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William Waack: Trump não é o culpado

Presidente é muito mais a expressão do que a causa de isolacionismo, divisão social (e polarização política) e a perda de apetite por ser a potência líder do planeta

As incertezas em torno do que acontece com uma quase segura vitória de Joe Biden são de curto prazo. Têm a ver com possível grau de violência e até que distância no drama pessoal um narcisista como Donald Trump pretende caminhar. Dito de outra maneira: de que forma ele será obrigado a conceder. A grande certeza em relação a um presidente Joe Biden é a de que os EUA, tal como conhecemos até aqui, não voltam a existir. Trump é muito mais a expressão do que a causa de isolacionismo, divisão social (e polarização política) e a perda de apetite por ser a potência líder do planeta.

Note-se que não há diferenças entre como democratas e republicanos – nem entre Biden e Trump – pensam que é o papel histórico da ascensão da China e como enfrentá-la. Há muito que Washington considera a adversária na Ásia como seu mais importante desafio. Demoraram para chegar ao consenso de que é necessário contê-la, mas essa convicção prevalece.

Como todo longo período na história, a da hegemonia moral (e tecnológica e, ao que tudo indica, militar também) dos EUA como a nação “da luz na cidade no topo da colina” está terminando. Uma definição cruel, porém muito apropriada para se visualizar o que aconteceu nos EUA, é a de que houve uma ruptura na costura. É um processo de mais de 30 anos, pelo qual as diferenças entre grupos sociais aumentaram devido ao acesso à educação. “Elites” e “não elites” perderam o sentido de entender ou “sentir” o que o outro grupo pensa.

Trump contribuiu para incendiar um estado de coisas no qual trabalhadores brancos sem formação superior se sentem “deixados para trás” e percebem que todos os fatores trabalham contra eles, a começar pelo demográfico. O que surge de forma tão clara, no mundo tribalizado das redes sociais, é a perda do espírito de comunidade e de nação, um lento e amplo processo que não se iniciou com a vitória de Trump em 2016.

Do ponto de vista do papel dos EUA nas relações internacionais, há um curioso paradoxo. Aos períodos de “isolacionismo” se contrapunham os períodos de “engajamento” na solução de qualquer conflito, militar ou não. O grande pêndulo do “isolacionismo” se acentuou – aí está o paradoxo – com a vitória na Guerra Fria. Que deixou nas elites dirigentes americanas a noção de que não havia muito mais para se fazer. Olhar para a Ásia como grande desafio estratégico já havia sido formulado sob Obama; retirar-se de guerras, também. O que Trump acelerou brutalmente foi o desmonte do substrato “psicológico” do apoio em alianças duradouras com gente que pensa em linhas gerais a mesma coisa (a tal ordem liberal internacional).

Talvez não fosse difícil de se corrigir, assumindo que os outros participantes do jogo internacional estejam dispostos a ver de volta os EUA no seu papel “tradicional” desde o fim da 2.ª Guerra. A resposta se evidencia como um “não”. Trump foi a expressão de males muito mais profundos e antigos e hoje o mundo para o qual todos se preparam é o de um sistema multipolar mais perigoso. E, mesmo sem Trump, muito menos previsível.

*É JORNALISTA E APRESENTADOR DO JORNAL DA CNN


Humberto Saccomandi: O que pode mudar na economia com Biden?

Democrata tem plano de US$ 2 trilhões em investimentos verdes

Se as pesquisas estiverem corretas, um grande “se”, o democrata Joe Biden será eleito em 3 de novembro presidente dos EUA. O que isso significa para a economia dos EUA e mundial? Há algumas certezas e muitas dúvidas ainda. A indefinição principal é com a continuidade, e em que medida, da guerra econômica com a China, que tem efeitos em cadeia por toda a economia global. O Brasil precisa atentar aos riscos e se preparar para oportunidades.

As pesquisas recentes indicam vantagem nacional expressiva do candidato democrata e uma vantagem mais apertada nos Estados decisivos, aqueles que definem a eleição presidencial nos EUA. Mas a dinâmica favorece Biden: a epidemia voltou a avançar, a economia perdeu força e a votação antecipada está muito alta. Há a possibilidade ainda de os democratas, que devem manter a maioria na Câmara, conquistarem a maioria no Senado. Isso seria vital para Biden aprovar suas propostas.

Uma vitória democrata por ampla margem parece ser o cenário mais favorável para os mercados, apesar de o setor financeiro ser tradicionalmente mais simpático aos republicanos. Isso porque a vitória democrata incontestável é provavelmente o único cenário possível em que não haveria judicialização da eleição, com meses de incerteza, e nem a paralisia do Congresso que marcou os últimos anos.

A economia ficou à margem do debate na campanha eleitoral. Os democratas estão focando no desastre que foi a reação do governo Trump à epidemia de covid-19 e, mais genericamente, na incapacidade de Trump para liderar o país. Já o presidente busca se colocar como o defensor da lei e da ordem contra a ameaça da extrema-esquerda democrata. Os enormes desafios dos próximos anos, na esteira da destruição econômica causada pela epidemia, não tornam o debate econômico atraente para nenhum dos candidatos.

No plano interno, Biden promete aumentar impostos e adotar um amplo programa de gastos públicos, para tentar tirar a economia americana da sua maior crise em quase cem anos. O PIB americano deve recuar 4,3% neste ano e crescer 3,1% em 2021, segundo as projeções do FMI. Isso significa que, ao fim de 2021, a produção ainda estará menor do que no fim de 2019. Após cair no meio do ano, o desemprego voltou a subir. O avanço da epidemia nos últimos meses, freou a retomada da economia.

O ponto central do programa econômico de Biden é um plano de investimentos verdes de US$ 2 trilhões ao longo de quatro anos, voltado principalmente para a transição para as energias renováveis. O democrata ainda promete retomar um programa de saúde similar ao Obamacare (que ampliou o acesso a serviços de saúde), a um custo ainda incerto, além de investimentos em educação e infraestrutura e centenas de bilhões em ajuda às empresas dos EUA para pesquisa. O Congresso deve aprovar ainda um novo pacote trilionário de estímulo à economia, no fim deste ano ou no início de 2021, com mais ajuda financeira às empresas e aos trabalhadores.

Para financiar esses gastos, Biden pretende ampliar a arrecadação. Para isso, ele reverteria os cortes de impostos aprovados por Trump e pelos republicanos em 2017. Os impostos aumentariam para os mais ricos e para as empresas. A alíquota de IR das empresas, que era de 35% e caiu para 21%, iria para 28%. Há ainda planos de elevar a taxação sobre ganhos de capital e herança.

Antes mesmo da pandemia já havia dúvidas sobre como financiar os gastos prometidos por Biden e pelos democratas. O aumento da arrecadação não cobriria a alta de despesas. Agora, com os EUA beirando um déficit fiscal de 16% neste ano, o maior em tempos de paz, a dificuldade só cresceu. Provavelmente Biden teria de manter o déficit elevado por muitos anos, com aumento significativo da dívida pública dos EUA, que vai superar 100% do PIB neste ano pela primeira vez desde a Segunda Guerra.

Mas, com o crescente consenso, apoiado nesta semana pelo FMI, de que os países ricos precisam gastar mais (e melhor) para sair da crise, isso não deverá ser um problema para Biden, desde que a inflação e os juros se mantenham baixos por vários anos, o que é o cenário base hoje, mas não é uma certeza. Se tiver maioria no Congresso, o democrata não terá problemas para aprovar mais déficit.

No plano externo, a grande decisão de Biden, que terá maior repercussão global, é sobre a continuidade da guerra econômica com a China, que é parte da tentativa americana de conter a ascensão da potência asiática. Biden parece endossar o consenso anti-China que se instalou em Washington, mas deverá adotar estratégias diferentes das de Trump.

A expectativa é que ele reorganize o bloco ocidental sob a liderança dos EUA (encerrando os conflitos comerciais com a União Europeia) e busque soluções multilaterais para lidar com o desafio da China. Isso passa, por exemplo, pela reforma da OMC, para que o comércio mundial possa lidar melhor com o capitalismo de Estado chinês.

Mas é provável que o processo de separação das economias dos EUA e da China continue, com a transferência para fora da China de parte da produção voltada para o Ocidente. Como observou o ex-embaixador americano no Brasil Thomas Shannon, em entrevista nesta semana ao Valor, esse processo pode trazer oportunidades para o Brasil, ainda que mais para o México, que está mais perto e integrado à cadeia produtiva dos EUA.

Assim, Biden manteria, por exemplo, a pressão para que a empresa chinesa Huawei seja banida das redes 5G dos países aliados dos EUA. Essa será uma decisão difícil para o Brasil, que tem na China seu maior parceiro comercial. Pequim já sinalizou que barrar a Huawei afetaria as relações entre os dois países.

Com Biden, os EUA apoiariam as negociações na OCDE para elevar a taxação de empresas digitais (o que traria mais receita aos governos). O país voltaria ao acordo de Paris, com mais pressão para a descarbonização da economia global e a proteção do meio ambiente - Biden falou em ajudar o Brasil na preservação das florestas, mas ameaçou com sanções se isso não for feito.

É provável também que os EUA retornem, em algum momento, à Parceria Transpacífica (TPP), o acordo comercial negociado pelo governo Obama e que inclui diversas economias da região do Pacífico, mas não a China. Trump deixou a TPP, que é uma iniciativa importante para conter a China comercialmente. O plano da UE de impor uma taxa de carbono a produtos de países poluidores tem a simpatia dos democratas.


Roberto Simon: Qual é a diferença entre Trump e Biden para América Latina?

Disputa em torno do BID dá pistas sobre rumos de Washington na região

Ao que tudo indica, o dia de hoje será um marco na história das organizações multilaterais das Américas. Pela primeira vez em seis décadas, deve ser violada a regra tácita segundo a qual um latino-americano preside o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), enquanto um americano ocupa o segundo posto na organização.

Em uma votação virtual, os 43 governos-acionistas do banco devem eleger o cubano-americano Mauricio Claver-Carone, ex-diretor de assuntos latino-americanos da Casa Branca de Donald Trump. O BID deverá emprestar cerca de R$ 100 bilhões em 2020.

Mais de 20 ex-chefes de governo da América Latina e Europa se insurgiram publicamente contra a candidatura. A Argentina, sob a centro-esquerda de Alberto Fernández, o Chile, sob a centro-direita de Sebastián Piñera, e a União Europeia tentaram até poucos dias atrás postergar a data da votação. Mas os EUA contaram com aliados leais. Segundo país com maior peso na eleição, o Brasil de Bolsonaro rifou seu próprio candidato para apoiar o de Trump.

Não se trata de um assunto restrito ao departamento de RH do banco. Com a manobra, o governo Trump tenta enquadrar de vez o BID em sua estratégia para a América Latina –sobretudo, para fazer frente à expansão da influência chinesa e minar regimes “inimigos”, tipo Venezuela, Nicarágua e Cuba.

A ideia é botar ordem no que veem como seu quintal. “Orgulhosamente proclamamos para que todos ouçam: a Doutrina Monroe está viva e bem”, disse há algum tempo John Bolton, o ex-chefe direto de Claver-Carone na Casa Branca.

À oposição de vários governos, soma-se uma complicação política em Washington: Joe Biden também foi contra a candidatura do ex-assessor de Trump. Portanto, se o democrata vencer em novembro, o BID estará debaixo de um americano com relações precárias com seu próprio governo.

Esse cenário expõe a grande questão de fundo, embora ainda pouco discutida: o que de fato mudaria, sob Trump ou Biden, nos objetivos dos EUA na América Latina? As fanfarras retóricas, nostálgicas da Doutrina Monroe, assim como o plano de controlar diretamente o banco de desenvolvimento regional, referem-se mais aos meios da diplomacia trumpista –os quais Biden e seus assessores categoricamente rejeitam.

Mas conter os chineses na região e sabotar a ditadura de Nicolás Maduro também serão objetivos estratégicos de um governo democrata.

Há dois pontos de enorme divergência entre Trump e Biden em relação à América Latina. O primeiro é a política de imigração, que tem consequências drásticas sobre o México e a América Central. Trump pretende dobrar a aposta na sua agenda –da separação de crianças na fronteira à campanha pela construção do muro ao sul. Do outro lado, considerando o peso do eleitorado latino e da esquerda democrata em sua coalizão, Biden deverá ter a política mais progressista dos últimos tempos em relação a indocumentados e refugiados.

O segundo ponto: Cuba. Trump reverteu totalmente a normalização dos laços com Havana, promovida por Barack Obama, e empilhou sanções adicionais contra cubanos. Biden promete voltar à estratégia de aproximação, embora indique que ela virá com maior ênfase nos direitos humanos (mensagem especialmente dirigida à Flórida, onde ele tem 38 pontos de desvantagem em relação a Trump entre cubano-americanos).

Diante dos outros grandes temas da região –incluindo as relações com países-chave, como Brasil, México, Argentina, Colômbia, Chile e Peru –, é improvável que um novo governo americano dê uma guinada estratégica. Como escrevi antes por aqui, o triunfo de Biden representaria o maior revés diplomático do governo Jair Bolsonaro. Mas a subserviência a Trump nunca rendeu ganhos reais, e uma administração democrata, de início, evitaria crises bilaterais e buscaria um modus vivendi com o Brasil do capitão.

Sobretudo, as mudanças seriam pontuais porque a América Latina, inevitavelmente, figurará nos degraus mais baixos da lista de prioridades globais do próximo presidente americano, seja Trump ou Biden. O futuro do BID e outros temas centrais latino-americanos continuarão a ter muito mais importância em capitais da região do que em Washington, onde fica a sede do banco.Roberto Simon

*É diretor sênior de política do Council of the Americas e mestre em políticas públicas pela Universidade Harvard


RPD || Ricardo Tavares: Democracia estressada

Política norte-americana segue intensa e no centro da epidemia do coronavírus Covid-19 que assola os Estados Unidos. Enquanto Trump demostra grande dificuldade em se adaptar ao novo cenário para concorrer à reeleição, os democratas definiram Biden como o candidato à Presidência

O novo corona vírus pode ter paralisado a sociedade e a economia norte-americanas, mas a política continua sua dinâmica intensa. Nos EUA, os conflitos políticos estão no centro da gestão da pandemia, que está influenciando decisivamente a preparação para as eleições presidenciais em novembro deste ano.

O Presidente Donald Trump faz coletivas de imprensa diárias sobre a pandemia com longas digressões que muitas vezes contradizem seus técnicos também presentes. Esta alta exposição à mídia, apesar do gerenciamento desastrado da crise, fez crescer sua popularidade.
No Partido Democrata, a pandemia resolveu a disputa entre o Vice-Presidente Joe Biden e o Senador Bernie Sanders; Sanders finalmente reconheceu que não tem chance alguma de ganhar as primárias contra Biden e encerrou sua campanha. Biden é o candidato Democrata à Presidência.

O Partido Republicano continuou sua trajetória de desencorajar eleitores a votarem, uma estratégia que assegura a predominância do partido na política americana, apesar de a maioria ter votado Democrata em eleições recentes. No estado de Wisconsin, os Republicanos forçaram o voto presencial, descartando o adiamento das primárias até junho.

Trump
Trump não esconde sua decepção com a pandemia. Esperava fazer campanha para a reeleição em cima de seu desempenho econômico. Em fevereiro, a taxa de desemprego nos EUA era de 3.5%, a mais baixa das últimas décadas. Hoje, há 17 milhões de desempregados e, nas próximas duas semanas, devem ser 20 milhões, uma taxa de desemprego de 15% da força de trabalho.

O presidente dos EUA está mostrando grande dificuldade de se adaptar ao novo cenário. Sua administração está povoada de pessoas leais, independente de sua competência. Mesmo com os pacotes de apoio a pessoas e empresas já aprovados pelo Congresso, a implementação administrativa das políticas tem sido lenta e ineficaz.

Se os eleitores decidirem se preocupar com o desempenho do Presidente na área de saúde, a situação de Trump pode ser ainda pior, dependendo do status da pandemia próximo à data das eleições, 3 de novembro. De momento, ainda falta tudo nos hospitais americanos. Médicos compram suas próprias máscaras em muitos Estados. O governo federal não coordena as iniciativas dos estaduais, é cada um por si. Alguns Estados estão-se coordenando entre si. Os EUA ainda são o único país capaz de liderar uma ampla coordenação internacional de resposta à crise da pandemia, mas a diplomacia americana parece estar falida.

Biden
As eleições de novembro serão Trump X Biden. Joe, como o candidato é popularmente conhecido, fez uma campanha bastante errática nas primárias do Partido Democrata. Perdeu as três primeiras primárias. O crescimento de Bernie Sanders assustou os centristas do Partido, que se uniram em torno de Biden para impedir uma vitória do candidato visto como socialista. O golpe de misericórdia em Sanders, no entanto, foi dado pelos eleitores negros nas primárias do sul dos EUA. Foram vitórias avassaladoras em Estados onde os membros do Partido são predominantemente negros que criaram momento para a candidatura de Biden, até o ponto em que sua vitória se tornou certa. O conceito de “classe trabalhadora” de Sanders não atraiu o eleitorado negro.

Biden é admirado por seu grande trabalho como Vice-Presidente de Barrack Obama, o primeiro presidente negro da história do país. Mais: os eleitores negros são o grupo mais fiel ao Partido Democrata. As condições sociais desta população melhoram em administrações democratas. Sem uma maciça presença de eleitores negros nas urnas – o voto nos EUA é facultativo – é quase impossível uma vitória Democrata para a presidência.

Quatro anos atrás, Bernie Sanders continuou em campanha contra Hillary Clinton nas primárias democratas de 2016, mesmo depois de não ter mais chances de vitória. Isto contribuiu para o desgaste da candidatura de Clinton, e foi aproveitado pela campanha de Trump. Muitos eleitores que votaram em Sanders nas primárias do Partido Democrata vieram a votar em Trump, principalmente em Estados do meio-oeste. A saída de Sanders das primárias, diante da crise da pandemia e do risco de um prolongamento até o verão americano deste processo, tenta evitar uma repetição deste fenômeno.

No entanto, é impossível prever o resultado das eleições de novembro. Biden cresceu na adversidade durante as primárias. Venceu apesar de ter menos dinheiro de campanha do que Sanders. Mas mostrou deficiências como debatedor e ator de campanhas. Biden enfrentará em novembro a campanha extremamente bem financiada de Donald Trump, que joga pesado e não hesita em usar táticas de baixo nível.

Estresse
Nenhuma democracia ocidental em um país desenvolvido possui um partido político dedicado a desencorajar estrategicamente eleitores de irem às urnas. O Partido Republicano de hoje é um partido de base rural num país totalmente urbanizado. Reúne quatro forças essenciais para seu sucesso: uma aliança de grupos “pro-business”, religiosos evangélicos, defensores do acesso fácil a armas (organizados nacionalmente pela NRA – National Rifle Association), e o importante apoio do grupo de media Fox News, do empresário australiano-americano Robert Murdoch.

Em 2016, Trump perdeu no voto popular agregado nacionalmente, mas ganhou no Colégio Eleitoral, através do qual o presidente é escolhido por delegados eleitos Estado por Estado. Este Colégio é uma influência do federalismo do sistema político americano e neutraliza a influência dos Estados e das cidades mais populosas. Como o voto é facultativo, a lógica eleitoral tem dois elementos – motivar seus eleitores a ir votar e, ao mesmo tempo, desencorajar os eleitores de seu opositor a se apresentar nos locais de votação. A eleição ocorre num dia comum de trabalho. Nas últimas eleições presidenciais, o índice de votação variou entre 49%, em 1996, ao máximo de 58.2%, em 2008, quando Obama venceu pela primeira vez. Em 2016, somente 55.7% dos eleitores inscritos compareceram às urnas.

Um episódio preocupante ocorreu na semana passada em Wisconsin. O governador do Partido Democrata, Tony Evers, determinou o adiamento das primárias no Estado para junho deste ano, a fim de evitar a aglomeração de pessoas, por conta da pandemia. O legislativo estadual, controlado por Republicanos, apesar de os Democratas obterem a maioria dos votos no Estado, recusou a mudança. O caso foi parar na Suprema Corte do EUA, que deu ganho de causa aos legisladores. O voto ocorreu sob grande risco para os eleitores.

Esta batalha pelas condições de votação durante a pandemia pode chegar até o dia 3 de novembro de 2020, data das eleições presidenciais. O Partido Democrata apoia o voto pelo correio e outras medidas para maximizar a participação popular, ao passo que o Partido Republicano resiste à adoção maciça destas medidas. Este quadro levou o Prêmio Nobel de Economia Paul Krugman, que se tornou comentarista político, a proclamar recentemente: “A democracia americana pode estar morrendo.” Não está, mas certamente está bastante estressada, ainda mais em tempos de corona vírus.

*Ricardo Tavares é consultor internacional de empresas de tecnologia. É mestre em ciência política pelo Iuperj e membro do Council on Foreign Relations (CFR).