Bolívia

Brasil, Bolívia e Peru estão entre campeões mundiais de desmatamento

O compromisso assumido de acabar com o desmatamento e revertê-lo até 2030 foi considerado um dos acordos mais importantes da COP26

BBC News

Não é a primeira vez que os líderes mundiais fazem esse tipo de promessa e muitos duvidam que os acordos venham a ser concretizados na data prevista.

Em 2014, a Organização das Nações Unidas anunciou um acordo para reduzir o desmatamento pela metade até 2020 e a zero até 2030.

Depois, em 2017, foi estabelecido outro objetivo, de aumentar as áreas de floresta em 3% em todo o mundo até 2030.

Mas o desmatamento prosseguiu em "ritmo alarmante", segundo um relatório de 2019, com sérias consequências para a luta contra as mudanças climáticas.

Mesmo assim, os especialistas não têm dúvidas em classificar este tema como "urgente". As florestas absorvem grandes quantidades de dióxido de carbono (CO2), que é um dos principais causadores do aquecimento global, e o corte de árvores pode ter grande impacto sobre a vida no planeta.

A ONU afirma que 420 milhões de hectares de florestas foram perdidos desde 1990, principalmente devido à agricultura.

Foram realizados alguns esforços de reflorestamento, seja por crescimento natural ou plantio, mas as árvores precisam de anos para crescer, até que possam absorver completamente o CO2.

Durante a última década, foram perdidos 4,7 milhões de hectares de florestas por ano. Entre os países mais afetados, encontram-se o Brasil, a Bolívia, o Peru, a Indonésia e a República Democrática do Congo.

É alarmante para muitos que três países da América Latina estejam no topo da lista. Veja qual é a situação em cada um deles.


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Brasil

Cerca de 60% da floresta amazônica ficam no Brasil, que desempenha um papel fundamental na absorção do CO2 nocivo que, de outra forma, escaparia para a atmosfera.

Após reduções constantes desde 2004, o desmatamento da Amazônia brasileira aumentou novamente, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

Segundo um relatório do instituto, a taxa de desmatamento em 2020 foi a mais alta em mais de uma década.

O presidente Jair Bolsonaro afirmou na ONU que, desde agosto deste ano, o desmatamento no Brasil diminuiu em comparação com 2020.

Mas a taxa de desmatamento ainda é superior aos níveis anteriores à sua chegada ao poder, em 2019.

Os dados do Imazon - Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia - não demonstram desaceleração da taxa de desmatamento este ano.

O presidente Bolsonaro foi criticado pelas suas políticas contrárias à preservação ambiental, como o incentivo à agricultura e à mineração na Amazônia.

O mandatário brasileiro também foi questionado pelo corte dos fundos das agências governamentais responsáveis por fiscalizar os agricultores e madeireiros que violam a legislação ambiental.

Em 2020, as multas por cortes ilegais caíram em 20%.

Os números exatos não estão disponíveis, mas estudos recentes sugerem que até 94% do desmatamento e da destruição dos habitats brasileiros podem ter causas ilegais.

Área desmatada na Amazônia: Bolsonaro afirmou na ONU que, desde agosto deste ano, o desmatamento no Brasil diminuiu em comparação com 2020. Foto: Felipe Werneck/Ibama

Bolívia

O Brasil não é o único país responsável pelo desmatamento da Amazônia. Os países vizinhos também contribuem — e um deles é a Bolívia.

No ano passado, a Bolívia perdeu quase 300 mil hectares de florestas tropicais — o quarto maior desmatamento do planeta.

Entre 2002 e 2020, a Bolívia perdeu 3,02 milhões de hectares de floresta primária úmida, que representam 51% da sua perda total de cobertura florestal no mesmo período, segundo os dados da ONG Global Forest Watch.

A área total de floresta primária úmida do país andino foi reduzida em 7,4% nesse período.

Entre 2001 e 2020, a Bolívia perdeu 6,11 milhões de hectares de cobertura florestal, equivalentes a 9,5% de redução da cobertura florestal desde o ano 2000, o que representa cerca de 2,67 bilhões de toneladas de emissões de CO2.

Segundo o estudo da Global Forest Watch, 74% da perda de cobertura florestal do país entre 2001 e 2019 ocorreram em regiões onde os fatores dominantes de perda resultaram em desmatamento.

Peru

Entre 2002 e 2020, o Peru perdeu 2,16 milhões de hectares de floresta primária úmida e a área total de floresta primária úmida foi reduzida em 3,1% nesse período, segundo a Global Forest Watch.

Nesse mesmo período, o país perdeu 3,39 milhões de hectares de cobertura florestal, equivalentes a 4,3% de redução com relação à cobertura existente em 2000 e a 2,17 bilhões de toneladas de emissões de CO2.

Em outros continentes

A Indonésia, na Ásia, e a região do Congo, na África, são outras áreas que apresentam as maiores taxas de desmatamento do planeta.

A Indonésia tem permanecido entre os cinco países com maiores perdas florestais relatadas nas últimas duas décadas.

Segundo os dados da Global Forest Watch, o país perdeu 9,75 milhões de hectares de floresta primária entre 2002 e 2020, principalmente devido à derrubada de árvores para plantio de palma oleaginosa. Dados oficiais indicam que até 80% dos incêndios florestais foram iniciados com esse objetivo.

Em 2016, houve um recorde de 929.000 hectares de floresta perdidos, mas tem havido reduções constantes da taxa de desmatamento do país desde então.

A floresta da bacia do Congo é a segunda maior floresta tropical do mundo. Mais da metade dela encontra-se na República Democrática do Congo.

A organização ativista ambiental Greenpeace afirma que o corte ilegal, por pequenas e grandes empresas, está causando o desmatamento.

Embora os Estados Unidos e a União Europeia tenham proibido a importação de madeira ilegal, ainda existe contrabando para fora do país

Outras ameaças incluem a agricultura de subsistência em pequena escala, a extração de carvão e combustível, a expansão urbana e a mineração.

Nos últimos 5 anos, a perda anual de floresta primária naquela região foi de quase meio milhão de hectares, segundo a Global Forest Watch.

Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-59300251


Bernardo Mello Franco: Vitória de Evo, derrota de Bolsonaro

A vitória de Luis Arce na Bolívia sela mais uma derrota da diplomacia de Jair Bolsonaro e Ernesto Araújo. A dupla envolveu o Brasil na quartelada que derrubou o então presidente Evo Morales. Menos de um ano depois, os golpeados deram o troco nos golpistas e voltaram ao poder pelo voto.

Bolsonaro e Araújo festejaram a derrubada de Evo, que teve a casa invadida e foi obrigado a fugir do país. O chanceler trapalhão tuitou que não houve “nenhum golpe” na Bolívia. Horas antes, uma junta militar havia ocupado a TV para exigir a renúncia do presidente.

Evo ignorou um referendo na tentativa de se perpetuar no poder. No entanto, a alegação de que ele teria fraudado a última eleição nunca foi provada. O relatório da OEA que apontava “graves irregularidades” na apuração caiu em descrédito. Foi desmontado por especialistas de três universidades americanas.

Além de apoiar a virada de mesa, o Itamaraty ajudou a entronar Jeanine Áñez como presidente interina. Ela descumpriu a promessa de convocar eleições em janeiro e usou o cargo para perseguir opositores, segundo relatório da Human Rights Watch.

Ao tomar partido dos golpistas, o Brasil perdeu condições de mediar a crise no país vizinho. Foi uma estratégia desastrada. Ontem o chanceler Araújo passou o dia em silêncio, enquanto a oposição boliviana parabenizava Arce pela vitória em primeiro turno.

Esta não foi a primeira operação tabajara da política externa de Bolsonaro. O Itamaraty se associou a Juan Guaidó na tentativa de derrubar Nicolás Maduro na Venezuela. O presidente autoproclamado sumiu do mapa e o chavista continuou no poder.

O Planalto também fracassou ao tentar interferir nas eleições da Argentina. O capitão se empenhou na campanha de Mauricio Macri, mas não conseguiu evitar o triunfo de Alberto Fernández.

O peronista se fortalece com a escolha dos bolivianos. Em 2019, ele condenou a quartelada e ofereceu asilo diplomático a Evo. Ontem celebrou a vitória de Arce como uma “boa notícia para quem defende a democracia na América Latina”.


El País: Promotoria boliviana ordena a prisão do ex-presidente Evo Morales

Ex-mandatário, que está asilado em Buenos Aires, é acusado de terrorismo pelo novo Governo opositor

A Promotoria da Bolívia ordenou na quarta-feira a prisão do ex-presidente Evo Morales, que está asilado na Argentina desde 12 de dezembro. A decisão da Justiça do país, assinada por dois promotores da cidade de Cochabamba, chega quase um mês depois de o gabinete interino que o sucedeu no poder apresentar uma denúncia por sedição (insubordinação) e terrorismo contra o ex-mandatário. O documento determina que policiais e funcionários públicosprendam e conduzam Morales à Promotoria Anticorrupção de La Paz para depor pela suposta realização desses crimes.

A acusação contra o dirigente cocaleiro, que governou a Bolívia durante quase 14 anos, se baseia na suposta tentativa de apoiar os bloqueios às principais cidades, impedindo assim a passagem de alimentos e combustíveis. A Bolívia atravessou uma onda de fortes protestos após a saída de Morales em 10 de novembro. Ele deixou seu cargo forçado pelo Exército e dias depois abandonou o país. Partiu ao México, onde o Governo de Andrés Manuel López Obrador lhe ofereceu asilo, e lá estava durante as mobilizações. O gabinete da presidente interina, Jeanine Áñez, divulgou à época a gravação de uma ligação telefônica em que o ex-presidente supostamente dava ordens a alguns seguidores para cortar caminhos. Os bloqueios isolaram durante dias La Paz e a vizinha cidade de El Alto, um dos principais cenários dos confrontos entre manifestantes e forças de segurança. A escassez de gasolina foi o primeiro efeito. A repressão dos militares, que chegaram a ser eximidos de responsabilidade penal por um decreto depois revogado, deixou dezenas de mortos e centenas de feridos.

O ex-mandatário chamou a investigação de montagem. “A Promotoria inicia investigações com montagens, provas plantadas e gravações manipuladas contra os movimentos sociais que lutam pela vida e pela democracia, mas para 30 irmãos assassinados a tiros na Bolívia, não há investigação, responsáveis e detidos”, atacou em sua conta no Twitter. Morales pediu na terça-feira em Buenos Aires seu direito de voltar a seu país para a convocação de eleições presidenciais —ainda sem data— após a anulação das eleições de 20 de outubro, em que a auditoria da Organização dos Estados Americanos (OEA) detectou várias irregularidades e “manipulação dolosa” das urnas. “Se pretendem realizar eleições livres, me deixem entrar na Bolívia. Não serei candidato nessas eleições, mas tenho direito a fazer política”, solicitou em um comunicado à imprensa.

A ordem de prisão, entretanto, complica o retorno do ex-mandatário à primeira linha. O Governo ultraconservador de Áñez, que assumiu em meio a acusações de golpe de Estado, desde o primeiro dia trabalhou para enfraquecer a máquina do Movimento ao Socialismo (MAS), o antigo partido governista, e colocou em andamento uma campanha para encurralar o entorno de Morales. O ministro do Governo, Arturo Murillo, responsável pela política de segurança, começou no cargo anunciando a “caça” de rivais políticos.

A própria Áñez, do Movimento Democrata Social, prometeu em uma de suas primeiras falas como presidenta que não perseguiria adversários. Mas já à época, antes de apresentar uma denúncia, quis deixar claro que o líder indígena enfrentaria suas responsabilidades caso retornasse. “Agora estão pedindo para que venha quando ninguém o expulsou do país. Ele partiu sozinho, [...] ele sabe que ainda tem contas pendentes com a Justiça boliviana”, disse. “Se o presidente Morales voltar, que volte, mas ele sabe que também precisa responder à Justiça. Nós vamos exigir que a Justiça boliviana faça seu trabalho”.


Bernardo Mello Franco: Ao apoiar golpe, Brasil perde chance de mediar crise na Bolívia

A derrubada de Evo Morales foi um golpe clássico, com direito a ultimato militar na TV. Ao apoiar a quartelada, o Brasil perdeu condições de mediar outra crise em sua fronteira

Para quem sonha com quarteladas, foi um domingo e tanto. De uniforme camuflado, o chefe das Forças Armadas convocou as emissoras de TV para ler um ultimato. Cercado por outros generais de farda, “sugeriu” a renúncia imediata do presidente.

A derrubada de Evo Morales foi um golpe de Estado clássico. Mais um na longa história de conspirações militares e rupturas institucionais na Bolívia.

Líder dos cocaleiros, Morales foi o primeiro indígena a governar o país. Eleito em 2005, nacionalizou a exploração de gás e reduziu a pobreza quase à metade. Em sua gestão, a economia cresceu ao ritmo de 5% ao ano.

Enfeitiçado pela popularidade, o presidente flertou com o caudilhismo e tentou se perpetuar no poder. Neste ano, ignorou um referendo popular e se lançou ao quarto mandato consecutivo. A disputa foi marcada por denúncias de fraude e apelos por uma nova votação.

Morales se declarou vencedor, mas não teve sossego. Por três semanas, as ruas foram tomadas por protestos. O empresário Luis Fernando Camacho despontou como líder de uma oposição mais radical, apoiada por milícias e igrejas evangélicas. Após a renúncia forçada, ele invadiu o palácio presidencial com uma Bíblia na mão.

Pressionado pela OEA, o presidente já havia aceitado convocar novas eleições quando foi ejetado do cargo. O governo brasileiro festejou a deposição. O chanceler Ernesto Araújo tuitou que não houve “nenhum golpe”. Jair Bolsonaro aproveitou para martelar sua pregação pelo voto impresso, apesar de a Bolívia usar cédulas de papel.

Ao apoiar a quartelada, o Brasil perdeu as condições de mediar outra crise explosiva, que pode degringolar numa guerra civil na nossa fronteira. Mais um feito da antidiplomacia bolsonarista.

***
A crise na Bolívia subiu ao palco da Cidade das Artes no domingo à noite. Foi o mais novo caco de José Celso Martinez Corrêa no texto de “Roda Viva”, musical de Chico Buarque encenado pela primeira vez em 1968. A remontagem é uma sátira irresistível do Brasil de hoje. Fica em cartaz no Rio até o dia 1º. Aproveite.


El País: Bolsonaro ironiza Evo Morales, mas teme efeitos da crise boliviana

Vazio político instaurado na Bolívia pode criar tensão na fronteira e fazer escalar instabilidade na região. País renegocia com vizinho estratégico acordo de importação de gás que expira em dezembro

O presidente Jair Bolsonaro ironizou a decisão de Evo Morales de deixar o país andino e se exilar no México, um dia depois de o boliviano renunciar ao poder: "Lá a esquerda tomou conta de novo. Tenho um bom país para ele: Cuba", afirmou o presidente em referência ao Governo mexican de Andrés Manuel López Obrador em frente ao Palácio do Alvorada. No domingo, o presidente brasileiro já tinha escrito uma mensagem irônica nas redes ao usar a expressão "grande dia", seguida de um sinal de joinha, pouco depois do anúncio de renúncia de Morales, que deixou o cargo por pressão do Exército e após dias de protestos intensos. O vice-presidente boliviano e os chefes das duas casas legislativas renunciaram também, deixando a sucessão presidencial em um limbo.

Apesar da comemoração da queda de um dos governos da ala da esquerda —alvo constante de ataques de Bolsonaro— para as redes e as as câmeras, nos bastidores a informação é que o tema preocupa o Planalto, já que a crise que mergulhou a Bolívia em um vazio político pode criar tensão na fronteira com o Brasil, fazer escalar o clima de instabilidade na região e, dependendo da duração e do desfecho, afetar a estratégica relação comercial entre os dois países, cujo principal eixo é um acordo de importação de gás pelo lado brasileiro (83% do gás que o Brasil importa vem da Bolívia, num cenário que os campos brasileiros só produzem pouco menos de 70% do que o país precisa). Por tudo isso, o melhor é que a situação se estabilize o quanto antes, segundo interlocutores.

Em entrevista ao jornal O Globo, Bolsonaro afirmou não considerar que Morales tenha sofrido um golpe. Para ele, as denúncias de fraudes nas eleições culminaram na renúncia do boliviano. "A palavra golpe é usada muito quando a esquerda perde, né?", disse. O presidente brasileiro explicou ainda que o sistema de votação atual "não serve" e que a Bolívia é um sinal para que o Brasil adote um sistema seguro. Em um tom um pouco mais cauteloso, Bolsonaro ressaltou que "não é bom acontecer esse tipo de movimento". "Eu sei que lá foi contra a esquerda, mas a gente não quer nem contra a esquerda nem contra a direita. A gente quer que, acabou, tem dúvida, vai lá e conta, abre a urna lá, o voto impresso e conta", disse.

Reunião na OEA e pragmatismo

Por enquanto, a tônica do Governo sobre a crise instaurada no país andino parece ser essa: observação atenta, mas sem maior envolvimento, à diferença de crises anteriores, quando o país era chamado a mediar o conflito diretamente. O chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, disse que o Brasil apoiará uma "transição democrática e constitucional" e que a "narrativa de golpe só serve para incitar violência". O Itamaraty também afirmou que já tinha solicitado uma reunião antes mesmo da renúncia de Morales com a Organização dos Estados Americanos (OEA) para examinar as conclusões da auditoria realizada pelo órgão a respeito das eleições. Outros países, como a Colômbia do Governo conservador de Ivan Duque, se somaram ao pedido de uma reunião emergencial após a renúncia do boliviano. O encontro deve acontecer na sede em Washington nesta terça-feira.

"A posição do presidente é clara, mas o que importa do ponto vista político-diplomático são as ações do Brasil. E acho que o país não vai tomar nenhuma outra ação além de apoiar o relatório da OEA e pedir novas eleições", explica Rubens Barbosa, ex-embaixador brasileiro em Washington. Para Barbosa, o país deve se preocupar quanto a possíveis distúrbios na fronteira.

Em um dos limites dos dois países, em Corumbá, a 415 km de Campo Grande, a passagem está fechada há mais de 20 dias. Uma greve geral de manifestantes contrários ao ex-presidente é mantida no local. "Como é um país com uma fronteira importante e grande é sempre complicado. Acho que estão preocupados, mas a situação ainda não saiu do controle", diz Barbosa.

Outro receio quanto à crise instaurada na Bolívia é que ela afete de alguma maneira a relação comercial entre os dois países, principalmente no mercado de gás natural. Atualmente o Governo brasileiro tenta renegociar o contrato de importação do gás boliviano, por meio do Gasoduto Brasil-Bolívia, para diminuir o preço do combustível. Em tese, o contrato atual, que obriga a Petrobras a comprar uma cota mínima de produção boliviana expira em dezembro. Apesar de o Brasil ter diminuído sua fonte de dependência do produto do vizinho, ainda assim é de lá que vem mais de 80% do importante em gás natural. "Se a Bolívia parar de fornecer gás por um dia a gente para a Av. Paulista. A nossa indústria depende profundamente do gás natural que vem de lá", explica o professor de Política Internacional da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Dawisson Lopes.

Para além das implicações econômicas, Lopes ressalta que o momento que atravessa o país andino é muito relevante para os rumos da política da América Latina. "Há dois campos medindo força na região. Antes da renúncia de Morales, os movimentos pareciam indicar que o campo da esquerda estava conseguindo recuperar terreno perdido e me refiro a Alberto Fernandez, na Argentina, e a libertação do ex-presidente Lula no Brasil. Tinha um clima favorável a esse campo da esquerda, mas essa onda foi interrompida no domingo", explica.

A situação da Bolívia virou uma espécie de totem do que é a situação institucional da América Latina, na opinião de Dawisson. "Quando as pessoas começam a ir frequentemente para rua é sinal que há um descolamento entre sociedade e política institucional, economia e política institucional, e eu acho que a questão institucional voltou para a pauta".

Apesar de formar parte do grupo de políticos de esquerda na América Latina, fortemente criticado pelo clã bolsonarista, o ex-mandatário boliviano mantinha uma boa relação pragmática com o presidente brasileiro e, em janeiro, compareceu à posse de Bolsonaro em Brasília. Antes, o boliviano já havia se aproximado de Michel Temer, mesmo tendo feito críticas ao impeachment.  "Evo Morales é famoso internacionalmente não apenas porque ficou 13 anos no poder, mas porque fez diplomacia presidencial como nenhum outro da região. Ele se encontrava com líderes tão diferentes como Bolsonaro e Maduro. Sua capacidade diplomática era invejável", ressalta Dawisson.

A relação com o presidente brasileiro só azedou durante a crise das queimadas na Amazônia, quando Bolsonaro atacou o país andino e afirmou que era na Bolívia, e não no Brasil, onde estavam se espalhando os incêndios florestais.

Na avaliação do professor da UFMG, ainda é cedo para fazer prognósticos sobre o futuro da Bolívia e sua relação com o Brasil. Mas sua maior aposta é de que a direita irá assumir o poder no pós-Evo Morales. "Algum candidato que tenha a simpatia das forças armadas deve assumir e Bolsonaro vai apoiar esse candidato", sugere.


Leandro Colon: Caso Battisti é um vexame completo para o Brasil

Depois de abrigá-lo, país não impediu fuga e teve de engolir a expulsão pelo vizinho

A novela Cesare Battisti, ao que parece em seus capítulos finais, caminha para um desfecho de saldo vexaminoso para a imagem do Brasil.

Condenado na Itália à prisão perpétua por quatro homicídios nos anos 70, o terrorista italiano viveu na última década por aqui graças à benevolência dos governos petistas.

Recebeu o status de refugiado do ex-presidente Lula, hoje um preso condenado pela Lava Jato por corrupção e lavagem de dinheiro. Com a proteção garantida, Battisti construiu uma vida em solo brasileiro.

Desfilava tranquilamente pelas ruas de Cananeia, no litoral paulista. Teve um filho com uma professora brasileira. Vestindo a camisa do Corinthians, declarou à Folha em 2017 que não havia razões para fugir, muito menos para a Bolívia —pouco antes, fora detido na fronteira sob acusação de evasão de divisas por carregar mais de R$ 10 mil em espécie.

“A minha arma para me defender não é fugir. Estou do lado da razão, tenho tudo a meu lado”, disse ao repórter Joelmir Tavares na ocasião.

Um ano e dois meses depois daquela entrevista, a casa caiu para Battisti. O STF autorizou sua prisão e a extradição para a Itália foi assinada pelo então presidente Michel Temer.

Perdeu quem apostou que o constrangimento de mais de dez anos para o Brasil havia chegado ao fim.

Battisti deu um olé (digno de bons craques do seu clube de coração no Brasil) na Polícia Federal nos últimos 30 dias. Como contou a repórter Camila Mattoso, ele despistou a polícia, que tentou procurá-lo, em vão, até em um barco no rio Amazonas.

Foi preso pela polícia da Bolívia nas ruas de Santa Cruz de La Sierra. O presidente Jair Bolsonaro montou uma operação para trazê-lo ao Brasil, nem que fosse por alguns minutos, e exibi-lo como troféu. O ministro Augusto Heleno, do GSI, anunciou que um avião da PF havia sido deslocado para buscar Battisti. A Itália atropelou e o levou da Bolívia.

Depois de abrigar um terrorista, o Brasil não impediu sua fuga do país e ainda teve de engolir a expulsão pelo vizinho. Um vexame completo.


José Roberto de Toledo: Caçando o voto inútil

Quem anula ou vota em branco pode, sem saber, ajudar o candidato mais votado.

Para 16 milhões de brasileiros, o voto se tornou inútil. No domingo passado, eles votaram em branco ou anularam, propositalmente ou não. É a maior ocorrência de votos inválidos em ao menos 20 anos: 13,7%. Mas, para ser compreendido, o fenômeno precisa ser escrutinado, sopesado, dividido. O diabo eleitoral é detalhista, nada tem de genérico. Não adianta procurar, o eleitor médio não existe. Se existisse, teria um seio e um testículo.

Antes de mais nada é preciso separar abstenção de brancos e nulos. Abstenção é um problema eminentemente cadastral. A Justiça Eleitoral não atualiza a listagem de eleitores como deveria. Ela está repleta de fantasmas e dados desatualizados sobre quem deveria votar - do endereço dos pais à escolaridade que o eleitor tinha aos 16 anos quando tirou seu título.

Tanto é assim que nos municípios onde houve recadastramento recente, como em Manaus, a abstenção foi menos da metade da média brasileira e quase um terço da verificada em cidades onde os cadastros não são atualizados há 30 anos, como São Paulo.

Só 8% dos eleitores manauaras não deram as caras, contra 22% dos paulistanos. É porque o cadastro eleitoral não tira a urna funerária da urna eletrônica em São Paulo. Mais idosos têm a zona eleitoral, como as do centro, mais abstenção. Quando os mortos se abstêm não há problema. Problema é quando eles votam.

À medida que mais localidades implantarem o sistema biométrico, mais viva e atualizada ficará a listagem de eleitores, porque o recadastramento é obrigatório. O problema é a falta de manutenção, porém. Cidades que recadastraram eleitores há mais tempo registraram taxas crescentes de abstenção no domingo.

Incompetência burocrática à parte, o problema para a democracia são os votos brancos e nulos. Porque eles indicam indiferença, revelam que para milhões e milhões tanto faz quem for eleito - porque, pensam eles, vai continuar tudo na mesma, sem solução.

Mas mesmo entre os votos nulos há que se separar os de protesto daqueles provocados pela Justiça Eleitoral ao anular a votação de candidatos cujos nomes estavam na urna eletrônica. Os nulos por impugnação somam 3,3 milhões de votos. Ocorreram em cidades como Matão, no interior de São Paulo, onde por causa do indeferimento da candidatura de Cidinho PT, seus 4.720 votos foram anulados, e o vencedor, Edinardo Esquetine (PSB), ficou com 100% dos votos válidos. O voto para prefeito desses 3,3 milhões acabou sendo inútil, mas não por vontade deles. Foi obra da Justiça Eleitoral.

Brancos e nulos de protesto (fazendo de conta que ninguém digitou número errado) somaram quase 13 milhões, ou 11% dos 119 milhões de eleitores que compareceram à sua seção de votação. É indiferença à beça, mais do que a população de Portugal, da Grécia ou da Bolívia. Mas os indiferentes não estão distribuídos uniformemente - nem pelo País nem dentro das cidades.

Já descontados os anulados pela Justiça, os brancos e nulos foram muito mais importantes em Belo Horizonte (21,5%) do que em Rio Branco (6,3%), gritaram mais alto no Rio (18,3%) do que em São Luís (7,4%), foram mais decisivos em São Paulo (16,6%) do que em Belém (8%). Decisivos? Voto nulo decisivo?

Decisivo, sim. Quem anula ou vota em branco pode achar que está apenas protestando, mas, sem saber, pode ajudar o mais votado. Aconteceu em São Paulo.

Os votos nulos e brancos apareceram proporcionalmente três vezes mais na periferia pobre do que no centro rico paulistano. Se dependesse das áreas pobres, a eleição teria dois turnos. Mas como até 20% de seus eleitores invalidaram seus votos, o peso da periferia diminuiu no total. E a vontade esmagadora do centro decidiu a eleição no primeiro turno. O voto inútil para uns foi útil para outros. Sorte de João Doria (PSDB).


Fonte: politica.estadao.com.br