augusto aras

Merval Pereira: Mudança de vento

O Procurador-Geral da República, Augusto Aras, sabe para que lado o vento sopra. Chegou ao cargo por fora da lista tríplice, acenando a Bolsonaro com o controle do Ministério Público, cuja autonomia incomoda políticos de diversos matizes – afinal, a corrupção não tem ideologia – o Judiciário de maneira geral e o presidente Bolsonaro, que era a favor do combate à corrupção até que as investigações chegaram perto dos seus.

O vento, que já soprou a favor da Lava-Jato, hoje venta para o outro lado, mesmo que a popularidade de Sérgio Moro continue alta, com as forças políticas tentando se reorganizar para recuperar o espaço perdido. O centrão já foi reabilitado, figuras como Roberto Jefferson já circulam com desenvoltura no poder, e a Lava-Jato está sendo desidratada, embora ainda existam muitas investigações já começadas ou a começar. Ou por isso mesmo.

Embora a Operação Lava-Jato seja a mais popular, o sistema de força-tarefa em que ela opera está espalhado por todo o país na ação do Ministério Público que atua não apenas no combate à corrupção, mas contra crimes ambientais, trabalho escravo, e vários outros assuntos.

Como não existe uma norma que regulamente o funcionamento de forças-tarefas, e os procuradores têm, pela Constituição, autonomia na investigação, a Procuradoria-Geral da República não tem interferência na maneira como essas diversas forças-tarefas se organizam. Na visão da Procuradoria-Geral, esse sistema, que reúne especialistas de diversas áreas a fim de investigar determinado assunto, “está esgotado, é desagregador e incompatível com a instituição”.

Embora não possa interferir diretamente nas investigações, Augusto Aras pode controlar as forças-tarefas pela gestão dos recursos, que é de sua alçada. O pedido de demissão do cargo de Anselmo Lopes, procurador-chefe da Operação Greenfield, que investiga um desvio dos fundos de pensão de bancos públicos e estatais, deveu-se à falta de condições para prosseguir o trabalho, pois a equipe, que já contou com cinco procuradores, ficará apenas com ele em dedicação integral devido à recusa da PGR de prorrogar o empréstimo de dois procuradores que estavam ali alocados.

O mesmo expediente foi adotado na Lava-Jato de São Paulo, que perdeu três procuradores de tempo integral e em Curitiba, onde os procuradores terão de acumular os casos da força-tarefa com outros de outras origens. Além de terem perdido o coordenador, Deltan Dallagnol, devido a problemas de saúde na família que o impedem de continuar enfrentando os ataques que sofre, inclusive no Conselho Nacional do Ministério Público, onde Aras tem influência.

O pretexto de reorganizar as forças-tarefas embute a vontade política de controlar as investigações, o que aumentará o cacife do Procurador-Geral Augusto Aras no xadrez político de Brasília. Ele alega que o pedido de demissão coletiva de sete procuradores da Lava-jato em São Paulo deveu-se a uma disputa interna, no que está tecnicamente correto.

No entanto, essa desavença só existiu porque Aras, com suas críticas permanentes à atuação da Lava-Jato, estimula dissidências e se beneficia de informações internas na sua luta contra o “lavajatismo”, como pejorativamente se refere à principal força-tarefa do Ministério Público.

Foi em relatos da procuradora Viviane de Oliveira Martinez que Aras se baseou para dizer que a distribuição de tarefas não seguia as normas, mas os interesses dos procuradores. Ao minar a força-tarefa, não só se coloca como uma alternativa para Bolsonaro na escolha do substituto de Celso de Mello, como no mínimo ganha mais força enquanto Procurador-Geral.

A decisão de renovar em prazos curtos, de até dois meses, o funcionamento das forças-tarefas e de seus integrantes, imobiliza as equipes, que não podem ter uma visão de médio prazo pelo menos para as investigações. A neutralização das forças-tarefas, principalmente as que têm mais importância política, faz parte de um conjunto de medidas que estão sendo tomadas no Judiciário e no Congresso para evitar que o Ministério Público exerça suas tarefas autonomamente, sem interferências políticas.


Merval Pereira: Não há intervenção

A triste coincidência da saída do coordenador da Operação Lava-Jato Deltan Dallagnol, provocada por problemas de saúde em sua família, e os embates políticos que ele vinha tendo com opositores políticos e no Judiciário deu mais uma vez motivos para teorias conspiratórias. Esta teria sido uma exigência do Procurador-Geral da República, Augusto Aras, para prorrogar o funcionamento da força-tarefa, que se encerraria no dia 10.

Essa ilação, no entanto, não resiste aos fatos. A subprocuradora-geral da República Maria Caetana Cintra Santos, que integra o Conselho Superior do Ministério Público Federal, antecipou-se a Aras e concedeu uma liminar prorrogando por mais um ano a força-tarefa de Curitiba, logo depois do anúncio de Dallagnol de que teria que deixar o cargo de coordenador da força-tarefa.

A sub-procuradora enviou então a decisão para o próprio Augusto Aras, que não colocara na pauta do Conselho Superior, como ela pedira, a prorrogação. Se depender da opinião dos procuradores de Curitiba, e do próprio Deltan Dallagnol, nada mudará na Operação Lava-Jato com sua substituição pelo procurador Alessandro Oliveira.“Não aceitaríamos uma intervenção. Aconteceria uma debandada”, garante Dallagnol, que foi quem ligou para Alessandro para propor a troca de funções.

O procurador que coordenará a Operação Lava-Jato é considerado uma pessoa séria e capaz, com estilo negociador, que já conhece como funciona a força-tarefa em Curitiba, de onde é originário. Esse conhecimento da operação e dos demais membros que dela fazem parte é outro motivo para tranquilizar os procuradores que ficarão no posto mesmo com a saída de Dallagnol.

As decisões são tomadas em conjunto pelos 14 procuradores da equipe, e Dallagnol avalia que deram muita importância individual à sua atuação sem entender que as decisões são tomadas por consenso. Deltan Dallagnol, que é evangélico da Igreja Batista, aceita com resignação os problemas de saúde de sua filha de 1 ano e 10 meses: “Deus nos manda dias de sol e dias de chuva. Agora é o momento de fazermos todo possível para sermos os melhores pais que pudermos”.

O diagnóstico definitivo sairá dentro de cerca de dois meses, mas o que já foi detectado pede ação imediata, com terapia que exige a presença dos pais. A filha tem problemas de “poda neural”, que pode surgir em crianças a partir de 1 ano e meio. “Identificamos sinais que nos preocuparam em nossa bebezinha. Ela parou de falar algumas palavras, deixou de olhar para a gente nos nossos olhos e rostos, e também quando nós a chamamos. A nossa filhinha está passando por uma série de exames e terei que me dedicar como pai. E isso não pode esperar”, afirma o procurador.

Ele explica que pais que identificarem esse tipo de sinais devem buscar atenção médica. A filha está passando por uma série de exames para um diagnóstico que deve demorar pelo menos 9 semanas, “mas os profissionais da saúde já identificaram que, independentemente da causa, é preciso uma intervenção imediata com terapias. A intervenção precoce nesse tipo de situação pode fazer toda a diferença em razão da plasticidade cerebral e capacidade do cérebro de fazer novas redes neurais, agora isso depende de estímulos certos”.

Ele está esperançoso, pois pesquisas avançaram nas últimas décadas e há métodos e técnicas que exigirão o conhecimento dos pais. Dallagnol conta que, segundo uma especialista consultada ontem, “quanto mais tempo investirmos, melhores serão as condições para ela se desenvolver, sendo possível até seu desenvolvimento pleno”.

Ela recomendou, entre terapias e tratamentos formais e domésticos, 40 horas semanais. “Isso exigirá dedicação intensa da família. Após o período de transição, para passar com responsabilidade as funções que exerço, tirarei férias para estudar, treinar e cuidar da nossa filhinha”.


Folha de S. Paulo: Após saída de Deltan, Aras articula encurtar duração da Lava Jato e reduzir procuradores

Procurador-geral, que trava embate com a força-tarefa de Curitiba, avalia prorrogar equipe por tempo menor

Após a saída do procurador Deltan Dallagnol da coordenação da Lava Jato no Paraná, o procurador-geral da República, Augusto Aras, avalia prorrogar a força-tarefa em Curitiba por um prazo mais curto e com número menor de integrantes.

Deltan anunciou nesta terça-feira (1º) que deixa o grupo de investigadores. Ele continuará no MPF (Ministério Público Federal), mas em outros casos.

Em vídeo divulgado nas redes sociais, o procurador afirmou que sai da força-tarefa por questões familiares. Segundo ele, o desligamento se deve a um problema de saúde de sua filha de um ano de idade.

Aras, por sua vez, prepara nova ofensiva contra a Lava Jato. Em atuação desde 2014, a operação poderá sofrer outro revés.

Uma das soluções avaliadas pelo chefe do Ministério Público Federal envolve a designação apenas de procuradores da República, opção que elimina a necessidade do aval do CSMPF (Conselho Superior do MPF), órgão máximo deliberativo na estrutura da instituição para a designação de integrantes do grupo.[ x ]

Na atual configuração da Lava Jato atuam procuradores da República e procuradores regionais da República, o que exige na legislação interna o referendo do Conselho Superior. Hoje há 14 investigadores —o número com uma eventual redução não foi definido.

Crítico da Lava Jato, Aras já travou embates no colegiado com outros integrantes por causa de posicionamento divergente que tem sobre o trabalho dos procuradores em Curitiba. Ele tem sido pressionado por integrantes do conselho a prorrogar a força-tarefa.

Também nesta terça-feira, a subprocuradora-geral da República Maria Caetana Cintra Santos, uma das integrantes do conselho superior, decidiu de forma liminar (provisória) prorrogar a Lava Jato por um ano.

Caetana é relatora de um pedido de prorrogação e propôs o debate do assunto no encontro desta terça do colegiado. Como não houve tempo, ela tomou a decisão. Além de provisória, avaliam integrantes da PGR, ela não vincula Aras a segui-la.

O procurador-geral ainda não se pronunciou sobre a decisão de Caetana. Desde a criação da força-tarefa, a indicação de nomes para atuar na investigação foi referendada pelo colegiado.

A força-tarefa da Lava Jato no Paraná já teve a estrutura prorrogada por sete vezes. O prazo de encerramento das atividades do grupo expira no próximo dia 10.

No cargo, Deltan enfrentava um processo de desgaste e se tornou alvo de ações internas no MPF, além de estar envolvido em um embate com Aras.

"Depois de anos de dedicação intensa à Lava Jato, eu acredito que agora é hora de me dedicar de modo especial à minha família [...]. Essa é uma decisão difícil, mas estou muito seguro de que é a decisão certa e a que eu quero tomar como pai", afirmou Deltan em um vídeo na internet.

Deltan teve sua atuação na Lava Jato posta em xeque após a divulgação em 2019 de diálogos e documentos obtidos pelo The Intercept Brasil, alguns deles analisados em conjunto com a Folha.

Além de ver contestada sua relação com o então juiz Sergio Moro, também enfrentou questionamentos por causa do plano de negócios de eventos e palestras que montou para lucrar com a fama e contatos obtidos durante as investigações da Lava Jato.

Nos últimos meses, Deltan enfrentou o avanço de ações contra ele no Ministério Público e se envolveu em conflito com Aras sobre o sigilo dos dados sob investigação na força-tarefa em Curitiba. Ele aguardava processos que poderiam afastá-lo da Lava Jato.

Nesta terça, sem citar nomes, Deltan pediu em vídeo que a sociedade continue apoiando a Lava Jato diante da fase decisiva envolvendo os trabalhos do grupo. "A operação vai continuar fazendo seu trabalho, vai continuar firme, mas decisões que estão sendo tomadas e que serão tomadas em Brasília afetarão os seus trabalhos", disse.

Ao final do vídeo, Deltan afirmou ainda que vai continuar lutando contra a corrupção "como procurador e cidadão". "Não vou desistir, não vou deixar de sonhar com um país menos corrupto, com um país mais justo e melhor."

Em nota, o MPF do Paraná elogiou o trabalho do colega. "Por todo esse período, enquanto coordenador dos trabalhos, Deltan desempenhou com retidão, denodo, esmero e abnegação suas funções, reunindo raras qualidades técnicas e pessoais", diz a nota do órgão.

"Parabenizo o procurador Deltan Dallagnol pela dedicação à frente da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, trabalho que alcançou resultados sem paralelo no combate à corrupção no país. Apesar de sua saída por motivos pessoais, espero que o trabalho da FT [força-tarefa] possa prosseguir", escreveu Moro, no Twitter.

O ex-procurador-geral Rodrigo Janot tratou a saída de Deltan como resultado de uma ação contra a Lava Jato. "Seguimos o caminho pouco virtuoso do crepúsculo da Operação Mãos Limpas! Lá, como aqui, o sistema contra-atacou! Resiliência tem de ser a motivação! Dias melhores virão das trevas! Fiat lux!", afirmou, com menção à ação italiana frequentemente tida como inspiração da força-tarefa brasileira.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), defendeu a decisão de Deltan e a alternância de poder no cargo. "Se a decisão foi pessoal, é melhor para que não fique polêmica em relação à saída dele", disse.

"Não é possível que, no meio de tantos procuradores, não tenham outros procuradores que têm a qualidade dele, que têm a dedicação que ele teve à frente de uma área que foi tão importante para o Brasil nos últimos anos."

No mês passado, o ministro Celso de Mello, do STF (Supremo Tribunal Federal) suspendeu o julgamento de Deltan no CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público).

Deltan seria julgado em processos que o acusavam de parcialidade na condução da Operação Lava Jato, além de tentativas de interferência no processo político brasileiro.

Celso havia concordado com a alegação do procurador de que seu direito de defesa foi cerceado, bem como seu direito à liberdade de expressão e crítica.

Semanas depois, porém, a AGU (Advocacia-Geral da União) entrou com recurso no STF para que a corte reveja a decisão.

Outro processo no entanto, movido pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), foi arquivado. O petista acusava Deltan e os procuradores Roberson Pozzobon e Júlio Noronha de abuso de poder e de expor o ex-presidente e a ex-primeira-dama Marisa Letícia a constrangimento público, no episódio do PowerPoint que apontava Lula como líder de um esquema de corrupção na Petrobras.


Vera Magalhães: Corrida da toga

Vale tudo em nome das cadeiras que vão vagar no Supremo Tribunal Federal

Com o protagonismo ainda maior adquirido pelo Supremo Tribunal Federal em tempos de revisão da Lava Jato e de freios nos arreganhos autoritários de Jair Bolsonaro, foi desencadeada uma bizarra corrida pelas duas cadeiras de ministros que vão vagar no intervalo de um ano. Vale tudo para demonstrar lealdade ao presidente e ser digno da canetada da sua Bic.

Pelo menos três atores têm sido pródigos em mostrar serviço na expectativa de serem premiados com a cobiçada toga. A briga pelos lugares dos “Mellos”, Celso e Marco Aurélio, tem produzido decisões em que o direito é torcido e retorcido, com graves consequências políticas e institucionais.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, nomeado por Bolsonaro ao arrepio da lista tríplice e à revelia dos seus pares, é um deles. A última da PGR sob seu comando foi produzida pelo seu vice, Humberto Jacques de Medeiros: o parecer favorável ao foro privilegiado retroativo para Flávio Bolsonaro no caso Fabrício Queiroz.

Medeiros também tem expectativas com a “corrida da toga”: se for Aras o agraciado agora em novembro, são grandes as chances de Bolsonaro designá-lo para o seu lugar.

O fundamento para aliviar a barra de Flávio contrasta com o que o próprio Medeiros usou em outra recente decisão polêmica: a de que requisitar documentos da Lava Jato de Curitiba. Agora ele argumentou que Flávio pode ter seu caso levado para o TJ do Rio porque a decisão do STF em contrário não era vinculante. Na outra, pegou um precedente aleatório para justificar a requisição de dados, sem evocar a necessidade de “aderência”. Um direito para cada ocasião.

Aras deu parecer contrário a buscas e apreensões contra bolsonaristas no inquérito do STF. Agora, no caso Wilson Witzel, o Ministério Público Federal pediu o afastamento de um governador e ele foi acatado por um ministro do STJ de forma monocrática.

Qual a linha da PGR? Depende da circunstância e do alvo?

O próprio STJ, aliás, virou palco auxiliar da corrida pela vaga no tribunal mais prestigiado. Basta lembrar do “canto do cisne” de João Otavio de Noronha na presidência da Corte: mandar Fabrício Queiroz para a prisão domiciliar por uma liminar no meio do recesso. Noronha é outro que tem a expectativa de ser agraciado por Bolsonaro.

Mais próximo do presidente está o ministro da Justiça, André Mendonça, que se transformou em tudo aquilo que Bolsonaro queria que Sérgio Moro fosse, mas o ex-juiz não quis.

A Advocacia-Geral da União, que ele chefiava antes, continua sendo uma subsidiária de sua linha de trabalho, e a pasta da Justiça virou um misto de advocacia particular do presidente e agência de espionagem de seus inimigos, em procedimento para o qual a maioria dos ministros do STF passou uma reprimenda, mas aliviou a barra do postulante a colega.

E aí há um aspecto importante: os 11 ministros do Supremo têm dado sinais ambíguos quanto à defesa da institucionalidade e aos freios necessários aos demais Poderes e a outros órgãos do sistema de Justiça.

Contêm o presidente, mas usam expedientes no mínimo duvidosos para isso. Repreendem os excessos da Lava Jato, mas seguem tomando decisões monocráticas que chocam a sociedade porque vão na contramão do esperado combate à impunidade. Defendem a liberdade de imprensa, mas abrem um precedente ao evocar a Lei de Segurança Nacional para punir ativistas – dando a senha para Mendonça fazer o mesmo com um jornalista.

O grau de degradação de todas as instâncias da vida nacional que Bolsonaro produziu com sua Presidência tóxica em um ano e 8 meses dará trabalho de corrigir. O sistema de Justiça não passará incólume a essa deliberada estratégia de destruição. Sob a complacência, quando não participação ativa, de muitos dos seus atores.


Reinaldo Azevedo: Não há diálogo com os walking dead verde-amarelos

Procuradores não são pagos para agir contra delinquentes

Já desisti de convencer os citadores sem lastro de que, em "O Príncipe", Maquiavel não escreveu ou deu a entender que "os fins justificam os meios". Apelo, então, à suavidade honestamente pueril de outra obra: o Pequeno Príncipe jamais desistira de uma pergunta. E eu nunca desisto de uma porfia. Volto, pois, aos embates entre a Lava Jato e Augusto Aras, procurador-geral da República.

"Promover a realização da justiça, a bem da sociedade e em defesa do Estado Democrático de Direito." Eis a missão do Ministério Público Federal, segundo o que está escrito em seu site, sintetizando o que vai na Constituição. Não! Procuradores não são pagos para agir contra delinquentes, como quer certa… delinquência ignorante.

Essa até poderia ser a definição da função da polícia, mas ainda carregaria certa carga de truculência protofascistoide. Ela existe para proteger os cidadãos. E só por consequência atua contra os tais delinquentes. De resto, uma das atribuições do Ministério Público é fazer o controle externo da polícia, não excitar a sua discricionariedade. Não sei se a estupidez é doce, mas é certamente saliente.

Não com o propósito de contestar o hálito fétido que emana das catacumbas —posto que não há diálogo possível com os "walking dead" verde-amarelos—, lembro, então, que os membros do Ministério Público têm o dever de zelar também pelos direitos dos criminosos, distintos dos nossos. Se aquele que se encontra sob a guarda do Estado é submetido ao vale-tudo, o que pode acontecer a quem não se encontra?

Nada mais distante da ação de justiceiros do que o papel reservado ao promotor e ao procurador. Há aí a diferença que distingue o "Estado democrático e de Direito" (gosto com o conectivo "e"), que aparece lá na página oficial do MPF, da barbárie miliciana.

Não há nenhuma evidência de que a abertura da caixa-preta da Lava Jato atenderia a interesses de Jair Bolsonaro. Essa é só uma reserva de falso temor, simulada por aqueles que exibem neutralidade na disputa entre a corda e o pescoço, numa expressão desprezível de covardia.

Faço aqui um desafio: evidenciem, ainda que por hipóteses plausíveis apenas, por quais caminhos a criação de uma Unidade Nacional de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado (Unac), no âmbito do MPF, poderia degenerar em uma polícia política.

Lembro que a Unac não eliminaria ou tisnaria nenhuma das prerrogativas dos senhores procuradores, notadamente a inamovibilidade, a vitaliciedade e a irredutibilidade dos salários. Tampouco criaria circunstâncias que obrigariam um deles a desistir de uma investigação. O máximo que pode acontecer, em benefício da institucionalização de procedimentos, é a redução do espaço da arbitrariedade.

De resto, alinhar-se com o atual estado de coisas em nome do risco de que a mudança poderia ser instrumentalizada pelo atual governo corresponde a escolher a atuação degenerada da Lava Jato. Foi ela, em grande medida, a catalisadora do reacionarismo que conduziu Bolsonaro à Presidência.

Permitiremos que, mais uma vez, ao arrepio da lei, essa máquina de erigir e destruir reputações defina quem vai governar o país? Já conhecemos as consequências. Vamos ao "é da coisa": o beneficiário direto dos desmandos em voga é Sergio Moro. Sua pré-campanha à Presidência já está em gestação nos subterrâneos das redes sociais.

E o mote é precisamente a "defesa da Lava Jato" como sinônimo de combate à corrupção. Não é preciso fazer grande esforço interpretativo para entender que, nessa perspectiva, a operação, mera fração de um ente do Estado —o MPF—, resolve tomar o seu lugar.

Os meios qualificam os fins. Os empregados pelo lavajatismo corroem instituições e o devido processo legal. Existem provas robustas a respeito, não suposições. Não há desfecho virtuoso possível.
É imoral a isenção na disputa entre a corda dos justiceiros e o pescoço de suas vítimas, culpadas ou inocentes. Umas e outras têm de ser protegidas pelo devido processo legal. Parte da própria imprensa ainda não entendeu esse fundamento —e, portanto, não entendeu nada.


Maria Hermínia Tavares: Lava Jato morre agora não como explosão, mas como murmúrio

Ninguém, entre os caciques políticos, verte pela força-tarefa uma furtiva lágrima

A Operação Lava Jato agoniza, sufocada pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, sob a aprovação silenciosa do conjunto de partidos e líderes políticos —de A a Z.

Na origem, a força-tarefa encarnou a autonomia do sistema de Justiça em relação ao Executivo, sustentada nos poderes ampliados que lhe conferiu a Constituição de 1988. Tornou-se possível com o advento de uma nova geração de promotores e juízes que já não dependiam da patronagem, mas de seus méritos aferidos em concursos públicos, para ingressar na carreira. Faz sentido que se vissem como guardiões da lei maior ameaçada por um sistema político no seu entender irremediavelmente corrupto.

A Lava Jato trouxe à luz a existência daquilo que, décadas antes, o cientista político americano Gordon Adams tinha chamado triângulos de ferro: arranjos informais e secretos que ligam firmas de prestação de serviços, burocratas de estatais e partidos políticos, em benefício dos envolvidos e em detrimento do interesse coletivo.

De fato, os cruzados de Curitiba revelaram o poderoso triângulo de ferro incrustado na maior empresa pública nacional, a Petrobras, sólido o suficiente para sobreviver ao vaivém de presidentes e coalizões governantes, encabeçadas primeiro pelo PSDB e depois pelo PT.

A Lava Jato não criou a crise política que pulverizou o sistema de partidos e abriu caminho para a ascensão da extrema direita. Mas forneceu o combustível para as campanhas da imprensa e as grandes manifestações de rua, as quais, associadas à crise econômica, à polarização política e ao desmanche da base parlamentar governista, tornaram possível o impeachment de Dilma Rousseff e tudo o que se lhe seguiu.

Os métodos reprováveis a que recorreram promotores e o juiz Sergio Moro —especialmente sua inaceitável proximidade durante a montagem dos processos— tampouco contribuíram para o aperfeiçoamento da aplicação da Justiça e a criação de instrumentos legítimos para reduzir a corrupção política.

No Brasil, o discurso moralista foi componente central de todas as grandes crises políticas sob regime democrático. Apesar do retrospecto, a Lava Jato morre agora não como explosão, mas como murmúrio —e sem ninguém, entre os caciques políticos, a verter por ela uma furtiva lágrima.

Mas os triângulos de ferro do professor Adams sobrevivem a ela. Ativados e operantes, existem em empresas públicas e agências reguladoras. Por isso, a retórica anticorrupção continuará sendo um recurso da luta política. Alimentará o populismo de direita enquanto não ocupar também posição de relevo na agenda dos democratas.

*Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.


Merval Pereira: A orelha de Bolsonaro

A obsessão do presidente Jair Bolsonaro por informações dos serviços de inteligência faz com que se espalhe pela administração federal uma tendência à bisbilhotice que nos aproxima perigosamente de um estado policial.

Nada explica, a não ser esse ambiente, a existência de uma lista de funcionários públicos considerados “antifascistas”, isto é, opositores do governo, elaborada por uma tal de Secretaria de Operações Integradas (Seopi). Na maioria professores e policiais.

Além de implicitamente admitirem que são fascistas, os que organizaram a lista consideram que servidores públicos têm um dever de lealdade ao governo a que servem. Não é à toa que a Controladoria Geral da República editou recentemente uma norma técnica que proíbe servidores de usarem as redes sociais para críticas a medidas do governo.

Comentários que possam gerar “repercussão negativa à imagem e credibilidade à instituição” merecerão punição administrativa. Isso quer dizer que, além de estarem sujeitos a uma censura nas redes sociais que utilizam em nome pessoal, os funcionários públicos também não se sentirão seguros para utilizarem os canais internos de reclamação.

Esse clima de espionagem foi ampliado por um decreto editado na sexta-feira ampliando não apenas os quadros da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), mas o escopo de sua atuação com a criação de um Centro de Inteligência Nacional que reunirá os órgãos do Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin).

Esses movimentos todos respondem à exigência do presidente Bolsonaro naquela fatídica reunião ministerial do dia 22 de abril de ter um sistema de informações que não o deixe desprotegido. Vai daí, ao que tudo indica, o ímpeto com que o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, se jogou na guerra contra a Operação Lava-Jato, pretendendo centralizar em seu gabinete todas as informações que foram coletadas nos últimos cinco anos de investigações e denúncias.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello definiu bem a situação: compartilhamento tem que ter objeto específico, senão vira devassa. O jurista Joaquim Falcão, em live promovida pelo jornal Valor Econômico, chamou a atenção para o fato de que o governo Bolsonaro pretende neutralizar órgãos que têm autonomia funcional garantida pela Constituição, como o Ministério Público e a Polícia Federal que, por sinal, foi o primeiro a sofrer uma interferência direta do presidente da República que está sob investigação do Supremo.

Não tendo podido nomear o amigo de sua família, delegado Alexandre Ramagem, para a chefia da Polícia Federal, Bolsonaro trocou seu comando, provocando a saída de Sérgio Moro do ministério da Justiça, e agora ampliou as atribuições da Abin, aumentando o poder de Ramagem nesse universo, e na unificação dos serviços de informações do governo.

Esses movimentos só comprovam o acerto do STF ao barrar a transferência de dados das companhias telefônicas na integralidade para que o IBGE pudesse fazer pesquisas para o censo neste ano de pandemia. A relatora, ministra Rosa Weber, disse que a medida provisória “não apresenta mecanismo técnico ou administrativo apto a proteger os dados pessoais de acessos não autorizados, vazamentos acidentais ou utilização indevida”.

Foi seguida por 10 dos 11 ministros do STF. O ministro Lewandowski chamou a atenção para o fato de que a maior ameaça ao regime democrático hoje é a crescente possibilidade de que governos autoritários, de qualquer tendência ideológica, tenham acesso a dados pessoais dos cidadãos. Escrevi aqui a favor desse compartilhamento, mas vejo hoje que fui ingênuo. Não estava em análise ali a idoneidade e seriedade do IBGE como instituição, mas um governo que não é confiável.

Há na Sicília uma caverna que o pintor Caravaggio denominou de Orelha de Dionisio, não apenas por seu formato, mas principalmente pela lenda que diz que o tirano Dionisio I de Siracusa usava a caverna como prisão política dos dissidentes e, devido à acústica perfeita, ficava sabendo dos planos dos opositores.

Bolsonaro tem no Palácio da Alvorada uma imensa escultura azul em forma de orelha, que será leiloada num gesto nobre pela primeira-dama Michelle em benefício de associações que cuidam de pessoas com problemas auditivos.

Talvez Freud explique.


Cristina Serra: Aras e o aparelhamento do MPF

O procurador-geral da República e Deltan Dallagnol são faces do aparelhamento político das instituições de Estado

O procurador-geral da República, Augusto Aras, abriu guerra contra a força-tarefa da Lava Jato e a hipertrofia dos procuradores federais comandados por Deltan Dallagnol na “República de Curitiba”. Aras e Dallagnol, no entanto, são faces da mesma moeda: a do aparelhamento político das instituições de Estado.

O sempre necessário e importante combate ao crime encontrou na vocação messiânica e na agenda política dos procuradores e do juiz Sérgio Moro terreno fértil para distorções, abusos e excessos da operação que pretendia acabar com a corrupção no país.

Não acabou. E deixou vasto legado de desrespeito a marcos legais. Moro divulgou ilegalmente um grampo telefônico envolvendo a então presidente Dilma, o que mereceu apenas uma reprimenda do STF ao juiz.

Este pediu “escusas” e ficou por isso mesmo. A Vaza Jato, do site The Intercept, mostrou como o juiz orientou os procuradores, tornando-se parte da acusação e violando seu compromisso ético e legal de imparcialidade.

Deu no que deu. A Lava Jato teve impacto decisivo na chegada de Bolsonaro ao poder, trazendo Moro a tiracolo, não por acaso. Como o mundo dá voltas, o candidato que se beneficiou do “lavajatismo” foi o mesmo presidente que deu a rasteira em Moro e agora comanda a ofensiva contra a “República de Curitiba”.

Ao atacá-la, Aras faz um favor ao centrão e ao chefe, que andam de braços dados desde que Bolsonaro entendeu que precisava de um escudo no parlamento, depois da prisão do amigão Fabrício Queiroz. Aras, porém, pode não ter calculado bem um efeito colateral de sua truculência. A perseguição à Lava Jato poderá levar Moro a disputar com o ex-chefe a narrativa do combate à corrupção, acirrando a concorrência no campo da direita nas eleições de 2022.

Há, contudo, uma pedra no caminho de Moro. A Segunda Turma do STF precisa terminar o julgamento, iniciado em 2018, sobre a suspeição do magistrado na condução da Lava Jato. Ao que parece, suas excelências não estão com a menor pressa.


Carlos Andreazza: Supremo editor e a Constituição lavajatista

Uma bomba se arma, a da mentalidade autoritária

Quero alertar — sobretudo aos que ora celebram atalhos ao estado de direito — que os precedentes arbitrários estabelecidos pelo STF poderão ser, e serão, usados pelos dois (ao menos) ministros do Supremo indicados por Jair Bolsonaro, ambos decerto terrivelmente bolsonaristas; e que um inquérito sem objeto investigado definido, como o chamado das Fake News, amplo a ponto de impor censura, e que ora se move contra aqueles cujo comportamento desprezamos, tende a ser gatilho para que a perigosa combinação de autoritarismo, ressentimento e revanchismo resulte em descontrole e na multiplicação de canetadas, como a que retirou do ar uma reportagem da revista “Crusoé”.

Uma bomba se arma; a da mentalidade autoritária, que nos dirige desde há muito, aplicada — na prática — a uma estrutura em que o togado seja vítima, investigador, acusador e juiz. Que tal? Se não por amor ao estado de direito, que se projete — por medo, por zelo ao próprio escalpo — o futuro desarranjado desses processos excêntricos. Não fica bonito.

Quero alertar — sobretudo aos que cobram provas do autoritarismo do presidente da República — que Bolsonaro, aquele que tem, segundo confessou, um esquema particular de informações e que trabalha, talvez já com êxito, para que a Polícia Federal lhe sirva como polícia política, comanda um Poder em cujo Ministério da Justiça está montado um sistema de investigação e monitoramento contra policiais, professores e intelectuais críticos do governo; e que o titular dessa pasta, André Mendonça, cotadíssimo para uma cadeira no Supremo, é, antes de tudo, terrivelmente bolsonarista.

Daí por que se pergunte: e quando estiver ao alcance de um André Mendonça — cuja atuação já depredara a advocacia pública, pervertendo a AGU em banca de defesa personalista para Bolsonaro, família e amigos — ser um Alexandre de Moraes? E quando estiver a uma canetada de distância de um Mendonça — talvez também de um Augusto Aras, o procurador-geral do bolsonarismo — ser editor de um país inteiro, conforme Dias Toffoli definiu o papel de ministro do STF?

Toffoli conhece a função do editor. Talvez saiba também qual é a de um ministro do Supremo. Ocorre que escolheu ocupar aquela cadeira para exercitar seus vícios de agente político, não sendo surpreendente que deturpasse o ofício da edição para justificar as exorbitâncias — inclusive as engenharias sociais — promovidas pela corte que preside. Ele tem linha editorial — e essa não é aquela, a única, que deveria regê-lo e limitá-lo: a Constituição Federal.

Ministro de corte constitucional que se enxerga como editor, cedo ou tarde, avança sobre prerrogativas de outros poderes e reescreve a Constituição. E não nos faltam editores nem linhas editoriais disputando terreno no Brasil.

O lavajatismo — o próprio espírito do tempo — está em todos os espaços em que se exerça poder. É a força dominante entre nós. Em resumo: aquela que, modelando as leis e os ritos para além das margens do estado de direito, justifica-se porque, afinal, para deter os que consideramos bandidos — o objetivo virtuoso legitimando o caminho. Então, claro: para combater as ameaças de um projeto de poder autoritário, respostas autoritárias. E, de puxadinho em puxadinho jurídico, vemos se erguer o edifício da insegurança; ali onde bandido — a depender do editor — logo pode virar sinônimo de inimigo… O fetiche do combate à corrupção pode sair de moda, mas os meios empregados para tocar o combate ficam.

Se um ministro do STF, editor do povo inteiro, avalia que indivíduos ou grupos que atacam a instituição cometem crimes não tipificados nos códigos, por que não tipificá-los no ato? Obra em construção. Por que não lhes bloquear as contas em redes sociais — por que não a censura prévia — para se precaver contra as calúnias, injúrias e difamações que poderão praticar?

Sergio Moro, aquele que simboliza o lavajatismo (mas que não lhe é a única encarnação), também foi — como juiz — um editor. (Alguns maldosos dirão — lembrando a Vaza-Jato — que editor de ficção.) O editor Alexandre de Moraes — é provável — desaprova os métodos da República de Curitiba e decerto tem ressalvas a expedientes exóticos daquela força-tarefa e à linha editorial do doutor Moro; mas é um lavajatista, impregnado pela cultura justiceira que normalizou entre nós que se driblem procedimentos (que protegem garantias individuais) e se saltem as leis ordinárias para forjar, no caso, um inquérito obscuro destinado a caçar milicianos digitais. Alguém dirá que vale.

Toffoli, presidente do poderoso conglomerado editorial em que se transformou o STF, também é um lavajatista; um de tipo curioso, que odeia a Lava-Jato, operação que quer aterrar (pacote em que inclui o projeto para tornar Moro inelegível), mas lhe absorve a natureza jacobinista.
O cala a boca tinha morrido; mas nem tanto. Alguém dirá que por boa causa.


Merval Pereira: Conceito mantido

A consequência conceitual da decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin de revogar a liminar dada pelo ministro Dias Toffoli a favor do compartilhamento de documentos da Operação Lava-Jato com a Procuradoria-Geral da República é a manutenção da estrutura em que as forças-tarefas foram idealizadas e funcionam muito bem em diversos casos, não apenas na Operação Lava-Jato.

Esta é a principal indicação de que o Procurador-Geral Augusto Aras (foto) tem objetivos políticos, e não técnicos, para tomar a iniciativa de querer ter acesso a informações sigilosas, pois não fez o mesmo gesto em relação a outras forças-tarefas.

O conceito de independência e autonomia que baseia o funcionamento do Ministério Público é fundamental para sua atuação desgarrada de pressões políticas. O Procurador-Geral da República é chefe dos procuradores apenas em casos administrativos, mas não pode ter ingerência nas investigações, a não ser que elas abranjam figuras com foro privilegiado.

Neste caso, os indícios e as provas colaterais que surgirem em decorrência de investigações devem ser enviadas para a Procuradoria-Geral da República, que os encaminhará aos tribunais superiores. Mas o ministro Edson Fachin nem entrou no mérito da ação da PGR, por estar baseado em equívoco, e revogou a liminar de Toffoli, “com integral efeito ex tunc”, o que, no juridiquês, é um recado forte a Aras: você não poderá usar nada das provas a que teve acesso.

O PGR recorrerá da decisão com o principal argumento de que Sérgio Moro, quando juiz em Curitiba, atendeu a um pedido do chefe dos procuradores da Operação Lava-Jato Deltan Dallagnol e autorizou no dia 6 de fevereiro de 2015 “o compartilhamento das provas e elementos de informações colhidas nos processos, ações penais, inquéritos e procedimentos conexos, atinentes à Operação Lava Jato”, o que é verdade. Mas Moro deixou claro que apenas “para fins de instrução dos procedimentos instaurados ou a serem instaurados perante o Egrégio Supremo Tribunal Federal para apuração de supostos crimes praticados por autoridades com foro privilegiado”.

Depois, Moro deferiu mais um pedido para que os dados fossem compartilhados com o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em junho daquele ano, foi a juíza Gabriela Hardt, que substituiu Moro, quem deferiu outro pedido de compartilhamento de casos conexos à Lava Jato com as instâncias superiores: “Defiro o requerido, expressamente autorizando o compartilhamento das provas, elementos de informação e do conteúdo de todos os feitos, já existentes e futuros, referentes à Operação Lava Jato, para o fim de instruir os processos e procedimentos já instaurados ou a serem instaurados perante o STJ e o STF”.

Essas decisões, em vez de avalizarem, desmentem a tese de Augusto Aras de que os procuradores de Curitiba trabalham com uma “caixa preta” de informações secretas que não compartilham com ninguém. A 13ª Vara Federal emitiu nota oficial esclarecendo que houve diversas decisões de compartilhamento em relação a vários órgãos públicos, como Receita Federal, Tribunal de Contas da União (TCU) e CADE.

Além disso, as decisões textualmente apontam que o compartilhamento deve ocorrer “para a instrução de outros processos e procedimentos criminais”. O caso dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, David Alcolumbre, que teriam sido incluídos numa lista com os nomes incompletos para burlar a prerrogativa de foro, segundo acusação da PGR, foi autorizado pelo próprio Supremo, por decisão do ministro Fachin.

A Cervejaria Petrópolis alegou que havia vários nomes com foro especial na investigação de Curitiba, e Fachin manteve os casos da primeira instância. Mas a disputa entre Aras e a Lava-Jato está longe do fim, embora a decisão do ministro Edson Fachin possa arrefecer o ímpeto do Procurador-Geral da República. Ainda restam processos de afastamento do procurador Deltan Dallagnol no Conselho Nacional do Ministerio Público, que não se restringe à pessoa de Dallagnol, mas a um procurador à frente de casos relevantes contra corrupção, o desejo de muitos de retaliação, a renovação da Força Tarefa da Operação Lava-Jato no dia 10 de setembro, e a permanência de procuradores com dedicação exclusiva.


Leandro Colon: O jogo seletivo de Aras

PGR fala em "caixa de segredos" da Lava Jato, mas se cala diante da usurpação da AGU

A reunião do Conselho Superior do Ministério Público Federal na sexta-feira (31) é o símbolo deprimente da crise entre o chefe da PGR, Augusto Aras, e um grupo de procuradores que lhe faz oposição.

Temos visto, rotineiramente, ataques mútuos, egos inflados e desvios da liturgia exigida para a função de procurador da República.

Anti-lavajatistas, dentro e fora do Ministério Público, celebram a disposição de Aras em enfrentar a força-tarefa de Curitiba, liderada há alguns anos por Deltan Dallagnol.

Nos bastidores, cresce a certeza de que Aras deve desmantelar ou ao menos fatiar as atribuições do grupo que comanda a Lava Jato.

Seria demonstração de força do chefe da PGR que pode enfraquecer Deltan e a equipe que conduziram as investigações da maior operação anti-corrupção que o país já viu.

Decerto que razões existem (e sobram) para contestar, apurar e repudiar os atropelos legais e o método policialesco que a Lava Jato adotou em muitos casos até aqui.

Assim como é inegável o serviço prestado por ela ao desmantelar um esquema de corrupção nefasto na Petrobras, colocando na cadeia políticos e figurões empresários que assaltaram os cofres públicos.

A questão aí é qual o jogo real de Aras, devoto da cartilha do presidente da República que o escolheu fora da tradicional lista tríplice da classe.

Aras se indigna com o que chama de "caixa de segredos" da Lava Jato, mas se cala diante da usurpação das atribuições da AGU e do Ministério da Justiça no governo Bolsonaro.

Isolado no MPF, ensaia uma dobradinha com o STF. Aliou-se a Dias Toffoli para ter acesso ao material sigiloso da Lava Jato —isso depois de tentar obtê-lo na marra.

Em recente declaração, Aras disse que, durante seu mandato, não vai permitir que "haja um aparelhamento" do Ministério Público.

Espera-se a mesma disposição do chefe da PGR em investigar no inquérito que ele abriu para apurar o aparelhamento do comando Polícia Federal por parte de Jair Bolsonaro.


Celso Rocha de Barros: Mendonça e Aras são cabo e soldado de Bolsonaro em novo ataque à democracia

Ministro da Justiça produziu dossiê contra 'antifascistas' e procurador-geral da República faz guerra contra Lava Jato

O ministro da Justiça, André Mendonça, e o procurador-geral da República, Augusto Aras, são o cabo e o soldado de pés chatos que Bolsonaro usa em seu novo ataque à democracia brasileira.

Mendonça, que virou ministro da Justiça quando Moro deixou o cargo, vem se destacando na perseguição contra adversários do governo.

Produziu um dossiê contra “antifascistas” que incluía dois acadêmicos respeitados, Paulo Sérgio Pinheiro e Luiz Eduardo Soares, bem como policiais de esquerda, que poderiam vir a ser um obstáculo ao aparelhamento das polícias.

Aras, por sua vez, faz guerra contra a força-tarefa da Lava Jato e tenta centralizar os instrumentos de investigação para usá-los no interesse do golpismo. Enquanto Mendonça briga para prender antifascistas honestos, Aras briga para manter fascistas corruptos em liberdade.

A guerra bolsonarista contra a Lava Jato vem produzindo cenas curiosas. Na semana passada, por exemplo, o bolsonarista Alexandre Garcia usou as revelações da Vaza Jato para criticar a turma de Curitiba.

Quando o Intercept Brasil publicou as denúncias, Garcia estava entre os que atacaram os jornalistas. Pesquise o artigo “Estranhas Coincidências”, publicado em 30 de julho de 2019, em que Garcia repete a mesma lista de mentiras que os bolsonaristas lançavam na época contra Glenn Greenwald e sua família.

Na esquerda, que perdeu uma, e talvez duas Presidências da República no auge do lavajatismo, há gente comemorando a guerra de Aras contra Curitiba. Pode ser compreensível, mas é um erro.

Ninguém ficaria surpreso se, enquanto tenta desmontar a Lava Jato, Aras requentasse uma delação contra Lula para acalmar os bolsonaristas que ainda mentem que se preocupam com corrupção.

Na direita tradicional também tem gente querendo ver no desmonte da Lava Jato uma espécie de acomodação de Bolsonaro com o centrão, o que, por um raciocínio meio tortuoso, poderia ser visto como aceitação da política institucional.

A política brasileira vem sendo isso, um esforço para que um sujeito que causou cem mil mortes aceite ser menos golpista se a gente ajudá-lo com uns problemas que ele tem com a polícia.

E mesmo isso me parece otimismo demais. Não acho que o acordão vai parar o golpismo.

Bolsonaro ficou com raiva da polícia e do Judiciário porque eles pegaram Queiroz e atrapalharam seu autogolpe. Quando Judiciário e polícia tiverem sido aparelhados, Bolsonaro voltará à carga.

Talvez por isso MDB e DEM tenham saído do bloco parlamentar do centrão semana passada. A manobra parece ter sido pensada para enfraquecer Bolsonaro na eleição para a presidência da Câmara. Se for isso, MDB e DEM estão certíssimos.

Não se pode entregar o controle da presidência da Câmara, que com Rodrigo Maia foi um dos pontos de resistência ao autoritarismo, a quem se tenha vendido a Bolsonaro.

Da mesma forma, o leilão da vaga no STF para quem fizer a maior oferta de golpismo tem que acabar. É preciso ficar claro que o Senado não aprovará o vencedor da disputa.

De qualquer forma, cabo Mendonça e soldado Aras são bem mais fáceis de combater do que os cabos e soldados com quem Bolsonaro ameaçava o Brasil um mês atrás. Mas são um sinal importante para quem acreditava que Bolsonaro havia se tornado mais moderado nesse mês que ficou em casa apanhando de ema.

*Celso Rocha de Barros, servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).