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Bernardo Mello Franco: A lua de mel durou pouco

Bolsonaro conseguiu uma proeza: encolheu em três meses, e sem a ajuda da oposição. Seu derretimento é resultado de erros e confusões criadas no campo governista

Durou pouco a lua de mel de Jair Bolsonaro. A aprovação do presidente caiu 15 pontos desde janeiro. O percentual de eleitores que consideram o governo bom ou ótimo recuou de 49% para 34%, informou ontem o Ibope. É a pior largada de um presidente eleito para o seu primeiro mandato desde a redemocratização do país.

Bolsonaro conseguiu uma proeza: encolheu sem a ajuda da oposição. O derretimento é resultado de erros e confusões criadas no campo governista. O caso Queiroz, o laranjal do PSL, as trapalhadas dos primeiros-filhos e os laços do clã com as milícias aceleraram o desgaste. O presidente deu a sua cota com declarações desastradas e caneladas virtuais. A aposta na polêmica rendeu frutos na campanha, mas começa a mostrar limitações no exercício do poder.

A diretora-executiva do Ibope Inteligência, Márcia Cavallari, diz que Bolsonaro também alimentou a esperança de que resolveria problemas num passe de mágica. “Como as coisas não mudam rapidamente, há um sentimento de frustração”, observa. Ela vê risco de o presidente continuar descendo a ladeira nos próximos meses. “A curva é perigosa”, alerta.

O presidente do Ibope, Carlos Augusto Montenegro, ressalta outro dado da pesquisa. O percentual de brasileiros que confiam em Bolsonaro caiu, mas ainda é maior que o de eleitores que não confiam nele (49% a 44%). Tirando os que não opinaram, a diferença é quase idêntica ao resultado do segundo turno, quando o presidente venceu por 55% a 45% em votos válidos.

Os números são uma má notícia para a equipe econômica, que contava com a popularidade do chefe para forçar as mudanças na Previdência. Agora ficará mais caro convencer o Congresso a encampar a reforma, que vai mexer com o bolso do eleitor.


Bernardo Mello Franco: A desconstrução como projeto

Gestos de Bolsonaro em Washington sugerem atitude de subserviência, não de parceria. O presidente exaltou Trump e se derramou ao falar dos EUA: ‘país maravilhoso’

Em 1964, o militar Juracy Magalhães foi nomeado embaixador em Washington e cunhou uma frase famosa: “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”. A máxima da ditadura voltou à moda em Brasília. Agora foi levada a Washington por Jair Bolsonaro.

Ontem o presidente se desmanchou em elogios aos anfitriões. “Hoje os senhores têm um presidente que é amigo dos Estados Unidos, que admira este país maravilhoso”, disse. Ele estendeu as juras de amor a Donald Trump. “Queremos um Brasil grande, assim como Trump quer uma América grande”.

O ministro Paulo Guedes acrescentou um testemunho pessoal. “O presidente ama os americanos, eu também. Adoro jeans, Coca-Cola, Disneylândia”, festejou. Faltou citar o Pateta, que parece inspirar uma ala expressiva do novo governo.

A bajulação não se limitou aos discursos. O Planalto aceitou abrir a Base de Alcântara, antigo sonho de consumo dos EUA. Mais cedo, liberou os turistas americanos da exigência de visto. O Brasil abriu mão da reciprocidade, um princípio básico da diplomacia.

Dois dias antes, o deputado Eduardo Bolsonaro se referiu aos brasileiros que vivem nos EUA sem visto de permanência como “vergonha nossa”. Ao ofender os imigrantes, usava um boné que reproduz, em versão tupiniquim, o slogan eleitoral de Trump.

O país pode e deve reforçar laços com os EUA, mas os gestos de Bolsonaro sugerem uma atitude de subserviência, não de parceria. “É preciso ter foco no interesse nacional, não no de outros países”, criticou Geraldo Alckmin, um tucano insuspeito de esquerdismo.

Em Washington, o presidente voltou a mostrar que a ideologia fala mais alto que o pragmatismo em sua política externa. “Nosso Brasil caminhava para o socialismo, para o comunismo”, delirou, no jantar de domingo.

Ele propôs um brinde a Olavo de Carvalho, ideólogo da ultradireita nativa, e ofereceu uma síntese de seu projeto. “O Brasil não é um terreno aberto onde nós pretendemos construir coisas para o nosso povo. Nós temos é que desconstruir muita coisa”, afirmou. A oposição não conseguiria resumir melhor.


Bernardo Mello Franco: Saber quem puxou o gatilho é só o começo

Mais importante que saber quem matou Marielle é identificar os mandantes do crime. O espetáculo de ontem deixou um cheiro de exploração política no ar

A prisão de dois acusados de matar Marielle Franco está longe de solucionar o caso. Mais importante que saber quem puxou o gatilho é identificar os mandantes do crime, que também tirou a vida do motorista Anderson Gomes. Pelo que se ouviu ontem, a Polícia Civil e o Ministério Público ainda vão demorar a apresentar respostas convincentes.

O delegado Giniton Lages, chefe da Delegacia de Homicídios, disse não ter “nem ideia” de quem ordenou a execução. “Hoje não sabemos se havia mandantes”, afirmou. Ele sugeriu que o ex-PM Ronnie Lessa, apontado como autor dos tiros, pode ter agido sozinho porque tinha “ódio a políticos de esquerda” e “resolvia diferenças ideológicas com violência”. Essa versão não combina com as características do crime nem com o perfil do acusado.

É difícil acreditar que um crime premeditado, que exigiu dias de planejamento, tenha como motivo uma mera antipatia pela vereadora. Além disso, Lessa era uma figura conhecida no submundo policial. Passou dos batalhões da PM para a guarda pessoal de um chefão do crime na Zona Oeste do Rio.

Nos últimos anos, o ex-sargento diversificou os negócios e a clientela. Ele foi preso num condomínio de alto padrão na Barra da Tijuca, onde é vizinho do presidente Jair Bolsonaro. Também tem casa em Angra dos Reis e circula em carro blindado. Até 2017, recebia pouco mais de R$ 7 mil de salário.

Depois de um ano de cobranças, é natural que os investigadores se sintam tentados a apressar a conclusão do caso. No entanto, restam inúmeras perguntas sem resposta. Uma delas foi levantada em janeiro, quando a Polícia Federal detectou uma armação para atrapalhar a identificação dos assassinos. A quem isso interessa?

O espetáculo de ontem também deixou um cheiro de exploração política no ar. O governador Wilson Witzel convocou a imprensa ao Palácio Guanabara e tentou se apresentar como chefe da investigação. As promotoras do caso foram convidadas, mas preferiram não participar do circo. Na campanha, Witzel festejou a quebra de uma placa com o nome de Marielle.


Bernardo Mello Franco: O governo é refém de um lunático

O autodeclarado filósofo Olavo de Carvalho indicou dois ministros e promoveu uma cruzada contra o vice-presidente. Agora quer liderar um expurgo nos quadros do governo

Antes que os bolsonaristas mais aguerridos peguem em armas, um esclarecimento. O lunático do título não é quem vocês estão pensando. Refiro-me a Olavo de Carvalho, o guru que faz a cabeça do presidente.

O autoproclamado filósofo emplacou dois pupilos como ministros: o das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e o da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez. As presepadas dos discípulos não saciaram o mestre. De seu escritório em Richmond, ele se dedica a semear intrigas e provocar novas crises em Brasília.

No fim de janeiro, Olavo se lançou numa cruzada contra o vice-presidente Hamilton Mourão. Chamou o general de “maluco”, “covarde”, “psicopata”, “charlatão desprezível” e “vergonha para as Forças Armadas”.

Como o vice não pode ser demitido, o ideólogo escolheu outros alvos. Na semana passada, o embaixador Paulo Roberto de Almeida o culpou por sua exoneração do Ipri, o instituto de pesquisas do Itamaraty. O diplomata havia chamado Olavo de “sofista” e “debiloide”.

Na sexta-feira, o guru da ultradireita surpreendeu ao pedir que seus alunos no governo, “umas poucas dezenas”, entregassem os cargos imediatamente. “O presente governo está repleto de inimigos do presidente e inimigos do povo, e andar em companhia desses pústulas só é bom para quem seja como eles”, dramatizou.

Era só jogo de cena. Na verdade, Olavo queria revanche após saber que alguns pupilos haviam sido rebaixados na hierarquia do MEC. A tática funcionou. Ontem Bolsonaro mandou Vélez demitir três militares que se contrapunham aos olavistas no ministério. O expurgo mostra que o governo é refém de um personagem que divulga teorias conspiratórias e se descreve como “apenas um véio lôco” no Facebook.

Além de ver comunistas em toda parte, Olavo promove uma campanha incansável contra as universidades e o jornalismo profissional. Não por acaso, é cultuado por blogs governistas que propagam “fake news”.

Há poucos dias, o blogueiro que difamou uma repórter do jornal “O Estado de S. Paulo” pediu doações em dinheiro para o guru. “Professor Olavo precisa da nossa ajuda”, justificou.


Bernardo Mello Franco: Marielle, um ano depois

Na próxima quinta, o assassinato da vereadora faz um ano. Até aqui, a apuração revelou mais sobre a polícia do Rio do que sobre o crime

Eram quase cinco da madrugada quando a Mangueira revelou o segredo. Na última ala da escola, grandes bandeiras em verde e rosa exibiram o rosto de Marielle Franco. Era a surpresa do desfile que já começou a homenagear a vereadora no samba-enredo. “Brasil, chegou a vez / De ouvir as Marias, Mahins, Marielles, Malês”, dizia o refrão, que embalou o 20º título da Estação Primeira.

O assassinato de Marielle e do motorista Anderson Gomes completa um ano na próxima quinta-feira. O crime continua sem castigo, apesar das seguidas promessas de autoridades federais e estaduais.

Em 10 de maio de 2018, o então ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, inaugurou a série de bravatas. “A investigação do caso Marielle está chegando à sua etapa final, e eu acredito que em breve nós devemos ter resultados”, anunciou.

Em 31 de agosto, foi a vez do general Braga Netto, que comandava a intervenção federal no Rio. “Estamos perto. Até o fim do ano, quando a intervenção tiver sido concluída, o caso já deverá estar solucionado”, prometeu.

Em 1º de novembro, o delegado Rivaldo Barbosa garantiu que o crime estaria “muito próximo de sua elucidação”. Três semanas depois, o então secretário estadual de Segurança, Richard Nunes, disse que o caso seria resolvido até o fim do ano. “Alguns participantes nós temos, com certeza”, assegurou o general.

O ano acabou, a intervenção passou, e as promessas continuaram a ser lançadas ao vento. Em 12 de janeiro, o novo governador, Wilson Witzel, disse que os investigadores estavam “próximos da elucidação do caso e, evidentemente, da prisão daqueles que estão envolvidos”. “Talvez isso aconteça até o final desse mês”, acrescentou.

Na campanha, Witzel participou de um ato em que dois aliados quebraram uma placa com o nome de Marielle. Um deles, o deputado estadual Rodrigo Amorim, circulou pela Sapucaí como bicão na noite em que a Mangueira homenageou a vereadora.

Até aqui, a apuração revelou mais sobre a polícia do Rio do que sobre o crime que ela deveria resolver. No mês passado, a PF fez buscas para desvendar “ações que estariam sendo praticadas com o intuito de obstaculizar as investigações”. Em português corrente, isso significa que houve uma operação abafa para encobrir mandantes e autores dos assassinatos.

O governo federal guarda um estranho silêncio sobre as execuções. Essa atitude remete a um ano atrás, quando Jair Bolsonaro foi o único candidato à Presidência que se recusou a comentar o caso. Dos 70 deputados estaduais, seu filho Flávio foi o único a votar contra a concessão da Medalha Tiradentes como tributo póstumo à vereadora.

Uma das linhas de investigação liga o assassinato de Marielle ao Escritório do Crime, grupo de extermínio chefiado por milicianos. Em janeiro, vieram à tona os laços do clã presidencial com Adriano Magalhães da Nóbrega, apontado como fundador da quadrilha. Ex-capitão do Bope, ele foi condecorado por Flávio e elogiado por Jair na tribuna da Câmara. Sua mãe e sua mulher ganharam cargos no gabinete do primeiro-filho, hoje senador. Nóbrega está foragido há 47 dias.


Bernardo Mello Franco: Bolsonaro se enganou. Democracia não é favor dos militares aos civis

Bolsonaro disse que a democracia só existe quando as Forças Armadas querem. A frase revela que ele não compreendeu a Constituição e o papel que ela reserva aos militares

O presidente Jair Bolsonaro disse ontem que “democracia e liberdade só existem quando a sua respectiva Força Armada assim o quer”.

A frase revela uma incompreensão do papel dos militares e da Constituição, que ele prometeu cumprir ao tomar posse.

A democracia não é um favor que os militares prestam aos civis. A palavra vem do grego demokratia, a união de demos (povo) e kratia (poder).

Se tiver dúvidas, o presidente pode consultar o artigo 1º da Constituição. Diz o parágrafo único: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”.

Isso significa que o poder só é legítimo se tiver como origem a vontade popular, expressa pelo voto.

Os integrantes das três Forças participam do processo quando vão às urnas. O voto de um militar não vale mais nem menos do que o voto de um civil.

A afirmação de que o poder emana do povo está em todas as Constituições brasileiras desde 1934. Não foi inventada aqui. Aparece, com poucas variações, nas Cartas de todos os países democráticos.

A Constituição da França faz questão de reforça-la. Afirma que o princípio da República é ser o “governo do povo, pelo povo e para o povo”.

A Carta brasileira também é clara sobre as atribuições das Forças Armadas. O artigo 142 diz que elas “são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República”.

E não o contrário.

Como já virou rotina, militares que ocupam altos postos no governo tentaram consertar a fala presidencial. O vice Hamilton Mourão afirmou que Bolsonaro foi “mal interpretado”. O ministro Augusto Heleno alegou que “tentaram distorcer” o que ele disse.

A explicação poderia colar se Bolsonaro tivesse um histórico de defesa da democracia e de repúdio a regimes autoritários, como a ditadura de 1964.

Os dois generais sabem que não é bem assim.


Bernardo Mello Franco: Bolsonaro difamou a maior festa popular do país

Com a tuitada pornográfica, Bolsonaro tentou revidar as críticas que sofreu no carnaval. Já seria uma atitude imprópria, mas ainda assim o presidente passou do ponto

É difícil se chocar com as declarações de Jair Bolsonaro. O presidente já exaltou torturadores, elogiou um ditador pedófilo, disse que uma deputada não merecia ser estuprada porque era “muito feia”. Mesmo com este histórico, ele conseguiu causar escândalo ao divulgar um vídeo escatológico a pretexto de “expor a verdade” sobre o carnaval.

Bolsonaro não precisou sair do palácio para saber que foi malhado por blocos e escolas de samba. Em todo o país, foliões ironizaram trapalhadas do governo e entoaram coros contra o presidente. O laranjal que ronda o Planalto caiu na boca do povo. Nas ruas do Rio, para cada pierrô parecia haver alguém fantasiado de Queiroz.

A tuitada pornográfica foi uma clara tentativa de revide. Já seria uma atitude imprópria, mas ainda assim o presidente passou do ponto. Sua postagem ofendeu milhões de brasileiros que participaram da folia sem praticar as obscenidades do vídeo. Além disso, difamou a maior festa popular do país.

Segundo o Ministério do Turismo, o carnaval deste ano injetaria R$ 6,78 bilhões na economia. A festa atrai turistas, lota hotéis e gera empregos. No Rio, apesar da má vontade da prefeitura, era prevista a abertura de 72 mil vagas temporárias.

A pregação moralista já deu muitos dividendos a Bolsonaro, mas até aliados consideraram que ele se excedeu. O Planalto tentou consertar a lambança ontem à noite, negando a “intenção de criticar o carnaval de forma genérica”. Apesar do recuo, o estrago estava feito. Os tuítes repercutiram mal nas redes sociais e na imprensa, aqui e no exterior.

Se não fosse tão autocentrado, o presidente saberia que o carnaval sempre criticou quem está no poder. É uma tradição da festa, contra a qual não adianta se insurgir. Em 1912, o marechal Hermes da Fonseca mandou adiar os cortejos por causa da morte do Barão do Rio Branco. O povo brincou duas vezes e ridicularizou a ordem com uma marchinha:

“Com a morte do barão / Tivemos dois carnavá / Ai que bom, ai que gostoso / Se morresse o marechá”.


Bernardo Mello Franco: Culpa pelo laranjal não é das mulheres

O escândalo do lançamento de candidatas laranjas resultou no desvio de dinheiro público. Reclamar do TSE e da cota das mulheres é atirar nos alvos errados

O deputado Rodrigo Maia atribuiu a proliferação de candidaturas laranjas a uma resolução do TSE que tentou aumentar a participação feminina na política. No ano passado, o tribunal decidiu que 30% das verbas do fundo eleitoral deveriam ser reservadas para as mulheres. “Toda vez que o Judiciário legisla, dá problema”, reclamou o presidente da Câmara.

Na quarta-feira, o senador Angelo Coronel apresentou um projeto para acabar com a cota de candidaturas femininas, que também é de 30%. “Mulheres têm sido compelidas a participar do processo eleitoral apenas para assegurar o percentual exigido”, escreveu.

Investigado no escândalo do laranjal, o presidente do PSL, Luciano Bivar, também criticou a cota feminina. “A política não é muito da mulher”, disse o deputado à “Folha de S.Paulo”. “Se os homens preferem mais política do que a mulher, tá certo. Paciência, é a vocação”, prosseguiu. Ele acrescentou que “a vocação da mulher para bailarina é muito maior que a do homem”.

O argumento não é propriamente novo. Na Constituinte de 1890, o deputado Pedro Américo disse que “a missão da mulher é mais doméstica do que pública, mais moral do que política”. O senador Lauro Sodré emendou que permitir o voto feminino seria uma medida “anárquica” e “desastrada”.

Hoje as mulheres são 52% do eleitorado, mas ainda ocupam pouco espaço no Congresso. No ano passado, o Brasil amargou o 152º lugar num ranking que mediu a participação feminina em 190 parlamentos. O dado mostra que o país precisa de medidas para reduzir o desequilíbrio na representação política.

O lançamento de laranjas resultou no desvio de dinheiro público — seja para candidatos homens ou para o bolso de dirigentes partidários. Reclamar do TSE e da cota feminina é atirar nos alvos errados.


Bernardo Mello Franco: Elogios a Stroessner rebaixam o Brasil

Exaltado por Bolsonaro, o general Stroessner chefiou uma ditadura corrupta e assassina no Paraguai. Ficou 35 anos no poder e morreu sem prestar contas à Justiça

Jair Bolsonaro passou um mês sem falar em solenidades oficiais. Era melhor que tivesse continuado em silêncio. Na posse do novo diretor de Itaipu, o presidente exaltou o ditador paraguaio Alfredo Stroessner. Chamou-o de “estadista” e “homem de visão”.

A história mostra que os predicados do general eram outros. Depois de liderar um golpe militar, ele passou 35 anos no poder. Comandou um regime corrupto e sanguinário, responsável por múltiplos crimes contra a humanidade.

De acordo com estimativas oficiais, a ditadura paraguaia torturou mais de 18 mil pessoas entre 1954 e 1989. A Comissão da Verdade e Justiça do país contabilizou 59 mortos e 336 desaparecidos.

O relatório final do órgão afirma que Stroessner montou um regime de “caráter totalitário”, voltado para o “controle total do Estado e da sociedade”. Seu governo foi implacável. “Perseguiu, eliminou, excluiu, extirpou e aniquilou todo foco, tentativa ou projeto de oposição”, registra o documento.

O general não se limitou a chefiar a repressão política. Ele permitiu e estimulou o contrabando. Fez do comércio ilegal de cigarros, bebidas e eletrônicos uma marca registrada do Paraguai.

Stroessner também usou o poder para enriquecer. O juiz Arnaldo Fleitas, que tentou extraditá-lo, estimou sua fortuna em US$ 500 milhões. Parte do dinheiro ficou escondida em contas secretas na Suíça. O general obteve asilo político no Brasil e morreu no país, sem responder por seus crimes.

Em 2016, o Departamento de Memória Histórica e Reparação revelou outra face obscura do ditador. Ele foi acusado de patrocinar um esquema de exploração sexual de crianças. Segundo as investigações, o regime mantinha uma espécie de harém com meninas de 10 a 15 anos, que eram raptadas no interior para servi-lo.

A simpatia por ditadores não é uma novidade na carreira de Bolsonaro. A diferença é que ele deixou de ser apenas um deputado de posições radicais. Ao assumir a Presidência, passou a representar o país. Seus elogios a Stroessner rebaixam o Brasil e o cargo que ocupa.


Bernardo Mello Franco: Circular do MEC é típica de ditaduras

O ministro Vélez prometeu combater a ‘doutrinação’, mas quer despejar propaganda oficial nas salas de aula. A receita já foi usada no regime militar e no Estado Novo

O ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, orientou os diretores de escolas a filmarem os alunos perfilados diante da bandeira e ao som do hino nacional. O comunicado é típico de ditaduras, e não só pelo ufanismo de almanaque.

Vélez enviou uma carta a ser lida para alunos, professores e funcionários no primeiro dia do ano letivo. O texto começa com uma exclamação patriótica (“Brasileiros!”) e termina com o slogan de campanha do presidente Jair Bolsonaro (“Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”). Entre uma coisa e outra, exalta a chegada do “Brasil dos novos tempos”, numa aparente alusão à posse do chefe.

A circular insta os diretores a filmarem as crianças e enviarem os vídeos para o gabinete do ministro. Só faltou dizer que as escolas que descumprirem a ordem ficarão de recuperação — ou receberão menos verbas federais no ano que vem.

Prócer da ala olavista do governo, Vélez já havia deixado claro que confunde as tarefas de Estado com a militância ideológica. Em vez de mirar as deficiências do ensino básico, tem desperdiçado tempo com discursos contra a suposta influência do “globalismo” e do “marxismo cultural” sobre os professores.

O ministro é um crítico da “doutrinação”, mas sua circular representa exatamente o que ele diz combater: a tentativa de despejar conteúdo chapa-branca pela goela dos alunos. Não chega a ser uma ideia original.

Depois do golpe de 1964, que Vélez já definiu como uma data “para comemorar”, os militares estimularam o culto à bandeira e a pregação ufanista nas escolas. Chegaram a impor a disciplina Educação Moral e Cívica, outra patriotada que o ministro quer ressuscitar.

Antes disso, o Estado Novo obrigou os estudantes a reverenciarem o chefe do governo e os símbolos nacionais. Na cartilha “Getúlio Vargas, o amigo das crianças”, editada pelo Departamento de Imprensa e Propaganda, o presidente dizia que “é preciso plasmar na cera virgem que é a alma da criança a alma da própria pátria”.

É assim que pensam as ditaduras, sejam elas de esquerda ou de direita.


Bernardo Mello Franco: Governo Bolsonaro não precisa de oposição

As crises que assombram o novo governo têm um traço peculiar: não precisam da ajuda da oposição. Todas têm origem no campo bolsonarista

As crises que assombram o governo Bolsonaro têm uma característica peculiar: não precisam da ajuda da oposição.

No discurso de posse, o presidente indicou que manteria o clima de confronto com a esquerda. No entanto, seus adversários na eleição nem lhe fizeram cócegas até aqui.

Todos os fantasmas que rondam o Planalto surgiram no campo governista. A maior parte foi fabricada pelos filhos e pelo partido de Bolsonaro. O resto deve a existência ao próprio presidente, que demonstra dificuldade para se adaptar ao novo papel.

Os herdeiros lideram o ranking das trapalhadas. Mesmo sem cargos no governo, Zero Um, Zero Dois e Zero Três têm criado múltiplos embaraços para a gestão do pai.

Flávio, o primogênito, envolveu o nome da família numa investigação ruidosa no Rio. É suspeito de embolsar salários de assessores e cultivar relações com chefes de milícia.

Carlos, o filho do meio, foi pivô da queda de um ministro com 48 dias de governo. Sua ofensiva contra Gustavo Bebianno ainda pode deixar sequelas. Demitido, ele levou para casa os arquivos da campanha e uma coleção de áudios gravados pelo ex-chefe.

Eduardo, o caçula do trio, começou a fazer barulho antes da posse. Além de ameaçar fechar o Supremo Tribunal Federal com “um soldado e um cabo”, semeou discórdia no PSL ao descrever colegas como “favelados”. Na sexta-feira, usou as redes sociais para criticar o Exército, que tem atuado como fiador do novo regime.

Conhecido como partido nanico até fechar negócio com Bolsonaro, o PSL é outra usina de encrencas. Já está claro que a sigla lançou candidatas laranjas em Minas e Pernambuco. Agora pipocam suspeitas em outros estados.

Na Câmara, o partido paga pela inexperiência e pela desarticulação. Apesar de formarem a maior bancada, ao lado do PT, os deputados do PSL parecem mais interessados em gravar vídeos para as redes sociais. Na terça passada, levaram um baile do centrão e assistiram, atônitos, à primeira derrota do governo.

Bolsonaro já deu sinais de que não precisaria de ajuda para se embananar. Na primeira semana, ele foi desmentido por auxiliares depois de anunciar um decreto inexistente e admitir a instalação de uma base americana no Brasil. No caso Bebianno, seu temperamento elevou a temperatura da crise, em vez de esfriá-la.

Num cenário normal, o novo governo encontraria condições mais favoráveis para se organizar. O presidente venceu a eleição por ampla margem. O novo Congresso é o mais conservador das últimas décadas.

A oposição saiu das urnas desunida. O PT ficou isolado, e outras siglas de esquerda se dispersaram na lógica do “cada um por si”.

O deputado Alessandro Molon, do PSB, assumiu há dez dias o cargo de líder da oposição na Câmara. Ele reconhece que a correlação de forças é desfavorável, mas aposta nos tropeços do bolsonarismo. “Este governo está se enrolando sozinho. Por enquanto, nossa maior tarefa é não atrapalhar”, brinca.


Bernardo Mello Franco: Para votar reforma, centrão pede cota de até R$ 10 milhões por deputado

Depois da eleição, o ministro Paulo Guedes disse que bastaria dar uma “prensa” no Congresso para aprovar a reforma da Previdência. Se alguém no governo ainda acreditava nisso, ontem foi o dia de cair na real.

O projeto entregue por Jair Bolsonaro foi recebido com frieza. Parlamentares da bancada governista deixaram claro que vão aproveitar o momento para forçar um acerto de contas com o Planalto.

Nas palavras de um senador tucano, o presidente pensou que conseguiria tratar o Congresso como um quartel. Agora será pressionado a dividir poder, fazer concessões e reabrir o balcão de negócios.

As primeiras conversas já tratam da distribuição de cargos. As queixas nesse campo se multiplicam desde a montagem do governo, quando Bolsonaro entregou três ministérios ao DEM e esnobou siglas maiores. Nos últimos dias, aumentou a cobrança pela partilha no segundo e no terceiro escalão.

Os deputados não devem se contentar com nomeações. Para apoiar a reforma, a bancada ruralista exigirá a manutenção de subsídios que Guedes pretende extinguir. Já os partidos do centrão querem que o governo crie uma espécie de cota de gasto extra por parlamentar.

As tratativas já incluem cifras. Segundo o presidente de um partido médio, a ideia é que cada deputado novato tenha direito a indicar R$ 7,5 milhões em obras e repasses federais. Para os reeleitos, a cota seria de R$ 10 milhões. Apesar do discurso oficial contra o “toma lá, dá cá”, a Casa Civil tem indicado disposição de negociar.

O Orçamento aprovado no ano passado já reservou R$ 15 milhões a cada parlamentar em emendas individuais. No entanto, os recém-eleitos teriam que esperar até 2020 para começar a destinar verbas.

Enquanto as negociações não avançam, o fogo amigo deve se intensificar. Ao apresentar uma proposta de reforma que só atinge os servidores civis, o governo abriu um flanco a mais para as críticas.

“Sem uma reforma que alcance também os militares, o texto apresentado não deveria sequer tramitar”, disparou ontem o senador Ciro Nogueira. Ele é presidente do PP, o maior partido do centrão.