Bernardo Mello Franco: Ao apoiar golpe, Brasil perde chance de mediar crise na Bolívia

A derrubada de Evo Morales foi um golpe clássico, com direito a ultimato militar na TV. Ao apoiar a quartelada, o Brasil perdeu condições de mediar outra crise em sua fronteira.
Foto: Reprodução
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A derrubada de Evo Morales foi um golpe clássico, com direito a ultimato militar na TV. Ao apoiar a quartelada, o Brasil perdeu condições de mediar outra crise em sua fronteira

Para quem sonha com quarteladas, foi um domingo e tanto. De uniforme camuflado, o chefe das Forças Armadas convocou as emissoras de TV para ler um ultimato. Cercado por outros generais de farda, “sugeriu” a renúncia imediata do presidente.

A derrubada de Evo Morales foi um golpe de Estado clássico. Mais um na longa história de conspirações militares e rupturas institucionais na Bolívia.

Líder dos cocaleiros, Morales foi o primeiro indígena a governar o país. Eleito em 2005, nacionalizou a exploração de gás e reduziu a pobreza quase à metade. Em sua gestão, a economia cresceu ao ritmo de 5% ao ano.

Enfeitiçado pela popularidade, o presidente flertou com o caudilhismo e tentou se perpetuar no poder. Neste ano, ignorou um referendo popular e se lançou ao quarto mandato consecutivo. A disputa foi marcada por denúncias de fraude e apelos por uma nova votação.

Morales se declarou vencedor, mas não teve sossego. Por três semanas, as ruas foram tomadas por protestos. O empresário Luis Fernando Camacho despontou como líder de uma oposição mais radical, apoiada por milícias e igrejas evangélicas. Após a renúncia forçada, ele invadiu o palácio presidencial com uma Bíblia na mão.

Pressionado pela OEA, o presidente já havia aceitado convocar novas eleições quando foi ejetado do cargo. O governo brasileiro festejou a deposição. O chanceler Ernesto Araújo tuitou que não houve “nenhum golpe”. Jair Bolsonaro aproveitou para martelar sua pregação pelo voto impresso, apesar de a Bolívia usar cédulas de papel.

Ao apoiar a quartelada, o Brasil perdeu as condições de mediar outra crise explosiva, que pode degringolar numa guerra civil na nossa fronteira. Mais um feito da antidiplomacia bolsonarista.

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A crise na Bolívia subiu ao palco da Cidade das Artes no domingo à noite. Foi o mais novo caco de José Celso Martinez Corrêa no texto de “Roda Viva”, musical de Chico Buarque encenado pela primeira vez em 1968. A remontagem é uma sátira irresistível do Brasil de hoje. Fica em cartaz no Rio até o dia 1º. Aproveite.

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