augusto aras
Bernardo Mello Franco: Siqueirinha faz escola em Brasília
O desembargador que ofendeu os guardas não está sozinho. Em Brasília, multiplicam-se episódios de autoritarismo e incivilidade entre homens da lei. Um deles se deu na sexta-feira, em sessão do Conselho Superior do Ministério Público.
Em cruzada contra a Lava-Jato, o procurador-geral Augusto Aras enfrentou uma rebelião de colegas. Quando o subprocurador Nicolao Dino tentou contestá-lo, foi calado aos gritos. “Não aceitarei ato político em sessão de orçamento”, exaltou-se Aras.
Mais tarde, ele permitiu a manifestação dos insatisfeitos. “Um Ministério Público desacreditado, instável e enfraquecido somente atende aos interesses daqueles que se posicionam à margem da lei”, afirmou Dino. Foi a senha para um novo bate-boca.
Irritado, Aras passou a se dizer vítima de fake news. “Sob a voz lânguida de algum colega, existe a peçonha da covardia de não mostrar a cara”, engrossou. Em seguida, ele fez um comentário machista sobre a subprocuradora Luiza Frischeisen. Depois impediu uma fala do subprocurador Nívio de Freitas. “Vossa excelência não tá com palavra, não. Não vai ter palavra”, decretou.
Num monólogo enfezado, o procurador-geral acusou os colegas de promoverem “anarcossindicalismo”. Também atacou a imprensa, que viveria “a babar por sangue e reputações”. Finalmente, declarou que a sessão estava encerrada e se levantou da cadeira, sem ouvir a resposta dos ofendidos.
O Aras esbravejante de sexta lembrava pouco a figura dócil que confraternizou com advogados na terça-feira. Em live do grupo Prerrogativas, ele prometeu acabar com o “lavajatismo” e acusou procuradores de guardarem uma “caixa de segredos”em Curitiba. A força-tarefa cometeu erros e abusos, mas aquele não era o tom nem o lugar para o chefe do Ministério Público Federal espinafrá-la.
O procurador-geral ainda sugeriu, sem provas, a existência de fraudes em votações do MPF. Ele foi indicado por Jair Bolsonaro sem concorrer na eleição da lista tríplice, e tem atuado em sintonia fina com o presidente.
Após a fala, um dos anfitriões disse que a advocacia estava “em festa”. “Saio com a alma lavada. Era isso o que eu queria ouvir há muito tempo”, desmanchou-se o advogado Lenio Streck, um dos mais notórios críticos da Lava-Jato.
Noronha
O presidente do Superior Tribunal de Justiça, João Otávio de Noronha, chamou de “analfabetos” os jornalistas que o criticaram por libertar Fabrício Queiroz. Que o doutor não gosta de ser contestado, já se sabia. Mas ele deveria tomar mais cuidado com o que diz.
Ao atacar a imprensa, o ministro afirmou que “não existe isso de dar um habeas corpus coletivo”. Tentava justificar a decisão em que negou o benefício dado a Queiroz aos demais presos que estão no grupo de risco da Covid-19.
Candidato a uma vaga no Supremo, Noronha deveria saber que a Corte já concedeu um habeas corpus coletivo. Foi em 2018, em favor de gestantes e mães de crianças com até 12 anos.
A soltura de Queiroz é mais uma entre várias decisões do ministro que facilitaram a vida de Bolsonaro. Faltam 25 dias para ele desocupar a cadeira de presidente do STJ.
Ricardo Noblat: O truque de Aras para livrar Bolsonaro de ser processado por Dilma
Se depender de Augusto Aras, Procurador-Geral da República, a maneira mais segura de o presidente Jair Bolsonaro atacar seus desafetos políticos sem receio de ser processado é limitar-se a reproduzir o que disse no passado sobre eles, por mais ofensivo que seja o que tenha dito.
Há quase um ano, a ex-presidente Dilma Rousseff entrou no Supremo Tribunal Federal com uma queixa-crime contra Bolsonaro. Em vídeo postado na sua rede social em agosto último, Bolsonaro reproduziu um discurso que fizera na Câmara dos Deputados em 2014 no qual comparou Dilma a uma “cafetina”.
Cafetina é mulher dona de prostíbulo. Ou que agencia prostitutas mediante pagamento. Mulher de baixos sentimentos. Também chamada de madame, proxeneta. À época, Bolsonaro estava indignado com Dilma por conta da Comissão Nacional da Verdade, que investigara crimes cometidos pela ditadura militar de 64.
“Comparo a Comissão da Verdade, essa que está aí, com aquela cafetina, que ao querer escrever a sua biografia, escolheu sete prostitutas. E o relatório final das prostitutas era de que a cafetina deveria ser canonizada. Essa é a Comissão da Verdade de Dilma Rousseff”, afirmou Bolsonaro.
Por que se depender de Aras o Supremo arquivará a queixa-crime? Porque para ele, o comentário de Bolsonaro não foi feito durante seu mandato como presidente. E presidente da República não pode ser processado por atos anteriores à sua posse. Aras até admite que a conduta de Bolsonaro foi criminosa, mas…
Mas, nada! Para não se indispor com quem lhe presenteou com o cargo de Procurador-Geral da República, Aras preferiu basear-se na data da fala citada e não na data em que Bolsonaro reprisou a fala ofensiva a Dilma, compartilhando-a nas redes sociais quando já era presidente há oito meses. Truque jurídico vagabundo.
Caberá ao Supremo aceitar ou recusar o truque de Aras.
Vera Magalhães: Uma moda que passou
Tão em voga nos palanques em 2018, combate à corrupção vira estorvo
“Fim ‘do’ Lava Jato! Fim ‘do’ Lava Jato!”. Com uma pandemia que já matou mais de 95 mil brasileiros ainda no auge, empregos minguando e economia à deriva, foi esse o coro com que Jair Bolsonaro, eleito, entre outros fatores, de carona no lavajatismo, foi recebido no interior do Piauí, escoltado justamente por um réu na Lava Jato, o senador e presidente do PP, Ciro Nogueira.
A nova onda de críticas, reações e ofensivas contra a mais notória força-tarefa de combate à corrupção já montada no Brasil une o presidente, o presidente do Supremo Tribunal Federal, José Antonio Dias Toffoli, e o procurador-geral da República, Augusto Aras.
Bolsonaro iniciou seu divórcio do lavajatismo com a saída de Sérgio Moro do governo. O deputado que nunca deu a mínima para combater a corrupção, enfiou a família toda na política, enriqueceu graças a ela, praticou toda sorte de petecagem miúda e já esteve em todos os partidos fisiológicos do abecedário, de repente virou o “capitão” que ia banir os malfeitores. Um enredo pobre e falso como uma nota de R$ 200 com a estampa da ema do Alvorada, mas muita gente embarcou na fantasia.
Com Moro fora do barco, o lavajatismo virou criptonita capaz de enfraquecer o “Mito” e criar um adversário poderoso. De quebra, a saída de Moro coincidiu com a chegada dos novos amigos de infância do Capitão, aquelas figuras mais carimbadas do antes demonizado Centrão, o seguro anti-impeachment tão sonhado. Réus, condenados, ex-presos, cabe todo mundo no barco.
O coro que recepcionou Bolsonaro não tinha nada de espontâneo. Para ajudar o governo, réus como Nogueira deixam claro que aguardam um acordão “com o Supremo, com tudo” para que as ações que lá tramitam dormitem, se possível para sempre.
Um Bolsonaro sem os arroubos de outrora contra o STF ajuda. Basta ver que o presidente não deu um “pio” de solidariedade aos fanáticos banidos das redes sociais por ordem de Alexandre de Moraes. Os novos amigos do Centrão ocupam aos poucos o lugar vago do olavismo tresloucado à mesa do bolsonarismo. Até Carluxo anda quietinho, quietinho.
Aí temos o plantão de Toffoli no recesso do STF. Num ímpeto produtivo, o presidente respondeu sozinho pelo plantão, contrariando a prática de dividi-lo com o vice (o lavajatista Luiz Fux). E que produtividade! Em quatro semanas, ele mandou a Lava Jato compartilhar informações com Augusto Aras, suspendeu buscas e duas investigações contra o senador tucano José Serra, arquivou três inquéritos contra ministros do STJ e do TCU abertos a partir da delação de Sérgio Cabral, suspendeu depoimento de Aécio Neves e dissolveu a comissão do impeachment de Wilson Witzel no Rio. Ufa!
Outro bastante ativo no recesso, e pra lá de destemperado, foi Aras, que se lançou na cruzada contra a Lava Jato e ainda assumiu ares de ditador no Ministério Público Federal, investindo com grosserias contra colegas na reunião do Conselho Superior do MPF.
É certo que o combate à corrupção tem de se dar dentro de balizas e marcos de legalidade e institucionalidade, e que operações como a Lava Jato muitas vezes se arvoraram poderes acima desses limites, e têm de ser controladas e fiscalizadas.
Outra coisa bem diferente, porém, é um ataque orquestrado para fazer letra morta de tudo que se avançou na revelação de crimes e para mitigar o poder de órgãos independentes como o Ministério Público.
Esse tipo de iniciativa combinada mostra que o figurino do arauto do combate à roubalheira foi só uma das muitas lorotas que Bolsonaro enfiou goela abaixo dos eleitores. Assim como mostra dia a dia não ser um liberal, não ter compromisso com a democracia nem a menor condição de governar o Brasil, também essa fantasia do capitão decente foi rasgada, saiu de moda.
Eliane Cantanhêde: Duas caixas de segredos
Se a Lava Jato é uma ‘caixa de segredos’, como diz Aras, guerra contra ela também é
A guerra contra a Lava Jato não é só da Procuradoria Geral da República nem é só contra a força-tarefa de Curitiba. O procurador-geral Augusto Aras é o líder ostensivo e porta-voz, mas o ataque à maior operação de combate à corrupção do mundo vai muito além dele, incluindo Congresso e parte de Supremo, OAB, Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e da própria mídia. É um movimento combinado e visa Curitiba, São Paulo e Rio.
Ninguém questiona a fala de Aras sobre “correção de rumos” e “garantias individuais”, mas é preciso ficar claro se, por trás, não está em curso o desmanche da Lava Jato, punir e demonizar seus expoentes, impactar processos em andamento e até anular condenações já em execução. Ou seja, se a intenção é acabar com “excessos”, “hipertrofia”, investigações indevidas, dribles em leis e regras – que podem efetivamente ter ocorrido –, ou desfazer tudo e demolir, por exemplo, o ex-juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol.
Enquanto Aras ataca a Lava Jato por atacado, seus aliados agem no varejo contra Moro e Dallagnol. No Supremo, Dias Toffoli propõe que magistrados só disputem eleições após quarentena de oito anos. Na Câmara, Rodrigo Maia acata a ideia – e já para 2022. É para cortar uma candidatura Moro pela raiz? Do PT ao Centrão, passando por MDB e PSDB, levante o dedo quem apoia Moro e Lava Jato no Congresso!
Simultaneamente, entra em ação o CNMP. O conselheiro Marcelo Weitzel determinou intervenção na distribuição de processos no MP Federal de São Paulo, visando os que têm o carimbo da Lava Jato. Outro, Luiz Fernando Bandeira, pretende retirar Dallagnol da força-tarefa de Curitiba, por ter sugerido um fundo lavajatista com bilhões de reais recuperados do petrolão. Além disso, Dallagnol também foi pivô das mensagens hackeadas entre procuradores e Moro.
Esses movimentos contra a Lava Jato vêm num crescendo. O marco foi a ida da subprocuradora-geral Lindora Araujo a Curitiba para requisitar todo o arquivo e rastrear os equipamentos da força-tarefa. Em seguida, o vice-procurador Humberto Jacques criticou o modelo da operação como “desagregador”, “disruptivo” e “incompatível com o MPF”.
Foi aí que Toffoli autorizou a PGR a centralizar em Brasília todos os arquivos de Curitiba, Rio e São Paulo. Segundo Aras, o MPF inteiro tem 50 terabites de dados e Curitiba, sozinha, 350. É com base nessa documentação fenomenal que ele e sua equipe – que até aqui só jogam no ar suspeitas vagas – pretendem comprovar que o chamado “lavajatismo” grampeava pessoas e investigava alvos com foro privilegiado ilegalmente, usava conduções coercitivas como tortura psicológica, aceitava e compensava excessivamente qualquer delação premiada, dispensando provas daqui e dali.
Ao condenar o suposto “vale tudo” da Lava Jato, porém, a PGR e seus aliados podem estar justamente recorrendo a um “vale tudo” para desmontar as estruturas e demonizar os líderes da Lava Jato, numa repetição do que ocorreu contra a Operação Mãos Limpas, que passou de grande sucesso a triste derrota na Itália. Além disso, há o risco natural da centralização de dados na capital: o uso político. Hoje, o procurador é Aras. E amanhã?
Onde fica o presidente Bolsonaro nisso tudo? Depois de meter a mão no Coaf, mexer os pauzinhos na Receita, romper com Moro e ser investigado por suspeita de intervenção na PF, ele escolheu Aras fora da lista tríplice e reforça a percepção de uma união de Judiciário, Legislativo e Executivo contra a Lava Jato – que, entre erros e acertos, foi importantíssima para o País. E, se a Lava Jato é uma “caixa de segredos”, como diz Aras, a articulação contra ela também é. E seus segredos podem ser bem mais cabeludos.
Ricardo Noblat: Autorizado por Bolsonaro, Augusto Aras tenta emparedar a Lava Jato
A tudo assistem os militares, impassíveis
Às escâncaras, não, porque seria arriscado e pegaria mal. Mas em conversas cifradas ao telefone, ou na privacidade dos gabinetes no Congresso ainda frequentados por alguns em plena pandemia, políticos de várias tendências comemoram com discrição a ofensiva da Procuradoria-Geral da República contra a Lava Jato.
Quem diria, hein? Quem diria que o candidato a presidente da República que mais se beneficiou do combate à corrupção, logo ele seria o responsável indireto pela saia mais justa aplicada à Lava Jato desde o seu nascimento em 2014, a poucos meses das eleições gerais daquele ano, as últimas a serem vencidas pelo PT?
Augusto Aras, na prática, tem se comportado menos como Procurador-Geral da República, e mais, muito mais como procurador de Bolsonaro. É a ele que deve o cargo que seus colegas jamais lhe dariam. Aras não procuraria motivos para pôr em xeque a Lava Jato sem a prévia autorização do presidente.
Procuraria se Sérgio Moro ainda fosse o ministro da Justiça indemissível como pareceu um dia? Da Operação Mãos Limpas, na Itália, emergiu o governo de extrema-direita de Berlusconi, um empresário riquíssimo e corrupto. Da Lava Jato, o governo de extrema-direita de Bolsonaro, parceiro de milicianos.
Berlusconi tentou cooptar para servi-lo como ministros os dois juízes que encabeçaram a Operação Mãos Limpas, mas eles se recusaram. Sem constrangimento, Moro deixou-se cooptar, inebriado pelo sucesso. Acreditou na promessa de Bolsonaro de que seria promovido a ministro do Supremo Tribunal Federal.
Acabou usado por Bolsonaro, como disse outro dia, e deixou-se usar, como nunca dirá, para fortalecer a impressão de que este seria um governo com gosto de sangue na boca e decidido a pôr um freio na corrupção. Aí os filhos Zero caíram nas malhas da Justiça. Aí Bolsonaro quis intervir na Polícia Federal. Ai Queiroz…
Quando Queiroz foi preso em uma das casas do advogado da família Bolsonaro, Moro havia tascado fora. Hoje, aposentado, resta-lhe sonhar em ser candidato a presidente em 2022. Ou a governador do seu Estado. Ou a Senador, deputado federal, sabe-se lá. Fez pior negócio de sua vida e corre atrás do prejuízo.
A operação de desmanche da Lava-Jato deixa satisfeitos os políticos ficha suja, os que já pecaram e os que se animam a pecar. Reforça, por tabela, a ainda capenga base de apoio ao governo no Congresso que se sente protegida. Mas, em contrapartida, deixa mal os militares dentro ou fora do governo.
Recorde-se que eles gozam da fama de serem ferozes inimigos da corrupção. Exaltaram a Lava Jato por todos os meios ao seu alcance e homenagearam Moro com todas as medalhas em estoque no almoxarifado das Forças Armadas. E, no entanto, assistem impassíveis à tentativa de destruição de sua obra.
A vida tem lá dessas coisas. Selva!
Representante do Ministério da Saúde em Pernambuco é do balacobaco
Amigos para sempre
Ela chama o hotel Copacabana Palace de sua casa no Rio de Janeiro, e ali já posou para fotos muito à vontade. Refere-se à Itália como o país dos seus sonhos que visita com frequência.
Ama de paixão maquiar-se, ir a festas da alta sociedade do Recife e vestir-se com roupas de grifes, de preferência as mais caras. Seus críticos dizem que em certas ocasiões ela ostenta em demasia.
Uma amiga da praia de Boa Viagem, que a admira e inveja, cita em sua defesa um colunista social que já morreu: “Os cães ladram e a caravana passa”. E pergunta: “Como era mesmo o nome dele?”
Ibrahim Sued, o pai do moderno colunismo social brasileiro, que em sua coluna, publicada durante 41 anos no GLOBO, criou e absorveu termos que entraram para o vocabulário popular.
Paula Amorim, de idade incerta, não é uma pantera, nem mesmo uma locomotiva, mas costuma estar onde possa ser vista e reconhecida como uma mulher atraente e simpática.
Não é uma mulher evento. Recife já teve os “Irmãos Eventos”, eram dois, que não perdiam uma festa, um coquetel, uma exposição, enfim uma boca livre, fossem convidados ou não.
Curadora da própria imagem, Paula vai de leve. O que não a impede de, em certas ocasiões, roubar a cena. Tornou-se inesquecível sua aparição no velório do governador Eduardo Campos.
Em sociedade, tudo se sabe. Tanto mais em cidade de muro baixo. O velório foi no Palácio do Campo das Princesas. Então candidato a presidente da República, Campos morreu na queda de um avião.
De repente, entrou no palácio aquela mulher elegantemente trajada toda de preto. Pelo menos duas coisas a destacavam, além da expressão compungida: a altura dos saltos e o chapéu.
Não era qualquer chapéu – embora nenhuma das mulheres que por ali circulou tivesse sido vista usando um. Era “o chapéu”, enorme, desses que aparecem em filmes sobre enterros de gente rica.
Seria exagero dizer que, por um momento apenas, ela tenha eclipsado o morto. Mas eclipsou as demais mulheres presentes, sim. O alvoroço entre os políticos foi notado.
Cunhada do ex-deputado federal João Fernando Coutinho, presidente estadual do PROS, irmã de um militar que já foi segurança da primeira-dama Marcela Temer, Paula é solteira.
Aos que privam da sua intimidade, ela conta que sua renda decorre basicamente da compra de joias penhoradas pela Caixa Econômica que ela revende a uma clientela especial.
Há meses que se ouvia em Brasília que uma pernambucana era muito influente no Ministério da Saúde. Bingo! Paula foi nomeada representante do ministério em Pernambuco.
Sem experiência em Saúde ou gestão pública, ela é amiga há mais de 30 anos do general Eduardo Pazuello, o ministro interino. Substituirá uma enfermeira. Ganhará 10 mil reais por mês.
Segundo a assessoria de Pazuello, ele e Paula foram apresentados “por conhecidos em comum”, e a nomeação se baseou na “relação de confiança e amizade” entre ambos.
Está bem. É suficiente. Gigi chegou lá. Ademã. Vamos em frente.
Míriam Leitão: Aras realiza o sonho de Jucá
Decisão de Aras não têm clareza e não são correção de rota, mas sim o desmonte do edifício que investiga a corrupção no país
Quando se divulgou a gravação na qual o então senador Romero Jucá falava em “estancar a sangria”, foi um escândalo. Mas hoje o que o procurador-geral da República faz é o que Jucá tinha em mente. De um lado, Augusto Aras realiza a sua explícita ofensiva contra Curitiba e a Lava-Jato, de outro, enfraquece a Polícia Federal. Aras estimula o temor da existência de um Estado policial montado no MP, quando o perigo real está sendo instalado no Ministério da Justiça com sua lista de monitorados.
Aras aproveita uma preocupação da sociedade brasileira de que a Lava-Jato teria ultrapassado os seus limites. É um sentimento legítimo. Na democracia não se pode admitir a quebra de regras nem para o mais justo dos propósitos. Mas essa supervisão tem que ser feita pelo sistema judiciário, sem se subverter a natureza do Ministério Público. O MP não convive com a centralização que Aras tenta impor, porque ele não é órgão da burocracia que tenha hierarquia explícita. O procurador-geral é chefe do MP, mas não pode tirar a autonomia dos procuradores. Não é o comandante de uma tropa. Mas é o que está tentando ser.
A Lava-Jato ameaçou toda estrutura política, e parte importante do mundo empresarial, com as investigações que mostraram a troca de financiamentos ilegais por favores dos detentores de cargo ou de mandatos públicos. Por isso, com esse movimento ele alivia muita gente. Principalmente o presidente que o escolheu e que pode nomeá-lo ministro do Supremo. O que Aras está fazendo não é correção de rota, mas sim o desmonte do edifício que investigou a corrupção. Ele alega que está agindo em nome da transparência, quando seus atos não têm qualquer clareza.
Enquanto isso, no Ministério da Justiça, como vem revelando em seu blog no Uol o jornalista Rubens Valente, está sendo montada uma estrutura para investigar servidores públicos, policiais e intelectuais que se declaram antifascistas. A Rede pediu ao STF que impeça o governo de continuar com essa estranha investigação. O deputado Eduardo Bolsonaro reagiu postando em seu Twitter uma frase que mostra, em poucos toques, várias distorções deste governo. “Ué querem que o governo tenha em seus quadros pessoas ligadas ao movimento Antifa?” O filho do presidente acha que é errado ser contra o fascismo. O bom seria ser fascista? Está convencido de que a máquina do Estado pertence ao governo Bolsonaro. Portanto, nela não podem trabalhar os servidores que não estejam alinhados com o pensamento dos atuais governantes. De acordo com a primeira das colunas de Valente sobre o assunto, há um dossiê de 579 pessoas, com nomes, fotos e endereços feitos pela Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça. O relatório registra que há “policiais formadores de opinião que apresentam número elevado de seguidores em suas redes sociais, os quais disseminam símbolos e ideologias antifascistas”.
O Ministério da Justiça considera suspeito o fato de alguém ser antifascista. O filho do presidente acha que eles não podem estar no governo. Então esses policiais espionados devem ser demitidos por disseminarem tal ideologia? Há momentos em que o país parece ter sido tragado por uma inversão total dos valores. Na ditadura havia em todos os ministérios, órgãos, autarquias e universidades departamentos que vigiavam servidores, alunos, professores. Eram os inúmeros braços do Serviço Nacional de Informações (SNI). Esse é o perigo real.
Aras está preocupado é com a Lava-Jato. De um lado, quer enfraquecer a Polícia Federal e por isso reaviva uma velha disputa de poder que já havia sido arbitrada pelo Supremo. De outro, afirma que a Lava-Jato é uma “caixa de segredos”, que tem dados de milhares de pessoas medidos em terabytes. Conseguiu levar todas as informações para Brasília e diariamente diz algo para quebrar a confiança no trabalho dos procuradores.
O presidente Jair Bolsonaro jamais teve como bandeira a luta contra a corrupção. Usou-a para se eleger, mas sempre quis limitar as investigações, principalmente as que se aproximam de sua família. O gravador do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado captou uma conversa com Romero Jucá em que ele propunha um pacto para estancar a sangria desatada pela Lava-Jato. Isso é o que Aras está conseguindo.
Merval Pereira: Farsa tupiniquim
O procurador-geral da República, Augusto Aras, escancarou nos últimos dias sua intenção de controlar a Lava-Jato
O Procurador-Geral da República, Augusto Aras, quer que “o natural, bom e antigo” combate à corrupção substitua o que chama de “lavajatismo”, um neologismo muito usado pelos bolsonaristas quando querem menosprezar alguma atividade de que não gostam, como “mundialismo”, em vez de globalização.
Isso não quer dizer que o que Aras está fazendo com a Lava-Jato corresponda a uma ação direta de conluio político com o presidente que o escolheu por fora da disputa interna no Ministério Público. Mas que, tentando desmoralizar a Lava-Jato, está ajudando Bolsonaro a manter o Centrão protegido, isso está.
Defendendo a tese de que a Polícia Federal não pode fazer busca e apreensão em gabinetes de parlamentares, Augusto Aras também faz com que o “antigo” jeito de combater a corrupção no Brasil volte a prevalecer, o que sempre levou a que autoridades, empresários e políticos não caiam nas malhas da Justiça.
Isso não é novidade nos países em que a corrupção avassaladora foi combatida por uma nova geração de juízes e promotores que não se deixaram amarrar por uma burocracia que sempre beneficia os infratores. Na Itália foi assim com a Operação Mãos-Limpas. Com apoio popular grande durante os primeiros anos, a Operação acabou atingida por diversas denúncias que, mesmo não tendo sido comprovadas, corroeram a confiança popular.
Os juízes Di Pietro – que mais tarde entraria na política - e Davigo foram convidados para serem ministros no Governo Berlusconi, resultante do movimento contra a Mãos Limpas, mas recusaram diante da evidência de que o que Berlusconi queria mesmo era desmobilizar a Operação.
Entre nós, algo parecido aconteceu. O então juiz Sérgio Moro, e boa parte do eleitorado, foram seduzidos pela falsa promessa de Bolsonaro de que combateria a corrupção com base na Lava-Jato, e entrou no governo. Bastou que investigações chegassem perto da família presidencial, todos ligados a Fabricio Queiroz, para que Bolsonaro quisesse controlar a Polícia Federal, especialmente a seção do Rio, local de atuação de Queiroz e dos Bolsonaro.
Ao mesmo tempo, a tentativa petista de desmoralizar as condenações do ex-presidente Lula levou a um vazamento de conversas dos procuradores da Lava Jato em Curitiba, entre si e com o então juiz Sérgio Moro. Durante meses o site The Intercept-Brasil publicou essas conversas, geradas pela ação de um grupo de hackers que está na cadeia, e não revelou nenhuma ação que distorcesse a investigação, que forjasse provas inexistentes, que indicasse conluio contra qualquer investigado da Operação Lava Jato, muito menos o ex-presidente Lula, o objetivo evidente da operação de invasão de celulares.
Na Itália, tomou corpo, depois de anos de apoio da opinião pública, uma campanha de difamação contra as principais figuras da Operação Mãos Limpas, em especial o Juiz Di Pietro, e acusações de abuso de poder nas investigações. O mesmo vem acontecendo com o ex-juiz Sérgio Moro, os Procuradores do Ministério Público Federal e membros da Polícia Federal que fazem parte da Força-Tarefa da Operação Lava-Jato.
O Procurador-Geral da República, Augusto Aras, escancarou nos últimos dias sua intenção, latente desde que foi escolhido por Bolsonaro, de controlar a operação. Uma das alegações mais risíveis é a comparação de quantos terabytes (unidade de medida utilizada para armazenamento de dados na informática) de informações a força-tarefa de Curitiba tem em relação ao Ministério Público.
Como são dez vezes mais, isso significa para Aras não indicação de produtividade, mas sinal de que alguma coisa secreta está acontecendo por lá. Em vez de aprovarem reformas que evitariam a corrupção, na Itália houve uma reação do sistema político, dos próprios investigados, pessoas poderosas e influentes, e foram aprovadas leis para garantir a impunidade.
Aqui está acontecendo a mesma coisa, com a mutilação de medidas propostas por Moro para combate à corrupção e decisões judiciais, até mesmo do Supremo Tribunal Federal, que dificultam o combate à corrupção. O fim da prisão em segunda instância e dificuldades para as delações premiadas são apenas exemplos mais recentes. A historia se repete como farsa tupiniquim.
Luiz Carlos Azedo: Palanque para Moro
“Aras foi escolhido procurador-geral pelo presidenteBolsonaro fora da lista tríplice dos procuradores, exatamente para centralizar as decisões sobre as investigações da Lava-Jato”
O procurador-geral da República, Augusto Aras, declarou guerra à Operação Lava-Jato. Em live para o grupo de advogados “Prerrogativas”, sem papas na língua, não poupou críticas aos procuradores que integram a força-tarefa e reiterou a intenção de centralizar e controlar as investigações em curso. Nunca a operação foi tão atacada “de cima” e “de dentro” do Ministério Público. Aras reiterou a acusação de que a força-tarefa de Curitiba opera de forma heterodoxa e levantou a suspeita de que 38 mil pessoas foram investigadas por seus integrantes. “Ninguém sabe como (esses nomes) foram escolhidos, quais foram os critérios”, disse Aras.
As declarações agradaram aos advogados e foram bem recebidas pela maioria dos políticos, mas provocaram a reação dos procuradores e juízes de primeira instância, que têm seus aliados no Congresso. Em resposta, os procuradores de Curitiba classificaram a declaração de Aras como “falsa suposição”, considerando que esse é o número de pessoas físicas e jurídicas mencionadas em relatórios encaminhados pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) ao MPF, em suspeita de crimes de lavagem de dinheiro.
“Ao longo de mais de 70 fases ostensivas e seis anos de investigação foi colhida grande quantidade de mídias de dados — como discos rígidos, smartphones e pendrives — sempre em estrita observância às formalidades legais, vinculada a procedimentos específicos devidamente instaurados”, ressaltou a força-tarefa de Curitiba, em nota oficial. O procurador Roberson Pozzobon, integrante da operação, atacou Aras numa rede social: “A transparência faltou mesmo no processo de escolha do PGR pelo presidente Bolsonaro. O transparente processo de escolha a partir de lista tríplice, votada, precedida de apresentação de propostas e debates dos candidatos, que ficou de lado, fez e faz falta”, publicou no Twitter.
Desde 2014, as forças-tarefas foram responsáveis por 319 ações criminais propostas, 90 ações civis promovidas, 330 acordos de colaboração premiada, 26 acordos de leniência, com estimativa de reversão de recursos ao poder público de, aproximadamente, R$ 30 bilhões, em consequência das operações. Entretanto, Aras pretende centralizar o poder das investigações na Procuradoria-Geral e controlar a “caixa-preta” da Lava-Jato, em poder dos procuradores de Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, centralizando as investigações numa coordenação sob seu comando. Segundo o procurador-geral, existe um “MPF do B”, que operaria nas sombras.
Anarco-sindicalismo
As declarações de Aras ocorrem num momento em que a Lava-Jato dá sinais de retomar a iniciativa, com operações contra políticos importantes, como o senador José Serra (PSDB-SP), que, ontem, virou réu, e o deputado Paulinho da Força (SP), presidente do Solidariedade e líder da Força Sindical. O procurador-geral advertiu aos integrantes da Lava-Jato que cada membro do Ministério Público “pode agir como sua consciência”, mas “não é senhor da instituição”. É uma afirmação polêmica, porque a independência funcional é que assegura a atuação dos procuradores em casos que contrariam o poder econômico e o poder político. Aras disse que o “anarco-sindicalismo” tomou conta da instituição.
Aras foi escolhido para o cargo pelo presidente Jair Bolsonaro fora da lista tríplice eleita pelos procuradores, exatamente para centralizar as decisões sobre as investigações. Essa mudança vai além das apurações sobre crimes de “colarinho-branco”. Indígenas, grupos de extermínio, escravidão contemporânea, racismo, milícia, violência policial, fraude em licitação, violência doméstica, grilagem de terras e desmatamento, todas as agendas que importam para Bolsonaro, ficarão sob controle do procurador-geral.
Tudo indica, também, que já haja uma investigação em curso sobre a atuação da força-tarefa de Curitiba, que reagiu às declarações e negou a existência de uma “caixa-preta” da Lava-Jato. A acusação de Aras já foi objeto de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou que a força-tarefa de Curitiba compartilhe os dados em seu poder com a Procuradoria-Geral. A crise entre Aras e os procuradores da Lava-Jato está apenas começando, mas já é um palanque para o ex-ministro da Justiça Sergio Moro, grande artífice da operação, que criticou as declarações de Aras.
Moro ainda não assumiu a candidatura a presidente da República, mas aparece em todas as pesquisas como um adversário competitivo do presidente Jair Bolsonaro em 2022. A bandeira da ética foi um grande divisor de águas nas eleições passadas, servindo como estandarte de campanha de Bolsonaro. Essa bandeira, agora, está sendo disputada por Moro, que saiu do governo atirando. O ataque à Lava-Jato resgata o protagonismo de Moro como defensor da ética na política.
Merval Pereira: Aras em xeque
Inábil no seu açodamento, Bolsonaro vem tornando pública sua proposta de “compensação” a Aras
O Procurador-Geral da República, Augusto Aras, tenta sair das cordas com retórica, não com atos. Disse, afinal, em nota que “sente desconforto” com a citação de seu nome para ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal. O sujeito oculto da frase é o presidente Bolsonaro, que, inábil no seu açodamento, vem tornando pública sua proposta de “compensação” a Aras.
Na verdade, desconforto é o sentimento generalizado entre seus pares, e a opinião pública o identifica como o “Procurador-Geral de Bolsonaro”, conforme a pichação que acordou ontem na sede do Ministério Público em Brasília.
Ele é a peça-chave nos dois inquéritos que correm no STF envolvendo o presidente Bolsonaro, um sobre a interferência na Polícia Federal, e outro das fake news. Se Aras decidir pedir o arquivamento, não haverá denúncia, a não ser que o embate entre Executivo e Judiciário esteja tão radicalizado que, no caso das fake news, por exemplo, um dos ministros atacados, ou vários, entrem com uma “ação penal privada subsidiária da pública”, contestando a decisão do Procurador-Geral. Mas as provas não se perderão. Serão enviadas para a primeira instância, no caso dos que não têm foro privilegiados. E aos tribunais superiores, no caso de deputados estaduais e federais.
Certamente pela complacência de Aras, o presidente Bolsonaro se sinta tão à vontade para atacar os ministros do Supremo. Continua fustigando em especial o ministro Alexandre de Moraes, republicando nas redes sociais algumas de suas declarações anteriores, como se evidenciassem contradições do pensamento do relator do inquérito das fake news sobre as liberdades individuais.
Mais uma vez temos um problema de semântica, comum aos bolsonaristas radicalizados, e frequente no presidente. Quando Moraes fala em debate de ideias e liberdade de expressão, não está se referindo a mensagens de suas milícias digitais pregando o fechamento do Congresso e do Supremo, ameaçando de morte juízes e políticos que consideram inimigos, e defendendo intervenção militar.
Bolsonaro diz que quer armar o povo para defender a democracia, e dá como exemplo a reação armada contra ordens judiciais que proíbem pessoas de frequentar as praias no tempo de quarentena. Diz que respeita o sistema judicial, mas exorta seus seguidores a não obedecer “ordens absurdas”.
Se diz a favor da liberdade de imprensa, mas instiga seus militantes na porta do Alvorada a atacarem a imprensa profissional. E o chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), General Augusto Heleno, o máximo que consegue propor é que os jornalistas finjam que não estão escutando as ofensas.
O que realmente incomoda o presidente é a possibilidade de sair de um dos inquéritos, especialmente o das fake news, uma impugnação de sua eleição, ou no STF ou, mais provável, do Tribunal Superior Eleitoral. O ministro Og Fernandes, relator dos casos de impugnação da chapa por irregularidades na campanha eleitoral no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), já faz consulta para decidir se agrega as provas do inquérito de fake news do Supremo ao processo que corre no TSE. O prazo da quebra de sigilo estabelecido pelo ministro Alexandre de Moraes pega a campanha presidencial, o que pode trazer provas que se agreguem ao processo de impulsionamento ilegal de mensagens, com o financiamento das milícias digitais, a mídia que Bolsonaro tem a seu favor, conforme admitiu o próprio. Esses atos falhos, por sinal, vão surgindo à medida que a situação foge ao controle.
Ontem o assessor especial da presidência, Filipe Martins, acusado de fazer parte do “gabinete do ódio”, entregou-se ao responder a críticas no Twitter com uma série de compartilhamentos de mensagens idênticas, revelando ter uma multidão de robôs a seu dispor.
José Casado: O investigado e o investigador
Bolsonaro e Aras ainda ruminam a derrota no Supremo
Jair Bolsonaro fez uma visita surpresa a Augusto Aras, procurador-geral da República. Foi à procuradoria apenas para “apertar a mão do nosso novo colegiado maravilhoso da PGR”. Recebeu “a alegria de sempre”, segundo Aras.
Teria sido mais um encontro imprevisto, fechado e rápido, se Bolsonaro não fosse um investigado e Aras o seu investigador em inquérito sobre crimes de responsabilidade na Presidência. Esse detalhe deu relevo à cena de ontem, em Brasília.
Ambos ainda ruminam a derrota no Supremo, na divulgação dos registros da reunião ministerial de abril.
Aras pediu ao juiz Celso de Mello uma censura muito mais abrangente do que a solicitada pela defesa do presidente. Argumentou que a transparência ao público, reivindicada por outro investigado, o ex-ministro Sergio Moro, daria à oposição chance de “uso político, pré-eleitoral (2022)”, criando “instabilidade” e “querelas”.
O juiz respondeu-lhe em 55 páginas. Lembrou a Aras que, no regime democrático, o Ministério Público não pode sequer manifestar a “pretensão” de restringir o direito de investigado ou réu em ver produzidas ou ter acesso a provas que possam favorecê-lo. A Constituição impõe publicidade aos atos de agentes públicos, observou. E, no caso, nem o governo se preocupara em tratar a reunião com sigilo.
Aras perdeu a batalha, mas tem o poder final de denunciar — ou não — o presidente. Pode decidir antes da aposentadoria do juiz Celso de Mello, em novembro. Ou deixar para a época de sucessão na Procuradoria-Geral e de escolha do substituto de outro que se aposentará no STF, Marco Aurélio Mello. De toda forma, Bolsonaro o deixou exposto na visita de ontem.
O presidente abstraiu a pandemia e segue em campanha pela reeleição. No roteiro incluiu o domínio de agências de espionagem, órgãos de controle externo e o Ministério Público. Ano passado, apresentou critérios peculiares para escolha do procurador-geral. Na essência, desejava a virtual conversão da PGR em anexo do Planalto. Bolsonaro, agora, só depende de Aras.
Merval Pereira: O cerco se fecha
Denúncia de Marinho reforça relato de Moro, de que governo estava querendo usar PF do Rio para receber informações
Os indícios de que o então senador eleito Flavio Bolsonaro recebeu mesmo um aviso de um delegado de que uma operação da Polícia Federal alcançaria seu chefe de gabinete Fabricio Queiroz e parentes dele parecem confirmados quando se nota a data da exoneração dele e de sua irmã, justamente entre o primeiro e segundo turno da eleição geral de 2018, quando teria acontecido o aviso.
O suplente de Flávio no Senado e candidato a Prefeito do Rio Paulo Marinho, que foi um dos principais apoiadores de Bolsonaro na campanha presidencial, deu detalhes e nomes do enredo, e diz ter como provar toda a sequência da trama, como passagens de avião, reserva de uma sala no hotel Emiliano em São Paulo, e talvez até conversas de WhatsApp.
A investigação do Ministério Público não é difícil com essas indicações. O hotel deve ter em vídeo a entrada dos participantes da reunião em que a estratégia para salvar Flavio foi traçada, e é simples confirmar se no dia indicado o chefe de gabinete de Flavio, e ele próprio, estavam em São Paulo, onde teriam se encontrado com advogados.
Um deles, que Paulo Marinho teria indicado, Ralph Hage Vianna, confirmou que foi procurado para defender Queiroz, mas não assumiu o caso. Segundo Marinho, porque Flavio Bolsonaro conseguiu outro advogado. A confirmação dos detalhes da reunião não pode ser feita por advogados, que são proibidos de revelar suas reuniões com clientes, mas basta fazer como Hage Vianna, ou dizer que não pode comentar, que a confirmação está implícita.
Paulo Marinho pode também relatar todos os detalhes que quiser sem ferir nenhuma norma legal, e caberá aos advogados desmentir qualquer falha de narrativa, ou não comentar. Nos dois casos, estarão confirmando a reunião.
Essa nova denúncia do empresário Paulo Marinho reforça o relato do ex-ministro Sergio Moro, de que o governo há muito tempo estava querendo usar a Polícia Federal do Rio de Janeiro para receber informações, e dificulta muito a ideia do procurador-geral da República, Augusto Aras, se é que ela existe, de arquivar o processo.
Não é possível que tantas pontas indicando o mesmo caminho não signifiquem que pelo menos esse assunto precisa ser investigado. Na dúvida, Aras tem que optar pela sociedade e apresentar a denúncia.
O delegado Alexandre Ramagem, que Bolsonaro colocou na direção-geral da Abin e queria ver chefiando a Polícia Federal, trabalhou na operação Furna da Onça, onde surgiram os dados financeiros que incriminam Queiroz. Por coincidência, ou não, esse mesmo delegado Ramagem foi designado para a segurança do presidente eleito Bolsonaro.
É preciso saber se foi mesmo coincidência, ou se Bolsonaro já tinha boas recomendações anteriores de Ramagem, e o escolheu.
O ministro Celso de Melo, relator do caso no Supremo Tribunal Federal (STF) deve autorizar até sexta-feira - “até antes” - a divulgação do vídeo da reunião do dia 22. O mais lógico seria divulgar, se não a íntegra, uma parte significativa do vídeo que se possa ter a noção do contexto das falas do presidente.
Falta ênfase aos dois trechos que a Advocacia-Geral da União (AGU) pinçou do vídeo original para transcrever, e, sobretudo, a situação de fala, que é justamente o contexto em que foram ditas.
Samba do governo doido
Por quê alguém que não é um especialista em educação pode querer ser indicado para o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que tem um caixa de mais de R$ 50 bilhões? Se não é por expertise, também não é por ideologia, pois circula um vídeo em que o deputado Wellington Roberto, do PL, que indicou o advogado Garingham Amarante Pinto, comemora uma tentativa frustrada de soltar Lula em 2018, encerrando a fala com um sonoro : “Lula livre!”.
Em outra área, mas circunstancialmente mais importante, há um psiquiatra de olavistas, Italo Marsili, sendo sugerido para o Ministério da Saúde. Sua expertise para o cargo é seguir literalmente a linha de Bolsonaro, inclusive na linguagem, sobre a Covid-19, considerando que a doença, “uma porra de um viruzinho”, “não é letal”.
Dr Ray, que também se candidata à vaga, parece um Jatene perto dele. A única vantagem é que, sendo psiquiatra, Marsili poderia fazer jornada dupla no Palácio do Planalto. Mas, pelo currículo, segundo especialistas, falta-lhe expertise para isso também.
Míriam Leitão: Erros do general e do procurador
Divulgar o vídeo não é atentado à segurança nacional, como diz Heleno, nem causará instabilidade, como afirma Aras
O general Augusto Heleno diz que a divulgação do vídeo da reunião ministerial seria “quase um atentado à segurança nacional, um ato impatriótico”. O procurador-geral da República, Augusto Aras, usou argumentos políticos — em vez de teses jurídicas — para defender que não seja divulgada a íntegra da reunião. Segundo Aras, poderia provocar “instabilidade pública” e ser usada como “palanque eleitoral precoce para 2022”. O que provoca instabilidade é um presidente criando uma sucessão interminável de crises no meio de uma pandemia. O que ameaça a segurança nacional é colocar vidas em risco com prescrição de medicamentos não comprovados e o incentivo ao descumprimento da recomendação das autoridades médicas do mundo.
O general Heleno comete um erro velho, o de confundir interesses de um governo com os do país. Governo é passageiro, a Nação é permanente. Mentes autoritárias fazem essa confusão. Regimes fechados fazem essa fusão porque assim manipulam o sentimento de amor à pátria para encobrir seus erros. A democracia é diferente. Impropérios na boca do presidente, críticas à China feitas em reunião de governo, ministros bajuladores tentando agradar o chefe — um propõe a prisão dos ministros do STF, outra sugere a de governadores e prefeitos — esconder isso não é proteger a segurança nacional.
Segurança nacional é preservar vidas, e o presidente da República as coloca em risco quando insiste de forma obsessiva com seu plano de decretar a abertura imediata da economia. O mundo está perplexo diante do descaminho no qual o Brasil entrou. Embaixadas começam a receber a orientação de que devem reduzir seu pessoal no Brasil, porque o país está sendo considerado área de risco nesta pandemia, pela maneira insana com que o presidente está conduzindo a resposta à crise. Para Bolsonaro estar certo, o mundo teria que estar errado. A verdade é que ele é o alienista machadiano.
Ontem, Bolsonaro derrubou o segundo ministro da Saúde em menos de um mês, provocando a descontinuidade administrativa na área mais sensível no momento. Quanto tempo se perdeu com os ataques constantes do presidente ao trabalho do Ministério da Saúde? Isso sim é um atentado à segurança nacional. Isso sim provoca “instabilidade pública”.
Alguns perguntam no governo: e se houver crises com a China? Ora, quantas esta administração já criou à luz do dia e no palanque das redes virtuais? A China é o nosso maior parceiro comercial, mas já foi criticada pelo presidente, atacada pelo ministro das Relações Exteriores e ofendida pelo ministro da Educação. Os interesses permanentes do Brasil são de manter relações amistosas com todos os países, mas o que coloca isso em risco não é a divulgação do vídeo da reunião, mas um governo que tem uma política externa desastrada e se deixa guiar por preconceitos e desinformação.
Se o presidente da Caixa se exibiu para o chefe, a quem tenta tanto agradar, dizendo que tem 15 armas e as usaria para “matar ou morrer”, como informa Guilherme Amado, por que isso deve ser segredo? Se Bolsonaro exibiu sua coleção de palavrões dirigindo-a aos governadores do Rio e de São Paulo, por que, em nome da segurança nacional, isso deve ser escondido?
Era uma reunião interna do governo, argumenta-se. Ora, que se comportassem. Com tanta gente presente, as autoridades poderiam moderar-se minimamente. Se preferem esse tom para tratar das graves questões nacionais, são elas, as autoridades, que se amesquinharam. O risco da divulgação não é do país, mas deste governo.
A segurança nacional ficará mais resguardada se o país souber tudo o que houve nessa reunião ministerial e entender completamente o contexto em que o então ministro Sergio Moro se sentiu ameaçado de demissão caso não trocasse o diretor-geral da Polícia Federal.
Os argumentos do procurador-geral são desprovidos de lógica jurídica. Não lhe cabe preocupar-se com prejuízos eleitorais ao presidente. A atitude de defensor do governo é tão forte em Aras que ele assumiu o papel dos estrategistas eleitorais do presidente. E, ademais, quem vive empoleirado num palanque eleitoral precoce é Bolsonaro.
A decisão caberá ao ministro Celso de Mello, mas até agora os pareceres que recebeu não o ajudam a decidir.