Benito Salomão

Benito Salomão: Uma âncora para a inflação

Brasil terá um longo período de baixo crescimento do PIB e elevada inflação

Benito Salomão / Correio Braziliense

O ano de 20121 caminha para o final, e as projeções mais recentes apontam para um cenário bastante pessimista. O Brasil terá um longo período com a combinação indesejada de baixo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e elevada inflação. Muitos fatores podem explicar essa deterioração macroeconômica súbita, que se deu em um intervalo de poucos meses. A economia brasileira começou 2021 com previsões demasiadamente otimistas. A pesquisa Focus, divulgada semanalmente pelo Banco Central (BC), apontava, em janeiro, previsões medianas de crescimento elevado, inflação próxima ao centro da meta e taxa Selic em torno de 3,25% ao ano. O que aconteceu para que, poucos meses depois, o país estivesse aprisionado em um debate sobre estagflação?

É possível começar constatando que não é possível jogar a conta da deterioração macroeconômica exclusivamente nos modelos mal calibrados do começo do ano. Inúmeros erros de políticas acometeram o país ao longo de todo o ano, a começar, os erros no enfrentamento da pandemia. A sabotagem às medidas de isolamento social quando necessárias e o atraso da vacinação fizeram que os efeitos da covid-19 se ampliassem no tempo, levando às quarentenas intermitentes, que retardam a recuperação e o emprego, além do prolongamento excessivo de medidas de socorro aos vulneráveis como auxílio emergencial.PUBLICIDADE

Outros equívocos se somaram aos erros da pandemia. Como não mencionar o fato de o governo federal ter aprovado a sua Lei Orçamentária Anual (LOA) apenas em abril de 2021? O impasse que atrasou a construção da peça orçamentária se deu envolvendo a dificuldade de conciliar as emendas paroquiais do baixo clero do Congresso Nacional, obstruídas pelo teto de gastos, que está com os dias contados no Brasil.

O consenso político que parece cristalizado nos interesses dos poderes Executivo e Legislativo (predominantemente da Câmara dos Deputados) é de que uma regra fiscal, fruto de um intenso esforço legislativo no passado e muito importante para disciplinar o gasto público, sobretudo obrigatório, pode ser desperdiçada para o atendimento de interesses eleitorais de curtíssimo prazo dos mandatários das duas casas da praça dos três poderes.https://22022f16ea280c4c3474ad784dcf48db.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

Mas não se enganem, o populismo carrega em seu DNA o gene da autodestruição. Em clássico ensaio de 1990, Rudiger Dornbusch e Sebastian Edward narram as fases do populismo na América Latina. O texto tem, em determinados trechos, aspectos de profecia. No Brasil, as consequências parecem não estarem dispostas a esperar a próxima legislatura para cobrar a fatura do voluntarismo irresponsável que ocupa Brasília. A inflação chegou aos dois dígitos e tem exercido um impacto avassalador na renda das famílias que tendem a radicalizar contra os responsáveis.

O Banco Central, embora sinalize que fará o “possível” para guiar esta inflação novamente para a meta, tem poucos instrumentos para isso em um cenário cuja política fiscal não colabora. Voltamos ao teto de gastos e aos interesses paroquiais dos populistas de Brasília. No afã de sinalizar medidas para aliviar o sofrimento da carestia provocado pela inflação, a Câmara tem elaborado propostas que fragilizam o equilíbrio fiscal, desancoram as expectativas e alimentam a própria inflação que não cede, apesar de toda contração monetária em curso patrocinada pelo BC.

Inflações elevadas e persistentes são frutos de maus fundamentos macroeconômicos e também da falta de credibilidade do governo de plantão. Desde o Plano Real, os períodos de inflação estável têm estado atrelados a alguma âncora macroeconômica. Entre 1995 e 1998, essa âncora foi o câmbio fixo e em paridade com o dólar. Após 1999 e até o desastre da nova matriz heterodoxa, em meados de 2012, os juros e as metas de inflação funcionaram como âncora. Após 2016, o regime de metas que ancorava as expectativas de inflação ganhou ajuda da política fiscal por via do teto de gastos, que deu ao país uma esperança quanto ao equilíbrio de longo prazo das contas públicas.

Executivo e Legislativo têm sabotado continuamente o teto de gastos, e o Brasil todo está colhendo as consequências da inflação cheia do IPCA, nos índices de difusão de preços e nos núcleos de inflação que têm elevado o custo de vida em todo o território nacional. Uma consequência secundária da irresponsabilidade é a política monetária, extremamente contracionista, que o BC terá que empreender para atenuar os efeitos do populismo político e fiscal sobre os preços. É preciso reancorar a macroeconomia do país.

*Mestre em economia pelo Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal de Uberlândia (PPGE-UFU)

Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/opiniao/2021/10/4957764-artigo-uma-ancora-para-a-inflacao.html


Benito Salomão: Auxílio Brasil e risco democrático

Proposta do novo benefício pode comprometer estabilidade macroeconômica

Benito Salomão / Folha de S. Paulo

Quando a lógica eleitoral pauta a política econômica, as consequências são indesejáveis. O Brasil viveu isso em 2013-14 diante da reeleição da presidente Dilma Rousseff (PT), causando nítidos retrocessos na política fiscal, tais como as contabilidades criativas e pedaladas fiscais. Naquela época, a presidente optou pelo negacionismo fiscal até novembro de 2014, quando venceu as eleições e a realidade se impôs. O desfecho daquele episódio segue fresco na memória.

A história se repete, primeiro como tragédia, depois como farsa, sentença atribuída a Karl Marx ideal para explicar a realidade contemporânea. Após o descalabro de 2014, o Brasil voltou a discutir retrocessos fiscais parecidos com os daquele momento. Em 2020, o país teve que elevar seu endividamento público em face dos danos humanitários causados pela Covid-19.

A dívida pública absorveu o choque, crescendo fortemente. Já em 2021, com várias economias superando a pandemia e retirando os incentivos fiscais, o Brasil segue na direção oposta e acumula inúmeros episódios que têm minado a credibilidade fiscal. Vale ressaltar que o prolongamento da pandemia no tempo é o primeiro fator de insustentabilidade fiscal, criando pressão permanente sobre benefícios sociais que deveriam ser apenas temporários. Isso tudo piorado pelas incertezas acerca da manutenção do teto de gastos, ou por heterodoxias como o orçamento paralelo e o escalonamento dos precatórios.

Nesse contexto de dificuldades fiscais, o governo envia para a Câmara a medida provisória 1.061/21 do novo Bolsa Família, agora nominado Auxílio Brasil. Sobre isso, ressalvas devem ser feitas: 1 - uma política dessa natureza é muito importante para ser normatizada via medida provisória; 2 - não se tem notícia de nenhum estudo que embase o novo desenho da política; e, 3° essa nova política de renda mínima será financiada por elevações de impostos ou cortes de gastos e em quais áreas? Ademais esse programa será acrescido a outras despesas como os precatórios escalonados, além de novos gastos que devem surgir na folga criada pela inflação deste ano no teto de gastos. Esse conjunto de despesas pode tornar inevitável aumentos tributários em um futuro próximo, impondo um elevado custo à sociedade.

O mais grave, no entanto, é o seu objetivo claramente eleitoral, visando reverter a desvantagem do presidente nas próximas eleições. Buchanan e Wagner (1977) sustentam que déficits fiscais causam distorções nas democracias, já que seus benefícios são sentidos no curto prazo, enquanto seus custos, associados a desequilíbrios macroeconômicos como inflação, desemprego, juros altos e elevações tributárias, demoram a se manifestar. Já Tabellini e Alesina (1990) salientam que políticos têm o incentivo de elevar déficits no presente, visando bônus eleitoral e deixando os custos futuros do ajuste para seus sucessores. Nesse contexto, a proposta do Auxílio Brasil tem todas as características de um programa cujo objetivo seja auferir prestígio eleitoral ao seu idealizador. Jair Bolsonaro está, aparentemente, disposto a comprometer a estabilidade macroeconômica do país para se reeleger.

Para 2023, dois cenários são possíveis: 1 - a reeleição do atual presidente irá impor a necessidade que ele próprio conduza o ajuste fiscal. Se isso ocorrer, Bolsonaro herdará de si um país infinitamente mais desorganizado que recebeu em 2019, tendo que lidar com desemprego, dívida pública, câmbio, juros e inflação muito elevados; ou 2 - a eleição de Lula, que também terá de implementar ajustes fiscais, que via de regra são hostilizados por ele e seu partido.

Igualmente importante, é preciso atentar à configuração do Congresso que emergirá em 2023, isso porque boa parte das medidas fiscais dependem de esforços legislativos. No Brasil, a política fiscal é predominantemente formalizada na Constituição, o que torna o poder legislativo fundamental em qualquer estratégia de equilíbrio fiscal.

Independentemente do resultado das urnas, a próxima legislatura dependerá de credibilidade para que o ajuste tenha sucesso. Caso contrário, em um contexto de polarização exacerbada, o ano de 2023 pode reeditar as turbulências de 2015, afetando a governabilidade. Medidas como aumentos de impostos e cortes de gastos são impopulares por si próprias. Em períodos pós-eleitorais, mais ainda, porque o eleitor vota escolhendo cestas de bens públicos prometidos na eleição e, ao receber benefícios a menos, ou impostos a mais, sente-se enganado e tende a radicalizar.

É preciso evitar esse cenário. Melhor seria que o respeito à responsabilidade fiscal fosse cultivado já.

*Benito Salomão é economista do Programa de Pós-Graduação em Economia da UFU (Universidade Federal de Uberlândia)

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2021/10/auxilio-brasil-e-risco-democratico.shtml


Benito Salomão: Crescimento e confiança no mundo real

Benito Salomão / Correio Braziliense

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ( IBGE) divulgou, recentemente, os dados do Produto Interno Bruto (PIB) da economia brasileira, referente ao segundo trimestre de 2021. O resultado põe fim ao frenesi dos crentes na tese de que a economia poderia apresentar um crescimento sustentado, alheia ao que acontece no front da política nacional. A queda de 0,1% reflete, objetivamente, dois problemas: o péssimo ambiente político e institucional do governo brasileiro, representado em seus Três Poderes, e a ausência de políticas de estímulo ao crescimento econômico.

No que se refere à instabilidade institucional, é preciso deixar claro que, enquanto as autoridades brasileiras perdem tempo e se desgastam com teses irrelevantes como voto impresso, as coisas acontecem (ou deixam de acontecer) no mundo real. As decisões econômicas, dentre elas a de investir na produção, tida como a principal decisão de uma economia capitalista, dependem das expectativas quanto às condições futuras da economia. Para Keynes, essas expectativas dependem do estado de confiança dos empresários quanto à possibilidade de seus investimentos retornarem na forma de lucro. Em outras palavras, uma economia empresarial moderna precisa de estabilidade para que investimentos ocorram.

No livro Animal Spirits, os Prêmio Nobel de economia Robert Shiller e George Arkelof discorreram sobre fatores que afetam a confiança: corrupção, injustiça, falta de transparência por parte das autoridades causando ilusão monetária, típica de economias com inflação elevada, são fatores que afetam a confiança e os investimentos. É importante salientar, que, em momentos de elevada instabilidade, as políticas macroeconômicas perdem a eficácia, em outras palavras, é difícil estimular a economia com quedas na taxa de juros ou expansão dos gastos públicos se os agentes não confiam na retomada. Diante disso, os autores argumentam acerca da importância de guiar a economia de um equilíbrio inicial de baixa confiança para um novo equilíbrio de alta confiança.PUBLICIDADE

Para Arkelof e Shiller, a confiança (ou a falta dela) se espalha em uma economia aos moldes de uma epidemia, isto é, quanto mais pessoas confiam que a economia irá crescer, mais pessoas tendem a também confiar e a confiança se espalha. Este ciclo de otimismo desencadeia novos investimentos, ampliando o produto e a renda. O inverso também é verdadeiro, quanto mais pessoas deixam de confiar no desempenho da economia, mais esse pessimismo contagia outras tantas pessoas, e os investimentos não ocorrem. Sem confiança não há investimento e, portanto, os dados do PIB tendem a seguir uma trajetória modesta. Sob predominância de pessimismo, a crença em um mau desempenho na economia coloca os agentes em posições defensivas tornando a esperança de recessão uma profecia autorrealizável.

O outro ponto a ser levantado para explicar o baixo crescimento econômico verificado no Brasil nos últimos anos é a escassez absoluta de políticas econômicas capazes de estimular o crescimento. As agendas apresentadas até aqui, apelidadas de reformas, têm pouco, ou nenhum, efeito sobre o crescimento econômico de curto e de longo prazos. Se, no campo da macroeconomia, não é possível haver grandes estímulos à economia, porque a inflação elevada requer aperto na política monetária e os níveis elevados da dívida pública sugerem restrições fiscais que inviabilizam a expansão do gasto público. Do lado da microeconomia, os estímulos ao crescimento podem se dar em duas frentes: medidas pró-concorrência e medidas pró-competitividade.

Pode-se detalhar melhor as agendas pró-concorrência e pró-competitividade em artigo futuro. No que se refere à primeira, medidas no sentido de redução de barreiras à entrada em mercados oligopolizados, abertura econômica, incentivo à inovação e diversificação em pequenas e médias empresas são bons exemplos. No que tange à segunda agenda, simplificação tributária, investimento em ciência de fronteira e capital humano, melhora do ambiente regulatório estimulando segurança jurídica, estímulo ao capital físico, sobretudo na área de logística e energia, são soluções que podem contribuir.

Na ausência de medidas efetivas de estímulo ao crescimento, que não devem ser pautadas no curto prazo, a harmonização institucional e política do país já traria enormes ganhos para a economia pelo canal da confiança e da previsibilidade. A convivência harmônica entre os Poderes tem que ser o foco das autoridades para que a população não pague o preço na forma de baixo crescimento e elevada inflação, ou seja, estagflação.

*Economista do Programa de Pós-Graduação em Economia da UFU

Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/opiniao/2021/09/4947598-crescimento-e-confianca.html


Tributação e modernidade: Congresso avança em reformas desconectadas do país

Benito Salomão / Correio Braziliense

Ainda sob os danos de uma crise sanitária que está prestes a ceifar a vida de 550 mil brasileiros e às vésperas de um ano eleitoral que promete ser o mais duro dos últimos 35 anos, o Congresso brasileiro mergulha em reformas econômicas desconectadas do contexto sanitário e de uma estratégia mais ampla de desenvolvimento do país. Um exemplo disso é a proposta de reforma do imposto de renda que tramita na Câmara via PL 2337/21.

Antes de adentrar nos aspectos mais técnicos da supracitada reforma, é preciso se ater às questões políticas, igualmente importantes. Sobre isso, duas questões deveriam ser respondidas: i) Por que uma reforma do Imposto de Renda, seja ela boa ou ruim, precisa ser aprovada agora e não pode esperar até 2023, de forma que seja objeto de debate público e eleitoral e tenha a legitimação do eleitor? ii) Qual a possibilidade de um modelo tributário bem-feito sair de uma reforma fatiada, isto é, aprovada em etapas, sem estabelecimento claro do que é prioridade e do que é secundário? Aliás, qual o critério de prioridade de uma reforma tributária aos moldes do que tramita na Câmara? Por que o Imposto de Renda e, não, a unificação de impostos indiretos em um único IVA?

As respostas para tais questões devem ser dadas pelas autoridades empenhadas na aprovação dessa reforma, mas algumas considerações devem ser feitas. Em relação à primeira questão, a aprovação de uma reforma por um governo impopular, cuja capacidade de reeleição é baixa e em um período próximo das eleições, pode fazer com que o assunto volte à baila política a partir de 2023, sobretudo se a atual oposição vencer as eleições. Em outras palavras, os açodamentos para aprovação de uma medida de tamanho impacto pode levar o próximo governo eleito a revisitar o assunto e reformar a reforma. Melhor seria que o parlamento tivesse gastando esse capital político para aprovar medidas emergenciais para lidar com a crise sanitária que ainda mata muitos brasileiros.

Em relação à segunda questão, há fatores mais técnicos envolvidos sobre os quais é preciso empenhar maior atenção. Um regime tributário deve se pautar por alguns princípios: i) simplicidade, ou seja, passível de ser compreendido pelo contribuinte, ii) progressividade, o que significa que os impostos devem recair em maior volume sobre contribuintes com maior capacidade de pagamento e, iii) eficiência, isto é, o sistema tributário não pode causar ineficiências no sistema econômico, criando incentivos à sonegação, ao planejamento tributário e, principalmente, à alocação subótima dos recursos na economia.

O primeiro problema do projeto em trâmite é que ele não traz ganhos adicionais em nenhum dos princípios listados acima. Pelo critério da eficiência, uma reforma do IVA parece que traria mais ganhos à economia como um todo, pois unificaria vários impostos indiretos em um único imposto a incidir sobre valor agregado, impedindo, por exemplo, a tributação em cascata nas várias etapas das cadeias produtivas que minam a eficiência do sistema. Pela mesma razão, tal reforma não parece tornar o sistema tributário mais simples, pelo contrário, todas as mazelas do atual sistema, que o tornam excessivamente complexo e criam um elevado contencioso tributário, não são tocadas pela reforma.

Finalmente, no que se refere à progressividade, as melhoras são tímidas e poderiam estar incorporadas em uma reforma tributária mais ambiciosa. Resolver o problema da regressividade da carga tributária no Brasil requer um olhar especial quanto aos impostos sobre patrimônio, que, por sua vez, são constitucionalmente delegados a estados e municípios como IPVA, ITR e IPTU, respectivamente.

Dois problemas adicionais devem ser levados em conta em uma reforma tributária. Ela deve estar associada a um contexto de crise fiscal e estagnação do crescimento econômico ao qual o Brasil está submetido há quase uma década. Em outras palavras, o modelo tributário deve estar alinhado com objetivos da política macroeconômica, que não estão claros neste governo. Como uma reforma dessa natureza pode contribuir com o reequilíbrio das contas públicas e, ao mesmo tempo, não penalizar ainda mais a exaurida capacidade de crescimento da economia brasileira? Lembrando sempre que no Brasil o que determina o tamanho da carga tributária é exatamente o tamanho do gasto público. Apenas para que fique claro, o modelo tributário atual é ruim, precisa, sim, ser reformado, mas para tudo existe um tempo e um contexto. É preciso estabelecer, primeiro, as diretrizes macroeconômicas do país, em seguida vem a escolha dos instrumentos para alcançá-las.

Benito Salomão é economista do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal de Uberlândia (PPGE-UFU)


Benito Salomão: Democracia e política fiscal

A resposta anunciada pelo presidente americano à crise da covid-19 repercutiu no Brasil. Ao todo, serão desembolsados pelo Tesouro dos Estados Unidos (EUA) alguns trilhões de dólares para fomentar setores emergentes intensivos em tecnologia de fronteira, ambientalmente sustentáveis e de alta produtividade. Para financiar o ambicioso programa, o presidente Biden pretende elevar impostos corporativos e a progressividade da carga tributária americana, isto é, setores econômicos de baixa produtividade e famílias com maior capacidade de pagamento devem contribuir mais com o plano econômico do democrata e financiar indiretamente a emergência da nova economia. Ainda assim, medalhões da academia norte-americana, como Lawrence Summers, criticam o programa, cuja escala é inédita e apresenta riscos de sobreaquecimento da economia do país, cujo efeito colateral mais visível a curto prazo é a inflação.

Voltemos nossos olhos ao Brasil. Aqui, o Bid Economics, como é chamado o plano, é celebrado por setores mais simpáticos ao dirigismo estatal e crentes na expansão do gasto público como um vetor do desenvolvimento. O Plano Biden tem muitos elementos que podem ser aproveitados, sim, pela economia brasileira. A noção de incentivar uma economia de baixo carbono, o desenvolvimento científico de fronteira e a recuperação da infraestrutura são gargalos históricos deste lado dos trópicos. Da mesma forma, o Brasil é uma espécie de paraíso de milionários, que são subtributados quando comparados relativamente com as classes médias e as camadas mais humildes da população.

O Plano Biden ainda terá chances de mostrar a que veio. Ficaremos atentos, sempre há uma certa defasagem entre o lançamento de um plano promissor e suas consequências na prática. O prêmio Nobel de economia James Buchanan, em livro publicado com Richard Wagner, em 1977, apontou as consequências de longo prazo de deficits públicos sobre a economia americana. A primeira consequência é a expansão do tamanho do governo como proporção da renda nacional. Para os autores, o acúmulo consecutivo de deficits fiscais levaria, no longo prazo, a um crescimento do setor público acima do setor privado. Mas essa é a menor das consequências, deficits públicos precisam ser considerados à luz de suas fontes de financiamento que são basicamente três:

Tributos — no modelo macroeconômico tradicional —, o gasto público atua estimulando a demanda agregada e o crescimento econômico, os impostos, por outro lado, atuam desestimulando. Em ensaio publicado em 2019, este autor chamou a atenção para a utilização de instrumentos tributários e de gastos públicos adequados para que os efeitos multiplicadores de uma expansão das despesas se sobrepusessem aos efeitos dos tributos. Em outras palavras, é pouco produtivo para a economia criar deficits que serão financiados por impostos distorcivos e recessivos para financiar despesas de custeio com baixo efeito multiplicador sobre a atividade.

Dívida — até muito recentemente —, se acreditava que a absorção de deficits públicos via dívida pública não apresentava maiores custos macroeconômicos. Em 2010, no entanto, ensaios dos prestigiados economistas Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff estimaram que dívidas soberanas superiores a 90% do PIB exercem efeitos prejudiciais sobre o crescimento econômico. Ademais, Robert Barro, em 1974, apresentou o conceito de equivalência Ricardiana, em linhas gerais, o autor argumentava que a contração de deficits fiscais no presente levaria a uma elevação a posteriori da carga tributária. Ou seja, gasta-se hoje para tributar amanhã.

Finalmente, inflação, que é a consequência macroeconômica mais severa de desequilíbrios macroeconômicos causados por deficits públicos. Phillip Cagan chegou a comparar os efeitos da inflação semelhantes aos efeitos de um imposto indireto, que reduz a renda disponível dos consumidores.

Mas, voltando a Buchanan e Wagner, a principal disfunção causada por um deficit público é o desequilíbrio causado nas democracias, em que eleitores preferem mais bens e serviços públicos e menos impostos, políticos têm o incentivo de atender tais demandas visando à permanência no poder. Dado que os deficits apresentam benefícios no presente e custos no futuro, é viável para políticos ampliarem as despesas, deixando o ônus do ajuste para o sucessor, o que causa um viés nas democracias e é um incentivo ao populismo. No Brasil, regras fiscais foram pensadas para precaver tais atitudes; devemos preservá-las.

BENITO SALOMÃO — Economista do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Uberlândia (UFU)

Fonte:

Correio Braziliense

https://www.correiobraziliense.com.br/opiniao/2021/05/4925185-artigo-democracia-e-politica-fiscal.html


Benito Salomão: O keynesianismo envergonhado de Paulo Guedes

O Brasil da segunda metade da década de 2010 tinha uma agenda econômica clara, interromper a trajetória explosiva da dívida pública e ao menos equilibrar o orçamento primário da União em déficit desde 2014. Inúmeras medidas foram empreendidas neste sentido, porém no meio do caminho, houve uma eleição. O projeto vencedor nas urnas prometeu zerar o déficit primário já no primeiro ano de governo. Justiça seja feita, o déficit não foi zerado, mas houve uma redução em termos reais dos R$136 bilhões em de 2018, para cerca de R$85 bi, em 2019. Não é pouca coisa, no contexto de estagnação da economia e de crescimento compulsório do gasto público obrigatório.

Mas veio a pandemia e com ela a necessidade de ampliar o gasto. Muitos atribuem tal expansão fiscal ao célebre economista britânico John Maynard Keynes que jamais escreveu sobre isto em sua Teoria Geral de 1936. Porém, o governo brasileiro e dentro dele, a equipe econômica, preferiram subestimar a doença por vias de uma coleção de falas infelizes como “com qualquer R$5 bilhões a gente aniquila com o Coronavírus”. Gastaram R$524 bilhões e o país entrou em colapso sanitário.

Até o presente momento, a Pandemia trouxe a óbito cerca de 3,1 milhões de pessoas em todo o mundo. No Brasil, que deve passar os Estados Unidos em número de mortos nos próximos meses, até o presente momento morreram cerca de 392 mil pessoas. Apenas a título de comparação, a guerra civil na Síria que completou 10 anos no último dia 15/03, fez cerca de 388 mil vítimas segundo o Observatório Sírio dos Direitos Humanos (OSDH). O COVID-19 no Brasil matou mais em pouco mais de 14 meses do que o maior conflito civil do nosso tempo matou em 10 anos.

Trata-se, portanto, de um contexto de guerra, sem escombros, mas com muitas vítimas. E não se faz ajuste fiscal em guerras. Nestes contextos, o orçamento precisa proteger as pessoas. O Brasil não pode ser acusado de não ter gastado durante a pandemia. Segundo o Tesouro, a soma gasta exclusivamente com despesas relacionadas ao combate do COVID-19 em 2020 foi R$524 bilhões, pouco mais de 7% do PIB. Em comparações internacionais o Brasil gastou mais do que países como Israel (6,1% do PIB), Dinamarca (5,1%) e Noruega (4,35%). Mas mesmo com todo esforço fiscal, o país não evitou a hecatombe humanitária que levou a colapso os sistemas público e privado em todo o território nacional.

O problema não é a falta de gasto, mas sim a eficiência do mesmo. Gastou-se muito, porém gastou-se mal. Ao final do processo o país terá um enorme passivo fiscal e um gigantesco trauma humanitário. Por dois anos seguidos, o Estado do Amazonas foi acometido por um enorme caos sanitário. A pergunta é, por que a região norte do país não teve seu acesso limitado de forma preventiva (exceto para a chegada de suprimentos) durante a primeira onda, antes que o caos se instalasse? Uma região de amplo território com pequenas populações demasiadamente espalhadas em localidades de difícil acesso. Não seria muito mais eficiente, em termos sanitários e financeiros, impedir (ou postergar) que o vírus lá chegasse, do que levar atendimento médico e estrutura hospitalar depois que a situação já era grave? Enquanto isso os esforços e recursos seriam direcionados para as periferias dos grandes centros do Sudeste, por onde a doença entrou no país e se mostrou igualmente grave.

Olhando para o orçamento direcionado ao COVID-19 em 2020 no Gráfico 1, o principal item de gasto foi o auxílio emergencial, pago em 9 parcelas que ao final custou R$293 bilhões ao Tesouro. Se o governo tivesse pago por 4 meses, um auxílio de R$1000 mensais o impacto fiscal teria sido de R$256 bilhões. Se isto fosse vinculado às medidas de isolamento social, auxiliando a federação na implementação de um lockdown verdadeiro, com cerca de 2 meses de duração, mais 2 meses para reabertura das economias em etapas, quantas mortes seriam evitadas no auge da primeira onda da doença? Tudo isso sem falar o descaso absoluto da União para com a aquisição de vacinas, dos R$524 bilhões gastos ano passado, apenas R$2.2 bi foram gastos com a compra de imunizantes. Não fosse os esforços do Governo do Estado de São Paulo, a calamidade seria maior.

O descaso com a aquisição de vacinas está causando o prolongamento e ampliação da crise fiscal. Apenas para que se tenha a exata noção, o decreto que instituiu a calamidade pública do Coronavírus durou 288 dias. O custo fiscal diário da pandemia foi superior a R$1,8 bilhões. Com uma segunda onda ainda mais devastadora e possibilidade de uma terceira onda em 2021, o governo vai gastar, principalmente adquirindo vacinas, ou deixar o número de mortes ser a variável de ajuste, junto com a proliferação da pobreza e da fome? Este é o pior cenário possível para as contas públicas, primeiro porque o descontrole da pandemia no tempo vai exigir mais gastos por muito mais tempo, segundo porque isto leva a quarentenas intermitentes que derrubam a arrecadação. Ficaremos com a dívida e com os mortos.

Com isto, o ministro Paulo Guedes faz uma política “Keynesiana” um pouco constrangida, envergonhada e desconectada de objetivos claros. Este é o problema de servir o Governo sendo vinculado à ideologia. Vez ou outra a realidade cobra uma revisão intelectual dos nossos pressupostos. Max Weber previu o duro dilema do homem público que por vezes é posto diante da escolha entre a ética da responsabilidade e a ética da convicção. Se o país vive uma situação de guerra e o aumento temporário de despesas públicas é uma realidade impositiva, que a convicção seja posta de lado e a responsabilidade seja assumida. Afinal, o que se espera do resultado final do gasto público? O Brasil terá evitado mortes com estes gastos? Terá evitado falências? Terá fortalecido o SUS? E o day after da pandemia? Como o governo está se organizando para quando a pandemia acabar?

*Benito Salomão é economista.

Fonte:


Benito Salomão: Novas perspectivas para a taxa de juros

Na última reunião do COPOM (Comitê de Política Monetária) o Banco Central (BC) decidiu fixar a meta da taxa Selic em 2,75% ao ano, um movimento de elevação da referida taxa em 0,75 pontos percentuais. Tal elevação veio em boa hora, uma vez que a inflação está caminhando rapidamente para o dobro da meta fixada para 2021 cujo centro é de 3,75% ao ano. Os modelos que estimei preveem que a inflação atinja as proximidades de 7,25% em maio, ou talvez junho. Se o BC ignorasse este dado e mantivesse a Selic nos 2% de antes, chegaríamos no meio do ano com uma taxa real de juros (descontada a inflação) negativa de aproximadamente -5,25% (Ver Gráfico 1).

Gráfico 1 – Taxa Selic, Taxa de Inflação e Taxa Real de Juros no Brasil entre 2011 e 2020 (Mensal em % ao ano)

Fonte: Banco Central

Isto seria um completo desequilíbrio, nem países desenvolvidos como Estados Unidos e Europa Ocidental têm taxas reais de juros negativas neste patamar. Em boa parte destes países que estão em situação de zero lower bound, isto é, taxas nominais de juros próximas de 0% ao ano, tem também inflação acumulada em 12 meses variando entre 1% e 1,5% ao ano. Isto os confeririam a estes países, taxas reais de juros próximas a -1% ao ano. Portanto, o Brasil apresenta no curtíssimo prazo, mesmo diante da elevação da Selic anunciada pelo COPOM, taxas reais de juros menores do que os países desenvolvidos. Isto explica parte da desvalorização da taxa de câmbio verificada no país que pode alimentar o prolongamento de níveis elevados de inflação por todo o ano de 2021.

Alguns economistas muito respeitados, no entanto, mostram sua preocupação para com o ciclo de alta da taxa Selic em um momento e os seus efeitos sobre a atividade e o mercado de trabalho. Para eles, uma contração monetária neste momento pode inibir a já enfraquecida atividade econômica e aumentar a já elevada taxa de desemprego involuntário da economia brasileira. Para discorrer sobre isto, entretanto, é preciso olhar para o formato da Curva de Phillips CPh (grosso modo é o nome dado para a curva de oferta da economia). De acordo com a melhor literatura desta área, ela pode assumir vários formatos e isto está relacionado com a forma como os agentes formam suas expectativas de inflação na economia. Há modelos que assumem que os agentes formam expectativas adaptativas projetando a inflação futura, a partir do comportamento passado da mesma. Nestes modelos, há um evidente trade off na CPh entre inflação e desemprego e o BC faz política monetária escolhendo entre mais inflação e menos desemprego, ou menos inflação e mais desemprego.

Isto, no entanto, é macroeconomia do final dos anos 1960. De lá para cá os modelos passaram por ajustes em seus pressupostos e a noção de que a política monetária se resume a uma escolha entre inflação e desemprego ficou ultrapassada e nada garante que elevações da taxa Selic como a do último COPOM piorem a situação da atividade e do emprego. Isto porque, se os agentes são racionais e com base nas informações disponíveis sabem que comportamento da inflação tende a se acelerar, eles se antecipam à decisão do COPOM de elevar os juros e passam a tomar decisões de investimento e produção tomando como dado o novo contexto de alta dos juros. Neste caso, elevações de taxa de juros não afetam o lado real da economia.

A passagem das expectativas adaptativas para expectativas racionais vai determinar o formato do CPh e o quão a política monetária pode influenciar o lado real da economia. Como é de conhecimento de todos, desde o final de 2020 as expectativas de inflação já estavam difundidas entre os que acompanham o dia a dia da economia brasileira. Isto solidificou a expectativa, no começo de 2021, de que a taxa de juros iria iniciar um ciclo de alta. De forma que a decisão da última reunião do COPOM já era esperada pelo corpo majoritário dos agentes econômicos no país.

Neste sentido, os efeitos do aumento da taxa de juros sobre o lado real tendem a ser bastante limitados por duas razões: i) porque esta alta de juros praticada pelo BC já era esperada pela ampla maioria dos operadores na economia, ii) porque a taxa real de juros, que é a que importa para as decisões de investimento, tende a permanecer negativa durante todo o ano de 2020.

* Benito Salomão é mestre e doutorando em Economia pelo PPGE – UFU.


Benito Salomão: Desafio brasileiro

Dados recentes da PNAD-IBGE mostram que o país iniciou a década de 2021 – 30 com uma dura realidade, em 2020 cerca de 13,5 milhões de pessoas foram vítimas do desemprego, outras 5,5 milhões de desalento, os dados mostram ainda um total de 31,2 milhões de trabalhadores estão subocupados e 33,5 milhões seguem na informalidade. Estes números dão pistas acerca da quantidade de pessoas que no curtíssimo prazo demandam algum tipo de socorro do Tesouro Nacional, que por sua vez viu sua Dívida Pública Bruta crescer em janeiro para 89,7% do PIB.

Conciliar uma situação de legítima pressão por mais gastos públicos na forma de políticas sociais e transferências diretas de renda, com um alto endividamento público é o maior desafio brasileiro de curto prazo. O país, que segue sem Lei Orçamentária Anual (LOA) para 2021, têm um déficit primário previsto na Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO) de R$247 bilhões, estimado omitindo novas parcelas do auxílio emergencial. É evidente que novas parcelas do socorro vão dilatar em muito o déficit previsto para 2021 e a dívida pública no curto prazo. O governo promete atenuar esta expansão fiscal com privatizações como Eletrobrás e Correios. Este é um outro problema, considerar a agenda de privatizações com um olhar puramente fiscal, não garantindo que, por exemplo, as condições de investimento no setor de energia elétrica possam resolver um gargalo histórico da economia brasileira com diversificação da matriz e ampliação da oferta.

Mas, privatizações à parte, voltemos aos vulneráveis, o Brasil está planejando uma nova rodada do auxílio emergencial. Na minha opinião, atrasado! Pois já se sabia em novembro de 2020 que uma segunda onda do Coronavírus seria inevitável e que as condições de recuperação da economia brasileira seriam, novamente, postergadas. O governo mais uma vez cruzou os braços e apostou em uma solução via mercado. Como de praxe, alimentou o incêndio para em seguida tentar apaga-lo quando parte do estrago já está em curso, o auxílio é prometido para março, mas nada impede que seja disponibilizado apenas em abril. Até lá centenas de pessoas já terão morrido de fome, de COVID-19, ou de qualquer outro efeito colateral típica deste contexto.

O governo se perde buscando vincular o auxílio a medidas que ainda não estão prontas para serem votadas como as PEC emergencial e reforma administrativa. Flerta com imposto novo, ao invés de fazer o óbvio, pagar o auxílio de forma célere, vinculando a medidas profiláticas contra a doença como uso de máscaras, distanciamento social e acomodar o choque fiscal no curto prazo na elevação da dívida pública. Embora alta, três características suportam um aumento do endividamento no curto prazo: 1° as dívidas públicas de todos os países importantes estão crescendo, portanto, a posição relativa do Brasil no mundo, não tende a se alterar tanto. 2° um crescimento da dívida de curto prazo não tende a ser um problema muito grave se houver coordenação e liderança no processo, capaz de sinalizar que no longo prazo, ela será estabilizada. Para isto, normas como o Teto de Gastos devem ser preservadas e novas medidas de fortalecimento da austeridade devem ser prensadas. 3° No momento de proposição do auxílio, por 4 ou 6 meses, o governo deve apresentar um plano para o day after.

Tudo indica que no curto prazo o comportamento de agregados como desemprego, desalento e subemprego devem continuar elevados e, talvez, em trajetória crescente. Neste sentido, o governo deve ter um plano de recuperação do investimento e do emprego para o pós auxílio. Se o governo se compromete, por vias de reformas em várias frentes, com uma agenda de sustentação do investimento e do emprego, isto será entendido pelos financiadores da dívida pública que o auxílio emergencial será substituído no longo prazo no orçamento destas famílias por salários advindos de trabalho com carteira assinada.

Diante disso, o impacto fiscal seria limitado ao curto prazo e, no longo prazo, a solvência do Estado brasileiro estaria garantida, seja porque as regras fiscais que hoje garantem uma trajetória sustentável do país seriam mantidas, ou ainda, seja porque com estímulos ao investimento e ao emprego, a retomada do crescimento pode estabilizar a relação dívida/PIB. Mas para tanto, será necessário coordenação, planejamento, liderança e credibilidade, tudo que não se viu até agora.

*Benito Salomão é doutorando em Economia pela Universidade Federal de Uberlândia e Vencedor do Prêmio Brasil de Economia 2020.


Benito Salomão: A armadilha do baixo crescimento - Uma Avaliação entre 1998 e 2020

A economia brasileira conheceu o seu Produto Interno Bruto (PIB) referente ao quarto trimestre e o acumulado do ano de 2020. O resultado mostra uma visível recuperação no 4° tri que seria animadora se não fosse o turbilhão de problemas que o Brasil se encontra enfrentando nos primeiros meses de 2021 e que parecem deixar claro que a recuperação ficará para o 2° semestre ou para 2022. Mas não é o curto prazo que pretendo dissertar hoje, é preciso ler o resultado das contas nacionais de 2020 à luz de uma perspectiva mais longa e tentar extrair algumas lições e soluções para o futuro.

Em 2020 a queda acumulada da atividade foi de 4,1%, se não a maior, talvez uma das maiores da série histórica que tem início em 1901. Recortando o período histórico recente da economia brasileira entre 1998 e 2020, período que compreende os governos FHC II, Lula I e II, Dilma I e II, Temer e Bolsonaro, a variação trimestral do PIB[1] neste período teve média igual a 1,97%. Quando se repete o mesmo exercício, no entanto, para a década 2011 – 2020, a média do PIB cai para 0,29% ao trimestre (e ao ano). Tem-se, portanto, uma primeira evidência de que a economia brasileira se encontra em uma armadilha do baixo crescimento. Se a população cresceu em termos anuais a uma taxa média de 0,83% nesta década, o leitor já deve ter se convencido que o PIB per capita brasileiro diminuiu nesta década.

Em termos de crescimento econômico o Brasil está em seu pior momento dos últimos 120 anos. No período mais recente, o país foi acometido por três graves crises econômicas conforme é possível ver no Gráfico 1. A primeira crise importada do colapso financeiro americano após o subprime teve início no 3° tri de 2008, vale no 1° tri de 2009 de forma que no 1° tri de 2010 a economia brasileira já havia superado o período crítico e apresentava um crescimento de 9,2% naquele trimestre. Isto é o que os economistas chamam de recuperação é V.

A segunda crise não teve influência externa, erodiu no país no 1° trimestre de 2014, apresentou um longo período consecutivo de quedas até seu vale no 4° tri de 2015 de forma que a economia nunca mais voltou a apresentar taxas de crescimento semelhantes ao pré-crise, tendo o seu melhor momento a partir do 4° trimestre de 2017 quando o produto crescia a uma modesta taxa de 2,1% ao ano frente aos 3,4% verificados no trimestre imediatamente anterior desta crise. Finalmente, o terceiro ciclo recessivo da economia brasileira neste período é o do Coronavírus que teve início, segundo o Gráfico 1 no 4° trimestre de 2019, atingindo o seu vale no 2° tri de 2020 e, rodando a uma taxa de -1,9% no 4° tri de 2020, último período da amostra para o qual ainda se tem dados.

Em outras palavras, a análise dos ciclos econômicos mostra que a economia brasileira ainda não havia se recuperado da última crise, que havia sido demasiadamente longa e profunda, quando foi acometido pela nova crise. Isto traz impactos profundos sobre inúmeras variáveis como emprego, bem-estar social, desenvolvimento humano, desigualdades sociais, entre outros fatores. Para agravar a situação, as políticas tradicionais de controle de demanda de curto prazo estão praticamente esterilizadas. A política monetária pelo vetor da taxa de juros que atingiu o seu mínimo histórico no período recente, já a política fiscal segue sofrendo do crescimento compulsório do gasto e da dívida pública que inviabiliza qualquer intenção de construir uma nova política de investimentos.

Mas o elemento mais grave, está contemplado na linha vermelha do Gráfico 1, em que apliquei um Filtro de Hodrick Prescott para separar nos dados do PIB, o que é a sua variação trimestral e o que é a sua tendência de longo prazo. E o que se vê é uma redução da capacidade de crescer a longo prazo da economia brasileira que apresentava uma média de 4% no final da década de 2000 despencando para próximo de 0% no final da década de 2010. Isto significa que, na ausência de choques novos e positivos, o Brasil está condenado a uma trajetória medíocre de crescimento nesta década que se inicia em 2021.

PIB Brasil (Variação % Trimestral frente a igual período do ano anterior) e Tendência de Longo Prazo

Reverter uma tendência de longo prazo requer um esforço em termos de coordenação, planejamento e liderança. É preciso salientar que isto vai muito além da mera agenda de equilíbrio das contas públicas. No Longo prazo, a economia se comporta de acordo com sua capacidade de acumular, de forma agregada, capital físico e humano. A acumulação de capital físico depende de segurança jurídica, marco regulatório adequado, manutenção das taxas de juros em níveis civilizados e de bons projetos. A acumulação de capital humano depende de um esforço, em todos os níveis de governo e também da iniciativa privada de aumentarem a escolaridade média dos brasileiros e também sua qualidade. Isto, no entanto, não produz efeitos de curto prazo, quando a tendência de baixo crescimento da economia brasileira está condenada à mediocridade. Porém, se um esforço neste sentido tiver início já, é possível terminar a década que acaba de começar em condições muito melhores.

*Benito Salomão é doutorando em Economia pela Universidade Federal de Uberlândia.


Benito Salomão: Riscos para 2021

O ano de 2021 começou como uma extensão do ano de 2020, os problemas vividos pelo país até o último dia 31/12 permanecem e tendem a ser agravados por um conjunto amplo de novas dificuldades que surgem no contexto pandêmico. A vacina contra o COVID-19 finalmente apareceu, no entanto, dada a magnitude da crise, a demanda mundial ainda é infinitamente maior do que a oferta. Sobre isto, surge a primeira dificuldade, a capacidade de expansão da oferta de imunizantes contra a doença é rígida a curto prazo e este é um problema que levará boa parte de 2021 para ser solucionado.

No Brasil este problema será ainda mais agravado pela incompetência do Ministério da Saúde em coordenar um plano nacional de imunização célere e pela incompetência do Ministério das Relações Exteriores em posicionar o país na corrida mundial pelas vacinas disponíveis. Os casos recentes envolvendo China e Índia mostram como estamos atrasados em termos de tornar a vacinação uma realidade nacional.

Sem vacinas para todos, o Brasil está a mercê de quarentenas intermites que devem começar a se intensificar na mudança de estação no final do mês de março. Na presença destas quarentenas, como se comportarão as famílias de baixa renda atendidas pelo auxílio emergencial ano passado? O governo sinaliza a recriação do auxílio emergencial para lidar com a situação, mas novamente, é lento e titubeante. Já se sabia em novembro de 2020 que uma segunda onda na América Latina seria inevitável, o governo deveria ter agido naquele momento para prorrogar o auxílio.

Não é tarefa trivial, o gasto público no Brasil está submetido ao teto de gastos, de forma que um novo auxílio emergencial depende de uma prévia preparação legal. Em março do ano passado sob iniciativa da Câmara as condições legais foram implantadas, primeiro no decreto de calamidade pública e em seguida pela aprovação da PEC do orçamento de guerra. Se isto for repetido agora, um novo auxílio será realidade (em um cenário otimista) apenas em meados de março.

O pagamento desta extensão do auxílio emergencial necessário para a realidade, cria dois problemas adicionais para o médio prazo: primeiro, o problema fiscal. Em um contexto de dívida pública próxima a 90% do PIB, há um certo limite para o pagamento de benefícios. Quanto mais a vacinação atrasar, mais tempo o governo terá que transferir recursos às famílias carentes para fazer face à pandemia. Com isto o quadro fiscal tende a se agravar muito nas proximidades da eleição de 2022.

O segundo problema que pode emergir do pagamento do auxílio emergencial é uma inflação persistente no teto da meta. Para 2021 a meta de inflação é de 3,75% e sua banda superior é 5,25%. Em 2020 o IPCA fechou muito próximo disto (4,52%), isto não seria um problema se o produto não tivesse apresentado um tombo próximo a 5% e o desemprego não tivesse avançado de 11,2% para 14,3% ao longo do ano.

Uma expansão da inflação diante de uma elevação brutal do desemprego mostra que o componente forward looking da inflação está se sobrepondo, em outras palavras, a inflação no presente está se guiando predominantemente pelas expectativas futuras de inflação vinculadas a um cenário de incerteza sobre a dinâmica fiscal do país. Este comportamento da curva de Phillips mostra que o Banco Central terá que aplicar uma dose cavalar de juros para segurar o comportamento dos preços ao longo do ano.

É possível que a Selic feche 2021 em 4%, ou acima disto. O desemprego é o 7° risco de 2021, sem o auxílio emergencial um conjunto grande de pessoas que estava fora do mercado de trabalho (os desalentados) tendem a iniciar a busca por emprego. Em um cenário sem o auxílio emergencial, esta taxa pode bater em 16,6% em dezembro deste ano, no cenário com o auxílio ela pode permanecer em torno de 14,2%.

Até aqui considero riscos para 2021: 1° falta de vacinas, 2° quarentenas intermitentes, 3° aumento da pobreza e miséria pela ausência do auxílio emergencial, 4° risco fiscal pela extensão do auxílio emergencial, 5° risco inflacionário, 6° aumento da taxa de juros, 7° aumento do desemprego. Há um oitavo risco que não pode ser negligenciado, o Brasil pode ser surpreendido em meados deste ano com um racionamento de energia elétrica, isto irá depender das condições climáticas, mas convém lembrar que o país está em bandeira amarela em pleno período de chuvas, pode entrar em breve em bandeira vermelha e na fase mais aguda de estiagem pode faltar energia. Os episódios recentes do Amapá são sinais de que o sistema elétrico brasileiro está trabalhando no limite da capacidade e se as atividades econômicas retomarem fortemente estas probabilidades vão aumentar muito.

*Benito Salomão é economista, doutorando em Economia pela Universidade Federal de Uberlândia.


Benito Salomão: Crescer, Estabilizar, Preservar e Distribuir

Este é o meu primeiro artigo de 2021 e também o meu primeiro artigo desta década que se inicia agora. Para mim simbólico porque em 2020 completei 10 anos desde meu primeiro artigo de jornal publicado em 22 de setembro de 2010. Ao contrário do que imaginava quando eu me lancei neste desafio de dialogar com o público sobre os grandes temas nacionais, os desafios do Brasil se ampliaram em muito. Na passagem da década de 2000 para a de 2010, o Brasil não apresentava os agudos problemas fiscais, ou a exacerbação das desigualdades e era a 6ª economia mundial. Era ainda considerado uma potencia ambiental e uma nação capaz de influenciar decisões internacionais como as missões de pacificação no Haiti e as negociações sobre o programa nuclear do Irã.

Dez anos se passaram e o Brasil é hoje a 12ª economia mundial e tem a difícil missão de reverter a trajetória de exacerbação das desigualdades, da pobreza, da miséria e da fome em um contexto de estabilização fiscal. As soluções perpassam por uma conciliação política aparentemente distante de se alcançar sobre a infeliz liderança de Jair Bolsonaro.

O título deste artigo resume bem os desafios a serem enfrentados nesta década que se inicia.

Crescer porque ao longo da década passada a taxa média de crescimento da economia brasileira foi próxima de 0%, o que indica um per capita negativo. O Brasil tem hoje um PIB per capta de igual magnitude ao que tinha em 2007, ou seja, todos (ou quase todos) se tornaram mais pobres. A melhor literatura que estuda o desempenho de longo prazo das economias atribui esta capacidade ao formato institucional. As instituições criam incentivos e os incentivos estimulam os agentes econômicos a pouparem e, portanto, acumularem capital (físico ou humano) e o processo de acumulação de capital dirige, ao lado dos aumentos de produtividade, o desempenho das economias. Para que o país volte a crescer é preciso que volte a poupar e para tanto é preciso de instituições estáveis que deem previsibilidade e segurança às relações econômicas.

Estabilizar porque, antes de mais nada, as instabilidades macroeconômicas desestimulam a poupança e o investimento. O Brasil tinha uma dívida pública de 51% do PIB em dezembro de 2013, em 2020 este endividamento segue para 92% do PIB. Esta trajetória de dívida pública que praticamente dobrou em 7 anos tornam as incertezas quanto a solvência do governo ainda mais fortes. Não se pode vislumbrar um futuro de médio prazo que não contemple volatilidade na taxa de câmbio; pressões inflacionárias; elevações da carga tributária e também da taxa de juros.

Preservar devido às características do capitalismo do século XXI. Por várias razões. Primeiro, os setores industriais de grande produtividade e de fronteira científica são, por definição, sustentáveis. Isto porque são setores relacionados a energias renováveis (baixo carbono, telecomunicações, inteligência artificial, nanotecnologia que dão escala à produção, poupando recursos. Investir em um padrão de desenvolvimento poluente é insistir em uma economia de segunda revolução industrial, de baixa produtividade e alto custo. Se o Brasil não for capaz de abandonar o padrão tradicional de crescimento e adentrar na quarta revolução industrial, conciliando isto com um padrão ambiental rigoroso, não será possível recuperar o crescimento perdido.

Por fim distribuir. Em uma análise retroativa de longo prazo, o padrão de desenvolvimento do milagre econômico (anos 1970) foi calcado no crescimento com concentração de renda. A partir da promulgação da Constituição dita cidadã, o padrão foi deslocado para a distribuição sem crescimento. O desafio desta década é crescer e distribuir simultaneamente. A distribuição aqui precisa assumir uma conotação mais ampla do que a simples mitigação da fome e da pobreza. Para tanto é preciso mais do que políticas de transferência de renda aos moldes do Bolsa Família ou do Auxílio Emergencial, é preciso educar centenas de milhares de brasileiros. É preciso dar a eles a possiblidade de um futuro melhor do presente, com melhores empregos, melhores condições de vida o que só será possível investindo pesadamente em educação de base.

Mas como distribuir em um cenário de insuficiência de recursos públicos por esgarçamento da situação fiscal do país? É preciso rever privilégios, sobre isto, retomo em artigo futuro. No momento desejo a todos um feliz ano novo e uma década nova mais promissora do que a que vivemos até aqui.

*Benito Salomão é economista.


Benito Salomão: Após o vírus, a dívida

O título deste artigo é uma alusão à capa da revista britânica The Economist da última semana de abril de 2020, quando já se sabia que a doença que ganhou escala de pandemia no mundo exigiria um elevado esforço financeiro dos Tesouros mundo afora. Segundo o Fundo Monetário Internacional, o esforço para fortalecer os serviços de saúde, proteger pobres e desempregados, além de salvar negócios da bancarrota somam US$12 trilhões em todo o mundo. Se considerarmos o PIB mundial de US$87.7 trilhões em 2019, o esforço fiscal empenhado em salvar as economias consiste em 13,6% do PIB Global. Isto fatalmente levará o mundo a uma nova dinâmica macroeconômica sobre a qual ainda se sabe pouco.

Olhando para a economia brasileira, o panorama é ainda mais desanimador. As medidas de expansão do gasto público e o consequente endividamento que isto causa, não foram capazes de evitar as mais de 150 mil mortes pelo COVID-19, ou ainda de evitar uma queda histórica de aproximadamente 6% no Produto Interno Bruto. Entre fevereiro e agosto de 2020, o Tesouro Nacional já gastou R$366.4 bilhões em despesas relacionadas ao Coronavírus e autorizadas em caráter excepcional pela PEC 10/2020 popularmente conhecida como “orçamento de guerra”. Isto deslocou a dívida pública do governo brasileiro de 76,1% do PIB em janeiro, para 88,8% do PIB em agosto deste ano.

Uma projeção em um dado cenário base da dívida pública, mostra que ela deve estar em 95,6% do PIB em dezembro de 2020. Para 2021 ainda não está claro para onde vai a política fiscal e, portanto, a dívida pública, isto porque ela depende de um conjunto de fatores. Primeiro, ela depende do resultado primário do governo que segundo a Instituição Fiscal Independente (IFI), o déficit de 2021 deve ser de aproximadamente R$265 bilhões. Segundo, a dívida pública depende da taxa de juros pela qual o Tesouro conseguirá financiar novas dívidas. A SELIC está em mínimos históricos, no entanto, é uma taxa meramente de curto prazo e o custo financiamento de títulos do Tesouro com vencimentos mais a longo prazo estão subindo. Terceiro, a relação dívida/PIB depende também do comportamento do PIB e o histórico das previsões relacionadas a este indicador não são confiáveis, ano após ano, o mercado financeiro “vende” comportamentos do produto que não se verificam.

Há ainda, outros complicadores. O governo não inspira confiança no que se refere à condução da política fiscal, o programa de renda mínima parece ter se tornado uma obsessão a ser perseguida a qualquer custo pelo executivo em Brasília. Para viabiliza-la, o governo sugere manobras que drenam a transparência da política fiscal, tais como a inclusão da renda mínima no FUNDEB e o atraso do pagamento de precatórios. O governo não demonstra firmeza também no que se refere ao futuro institucional da política fiscal, normas institucionais recentes fundamentais para a sustentabilidade da dívida pública como o teto de gastos, recebe um tratamento hostil por parte da “ala desenvolvimentista” do Planalto e não estão garantidas. Ademais, parte da equipe econômica flerta com a ideia da recriação da CPMF, o que poderia exercer um efeito positivo de curto prazo sobre o resultado primário e, consequentemente, a dívida, porém pode também exercer um efeito prejudicial ao crescimento do PIB e ter um efeito dívida/PIB negativo por vias da queda no denominador.

Prever, portanto, um cenário para a dívida pública em 2021 não é tarefa trivial, ainda assim vale a pena tentar. No melhor cenário (e pouco provável), supondo manutenção e respeito ao teto de gastos, que o governo não tenha que socorrer inesperadamente Estados e municípios, e que a taxa de financiamento dos títulos públicos seja pelo menos igual ao crescimento do PIB, a relação dívida/PIB de 2021 deverá depender exclusivamente do resultado primário, o que a levaria para algo próximo de 98% do PIB. Infelizmente o mundo não é o ideal e nada garante que novos programas assistenciais não sejam incluídos no orçamento, que socorros a Estados e municípios não sejam necessários e que o custo de financiamento do Tesouro não exceda a taxa de crescimento do PIB. Portanto, é possível haver uma relação dívida/PIB próxima dos 105% em dezembro de 2021.

Se isto acontecer, o Brasil entrará em 2022 (ano eleitoral) como entrou em 2014, precisando imprimir uma agenda de ajuste fiscal ainda mais dura e com o chefe do executivo buscando ampliar gastos públicos buscando sua reeleição. Na linguagem weberiana, 2022 deverá ser um ano de choque entre a ética da responsabilidade de realizar um ajuste mesmo que isto custe a reeleição versus a ética da convicção do Presidente em que a expansão eleitoreira de gastos é o atalho mais curto para permanecer no emprego, ainda que a conta seja paga no futuro. Não é difícil prever qual será a escolha do mandatário do Poder Executivo.

*Benito Salomão é doutorando em Economia pela Universidade Federal de Uberlândia.