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Bernardo Mello Franco: A nova UDN e a pipoca sem milho

O criador do novo partido que espera receber a família Bolsonaro confessa não saber muito sobre a velha UDN: ‘Puxei muito pela internet, entendeu?’

O Brasil tem 75 partidos políticos à espera de registro. Um deles já planeja nascer grande. É a nova UDN, que tenta ressuscitar uma sigla extinta há meio século para abrigar a família Bolsonaro.

O fundador da legenda, Marcus Alves de Souza, está animado. Ele diz que o clã ficou sem clima no PSL depois do escândalo do laranjal. A negociação foi noticiada pelo jornal “O Estado de S. Paulo”, mas o dirigente evita comemorar as filiações ilustres. “Não posso fazer a pipoca sem ter o milho”, explica.

Souza tem planos imodestos. Quer filiar 35 deputados, o que transformaria a nova UDN na quarta maior bancada da Câmara. Também planeja atrair 12 senadores e 12 governadores, mas se recusa a revelar seus nomes. “Não fica de bom tom, né?”, desconversa.

O dirigente confessa saber pouco sobre a velha UDN. “Era um partido conservador, de direita, né? A gente vai continuar com esse DNA”, promete. Ele disse ter lido sobre a história da sigla, mas não soube citar nenhum livro a respeito. “Puxei muito pela internet, entendeu?”. O bolsonarista se surpreendeu ao constatar que ninguém havia tido a ideia antes. “O nome estava lá guardadinho, esperando eu pegar”, festeja.

Fundar uma sigla requer investimento, mas Souza diz que sua pipoca saiu quase de graça. Ele afirma ter reunido “quase 400 mil assinaturas” sem pedir ajuda a grandes empresas. “Não tem empreiteira, não tem banqueiro e não tem bicheiro”, discursa.

Souza diz que a nova UDN será “o partido mais sério do Brasil”, e não uma sigla de aluguel. Em 2017, ele foi exonerado do governo capixaba, onde era subsecretário da Casa Civil, sob a acusação de embolsar o salário de um assessor. O dirigente diz ter sido vítima de armação. “Foi uma coisa raivosa contra mim”, defende-se.

Autora do clássico “A UDN e o Udenismo”, a socióloga Maria Victoria Benevides diz que a apropriação da sigla é uma falsificação da história. “A UDN era conservadora, mas as diferenças são enormes. Isso é o mais puro oportunismo”, sentencia.

O dono da nova UDN parece não se incomodar: “Se todo mundo gostasse da maçã, o que seria da pera?”.


Bernardo Mello Franco: A mentira é o de menos

A polêmica sobre os diálogos de Bebianno é irrelevante. O que importa é saber quem embolsou o dinheiro do laranjal e o que ele está disposto a revelar sobre a campanha

Na versão oficial, o novo governo terá a primeira baixa por causa de uma mentira. O vereador Carlos Bolsonaro acusou o ministro Gustavo Bebianno de relatar conversas inexistentes com o pai. “Mentira absoluta”, tuitou o Zero Dois. O presidente apoiou o filho e reforçou a fritura do auxiliar.

O tiroteio verbal agravou a crise, mas desviou o foco de sua origem. Bebianno está na berlinda porque comandava o PSL quando o partido que prometeu limpar a política declarou gastos com candidatos fantasmas. A família do presidente culpa o ministro pelo laranjal. Ele ameaça espremer o chefe depois que virar suco.

Como os repasses saíram do fundo eleitoral, o conflito de versões é o que menos importa. O essencial é saber quem embolsou o dinheiro público. E o que Bebianno está disposto a revelar sobre a “campanha mais pobre da história do Brasil”, nas palavras do presidente.

Se a mentira virasse critério de corte, sobraria pouca gente no governo. Na última semana, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, sugeriu que Chico Mendes era grileiro de terras. O ambientalista lutou pela floresta amazônica e foi assassinado a mando de um fazendeiro. Salles foi condenado por improbidade administrativa, acusado de fraudar mapas para favorecer uma mineradora.

A ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, já virou folclore pelas cascatas em série. Antes de assumir o cargo, ela inventou que hotéis-fazendas incentivam a zoofilia e que os holandeses ensinam bebês a se masturbar. Em sua última contribuição ao anedotário, incentivou todos os pais de meninas a fugirem do país.

Os delírios da pastora sugerem que ela habita um mundo à parte, onde o fundamentalismo borra as linhas que separam realidade e ficção. O chanceler Ernesto Araújo parece orbitar o mesmo planeta quando nega as mudanças climáticas e promete libertar o Itamaraty do “marxismo cultural”.

Bolsonaro também tem uma relação conflituosa com os fatos. Na campanha, ele espalhou informações falsas sobre o voto eletrônico, a distribuição de livros escolares e a sua própria produção legislativa, entre outros temas. Em janeiro, foi a Davos e disse que o Brasil é “o país que mais preserva o meio ambiente”. Três dias depois, o mundo se chocou com as imagens de Brumadinho.

A exemplo de Donald Trump, de quem é fã, o presidente reage a cada desmentido acusando a imprensa de difundir “fake news”. No fim de 2018, o jornal “The Washington Post” atualizou a contagem das declarações falsas do republicano, um farsante contumaz. Concluiu que ele contou mais de 5.600 mentiras no ano. Uma média superior a 15 embustes por dia.
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O vice-presidente Hamilton Mourão caiu na malha fina da Receita Federal. Ele recebeu o auto de infração em 2 de janeiro, um dia depois da posse. O vice diz que deixou de apresentar três recibos de despesas médicas com a primeira mulher, de quem ficou viúvo em 2016. Ele afirma que localizou os papéis em casa e já os encaminhou ao Leão.


Bernardo Mello Franco: Celso de Mello e a função do Supremo

Em voto contra o obscurantismo, Celso de Mello afirmou que o Supremo não pode se curvar às pressões do tribunal do Facebook. Sua independência ainda fará falta à Corte
Celso de Mello foi o único ministro do Supremo a protestar quando o então comandante do Exército, general Villas Bôas, disparou um tuíte para emparedar o tribunal no ano passado. Ontem o decano voltou a mostrar por que a sua voz é fundamental para afirmar a independência da Corte.

Celso é relator de uma das ações que pedem a criminalização da homofobia. A maioria dos países desenvolvidos tem leis para combater os crimes de ódio contra homossexuais. O novo governo pressiona o Judiciário e o Congresso para manter o Brasil fora do clube.

Na quarta-feira, o presidente disparou dois tuítes sobre o julgamento. Ele elogiou a sustentação do advogado-geral da União, que falou em “estabilidade” e “pacificação social” ao discursar contra as ações. Os ministros entenderam o recado: se a Corte contrariar o Planalto, voltará à mira das falanges governistas.

As posições de Jair Bolsonaro sobre o tema são conhecidas. “Sou homofóbico, sim, com muito orgulho”, informou, num vídeo gravado em 2013. Em outra entrevista, ele disse preferir que um filho “morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí”.

Esse tipo de declaração já foi tido como um suicídio político. Hoje em dia, rende votos e curtidas nas redes sociais. A intolerância virou ativo para candidatos que surfaram a onda conservadora em 2018. Agora a turma também quer enquadrar o Supremo. Alguns ministros já indicaram que aceitaram a tutela.

Ontem o decano deixou claro que não está neste grupo. Ele transformou seu voto em libelo contra o avanço do obscurantismo. Lembrou que a Constituição protege os direitos das minorias, atacadas por porta-vozes de “doutrinas fundamentalistas”.

Celso disse saber que será “mantido no índex dos cultores da intolerância, cujas mentes sombrias que rejeitam o pensamento crítico”. Mesmo assim, defendeu que é preciso afirmar a “função contramajoritária” do Supremo — ou seja, sua independência em relação às patrulhas ideológicas e ao tribunal do Facebook.

O ministro se aposentará no fim de 2020, ao completar 75 anos. Fará falta à Corte e ao país.


Bernardo Mello Franco: O pit bull que morde o governo

Sem cargos no governo, os filhos de Bolsonaro vão se especializando em fabricar crises. Desta vez, o tumulto tem origem no dedo nervoso de Carlos, o Zero Dois

Jair Bolsonaro costuma chamar o filho Carlos de “meu pit bull”. Ontem o cão raivoso voltou a morder o governo. O Zero Dois atacou o secretário-geral da Presidência, Gustavo Bebianno. Chamou de mentiroso um dos ministros com gabinete no Planalto.

O tuíte de Carluxo abriu uma nova crise no bolsonarismo. O ministro já estava na berlinda desde que reportagens da “Folha de S.Paulo” revelaram um laranjal nas campanhas do PSL. Agora é fritado a fogo alto pelo filho mais próximo do presidente. O Zero Dois é vereador no Rio, mas prefere disputar poder em Brasília.

Na transição, ele escreveu que morte de Bolsonaro não interessaria “somente aos inimigos declarados, mas também aos que estão muito perto”. A frase foi interpretada como um recado ao vice Hamilton Mourão.

Desta vez, o ataque foi mais direto. Carluxo desmentiu Bebianno, que disse ter falado três vezes com o presidente na terça. O relato foi uma “mentira absoluta”, rebateu o herdeiro do presidente. Ele também divulgou um áudio em que o pai se recusa a atender o ministro.

Os latidos do pit bull já causavam incômodo no governo, especialmente entre os ministros militares. Ontem, parlamentares aliados também reagiram. “O filho do presidente está tentando criar uma crise dentro do governo”, acusou a deputada Joice Hasselmann. “É uma coisa de louco”, acrescentou. Não foi a primeira a associar a palavra ao Zero Dois.

Bebianno presidia o PSL durante a campanha e era responsável pela divisão do fundo eleitoral. Há fortes indícios de que o partido desviou dinheiro público. A sigla informou à Justiça que direcionou quase R$ 700 mil a cinco candidatas que somaram apenas 2.348 votos. O ministro deve explicações, mas Carluxo elevou a pressão sobre o Planalto ao torpedeá-lo.

Sem cargos no governo, os filhos do presidente vão se especializando em fabricar crises. Antes da eleição, o Zero Três ameaçou fechar o Supremo com “um cabo e um soldado”. Depois o Zero Um entrou na mira do Coaf, sob suspeita de embolsar salários de assessores. Agora o tumulto tem origem no dedo nervoso do Zero Dois.


Bernardo Mello Franco: Voz crítica de Boechat irritava os poderosos

A voz crítica de Ricardo Boechat costumava irritar os poderosos que se julgam acima do bem e do mal. Há pouco tempo, um ministro do Supremo tentou silenciá-lo

Na semana passada, Ricardo Boechat reclamou que a tragédia de Brumadinho estava começando a sumir do noticiário. O jornalista se referia a um fenômeno que conhecia bem. Como os fatos não param de acontecer, a manchete de hoje pode ser reduzida a uma notinha no jornal de amanhã. Quando grandes catástrofes se sucedem, como neste início de 2019, o ciclo fica ainda mais rápido — e mais cruel.

Boechat explicou a dinâmica aos ouvintes. “Isso acontece, é assim no mundo inteiro”, disse. Em seguida, insistiu que o caso não pode cair no esquecimento. “Quanto mais rápida for a perda de interesse, mais lentas serão as consequências”, justificou.

Ontem o âncora voltou a martelar o assunto. Criticou a cumplicidade de políticos com as mineradoras e cobrou medidas para evitar novas tragédias. Também elogiou a reportagem do GLOBO sobre outros casos que chocaram o país e terminaram sem castigo. “A impunidade é o que rege, o que comanda a orquestra das tragédias nacionais”, resumiu.

Foi seu último comentário matinal no rádio. No início da tarde, o jornalista virou notícia, para a tristeza de colegas e ouvintes.

Aos 66 anos, Boechat era um jornalista completo. Depois de uma longa carreira de sucesso no meio impresso, conseguiu se tornar ainda mais popular no rádio e na TV. Tive uma pequena amostra do seu carisma quando fui trabalhar na BandNews. Fontes e amigos só queriam saber uma coisa: “Já falou com o Boechat?”.

Sua voz crítica irritava os poderosos que se julgam acima do bem e do mal. Pior para eles. Há algum tempo, um ministro do Supremo tentou silenciá-lo. Inconformado por ser alvo constante (e merecido) dos seus comentários, resolveu apelar ao dono da emissora. Sem meias palavras, pediu a demissão da maior estrela da casa. Não foi atendido.

Boechat lembrou o episódio num e-mail recente, sem perder o humor. “Quando morrermos, dirão que éramos pessoas de bem porque figuras como ele pediam nossas cabeças”, brincou, referindo-se ao ministro.

Sua independência fará muita falta


Bernardo Mello Franco: Lula condenado, PT mais isolado

Depois da derrota para Bolsonaro, o PT se distanciou de aliados e perdeu influência no Congresso. Agora fica ainda mais longe de ver seu líder fora da cadeia

A segunda condenação de Lula tende a agravar o isolamento do PT. O partido não conseguiu unir a oposição e perdeu influência no Congresso. Agora fica ainda mais longe de ver seu líder fora da cadeia.

Em 2018, o PT foi varrido pelo furacão Bolsonaro. Só elegeu quatro governadores, todos no Nordeste. Em 2019, as perspectivas não parecem melhores. O ano mal começou e a sigla já sofreu derrotas significativas na Câmara e no Senado. Pela primeira vez em 17 anos, foi excluído das duas mesas diretoras.

Na Câmara, os petistas foram esnobados por Rodrigo Maia, que preferiu se aliar ao PSL. Fecharam um acordo de última hora com Marcelo Freixo, mas não conseguiram entregar nem 40 dos 54 votos da bancada. Agora correm o risco de não comandar nenhuma comissão importante.

No Senado, o PT escolheu abraçar Renan Calheiros. Foi uma decisão desastrada. O emedebista retirou a candidatura e deixou os parceiros ao relento. O governista Davi Alcolumbre virou presidente e deixou claro que não dará vida fácil a quem apoiou o rival.

Um ex-ministro petista afirma que o partido está sem rumo e “caminhando para o gueto”. Ele diz que a legenda adotou um discurso sectário e ficou imobilizada com a campanha “Lula Livre”. Na sua avaliação, o ex-presidente não sairá da cadeia tão cedo. Aos 73 anos, terá que esperar um habeas corpus humanitário.

Outro ex-ministro descreve a situação do PT como um “profundo isolamento”. Ele defende um esforço de reaproximação de aliados históricos como PDT e PCdoB. O problema é que as duas siglas ainda reclamam do tratamento que receberam na eleição. Preferiram apoiar Maia e sabotaram a formação de um bloco de esquerda na Câmara.

O PT recebeu 47 milhões de votos na corrida presidencial, mas não sabe o que fazer com eles. Fernando Haddad voltou às salas de aula e resiste a assumir o comando do partido. Só tem sido visto no Twitter, onde faz críticas pontuais a Bolsonaro.

A presidência da sigla continua nas mãos de Gleisi Hoffmann, rebaixada de senadora a deputada. Ela é cada vez mais contestada pelos colegas. Tem dado motivos para isso. Sua última trapalhada foi baixar na Venezuela para a posse de Nicolás Maduro.


Bernardo Mello Franco: O pacote de Moro e a licença para matar

Pacote de Moro dá forma a uma obsessão de Bolsonaro: o excludente de ilicitude. Hoje a polícia brasileira já é a que mais mata no mundo

O pacote de Sergio Moro deu forma jurídica a uma obsessão de Jair Bolsonaro: o chamado “excludente de ilicitude”. O presidente quer mudar a lei para permitir que os policiais atirem sem risco de punição. “Se alguém disser que quero dar carta branca para policial militar matar, eu respondo: quero sim”, ele explicou, no início da campanha.

O Código Penal já diz que não há crime quando o agente mata “em estado de necessidade”, “em legítima defesa” ou “em estrito cumprimento de dever legal”. O projeto de Moro amplia as hipóteses de impunidade. Afirma que o juiz poderá “reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la” se o policial matar sob “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”.

A eleição de 2018 consagrou o discurso do “bandido bom é bandido morto”. A bancada da bala aumentou, e Bolsonaro chegou ao Planalto repetindo que “soldado nosso não senta no banco dos réus”. “Enquanto nós não dermos essa carta branca para o policial atirar para matar, nós não teremos como reduzir a violência no Brasil”, ele disse. O problema é que os números indicam exatamente o contrário. A polícia nunca matou tanto, e o país nunca registrou tantos homicídios.

Em 2015, os policiais militares e civis da ativa mataram 3.330 pessoas. Em 2016, o número saltou para 4.240. Em 2017, chegou a 5.159, de acordo com dados atualizados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. O total de homicídios também cresceu ano a ano, até alcançar o recorde de 63.895.

O professor Paulo Sérgio Pinheiro, secretário de Direitos Humanos do governo FH, vê a proposta de Moro como uma “apologia à violência policial”. “Facilitar as execuções extrajudiciais não vai melhorar em nada a segurança pública. Se isso funcionasse, o Brasil seria o país mais pacífico do mundo”, afirma.

O presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, pede cautela com o “populismo penal”. “Estou muito preocupado, porque o volume de pessoas mortas pela polícia já bate todos os recordes. Se o agente disser que atirou sob violenta emoção, será absolvido sumariamente?”, questiona.


Bernardo Mello Franco: Por qué no te callas, Vélez?

O ministro da Educação perdeu outra chance de ficar calado. Descreveu os brasileiros, que pagam seu salário, como bárbaros e ladrões

O ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, perdeu mais uma chance de ficar calado. Em entrevista à revista “Veja”, ele chamou os brasileiros de “canibais” e descreveu os contribuintes que pagam o seu salário como ladrões.

“O brasileiro viajando é um canibal. Rouba coisa dos hotéis, rouba o assento salva-vidas do avião, ele acha que pode sair de casa e carregar tudo”, disse.

Vélez nasceu na Colômbia e fala português com sotaque. Ao tratar os brasileiros como bárbaros, insultou o país que lhe ofereceu passaporte e cidadania.

O professor também deu aula de desinformação. Atacou Cazuza, morto em 1990, por algo que ele nunca disse. A frase “Liberdade é passar a mão na bunda do guarda”, que Vélez atribuiu ao cantor, foi popularizada pelos humoristas do Casseta & Planeta.

O ministro ainda atacou a cineasta Carla Camurati por não ter retratado dom João VI como “um grande herói” em “Carlota Joaquina”. O filme é uma comédia, não um documentário. Reuniu um elenco estrelado e impulsionou a retomada do cinema brasileiro, que Vélez também parece desprezar.

Mais adiante, ele defendeu a volta das aulas de moral e cívica, impostas pela ditadura militar. A patriotada não vai tirar o Brasil da lanterna dos rankings internacionais de educação. Quem estuda o assunto sabe que os alunos precisam de reforço em disciplinas mais importantes, como matemática e ciências.

O besteirol de Vélez não se limita aos chavões reacionários. Em outra entrevista recente, ele disse ao “Valor Econômico” que as universidades “devem ficar reservadas para uma elite intelectual”.

De acordo com o IBGE, os brasileiros com ensino superior ganham 2,5 vezes mais do que os que têm apenas o ensino médio. A taxa de desemprego entre os diplomados é a metade da média nacional. Além de excludente, a tese do ministro é antieconômica.

Em 2007, o rei Juan Carlos silenciou Hugo Chávez com uma pergunta famosa: “Por qué no te callas?”. Vélez é fã da monarquia. Agora que virou ministro, deveria se aconselhar com o ex-soberano espanhol.


Bernardo Mello Franco: Uma porta giratória da Vale para o governo

Além de contar com a bancada da lama no Congresso, as grandes mineradoras emplacam dirigentes no governo federal. A prática é vista como um convite ao conflito de interesses

Não é só no Congresso que as mineradoras contam com a bancada da lama para defender seus interesses. As gigantes do setor também exercem forte influência sobre o governo federal e a Agência Nacional de Mineração, que substituiu o antigo DNPM.

Nos últimos anos, o segundo escalão do Ministério de Minas e Energia foi dominado por quadros da Vale. Ao longo do governo Temer, eles chefiaram os principais postos da Secretaria de Geologia, Mineração e Transformação Mineral, responsável por definir as políticas públicas para a área.

O órgão era comandado por Vicente Lôbo. O engenheiro dirigiu a Vale Fertilizantes até 2015 e assumiu a secretaria no ano seguinte. Só saiu em outubro passado, um dia depois do segundo turno das eleições.

Dos quatro diretores abaixo de Lôbo, três também atuaram na Vale. Fernando Ramos Nóbrega passou 28 anos na empresa. Lilia Sant’Agostino foi consultora da Vale Fertlizantes. Maria José Gazzi Salum prestou consultoria à mineradora e ao Ibram, entidade de lobby do setor. O Serviço Geológico do Brasil foi entregue a Eduardo Ledsham, que ficou na Vale de 1986 a 2011.

O pesquisador Bruno Milanez, da Universidade Federal de Juiz de Fora, diz que o fenômeno da “porta giratória” se tornou comum no setor. As grandes mineradoras emplacam representantes no governo e contratam gente da burocracia estatal.

A prática é vista como um convite ao conflito de interesses. “Os órgãos reguladores não podem ser capturados pelas empresas reguladas. O que é bom para a Vale não é necessariamente bom para o país”, afirma Milanez.

O professor diz que é cedo para medir a influência das empresas no governo Bolsonaro. A secretaria que lida com as mineradoras foi entregue a um ex-juiz, e três das quatro diretorias continuam vagas.

Apesar da indefinição, outras portas continuam a girar. O deputado Leonardo Quintão, líder da bancada da lama, ganhou abrigo na Casa Civil. O general Franklimberg Freitas reassumiu o comando da Funai. Ele estava no conselho da mineradora Belo Sun e responde a processo na Comissão de Ética da Presidência.


Bernardo Mello Franco: A força do lobby da lama

Nos últimos dias, políticos anunciaram medidas para evitar que o desastre de Brumadinho se repita. Já aconteceu em 2015, depois de Mariana

Depois da tragédia, vêm as promessas. Nos últimos dias, políticos anunciaram medidas para evitar que o desastre de Brumadinho se repita. Já aconteceu em 2015, quando o rompimento de outra barragem matou 19 pessoas em Mariana.

O Congresso criou duas comissões especiais para discutir a catástrofe da Samarco. O trabalho resultou em seis projetos para reforçar a fiscalização sobre as mineradoras. Até hoje, nenhum deles foi aprovado.

O senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) tentou endurecer a Política Nacional de Segurança de Barragens. Sua proposta recebeu parecer favorável na Comissão de Meio Ambiente, mas foi arquivada. “Forças subterrâneas impediram a votação”, diz o tucano.

O deputado Arnaldo Jordy (PPS-PA) propôs regras mais rígidas para as empresas que armazenam rejeitos tóxicos. O texto também foi bloqueado antes de chegar ao plenário. “O lobby das grandes mineradoras é pesado”, ele reclama.

Na Câmara, a bancada do setor é suprapartidária, mas tem um líder conhecido: o deputado Leonardo Quintão (MDB-MG), ex-escudeiro de Eduardo Cunha. Em 2014, as mineradoras bancaram 42% de sua campanha. Ele retribuiu com uma atuação incansável a favor das empresas.

No fim de 2015, Quintão assinou o relatório do Código de Mineração. Antes da votação, descobriu-se que o texto havia sido redigido no escritório de advocacia que defendia a Vale e a BHP. O deputado não se reelegeu, mas foi alojado na Casa Civil do governo Bolsonaro.

Dos 27 titulares da comissão que debateu o Código, 20 declararam doações de mineradoras. A lista incluía o presidente, Gabriel Guimarães (PT-MG), e o vice, Marcos Montes (PSD-MG), atual secretário-executivo do Ministério da Agricultura.

Protagonista das tragédias de Mariana e Brumadinho, a Vale investiu R$ 88 milhões nas eleições de 2014. Com a proibição das doações empresariais, o lobby do setor deve ficar um pouco menos explícito.

“Além de financiar campanhas, as mineradoras oferecem consultorias, fazem pareceres e indicam assessores. Agora ainda não sabemos como vão se articular para continuar operando”, diz a pesquisadora Alessandra Cardoso, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).


Bernardo Mello Franco: Mourão virou a voz moderada do governo

Na sexta-feira, o vice-presidente Hamilton Mourão afirmou que quem ameaça um deputado “está cometendo um crime contra a democracia”. Não foi só uma manifestação de solidariedade a Jean Wyllys, que desistiu do novo mandato. Ele aproveitou o caso para demarcar mais uma divergência em relação a Jair Bolsonaro, que preferiu debochar do desafeto.

Num governo que insiste em manter a retórica agressiva da campanha, Mourão tem se destacado como uma voz moderada. Ele reforçou essa diferença nos últimos dias, ao estrear como presidente em exercício.

O vice não ocupou o gabinete do titular, mas ignorou a recomendação para permanecer calado. Falou à vontade, quase sempre na contramão do companheiro de chapa.

Na terça-feira, Bolsonaro faltou a uma entrevista coletiva em Davos e se gabou, no Twitter, de supostamente “deixar a imprensa aterrorizada”. Meia hora depois, Mourão usou o microblog para agradecer “pela dedicação, entusiasmo e espírito profissional” dos repórteres que acompanham suas atividades em Brasília.

No dia seguinte, o vice descartou a possibilidade de expulsão da embaixada da Palestina em Brasília. Em agosto, Bolsonaro havia ameaçado desalojar a representação diplomática, em mais um aceno ao governo ultraconservador de Israel. “Não tem nada disso. Os dois Estados são reconhecidos”, retrucou Mourão.

O vice também lançou dúvidas sobre o decreto das armas. Ele sugeriu que a medida não produzirá os resultados prometidos. “Eu não vejo como uma medida de combate à violência. Vejo apenas, única e exclusivamente, como um atendimento de promessa de campanha do presidente”, afirmou.

O tom moderado de Mourão é uma boa surpresa. Na campanha, o vice estimulou temores ao falar em “autogolpe” e defender que uma Constituição “não precisa ser feita por eleitos pelo povo”. Ele já havia sido punido por declarações impróprias em 2015, quando era general da ativa. Na época, criticou o governo e permitiu uma homenagem a um torturador da ditadura militar.

Agora ele tenta se reposicionar depois de ser escanteado na montagem do governo. Sem função definida, o vice tem conversado com parlamentares, empresários e diplomatas estrangeiros. Deputados que foram ao Planalto nos últimos dias dizem que ele evita reclamar de Bolsonaro, mas deixa claro que se sente subutilizado.

“Ele ficou numa situação embaraçosa, mas está mantendo o equilíbrio. Até o parabenizei por isso”, conta Otoni de Paula (PSC-RJ). “Tem um duelo de opiniões com o presidente, né? O general quer mostrar que não é quadrado, que é mais evoluído”, avalia Léo Moraes (Podemos-RO).

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A tragédia de Brumadinho não é culpa do novo governo, mas deve servir como lição a Bolsonaro. O presidente tem alegrado as mineradoras ao repetir que há uma “indústria da multa” e atacar os órgãos de fiscalização ambiental. Este discurso vale como incentivo a quem já lucra com a exploração predatória da natureza.


Bernardo Mello Franco: Apertem os cintos: Previsões para a "nova era" de Bolsonaro

Em novo livro, 22 intelectuais fazem previsões sobre o novo governo. ‘Passaremos por uma zona de forte turbulência política’, alerta o sociólogo Sérgio Abranches

O Brasil está condenado a reescrever uma página infeliz da nossa história? A pergunta ronda os 22 ensaios de “Democracia em risco?”, que chega às livrarias na semana que vem pela Companhia das Letras. Como indica o ponto de interrogação, a coletânea não oferece respostas definitivas. Sua proposta é ajudar a entender o que está em jogo na “nova era” de Jair Bolsonaro.

No texto de abertura, o sociólogo e cientista político Sérgio Abranches sustenta que a eleição de 2018 foi disruptiva. Ele afirma que a vitória do capitão encerrou o ciclo que organizou a política brasileira com relativa estabilidade nos últimos 25 anos. As instituições, que sobreviveram a dois impeachments e múltiplas crises, agora terão que enfrentar uma prova de resistência “mais significativa e direta”. “Apertem os cintos, pois passaremos por uma zona de forte turbulência política”, avisa.

O historiador Boris Fausto diz que é cedo para desenhar com clareza os rumos que o governo vai tomar. “Mas no âmbito educacional e da cultura, assim como no trato de determinadas minorias, as tendências não deixam dúvidas. Todas elas constituem um retrocesso”.

Ele prevê o acirramento da violência no campo, a reboque do discurso agressivo do presidente. “As porteiras estão abertas para as mortes de lideranças, para a invasão de terras indígenas pelas milícias armadas, para o desmatamento sem inibições”, escreve. Apesar dos temores, Fausto diz contar com a vigilância da imprensa, do Judiciário e da sociedade civil: “Ao menos por ora, não há razões para ceder ao catastrofismo”.

O sociólogo Celso Rocha de Barros parece menos confiante. “As bases do nosso progresso até agora — a democracia, a imprensa livre, a autonomia das instituições e a competição entre os partidos — podem desabar a qualquer momento”, afirma. Ele diz que a hora é de “rebaixar expectativas”: “O objetivo, nos próximos quatro anos, é evitar retrocessos”.

A historiadora Angela de Castro Gomes vê a ascensão de Bolsonaro como “uma ameaça efetiva a nosso regime democrático, que poderá ser corroído por dentro”. O jurista Conrado Hübner Mendes alerta para as afinidades do presidente com líderes da extrema direita do Leste Europeu. “O Brasil está batendo à porta da liga dos governos autoritários no aniversário de trinta anos da Constituição. Esse crepúsculo não é o fim, mas sua antessala”, escreve.

A historiadora Heloisa Starling costuma brincar que sua classe só é boa para prever o passado. Agora ela admite um sentimento de “perplexidade” com o presente. “Não sabemos ainda se a erosão da democracia no Brasil é um processo inevitável ou mesmo irreversível”, afirma. “Em 1964, a ruptura política e institucional se consumou; ocorreu um golpe de Estado e a deposição do presidente constitucional. Em 2018, o cenário é instável, a democracia brasileira saiu dos trilhos, mas o futuro está em aberto”, diferencia.

A professora observa que o presidente “é exatamente o que parece, e ainda podemos nos perguntar se as aparências enganam”. Mais adiante, ela pede cautela a quem considera que o país está mergulhando num novo ciclo autoritário: “A forma do que virá está em aberto — o tempo não é retilíneo, nele não existe lugar para a repetição e não há jeito de se governar a história”.