferecer resistência aos arroubos autoritários dos que se julgam intocáveis, cabe agora ao Senado fazê-lo, abrindo os processos de impeachment protocolados contra ministros do Supremo e instalando a CPI da Lava Toga. Se a independência e harmonia dos poderes é pilar do Estado de Direito, é preciso agora que o Senado exerça algum protagonismo republicano.


Vinicius Torres Freire: Óleo de soja e arroz aumentaram muito mais que diesel. Bolsonaro vai intervir?

Óleo de soja e arroz aumentaram muito mais que diesel. Bolsonaro vai intervir?

Em um ano, o óleo de soja ficou 96% mais caro. O óleo diesel, 2% mais barato, segundo o IPCA de janeiro. Nas contas da Agência Nacional do Petróleo, o diesel encareceu 2% de fevereiro de 2020 para cá.

Talvez um ano apenas não conte bem a história da carestia do combustível. Considere-se então o que aconteceu desde outubro de 2016, quando a Petrobras passou a reajustar seus preços com mais frequência, com base na cotação internacional. O óleo de soja ficou 123% mais caro. O óleo diesel, 23%. O arroz, 67%. O quilo de alcatra, 41%.

O problema não seria apenas o preço alto do combustível, se diz por aí, mas sua variação excessiva. No entanto, os preços do diesel ou da gasolina são menos voláteis do que os de arroz, feijão, alcatra ou óleo de soja, pelo menos desde 2016.

Jair Bolsonaro vai intervir nos preços da comida, como ameaça fazer com a Petrobras? Mais difícil. Não existe uma Vacabrás ou uma Arroz Pátria Amada S.A. Por falar nisso, assim como ferro e petróleo, grãos e carnes têm preços definidos no mercado mundial.

Não há Vacabrás nem tampouco grande grupo organizado de protesto daqueles que não podem comprar arroz. O povo definha quieto, ainda mais em tempo de esquerda semimorta. Mas existem movimentos caminhoneiros e empresariais fortes o bastante para quase levar o Brasil ao colapso rodoviário. Alguns são falanges de Bolsonaro, animador do caminhonaço de 2018.

Obrigar a Petrobras a cobrar abaixo do preço de mercado não apenas diminuiria seu faturamento, os dividendos que paga ao governo, elevaria seu custo de financiamento e limitaria seu crescimento. Se a crise ficar barata, a Petrobras vai perder dezenas de bilhões de reais (centena?).

Por ora mais relevante, a mera percepção de que o governo possa vir a meter a pata em empresas tende a elevar custos de financiamento (juros mais altos, inclusive para o governo) e limitar investimentos na economia em geral.

Bolsonaro partiu para a demagogia econômica explícita. Abriu mais um buraco no Orçamento ao isentar gás e diesel de impostos, embora ainda gaste menos do que Michel Temer no pagamento desse suborno-resgate. Cometerá crime fiscal caso não corte outro gasto ou não aumente algum imposto para compensar.

A história de que o governo “responsável” procurava compensações para a nova despesa com o auxílio emergencial se torna assim mais ridícula. O auxílio está à beira de passar no Congresso com compensações apenas para inglês ver, mais uma promessa como o trilhão das privatizações de Nostradamus de Paulo Guedes (acontecerão em algum momento dos séculos por vir). Por falar nisso, quem vai comprar refinaria da Petrobras quando o governo mete a mão nos preços?

Sim, esta análise tem a perspectiva limitada da gerência elementar de uma economia de mercado e seus requisitos mínimos de funcionamento. É o máximo que se pode esperar sob o governo militar bolsonariano.

Como um projeto de tirano aloprando em um bunker ou porão, Bolsonaro não dá a mínima para o risco de arruinar o país: ele é capaz de tudo, e incapaz também. Corre agora risco maior de implodir seu próprio governo e prestígio, popularidade que poderia manter à tona vacinando em massa e obedecendo ao menos à mediocridade habitual de sua equipe econômica. Mas, se um quarto de milhão de cadáveres e outras ruínas não o derrubaram, por que não dobrar a aposta na monstruosidade ignorante e tocar o golpe por outras vias?

Donos do dinheiro grosso vão reagir ou continuam achando que Bolsonaro ainda está no preço?