Banco Central

Fernando Exman: Obstáculos à proposta de autonomia do BC

Agenda liberal terá novo desafio a partir de fevereiro

A agenda liberal da equipe econômica passará em fevereiro por um novo teste de estresse, para usar um termo familiar aos agentes do mercado e também ao Banco Central - interessado direto no assunto.

Tão logo seja definida a sucessão de Rodrigo Maia (DEM-RJ) na presidência da Câmara dos Deputados, haverá mais clareza em relação ao futuro do projeto que dá autonomia formal ao BC. Ele é visto como prioridade pela equipe econômica e o próprio presidente Jair Bolsonaro apoiou em público a iniciativa quando seu mandato chegou ao centésimo dia. Na ocasião, inclusive, enviou seu próprio projeto à Câmara. Era um tempo em que a ala liberal do governo tinha mais prestígio.

O problema é que a proposta nunca foi popular na ala desenvolvimentista, que vem dando sinais diários de força, e ela acabará sendo debatida em meio a um cenário de possível alta de juros. Isso coloca um novo ingrediente na discussão, que corre o risco de se tornar mais passional. O ambiente já está acirrado. No Brasil de hoje, enquanto os efeitos devastadores da crise continuam presentes no dia a dia do cidadão, as forças políticas têm preferido usar até seringas e vacinas para inocular o vírus da politização e dividir a população.

Num contexto como este, ganha sempre aquele que prefere interditar o diálogo. A visita de um presidente do BC ao Palácio do Planalto em dia de reunião do Copom pode acabar gerando críticas à autoridade monetária, embora esse tipo de encontro tenha ocorrido em outras gestões da mesmíssima maneira.

A tramitação da proposta se dará ao ritmo da batuta do novo presidente da Casa, o grande responsável pela definição da pauta, mas não terá como avançar se o governo não incentivá-la com assertividade.

Antes mesmo das eleições municipais, dizia-se no Palácio do Planalto que essa deveria ser uma das prioridades da agenda legislativa na Câmara. O projeto era citado na companhia do marco regulatório da cabotagem e do programa Casa Verde e Amarela. Ambos foram aprovados pelos deputados. O projeto de autonomia do BC, no entanto, ficou de fora da pauta.

Um acordo entre a Câmara e o Senado, com apoio do governo, delegou aos senadores a missão de aprová-lo primeiro. E ela foi cumprida em novembro.

Naquele momento, uma obstrução travava os trabalhos da Câmara. A disputa pela presidência da Casa já atrapalhava a produção legislativa. Ademais, Maia defendia que havia outras questões mais urgentes a serem atacadas, como projetos relativos ao combate da pandemia e seus efeitos socioeconômicos e a reforma do sistema tributário nacional.

Justo. Mais do que compreensível. Agora, contudo, o horizonte ficou mais incerto.

Seus aliados, aliás, acreditam que foi cometido um erro tático, o qual pode acabar tirando o país do radar de investidores estrangeiros num momento de liquidez no mercado internacional.

Esta não é a única notícia negativa. O ano começou com o governo interferindo no Banco do Brasil e gerando dúvidas em relação à política de reajuste dos preços dos combustíveis conduzida pela Petrobras. Na sequência, aumentaram os questionamentos quanto ao compromisso do Executivo com o programa de privatizações defendido há mais de dois anos pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e sua equipe.

A mudança do presidente da Eletrobras não traz, até este momento, boas notícias para quem pretendia ver a estatal passando para as mãos da iniciativa privada.

Em relação às privatizações, deve-se levar em conta, ainda, o atual cenário da disputa pelas mesas diretoras do Legislativo. Em recente entrevista ao Valor, o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) demonstrou indisposição de abrir caminho, no curto prazo, para medidas que reduzam a presença do Estado em setores considerados estratégicos.

Na Câmara, já havia pressão para que uma eventual desestatização da Eletrobras fosse compensada com investimentos na revitalização do rio São Francisco. É preciso lembrar, neste caso, que o candidato governista, Arthur Lira (PP), é um dos representantes de Alagoas no Parlamento. Ele só não esteve em novembro numa solenidade ao lado de Bolsonaro na cidade histórica de Piranhas, uma das bases para a visitação dos imperdíveis cânions do São Francisco, por estar em isolamento e se recuperando da covid-19.

Isso sem falar da resistência de auxiliares do presidente advindos das Forças Armadas, o mesmo grupo que sempre viu com grandes ressalvas o projeto que formaliza a autonomia do BC. Eles não têm tanto poder para influenciar a tramitação da proposta no Congresso, mas possuem amplo acesso ao presidente e espaço para defender eventuais vetos. A ala desenvolvimentista agradeceria, assim como a política. Afinal, apesar de agradar ao mercado, a sanção total do projeto poderia ser usada contra Bolsonaro na campanha à reeleição. O PT já explorou o tema contra Marina Silva (Rede).

Agora, contudo, as maiores dúvidas em relação às chances de aprovação do projeto residem na própria Câmara, onde a oposição promete fazer de tudo para tentar barrá-lo.

O relator da proposta, deputado Celso Maldaner (MDB-SC), diz que já articula para que seu parecer seja colocado em pauta o mais rápido possível. Segundo descreveu, conversou com o deputado Baleia Rossi (MDB-SP) sobre o assunto. Sua expectativa é que a votação ocorra de forma célere, no máximo em março, caso seu correligionário vença a eleição. “Isso tem que acontecer antes das reformas tributária e administrativa”, argumenta. “É a grande prioridade para dar segurança jurídica e estabilidade”, acrescentou o parlamentar, segundo quem o governo é a favor da proposta e o Brasil precisa acertar os passos agora para assegurar a retomada do crescimento econômico.

O relatório está pronto. A opção de Maldaner foi manter o texto aprovado no Senado, para que a proposta possa ser remetida diretamente ao Planalto em caso de aprovação. Ele diz ser secundário o risco de uma vitória de Arthur Lira acabar levando à sua substituição no posto de relator. “O importante é colocar em votação.”


Alex Ribeiro: BC começa a retirar estímulos ao crédito

Não é só o “abismo fiscal” que ameaça a retomada em 2021

O fim das medidas de estímulo fiscal, entre as quais a mais importante foi o pagamento do auxílio emergencial, não é a única força que poderá conter o crescimento da economia neste começo de 2021. Cumprindo o cronograma que havia estabelecido, o Banco Central deixou expirar no fim de 2020 alguns dos programas de crédito direcionado que havia criado na primeira onda da covid-19 para manter o fluxo de crédito na economia.

Saiu de cena uma linha que liberou R$ 51,7 bilhões em depósitos compulsórios sobre depósitos em poupança, que estavam retidos no BC, para operações de crédito a micro, pequenas e médias e empresas. Essa mesma iniciativa canalizou outros R$ 7,6 bilhões dos grandes bancos para as instituições financeiras de menor porte, que em geral são especializadas em dar crédito aos pequenos negócios.

Também expirou uma linha de assistência financeira de liquidez que injetou R$ 69,5 bilhões em 49 bancos, com foco nos pequenos. Esse programa ajudou a reciclar a carteira de crédito das instituições financeiras, porque usa como colateral papéis (as chamadas LFGs) que são lastreados por empréstimos, garantindo assim o fluxo de novas operações.

Chegou ao fim em novembro outra iniciativa que liberou capital dos bancos, antes imobilizado para dar suporte a créditos tributários, que permitiu a realização de R$ 14,4 bilhões em financiamentos para micro, pequenas e médias empresas. Essa facilidade acabou antes do esperado porque a medida provisória (MP) que deu origem a ela não foi aprovada no Congresso. Mas, pelo cronograma original, expiraria de qualquer forma no dia 31 de dezembro.

Uma rara iniciativa voltada às empresas de menor porte que ganhou sobrevida é o bem-sucedido Pronampe, em que o Tesouro deu garantia de 85% dos empréstimos. No finzinho do ano, foi realizado um aporte extra de R$ 10 bilhões no fundo que lastreia o programa. Mas esse é um programa fiscal. As medidas de crédito direcionado que usam exclusivamente o balanço do Banco Central acabaram no prazo previsto.

Seguem em vigor, por hora, medidas mais gerais que injetaram liquidez no mercado financeiro como um todo, sem um carimbo que obrigue os bancos a aplicarem o dinheiro num setor ou no outro. É o caso, por exemplo, da redução temporária, de 25% para 17%, da alíquota dos compulsórios sobre depósitos a prazo. O BC definiu que, em abril, a alíquota seja elevada a 20%, mas sem retornar a 25%. O Fundo Monetário Internacional (FMI) chegou a recomendar, no seu relatório de avaliação do país, que a alíquota fosse mantida em 17%. Mas o BC respondeu que só avaliará essa possibilidade depois que colocar para funcionar seu novo mecanismo de assistência financeira de liquidez.

A importância do crédito direcionado é, em geral, pouco reconhecida pelos economistas na resposta do governo à crise, que evitou uma recessão mais profunda. Como muitos dos programas se sobrepõem, é difícil medir o seu efeito exato. Mas alguns dados ilustram o seu alcance. As concessões dos chamados “outros créditos direcionados”, que incluem algumas dessas linhas, somaram R$ 99,048 bilhões no período de janeiro a novembro de 2020, ante R$ 10,490 bilhões no mesmo período do ano anterior. O acréscimo equivale a 1,1% do Produto Interno Bruto (PIB).

O crédito bancário cresceu 15,6% no período de 12 meses até novembro graças ao “renascimento” dos direcionamentos. Sem ele, teria avançado algo como 8,5%, atendendo basicamente as grandes corporações, que sugaram o caixa dos bancos depois que o mercado de capitais ficou paralisado. Com o fim de vários programas, o Banco Central estima que o crédito vá crescer apenas 7,8% em 2021. O crédito direcionado a empresas vai encolher 5,3%, ou perto de R$ 35 bilhões.

É compreensível a determinação do Banco Central em extinguir os programas de crédito direcionado no prazo combinado. No Brasil, essas iniciativas temporárias costumam se tornar permanentes. A crise econômica do governo Dilma Rousseff se deve, em grande medida, às ações tomadas como resposta à crise financeira mundial. O aporte emergencial de R$ 100 bilhões no BNDES em 2009 virou uma espécie de orçamento, que se repetiu todos os anos. Nos anos 1960 e 1970, o BC tinha dentro de si um banco de fomento para crédito agrícola. Deu na grande inflação dos anos 1980.

A manutenção do cronograma do fim dos programas de crédito direcionado da pandemia é uma aposta do Banco Central de que o sistema financeiro já pode caminhar com as suas próprias pernas, fornecendo linhas para quem precisa, e de que o mercado de capitais vai reengatar, com volumes mais expressivos de captações em debêntures e notas promissórias. A liquidez internacional está favorável, mas o Brasil não deverá aproveitar muito. O BC espera que as empresas rolem apenas 85% das captações no exterior.

Esse, porém, é um cenário ainda muito incerto. A crise não acaba com o ano-calendário, no dia 31 de dezembro, como previu o Banco Central em junho, quando criou alguns dos principais programas. A segunda onda da covid-19 e o atraso do governo em providenciar a vacinação da população representam riscos relevantes. Nos Estados Unidos, o secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, cortou verbas que sustentam as linhas de financiamento aos pequenos negócios do Federal Reserve (Fed). Embora, por lá, essas linhas tenham sido utilizadas bem menos do que o esperado - o Brasil se saiu melhor nesse aspecto -, dirigentes do Fed reclamaram, sustentando que preferem ter essa ferramenta creditícia ao alcance das mãos se a situação voltar a piorar.

Ao contrário do Brasil, porém, os Estados Unidos têm espaço fiscal e emitem moeda de reserva - estão colocando na rua mais um pacote de estímulo neste ano. Por aqui, o BC reconhece os riscos de que, com o fim do auxílio emergencial, a economia possa ter um novo mergulho recessivo, embora o cenário central não seja esse. O único ponto de conforto é que, se a coisa piorar, o BC pode rapidamente reinstituir os programas que expiraram.


Celso Ming: Os fatores que evitaram o maior desastre em 2020

São quatro as razões que evitaram a queda de dois dígitos do PIB brasileiro

E o pior não aconteceu. No segundo trimestre, em plena pandemia, as projeções para o desempenho da economia do Brasil foram terríveis. Algumas chegavam a indicar um mergulho do Produto Interno Bruto (PIB) de quase 10% para todo o ano.

As novas previsões falam de uma queda de 4,4% (veja o gráfico). Essa é a última projeção do Banco Central, que coincide com a do mercado, como consta no Boletim Focus desta semana.

São quatro as explicações para esse tombo menos acentuado.

A primeira delas é a de que o Tesouro despejou R$ 322 bilhões em auxílios emergenciais para a população (66 milhões de pessoas), recursos que permitiram uma sustentação da demanda de bens essenciais – especialmente alimentos, medicamentos e moradia – durante o isolamento social necessário para combater a covid-19. Foi uma demanda que permitiu que a atividade econômica não entrasse em colapso. O efeito colateral foi o avanço inesperado da inflação, que, no entanto, tende a ser limitado.

O segundo grande fator de sustentação da economia foi o excelente desempenho do agronegócio. Como mostram as últimas projeções do IBGE e da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a produção física de grãos na safra de 2020/21 deverá ter um aumento de 3,5%, para alguma coisa em torno dos 266 milhões de toneladas. Os preços também ajudaram, seja pelo aumento da demanda interna de alimentos, como mencionado acima, seja pela forte importação da China

A alta do dólar em reais também trabalhou na mesma direção. O impacto desses resultados no PIB ainda é relativamente baixo porque a agropecuária pesa apenas 5,6% na renda nacional.

O maior estrago aconteceu no setor de serviços (mais de 70% do PIB), especialmente nas viagens, no turismo, nos grandes eventos, no ensino, na saúde, no ramo dos bares e restaurantes e em grande parte no comércio varejista. Salvaram-se as vendas pela internet e os escritórios, graças aos serviços prestados em casa, o home office.

As avarias macroeconômicas foram enormes: investimentos adiados, obras paralisadas, um desemprego de 14,3% da força de trabalho e de outros 5,5% no desalento (desistiram de procurar emprego) e, mais que tudo, o alastramento do rombo fiscal e o avanço da dívida pública. Até agora, o governo não mostrou como vai enfrentar as exigências da lei do teto dos gastos nem como vai reequilibrar as contas públicas em 2021. Nem mesmo o Orçamento de 2021 foi aprovado.

As apostas se concentram agora na recuperação da atividade econômica, que já começou a mostrar as caras no último trimestre deste ano. O maior trunfo está na aplicação da vacina. 

Cinco instituições internacionais já mostraram que superaram a terceira e decisiva fase de testes. O Instituto Butantã espera começar a vacinar ainda em janeiro e a Fiocruz tem planos para iniciar a aplicação das doses no fim de fevereiro. É provável que, já no primeiro semestre de 2021, boa parcela da população tenha sido atendida. Mas não será preciso esperar até que a maior parte da população tenha sido imunizada contra o novo coronavírus para contar com avanços na economia.

E há, também, sinais de excelente recuperação da economia mundial, especialmente da China e da Europa, também fortemente influenciados pela distribuição das vacinas. São fatores que indicam bons resultados na balança comercial do Brasil, especialmente ancorados pelo novo recorde de produção de commodities agrícolas.

A perspectiva de que a vacina esteja próxima e o afastamento da ameaça de novas ondas da pandemia, no Brasil e no resto do mundo, podem mudar corações e mentes. E esse novo ânimo tende a ser a melhor energia para revitalizar a atividade econômica.


Affonso Celso Pastore: O grau de incerteza na economia

Coube ao presidente do BC dizer que a vacina custa menos do que a ajuda emergencial

Não basta que existam vacinas com eficácia comprovada. Para salvar vidas e restabelecer a normalidade da economia, é preciso vacinar 100% da população no prazo mais curto possível, como já está ocorrendo na Europa e nos EUA. Infelizmente, em vez de agir com rapidez e eficiência, reduzindo o número de mortes e a incerteza, o governo se comporta como se o problema não existisse. É surpreendente, mas coube ao presidente do Banco Central, e não ao presidente da República, explicar que “a vacina custa menos do que uma ajuda emergencial”.

De fato, além de prolongar a crise sanitária a ausência de um plano eficiente de vacinação expõe a economia a nova desaceleração, aumentando a pressão para que ocorram mais gastos e aumente o desemprego, fechando-se um círculo vicioso que precisaria ser rompido. Mas meu propósito neste artigo não é expressar mais uma vez minha indignação pelo desrespeito do governo com a vida humana, e, sim, abordar como a elevada incerteza retarda a recuperação econômica. 

A FGV constrói um índice de incerteza da economia. Quando ele está abaixo de 100, o grau de incerteza é baixo, o que significa que há uma elevada previsibilidade que é essencial para planejar os investimentos em capital fixo, que contribuem para o crescimento econômico. Observa-se que nas três recessões que precederam a “recessão da covid” sempre ocorreu uma forte queda da taxa de investimentos associada a elevações do índice de incerteza da economia para próximo de 130 pontos. 

Na recessão de 2002, por exemplo, o risco de que o governo Lula não manteria o compromisso assumido por FHC, de gerar superávits primários suficientemente elevados para reduzir a relação dívida/PIB, provocou o aumento do índice de incerteza ao lado de uma queda da taxa de investimento de 18% para 16% do PIB. Porém, a rápida adesão do governo às metas de superávits primários derrubou o índice de incerteza abaixo de 100, ocorrendo uma elevação de dois pontos porcentuais na taxa de investimento e uma rápida recuperação da economia. Na crise de 2008, o índice de incerteza também se elevou acima de 130, e a taxa de investimentos caiu de 20% do PIB para 18%. Foi uma recessão curta que também se encerrou com a rápida recuperação dos investimentos associada à queda do índice de incerteza abaixo de 100. 

Precedida pela malfadada experiência da “nova matiz macroeconômica”, em 2014 iniciou-se uma recessão que durou até o final de 2016. Embora desta vez o pico do índice de incerteza também tenha atingido em torno de 130, manteve-se persistentemente elevado – acima de 110 pontos – até o final de 2019 e, como não poderia ser diferente, a taxa de investimentos manteve-se em nível histórico de baixa. Contrariamente às duas recessões anteriores, cuja recuperação foi liderada pelo aumento da formação bruta de capital fixo, desta vez ela foi liderada pelo consumo, que não tem a mesma força propulsora, ou o mesmo “efeito multiplicador”, dos investimentos em capital fixo. Foram três anos consecutivos de crescimento do PIB a uma taxa média de apenas 1% ao ano, pouco acima da taxa de crescimento populacional, de 0,8% ao ano, mantendo deprimida a renda per capita. 

Logo que a covid atingiu o Brasil, o índice de incerteza da economia saltou para 210 pontos, recorde absoluto da série. Recuou em seguida, mas vem se mantendo em 150 pontos, que é bem superior aos valores máximos anteriormente atingidos por este indicador. Com tal nível de incerteza, é literalmente impossível admitir que a retomada dos investimentos em capital fixo será uma força motriz da recuperação da economia em 2021. A exemplo do ocorrido na saída da longa recessão iniciada em 2014, teremos de nos beneficiar da recuperação do consumo, que além da esperança nos efeitos de uma suposta e questionável “desova” da assim chamada “poupança precaucional” terá de enfrentar os freios impostos pelo fim da ajuda emergencial a 66 milhões de pessoas, e uma elevada taxa de desemprego. 

Os dados mais recentes confirmam que a “recessão da covid” foi bem menor do que se temia, já que não se imaginava tamanho estímulo fiscal, provocando “apenas” uma contração entre 4% e 4,2% do PIB. Mas para crescer acima de 4% em 2021, que é apenas o efeito estatístico herdado de 2020, é preciso reduzir o grau de incerteza da economia, o que exigiria vacinação rápida da população e o delineamento de uma estratégia de crescimento. Com este governo, há pouca ou nenhuma esperança que isto ocorra. 

*Ex-presidente do Banco Central e sócio da A.C. Pastore & Associados.


Ribamar Oliveira: O grande teste para o teto será em 2021

Salário mínimo deve ficar em torno de R$ 1.095 no próximo ano

O valor da despesa total da União em 2021, que consta em anexo da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), aprovada ontem pelo Congresso Nacional, está subestimado. A principal razão é que, em seu cálculo, o Ministério da Economia considerou um INPC de apenas 4,1% neste ano.

Com isso, chegou a um valor para o salário mínimo inferior ao que será efetivamente pago a partir de janeiro. O mais provável é que o piso salarial do Brasil fique próximo de R$ 1.095,00, e não do R$ 1.088,00 divulgado nesta semana pelo governo.

O valor de R$ 1.095,00 foi obtido com a aplicação de um INPC de 4,8% neste ano. No acumulado de janeiro a novembro, ele está em 3,93%. Os analistas de mercado esperam que o INPC em dezembro fique em 0,88%, de acordo com as estimativas coletadas pelo Banco Central e disponíveis em sua página na internet. Como os preços estão em alta, ele poderá ser ainda maior.

O INPC é de fundamental importância para a estimativa da despesa da União porque ele corrige o salário mínimo, que é o piso dos benefícios previdenciários e assistenciais, e reajusta também os benefícios de quem ganha acima do piso. A variação de 0,1 ponto percentual no INPC gera um acréscimo de despesa de R$ 768,3 milhões, de acordo com estimativa feita pela Secretaria do Tesouro Nacional, em seu último relatório de riscos fiscais, divulgado em novembro.

Se o índice for de 4,8%, ele ficará 0,7 ponto percentual acima daquele projetado pelo governo no anexo da LDO. Esse 0,7 p.p. resultará em uma despesa adicional para os cofres públicos de R$ 5,378 bilhões (sete vezes R$ 768,3 milhões), acima da previsão feita pelo governo.

Essa questão é importante porque, na terça-feira, o ministro da Economia, Paulo Guedes, encaminhou ofício ao Congresso Nacional, fixando uma meta de déficit primário de R$ 247,1 bilhões para o governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) em 2021. Junto com o ofício, ele encaminhou um anexo de riscos fiscais, no qual consta a previsão de que as despesas discricionárias (investimentos e custeio da administração, exceto gasto com pessoal e encargos dos servidores) da União, no próximo ano, ficarão em R$ 83,9 bilhões.

Na proposta orçamentária para 2021, encaminhada ao Congresso no fim de agosto, o governo estimou que as despesas discricionárias ficariam em R$ 96 bilhões. Houve, portanto, uma redução de R$ 12,1 bilhões. A diminuição tem duas explicações. A proposta orçamentária foi elaborada com a previsão de 2,09% para o INPC e não incluiu a despesa com a prorrogação da desoneração da folha de salários de 37 setores da economia. No anexo ao ofício de Guedes, a despesa é reestimada com base em um INPC de 4,1% e com a inclusão da despesa com a desoneração da folha de salários no próximo ano.

Questionada pelo Valor, a Secretaria de Orçamento Federal (SOF) esclareceu ontem que na previsão de R$ 83,9 bilhões para as despesas discricionárias está incluída a quantia de R$ 4 bilhões para a capitalização de empresas estatais no próximo ano. A despesa com a capitalização é excluída do teto de gastos. Assim, as despesas discricionárias efetivas em 2021 (aquilo que o governo vai dispor para pagar investimentos e o custeio da máquina) seria de R$ 79,9 bilhões.

Mas, como foi explicado no início desta coluna, a estimativa do anexo da LDO foi elaborada com base em um INPC de 4,1%. Se o índice ficar em 4,8%, será necessário acrescentar R$ 5,378 bilhões às despesas obrigatórias e reduzir igual valor nas discricionárias para cumprir o teto de gastos. Assim, as despesas discricionárias efetivas no próximo ano (não considerando a capitalização de estatais e as emendas parlamentares) ficarão em R$ 74,5 bilhões (R$ 79,9 bilhões menos R$ 5,378 bilhões), o menor valor da história.

Há uma estimativa na área técnica de que um valor abaixo de R$ 85 bilhões de despesas discricionárias representa risco de paralisia de serviços públicos - o chamado “shutdown”. O próximo ano será o grande teste para a teoria. Um grande teste também para o teto de gastos, pois os números estão mostrando que o Orçamento de 2021 não cabe no teto.

Há outras indicações de que a despesa está subestimada. O crescimento vegetativo dos benefícios previdenciários que consta do anexo da LDO, por exemplo, é de apenas 1,7%, muito baixo mesmo considerando o impacto da reforma da Previdência.

O diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto, acompanha atentamente as contas públicas brasileiras. Depois de ler o anexo de riscos fiscais enviado ao Congresso no ofício do ministro Paulo Guedes, Salto manifestou preocupação. “As contas estão pouco transparentes e o risco fiscal é elevado”, disse, em conversa com o Valor. “De duas, uma: chance alta de romper o teto na execução ou paralisação da máquina pública com mais cortes de discricionárias, já num nível de R$ 83,9 bilhões, sem emendas, que é historicamente baixo”, afirmou.

Sem base

O ano termina com uma triste constatação: o governo não possui, atualmente, uma base política que lhe permita aprovar as reformas estruturais indispensáveis para a retomada sustentável do crescimento econômico.

O indicador mais contundente dessa realidade é a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) Emergencial que está sendo relatada pelo senador Marcio Bittar (MDB-AC). O relator desistiu de apresentar seu parecer depois que verificou a inexistência de acordo entre os líderes partidários para a adoção de medidas de ajuste fiscal, que sustentariam a manutenção do teto de gastos por, pelo menos, mais alguns anos.

Inconformado com a derrota, o Ministério da Economia tentou apresentar uma emenda ao projeto de lei complementar 101/2020, que promoveu nova renegociação das dívidas de Estados e municípios, com um “gatilho” para o teto de gastos. O Valor teve acesso à emenda preparada pela Economia. Ela previa que quando as despesas obrigatórias submetidas ao teto superassem 94% da despesa primária total, os chefes dos três Poderes da Republica poderiam acionar medidas de ajuste, as mesmas que constam da emenda constitucional 95/2016. Mais uma vez, a proposta de Guedes não foi apoiada pela base governista. E a emenda nem sequer chegou a ser formalizada.


Zeina Latif: O alvo é outro

O atraso na agenda de reformas também é reflexo da pobreza do debate econômico

De tempos em tempos, a discussão sobre o comportamento da taxa de câmbio volta à tona. Alguns economistas recomendam maior intervenção do Banco Central no mercado para depreciar o câmbio e, assim, supostamente, estimular a indústria e o crescimento. As intervenções não deveriam se limitar a conter a volatilidade da cotação do dólar, como faz o BC usualmente. Seria muito bom se essa recomendação funcionasse. A realidade é bem mais dura.

O conceito relevante a ser utilizado nessa análise é o de taxa de câmbio real, que desconta o nível de preços. Isso porque a alta do dólar tem impacto inflacionário que acaba “corroendo” a depreciação ocorrida. Quando salários e preços sobem muito, reduz-se o efeito final do dólar mais alto na competitividade externa dos produtos domésticos.

Indo além, se um banco central insistir na estratégia, haverá conflito com o objetivo de cumprir a meta de inflação. Os juros terão de subir e, como consequência, a moeda poderá valorizar ainda mais, desta vez pela entrada de dólares no país. Por aqui, já dá para perceber que o câmbio real é uma variável de difícil controle.

Vale ressaltar que, no Brasil, as intervenções do BC têm efeito de muito curto prazo, o que exigiria grande e preocupante ativismo. Assim, enfraquecer a moeda sequer seria uma boa estratégia de estímulo de curto-médio prazo da economia para suavizar crises.

A formação da taxa real de câmbio é muito mais reflexo do funcionamento do sistema econômico de cada país (no jargão dos economistas, é uma variável “endógena”) do que fruto de atuação dos bancos centrais.

Claro que o ciclo mundial também impacta as moedas dos países, mas é algo fora do controle dos governos. Períodos de maior dinamismo dos EUA vis-à-vis o resto do mundo, principalmente a China, estão associados ao dólar mais forte. Mas a magnitude do seu impacto sobre as moedas dos países, que nesse caso se enfraquecem, depende de fatores internos.

Economias emergentes com gastos públicos controlados e menos entraves estruturais ao crescimento – fatores que limitam o risco inflacionário – tendem a ter uma taxa de câmbio real, em média, menos valorizada ao longo do tempo. Nessa linha, países com taxa de poupança mais elevada (produzem mais do que consomem, somados o governo e o setor privado) tendem a exibir moeda mais fraca em termos reais.

Analisando as taxas de câmbio real efetivo (considera a cotação contra uma cesta de moedas e não apenas o dólar) de um conjunto de países emergentes, desde 2000, nota-se que o Brasil está no grupo daqueles com moedas mais valorizadas. A razão é a inflação mais elevada, e não o dólar ter subido pouco. Pelo contrário. Entre 2000-2019, a alta acumulada do dólar no Brasil foi de 123%, ante uma média de 10% em um amplo conjunto de países e em torno de 20% em emergentes. Em outras palavras, o câmbio subiu bastante aqui, mas a inflação também.

E o impacto do câmbio real sobre o crescimento? Não há evidências robustas de que a moeda mais fraca de um país gera mais crescimento econômico, quando se leva em consideração outras variáveis que impactam o crescimento de longo prazo. É o que apontam Carlos Eduardo Gonçalves e Mauro Rodrigues em artigo de 2017.

Ainda que, porventura, possa haver algum impacto – como sugere a elevada correlação entre o câmbio real (ou a razão câmbio/salário) e a participação da indústria de transformação no PIB dois anos depois – , a solução não seria intervir no mercado cambial, mas sim eliminar as amarras estruturais que comprimem a produtividade da indústria, reduzem o potencial de crescimento e elevam o risco inflacionário.

A taxa de câmbio não deveria ser um objetivo de política econômica. Convém enfrentar o que realmente importa para sairmos da armadilha do baixo crescimento econômico.

O Brasil é um país hostil ao investimento e à eficiência produtiva, mas ainda não discutimos o suficiente as soluções. O atraso na agenda de reformas estruturais também é reflexo da pobreza do debate econômico.


Celso Ming: Apesar da inflação mais forte, os juros não sobem

A manutenção da Selic a 2,0% ao ano produz um efeito fiscal benéfico, mas pode dar errado, quando se levam em conta outros fatores

A inflação voltou a dar seus pinotes, ameaça voltar aos 6,0% ao ano daqui a cinco meses e, no entanto, o Banco Central, por meio do Comitê de Política Monetária, o Copom, manteve os juros básicos (Selic) nos 2,0% ao ano. Mas sentiu o golpe e avisou que pode ter de rever sua política de dinheiro mais frouxa e puxar novamente pelos juros.

Primeiramente, aos números. Nos 11 primeiros meses deste ano, a inflação acumulada no ano chegou aos 3,13% e foi para 4,31% em 12 meses (veja gráfico). Em junho, a expectativa do mercado, medida pelo Boletim Focus, do Banco Central, apontava para todo o ano uma inflação (evolução do IPCA) não superior a 1,6%. Agora, ninguém espera menos de 4,0%. No segmento dos preços no atacado, houve uma disparada e tanto. O IGP-M, em cuja composição entram 60% de preços no atacado, acumulou neste ano até o final de novembro alta de 21,97% e pode ir mais longe. Como o atacado de hoje tende a ser o varejo de amanhã, parte da alta no atacado pode ser transferida para o consumidor.

Para o Banco Central, essa inflação é o resultado de choques anômalos e temporários. A pandemia desorganizou a cadeia de fornecimentos e suprimentos. Na retomada da atividade econômica, muitas empresas foram apanhadas com estoques baixos demais. A pressão da demanda empurrou os preços para cima. A alta das commodities (cotadas em dólares) foi turbinada também pelo avanço do dólar em reais. E houve, no final de novembro, o reajuste dos preços da energia elétrica.

O Banco Central argumenta que essa esticada da inflação tende agora a refluir, ainda que seus efeitos acumulados se estendam até meados de 2021. Convém juntar os argumentos: o auxílio emergencial que distribuiu mais de R$ 275 bilhões a cerca de 68 milhões de pessoas e foi fator de aumento da demanda de alimentos e materiais de construção civil vai terminar agora em dezembro. E, se tiver continuidade, será por uma fração do valor pago até aqui. Termina, também, o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, que beneficiou cerca de 9,8 milhões de trabalhadores. Portanto, mais desemprego significará também menor pressão de demanda. A alta das commodities agrícolas perderá força e esse enfraquecimento virá acompanhado de uma queda da cotação do dólar em reais, movimento que já começou. Por fim, a reativação da economia reorganizará as cadeias de fornecimento e suprimento. Com isso, o fluxo de estoques também voltará ao normal.

Se essa inflação não é causada por excesso de dinheiro no mercado e tende a perder força, não faz sentido puxar para cima os juros. É o que está subentendido no comunicado divulgado logo após a reunião do Copom nesta quarta-feira. A manutenção da Selic a 2,0% ao ano produz um efeito fiscal benéfico, não mencionado pelo comunicado: reduz as despesas com os juros da dívida e, nessas condições, retarda seu crescimento. Essa estratégia do Copom tem chance de dar certo. Mas pode dar errado, quando se levam em conta outros fatores. O fator político, por exemplo, nunca estará sob controle das autoridades da área econômica e monetária.

O jogo de forças entre o governo e o Congresso é caótico e deve continuar assim. Sabe-se lá até que ponto será possível obter um equilíbrio mínimo nas contas públicas. E ainda há o risco de que a campanha eleitoral de 2022 seja antecipada para 2021 e piore tudo. O comunicado reconhece isso, mas adverte que nem essa hipótese de que os juros subirão será a correta, pois é preciso levar em conta também a fragilidade da recuperação.


Alex Ribeiro: BC entre a pressão do mercado e do FMI

É improvável que, pelo menos no curto prazo, a autoridade monetária caminhe para um lado ou para outro

O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central abre amanhã sua reunião de dezembro sofrendo pressão dos dois lados. O corpo técnico do Fundo Monetário Internacional (FMI) fez os seus cálculos e concluiu que seria necessário levar a taxa de juros para perto de zero. Já no mercado crescem as apostas de que, em 2021, o BC será levado a começar a normalizar os juros.

É improvável que, pelo menos no curto prazo, o Banco Central vá caminhar para um lado ou para o outro. Provavelmente vai colher mais informações no primeiro trimestre sobre decisões de política fiscal e a evolução da atividade econômica. Apesar de todo o barulho sobre a alta da inflação no curto prazo, não será isso que deverá mover a autoridade monetária, salvo uma piora significativa.

No seu relatório de avaliação da economia brasileira, o FMI faz umas continhas simples com a regra de Taylor, que é um roteiro de reação a desvios da inflação e do nível de atividade. Por elas, seria possível cortar os juros abaixo dos atuais 2% ao ano, desde que não haja uma deterioração adicional nas expectativas de inflação.

Na visão dos técnicos do Fundo, a capacidade ociosa da economia vai terminar 2020 no equivalente a 4,5% do PIB e será preenchida apenas no distante ano de 2024. Até lá, seria uma força para manter a inflação muito baixa, fazendo-a convergir à meta só em 2023.

Representante do Brasil no FMI, o economista Afonso Bevilaqua registrou, no próprio relatório de avaliação, que o governo brasileiro discorda da visão de que haveria espaço para juros menores. O BC reforçou que considera adequada a política monetária.

É fato, porém, que, se o Copom fosse se guiar por uma regra de Taylor, poderia ter cortado os juros na sua última reunião ou ter aprofundado o “forward guidance”. Suas projeções de inflação no cenário básico estavam abaixo da meta no horizonte de política monetária.

O que colocou um freio foi o balanço de riscos, sobretudo os fiscais. Projeções alternativas de inflação do BC mostram que, se o desarranjo das contas públicas persistir, a inflação vai superar as metas. Por isso, a inflação esperada pelo Copom, que é uma média da inflação projetada no cenário básico e nos cenários alternativos, está basicamente na meta e não comporta estímulos monetários adicionais. Para fazer mais, seria necessário o cenário fiscal melhorar, sem haver piora nas projeções.

Já os analistas econômicos estão prevendo um aumento mais forte e mais prematuro de juros, sobretudo devido à aceleração da inflação mais recente. A providência anterior ao reaperto seria a derrubada do “forward guidance”, já que essa é justamente uma promessa de não subir os juros.

Hoje, a mediana das projeções dos economistas do setor privado prevê o início de um ciclo de alta de juros entre agosto e setembro, até levar a taxa Selic para 3% ao ano em dezembro. Antes de o BC adotar o “forward guidance”, essa era exatamente a aposta dos analistas. Mas o “forward guidance” os convenceu a prever, por algum tempo, que os juros encerrariam 2021 em 2,5%. A recente inflação mais salgada os fez voltar ao cenário anterior.

O Banco Central disse que abandona o “forward guidance” se as suas projeções de inflação no cenário básico e as expectativas do mercado convergirem para a meta no horizonte relevante. Os economistas do setor privado acham que isso vai ocorrer mais cedo. A análise mais comum que se ouve é de que o repique da inflação de curto prazo vai elevar a inflação a patamares muito altos até abril e maio do ano que vem. Isso, por sua vez, vai contaminar as expectativas de inflação e as próprias projeções de inflação do BC de 2022, que estará no centro do horizonte de decisões de política monetária.

Na teoria, esse raciocínio do mercado está errado. Uma alta de preços no curto prazo não deveria contaminar horizontes mais longos de política monetária, se os fatores são passageiros. A política monetária atua com defasagens sobre a inflação. Se o Copom subisse os juros agora para combater uma alta temporária de inflação, teria poucos ganhos para baixar os índices no curto prazo e arriscaria derrubá-los abaixo da meta no horizonte de dois anos.

Nos últimos dias, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, destacou vários motivos por que acha que a alta de preços é passageira. Ele fez isso depois que foi divulgado o IPCA-15 de novembro, que veio mais salgado do que o esperado e assustou muita gente. Citou várias vezes um box do Relatório de Inflação de setembro que argumentava, antes que os analistas do setor privado se preocupassem com o tema, que a alta do dólar e dos preços das commodities chegaria aos preços ao consumidor.

Os comentários mais alarmistas no mercado dizem que estaria em curso um processo de desancoragem das expectativas de inflação. A alta das expectativas não é, exatamente, uma surpresa para o Banco Central, que já vinha antecipando esse movimento. Há algumas semanas, o diretor de Política Econômica do BC, Fabio Kanczuk, disse que esperava que as expectativas continuassem subindo, para “3,2%, 3,3%. 3,4%”. Pelo dado mais recente, chegou a 3,47% para 2021. Nesse percentual, está abaixo da meta, de 3,75%. Campos Neto destacou que a inflação implícita dos títulos públicos segue comportada.

Mas essa é a fotografia do momento, que faz com que o BC provavelmente mantenha o “forward guidance” nesta semana. Como estarão as projeções e expectativas para 2022 em maio do ano que vem? Os analistas têm um ponto correto quando dizem que a alta da inflação de curto prazo pode contaminar expectativas - não deveria, mas na prática isso acontece. A verdade, porém, é que os analistas econômicos ainda não pensaram a fundo sobre a inflação de 2022. Falta uma informação essencial: como vai se comportar a economia a partir do primeiro trimestre, caso os estímulos fiscais saiam mesmo de cena. Não pode ser descartado de antemão o cenário traçado pelos técnicos do FMI: o grau de ociosidade da economia seguirá alto por muito tempo e a inflação deverá ficar contida.


Míriam Leitão: Além da moeda instantânea

No dia da eleição americana, havia uma animação no Banco Central brasileiro. Nada a ver com o que se passava nos condados azuis e vermelhos. Era o primeiro dia de testes de um sistema de pagamentos que começou a ser arquitetado há cinco anos. Para o cliente, o pagamento instantâneo, chamado de PIX, pode parecer apenas uma comodidade, mas, segundo o diretor do BC João Manoel Pinho de Mello, ele levará a mais competição, menores custos e mais inclusão no sistema financeiro. A nova forma de pagar começa a operar na segunda-feira com a expectativa de mudar a relação que o brasileiro tem com o dinheiro. Se conseguir diminuir a concentração do nosso mercado bancário já terá provocado um efeito importante.

O objetivo do PIX, como todo mundo entendeu, é que o dinheiro e a informação trafeguem de forma imediata. Cerca de 10 segundos, em média, segundo o Banco Central. E sem custos para pessoas físicas. Os clientes que pagam taxas em transferências terão redução de despesas, os credores terão menos riscos porque saberão na hora que as dívidas foram quitadas.

— Imagine uma carga no porto que precisa de várias guias de pagamento para ser liberada, com diversos órgãos de governo. Esse processo pode levar dias. Com o pagamento instantâneo, será na hora. O dinheiro chega em uma ponta e a informação de quitação volta na outra. Isso vale para tudo, é ganho de produtividade na economia — explicou Pinho de Mello.

As mudanças microeconômicas no sistema financeiro vêm buscando há muitos anos o mesmo objetivo: spreads menores. No BC, eles garantem que os juros caíram muito e em algumas linhas já são compatíveis com níveis internacionais. Ainda não é o que todo tomador sente. Com mais participantes nesse mercado de transação financeira, pode haver, num segundo momento, um custo do crédito menor. Com mais gente oferecendo empréstimos, a aposta é que os juros possam cair.

Para o pequeno empreendedor, por exemplo, espera-se o incentivo ao chamado nanocrédito, pequenas e rápidas operações de financiamento. Como a transferência não tem custos ou um custo bem menor do que o atual nas transações entre firmas, um comerciante pode, por exemplo, adiantar a passagem de ônibus de um fornecedor que lhe venda produtos mais baratos e de melhor qualidade. Hoje, o preço do TED e do DOC inviabiliza a margem dessas operações menores. Esse é só um pequeno exemplo de como o pagamento instantâneo pode ter efeito na ponta da economia.

Os bancos perderão as receitas com o TED e o DOC. O Banco Central não tem uma conta fechada, mas estima que somente o TED de pessoas físicas chegue a R$ 500 milhões por ano. João Manoel acredita que eles não vão fazer o truque de sempre — elevar outra tarifa para compensar a perda. Acha que também terão uma forte redução de custos.

— O dinheiro ainda é o principal meio de pagamento do país, e isso custa muito para os bancos, em termos de transporte, logística, segurança. Quanto mais o pagamento eletrônico instantâneo for usado, menores serão os custos para os bancos — explicou.

Há um problema. Somente os 35 maiores bancos terão acesso à conta de liquidação financeira do Banco Central, onde as informações serão processadas. As menores instituições, como as fintechs e cooperativas de crédito, terão que pagar uma taxa para usar esse sistema através dos bancos maiores, e o receio é que eles imponham custos que inviabilizem a competição. João Manoel diz que o Banco Central estará atento para evitar esse risco:

— O grande banco é o chamado participante direto, que tem acesso ao sistema do Banco Central. É assim porque é caro acessar o BC e não faria sentido impor isso a todos. Mas o grande não pode ter preços diferentes para os clientes indiretos. O próprio BC vai fazer essa fiscalização para que haja competição entre eles.

A “guerra das chaves” que acontece hoje, ou seja, as campanhas publicitárias pelo cadastro dos clientes, tem explicação. O que está em jogo agora é conseguir os dados, para que os clientes sejam fidelizados depois. Outra aposta do BC é que essas informações deem mais segurança aos bancos, que poderão reduzir os juros.

Há outras modernizações sendo feitas. O Cadastro Positivo entrou em operação em fevereiro, e o Banco Central tem acelerado os testes e os estudos para que o chamado open banking — quando o cliente permite que várias instituições tenham acesso aos seus dados — entre em vigor em 2022. Essa é a agenda para os próximos anos no sistema financeiro e que pode fazer com que o custo do dinheiro caia de forma estrutural no Brasil.


Adriana Fernandes: Incompetência e a barreira dos 100%

Com a perspectiva de recorde negativo, País pode enfrentar em 2021 uma crise da dívida

Em dezembro de 2017, o governo anunciava que um dos principais indicadores da sustentabilidade das contas públicas estava perto de atingir um limite perigoso. O Banco Central tinha acabado de projetar que a dívida bruta do País fecharia em valor bem perto de 80% do PIB no ano seguinte.

Chegar a 80% era considerado na época uma espécie de barreira a ser evitada a qualquer custo, a partir da qual, se rompida, a leitura seria imediata: um aumento considerável dos riscos para a execução das políticas monetária e fiscal diante da percepção de uma trajetória explosiva do endividamento público. Agências de classificação de risco entendiam que esse patamar indicava um quadro de descontrole da dívida para economias emergentes com o perfil como o do Brasil.

Pois nessa sexta-feira, o BC anunciou oficialmente que a dívida bruta ultrapassou a barreira de 90% do PIB. E o Ministério da Economia reconheceu, pela primeira vez, que o indicador vai ultrapassar os 100% do PIB nos próximos anos.

Pelas novas projeções, o Brasil fecha 2020 numa combinação perversa: as dívidas bruta e líquida (que desconta as reservas internacionais) chegam ao final do ano em patamares recordes. O pico anterior da dívida líquida, que por muitos anos cumpriu o papel de principal indicador de solvência do Brasil, tinha sido na crise econômica brasileira de 2002.

Naquela época, a dívida líquida havia subido por conta da alta do dólar provocada pelo temor de que Lula, caso eleito presidente da República, daria um calote. Com o compromisso assumido pelo ex-presidente de manter o tripé macroeconômico, o dólar caiu e a dívida líquida também.

Agora, como Brasil tem hoje mais ativos do que passivos em dólar, a queda da moeda norte-americana não reduz o endividamento como aconteceu em 2002. Pelo contrário, pode até piorar se o câmbio recuar. O problema, portanto, passa a ser estrutural.

A perspectiva de duplo recorde negativo da dívida do País reforça a percepção de que o governo flerta com a falta de planejamento e pode enfrentar em 2021 uma crise da dívida. Além do fantasma da segunda onda do coronavírus, que já é realidade na Europa, enquanto o Brasil ainda nem saiu da primeira.

Se o governo precisar injetar mais recursos na economia, como fazem agora os países europeus, a demora e a desorganização para a arrumação da casa trará custos ainda maiores.

Pela fotografia de hoje dos números projetados pelo próprio governo, Bolsonaro entrega para o seu sucessor, mesmo que seja ele próprio no caso de uma reeleição, um quadro muito pior daquele que foi entregue ao ex-presidente Lula.

Impossível não deixar de registrar que, enquanto a espiral negativa cresce, a semana passou com o presidente da República concentrado em reduzir tributo para videogames, renovar incentivos para a indústria automobilística, e acirrar disputas políticas sobre vacinas.

O ministro Paulo Guedes renovou mais uma vez a guerra santa com seu desafeto e colega de Ministério, Rogério Marinho, e de quebra subiu o tom dos ataques à poderosa Febraban, a associação dos grande bancos.

O articulador político do governo, o ministro Luiz Eduardo Ramos, que deveria estar em campo para encaminhar os problemas, se envolveu numa briga de tuítes com o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.

Se não bastasse esse cenário de desgoverno, a ciranda chegou até o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e foi parar no presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Tudo isso numa única semana.

Líderes governistas dizem que tudo estará encaminhado até o final de 2020 e que há uma tentativa de pintar o caos. Talvez seja isso que eles queiram. Deixar passar no Congresso tudo bem rapidinho com aquelas votações relâmpagos de fim de ano - chamadas de fim do mundo - que só se descobre o estrago tempos depois. O caos são eles!


Míriam Leitão: Banco Central e o alerta fiscal

O Banco Central decide hoje a taxa de juros em um cenário bem diferente da última reunião. Não há aposta em novo corte da Selic. A discussão no mercado financeiro é quando a taxa voltará a subir com a piora do quadro fiscal. A inflação acelerou. O setor de gás passará por uma onda de reajustes em patamar de 25% em muitos estados, como Bahia, Santa Catarina e Rio de Janeiro. Os juros futuros subiram porque há enorme dúvida sobre o financiamento da dívida pública.

Hoje a decisão está dada. A Selic será mantida em 2%. Ano que vem ela aumenta, dizem os bancos. Há poucos meses, o Banco Central passou a adotar uma comunicação com detalhamento mais claro sobre os seus próximos passos, o que eles chamam de forward guidance. O objetivo é evitar surpresas na condução da política monetária. Mas se for para seguir direito essa estratégia precisa dizer com todas as letras que as condições de financiamento da dívida pioraram, e as expectativas de inflação subiram. Terá o BC autonomia para dar um recado duro ao governo sobre a gravidade do momento? Não basta colocar na agenda do Congresso o projeto de independência do BC. Autonomia se mostra na prática. Adianta pouco falar mais uma vez que o cenário é “desafiador”. O FMI diz que o Brasil é o país emergente com pior desempenho fiscal nesta pandemia.

A inflação surpreendeu nas últimas semanas. As projeções dos bancos e consultorias perderam para a realidade. Os IGPs, que medem a inflação no atacado, estão com variações em dois dígitos. Os preços da soja (83%), do milho (75%) e do trigo (40,9%) dispararam para os produtores, e isso significa alta de alimentos importantes da cesta básica, como carnes, pães, massas e óleos de cozinha. Arroz (122%) e feijão (28%) também subiram muito no atacado. Segundo a MB Agro, a alta dos alimentos acontece pelo aumento do dólar, dos preços internacionais das commodities e pela demanda no Brasil turbinada pelo auxílio emergencial.

Na taxa em 12 meses, o IPCA acelerou de 1,88%, em maio, para 3,14% em setembro. Ainda está abaixo da meta. A prévia de outubro foi um espanto: 0,94%. A MB Associados projeta que a inflação continuará subindo até 5,4% em maio do ano que vem, segundo o economista Sérgio Vale. Ou seja, mesmo se o governo começar a enfrentar a crise fiscal, já há uma alta da inflação contratada. Se cometer erros, o risco é de uma nova disparada do câmbio, com pressão ainda maior sobre os preços. Ontem, o Bradesco reviu sua projeção para a inflação, com aumento da Selic pelo Banco Central a 3,5% até o final do ano que vem. O banco alerta, porém, que nesse cenário não está contando com “qualquer flexibilização do teto, postergação do estado de calamidade ou eventual extensão do auxílio emergencial fora do teto de gastos.” Ou seja, esse é o cenário benigno. Se o governo adotar qualquer saída populista, ou inventar uma contabilidade criativa, haverá uma mudança total no preço dos ativos.

Segundo a Abrace, Associação dos Grandes Consumidores de Energia, após as quedas nos preços do gás durante a pandemia o que se espera agora é uma enxurrada de reajustes em 18 estados. São Paulo deve ter alta de 8,8%, mas os demais terão aumento nas tarifas na casa de dois dígitos, chegando a 30% em Minas Gerais e Pernambuco, e 25% no Rio, Bahia e Santa Catarina. Essas altas seriam decorrentes da subida do dólar, que ontem chegou a R$ 5,68, e da elevação do preço do petróleo no mercado internacional. A reação ideológica do Itamaraty na eleição de Luis Arce na Bolívia torna mais difícil uma boa solução na renegociação do gás com o país vizinho.

A economia está na seguinte situação: a queda do PIB foi atenuada pelo auxílio emergencial, mas todo o gasto da pandemia piorou muito a situação fiscal. O governo não sabe ainda como vai financiar o novo programa social ou a ampliação do Bolsa Família. Neste momento de juros baixos, em 2%, há uma janela para fazer o ajuste. Mas o governo não enviou reformas que mudem o quadro de verdade. O presidente é populista e nunca teve real aderência à agenda de equilíbrio fiscal. Bolsonaro não mexeu no teto com medo de que isso o leve a um impeachment. Se seus conselheiros o convencerem do contrário, ele, sim, mexerá no teto. Aí a casa cai no mercado financeiro.


Gustavo Loyola: Riscos no horizonte

O fracasso na aprovação de reformas trará um quadro de turbulência econômica em 2021

A mediana das projeções para o crescimento do PIB brasileiro em 2021 está em 3,47%, segundo a pesquisa Focus divulgada pelo Banco Central na última segunda-feira. Entretanto, alguns riscos relevantes se acumulam no horizonte e podem levar tais previsões a se frustrarem, deixando a economia brasileira bem aquém de uma recuperação em “V”, após o gigantesco tombo provocado pela covid-19.

O risco mais óbvio deriva da provável queda da renda disponível das famílias, em razão do término do programa do coronavoucher, para o qual não há substituto possível em razão das limitações fiscais. Alguma mitigação parcial deste efeito pode ser viabilizada, observadas as possibilidades orçamentárias, mas somente uma recuperação mais forte da ocupação faria a massa real de renda das famílias crescer em 2021 e sustentar o aumento do consumo.

Ocorre que a dinâmica do mercado de trabalho no pós-pandemia vem sendo afetada negativamente por diversos fatores que ainda estarão presentes nos próximos meses. Há, é verdade, um processo de recuperação do emprego em curso, mas com uma velocidade inferior à que seria desejável. Além disso, a retomada ocorre de maneira heterogênea, com desempenho ainda negativo do segmento de serviços. Isso decorre não apenas do legado de estragos que a pandemia deixou sobre as empresas - muitas quebraram e outras diminuíram de tamanho - como também das incertezas ainda existentes tanto no campo da saúde quanto no da economia.

Com relação à pandemia, o agravamento da situação europeia e também nos EUA nas últimas semanas tem sido um balde de água fria sobre o otimismo que vinha se construindo aqui com a redução da taxa de infecção e de mortalidade que trazem maior relaxamento das restrições à movimentação das pessoas. Não se pode descartar a possibilidade que uma segunda onda de infecções ocorra também aqui no Brasil em alguns meses. Nesse contexto, é bem compreensível a relutância de algumas empresas em retomar plenamente a recontratação de mão-de-obra, enquanto não fique mais clara a questão da covid-19.

O ambiente de incertezas em relação à pandemia pode se dissipar caso se viabilize no curto uma vacina efetiva contra o novo coronavírus que possa ser massivamente aplicada nos próximos meses.

Contudo, há outro fator que está afetando negativamente as expectativas: a percepção sobre o estágio atual do debate público a respeito do risco fiscal, no contexto de um endividamento público fortemente magnificado pelas despesas e renúncias de receita associadas ao combate aos efeitos econômicos negativos da pandemia. Preocupa especialmente a falta de definição do governo federal sobre o que fazer diante dos desafios sérios que se apresentam no campo das finanças públicas.

O ministro Paulo Guedes, infelizmente, não tem conseguido liderar o debate do tema no seio da administração, contestado que tem sido até pelo próprio Presidente da República em questões viscerais para a manutenção da responsabilidade fiscal.

Não bastasse isso, os demais poderes da República parecem absolutamente descompromissados com o tema, como se restrição orçamentária fosse apenas uma criação ficcional de alguns economistas amalucados. A propósito, deve ser mencionado que o aumento do risco fiscal já está levando o mercado a exigir prêmio crescentes nos leilões de títulos públicos, o que é um sinal grave e incontestável da degradação das expectativas.

A questão fiscal, vale dizer, não se cinge apenas à manutenção ou não do teto constitucional de gastos. Pode até surgir um remendo qualquer que preserve o teto em 2021, mas sem um ataque mais direto às fontes endógenas do crescimento das despesas públicas e uma reforma tributária mais abrangente o ambiente de incertezas se manterá ao longo do ano que vem, derrubando o ritmo da retomada da economia. Cabe lembrar que em 2022 haverá eleições presidenciais, quando será muito mais difícil a aprovação de reformas ou medidas impopulares no Congresso Nacional. Em razão disso, é bem provável que um eventual remendo fiscal dure pouco, não sobrevivendo ao início do debate sobre o orçamento de 2022.

Assim, para restaurar a confiança dos agentes econômicos e afastar o risco de insolvência no endividamento público, o Brasil necessita de instrumentos estáveis e embutidos no nosso quadro legal que sejam compatíveis com a responsabilidade fiscal numa perspectiva de médio e de longo prazos. O fracasso na aprovação nos próximos meses de reformas que sejam conducentes à restauração do equilíbrio fiscal no futuro imediato trará um quadro de turbulência econômica em 2021, com maior volatilidade no câmbio e aumento das taxas de juros, que inviabilizará a retomada sustentável da atividade e a queda do desemprego.

*Gustavo Loyola, doutor em Economia pela EPGE/FGV, ex-presidente do Banco Central, é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo