Afonso Benites

Afonso Benites: Parlamentares manobram para diminuir área de reserva ambiental em Roraima e Amapá

Deputados inseriram em uma Medida Provisória a permissão para aumentar área de exploração em propriedades rurais nos dois Estados. Ambientalistas temem aumento do desmatamento

Um lobby promovido pelas bancadas de Roraima e do Amapá no Congresso Nacional conseguiu encaminhar para votação uma medida provisória que poderá diminuir nos dois Estados as áreas de preservação obrigatórias, chamadas de reservas legais, nas propriedades rurais. Elas passariam de 80% do terreno para 50%. A alteração, segundo os produtores rurais, é necessária para aumentar a área produtiva. Mas, para ambientalistas e juristas, se implementada ela aumentará o desmatamento na região amazônica, que já vem em uma crescente, e poderá estabelecer um precedente para que outros Estados da Amazônia peçam a diminuição de suas áreas preservadas. O projeto, nomeado MP 901/2019, deve ir à votação na Câmara nas próximas semanas e depois passará pelo Senado.

A alteração da área das reservas legais dos dois Estados foi inserida em um texto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que tinha como objetivo oficializar a doação de terras da União para as duas unidades da federação. Ele não tratava especificamente da redução da área de reserva, apesar de o Governo Bolsonaro ser favorável a esse debate. Essa reserva é o nome técnico da área em que a mata nativa tem de ser preservada nas fazendas e chácaras, instituída pelo Código Florestal de 2012. Na prática, inserir mudanças no Código em uma MP que trata de questão fundiária é considerado uma espécie de contrabando legislativo, o que é chamado nos corredores do Congresso Nacional de jabuti. É colocar um artigo novo em uma proposta que trata de um tema diverso.

O assunto gera um intenso embate entre ambientalistas e ruralistas. De um lado, estão os que dizem que a medida incentivará o desmatamento desenfreado em um período de seguidos registros de alta. No último ano, o desflorestamento na Amazônia cresceu 30%. De outro, estão os que defendem que, sem uma expansão da área a ser utilizada por atividades econômicas, dificilmente os Estados se desenvolverão.

“Uma alteração de forma açodada, via contrabando legislativo, poderia resultar em graves danos não só ambientais, com o crescimento do desmatamento na Amazônia, mas também para a imagem do país e as relações econômicas”, critica o advogado Maurício Guetta, do Instituto Socioambiental (ISA). Presidente da Frente Parlamentar Ambientalista, o deputado federal Rodrigo Agostinho (PSB-SP), diz que tentará evitar que essas emendas prosperem. “Desde o fim dos anos 1990 tentam alterar essa área de reserva legal na Amazônia. É algo recorrente que setores conservadores tentam fazer”.

Já o relator da proposta, o produtor rural e deputado federal Édio Lopes (PL-RR), diz que essas mudanças têm de ser feitas para ajudar na economia local. “Não estamos pedindo o fim do mundo, não estamos pregando o apocalipse, o caos. Estamos pregando o direito constitucional desses Estados sobreviverem economicamente”. Pelos cálculos dos defensores da mudança, as áreas possíveis de exploração rural em Roraima e no Amapá são, respectivamente, de 2% de 10% de sua extensão. Todos criticam a quantidade de terras indígenas e unidades de conservação, que são mais de cinquenta nos dois Estados. “Nós só queremos sobreviver economicamente”, reclamou o senador Mecias de Jesus (Republicanos/RR).

Pela legislação atual é possível reduzir a área de 80% para 50%, desde que haja um zoneamento econômico ecológico de todo o Estado e que 65% do território seja composto por unidades de conservação ambiental ou por terras indígenas. “Temos dificuldades em fazer esse zoneamento porque os índios não deixam”, reclamou o relator Lopes.

Não estamos pregando o apocalipse, o caos. Estamos pregando o direito constitucional desses Estados sobreviverem economicamente
ÉDIO LOPES, DEPUTADO

Uma das falhas apontadas pelos especialistas na nova redação da medida provisória é quando se deixa de tratar de biomas, para se debater a preservação de áreas em determinados Estados. A legislação nacional prevê que no bioma amazônico dois a cada dez hectares de terra podem ser explorados, os outros oito têm de ser preservados. No cerrado a reserva legal é de 35% e nos demais biomas, 20%. “A MP traz o benefício só para dois Estados, de maneira localizada e não pelo bioma, o que poderia gerar uma insegurança jurídica”, pondera o advogado Marcos Tiraboschi, que atua com direito ambiental.

Na visão desse especialista, os outros oito Estados com bioma amazônico podem pedir alterações localizadas também. “De repente, o Mato Grosso vai perguntar, ‘por que eu não posso reduzir minha área de reserva legal?’”, afirma Tiraboschi.

Além de tentarem diminuir as áreas protegidas das fazendas, os parlamentares ainda tentam doar da União para o Estado de Roraima 4.745 hectares de sua Floresta Nacional (Flona), que ao todo tem 169.628 hectares, para a reforma agrária. “Essa é uma mudança para beneficiar garimpeiros. Dizem que vai beneficiar assentamentos, mas é mentira. É um absurdo diminuir uma área protegida”, reclamou o deputado Agostinho. O deputado Lopes negou que haja essa intenção.

Em princípio, havia a previsão de que a MP fosse lida em plenário da Câmara nesta semana. Esse é o primeiro passo para o projeto seguir para a votação. Um grupo de parlamentares pediu ao presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para postergar a data e eles foram atendidos. A previsão é que a leitura ocorra daqui a duas semanas e a votação em seguida.


Afonso Benites: Bolsonaro fortalece núcleo militar e cogita segunda chance a Onyx no Bolsa Família

Presidente convida general que foi interventor militar no Rio para assumir a Casa Civil. Reacomodação daria novo direcionamento a programa contra miséria, que acumula demanda reprimida

Depois de tanto negar que o faria, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) começa a fazer, a conta-gotas, sua minirreforma ministerial. Ao mesmo tempo, reforça o núcleo militar, como forma de tentar manter o apoio da cúpula das Forças Armadas. A nova troca de ministérios deve atingir dois ministros que estão desgastados em seus cargos: Onyx Lorenzoni (DEM), na Casa Civil, e Osmar Terra (MDB), na Cidadania, o ministério responsável pelo programa Bolsa Família. Lorezoni deverá substituir Terra, que pode ser realocado em alguma embaixada. Confirmando essa movimentação, o novo chefe da Casa civil será o general Walter Braga Netto, atual número dois do Exército Brasileiro. Será a terceira troca em uma semana. No dia 6, o presidente demitiu Gustavo Canuto do Desenvolvimento Regional e o substituiu por Rogério Marinho (PSDB), então secretário especial de Previdência e Trabalho. Canuto foi para a Dataprev, a estratégica empresa de tecnologia de informação da Previdência Social que o Governo pretende privatizar em breve.

Até a conclusão dessa reportagem, o Governo não havia se manifestado oficialmente sobre as demissões e novas nomeações. Mas diversas reuniões ocorreram ao longo do dia para tratar do tema. Só se pode considerar ministro, de fato, quem tiver seu nome publicado no Diário Oficial da União, o que não ocorreu até o fim da tarde desta quarta-feira.

Ao ser realocado na Cidadania, Onyx será responsável por comandar um orçamento de 1,9 bilhão de reais. Sob sua alçada está a execução do programa Bolsa Família e as ações voltadas para o esporte. Sua missão será dar uma nova cara ao programa que concede bolsas à população mais pobre, parar de se fechar a quem necessita e tentar reduzir a fila, que tem crescido exponencialmente. Como revelou o EL PAÍS em 31 de janeiro, a gestão Bolsonaro não explica detalhes sobre a real demanda reprimida do principal programa de combate à miséria do país. Cálculos da reportagem, com base em dados públicos de beneficiados, aponta que a fila para receber o programa pode ser até três vezes maior do que o Governo divulga oficialmente, que é de 500.000 famílias. Nesta quarta-feira, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal, deu um prazo de cinco dias para que o Ministério da Cidadania informe as providências que estão sendo adotadas para assegurar que todo o público apto a acessar o programa Bolsa Família seja atendido.

O posto no comando do programa é estratégico em termos políticos. Em meio à crise na gestão do Bolsa Família, a avaliação no Planalto é de que apenas o discurso de que se estão combatendo as fraudes no benefício social, tão propalado por Osmar Terra, não basta. O presidente quer, de alguma maneira, deixar sua marca nesse programa, que foi criado nos governos do PT, o principal partido de oposição.

O novo chefe da Casa Civil, Braga Netto ficou nacionalmente conhecido ao ser declarado interventor federal na área de segurança do Rio de Janeiro no ano de 2018, durante a presidência de Michel Temer e o Governo de Luiz Fernando Pezão, ambos do MDB. Ele é avesso à imprensa e já impediu que repórteres acompanhassem seu discurso em evento público. Sua ascensão ao ministério é uma tentativa de Bolsonaro de se cercar de militares em quem confia dentro do Palácio do Planalto.

Além da Casa Civil, os outros três ministérios instalados no Palácio do Planalto serão ocupados por militares. O Gabinete de Segurança Institucional, com o general da reserva Augusto Heleno, a Secretaria-Geral da Presidência, com o capitão reformado da Polícia Militar, Jorge Antônio de Oliveira, e a Secretaria de Governo, com o general da ativa Luiz Eduardo Ramos.

Uma outra sinalização de apoio aos militares, foi o de conceder ao vice-presidente da República, o general Hamilton Mourão (PRTB), a coordenação do Conselho da Amazônia, um órgão consultivo que trata dos temas de meio ambiente e defesa na principal floresta brasileira. Antes, o organismo era vinculado ao Ministério do Meio Ambiente.

Os demitidos
Mesmo sabendo que seria demitido, Onyx seguiu cumprindo sua agenda normalmente na Casa Civil. Pela manhã, após participar de um seminário que tratava das prioridades do Governo no Congresso Nacional, o ministro declarou ser um servo leal ao chefe do Executivo. “O presidente Bolsonaro é o meu líder. O que ele decidir, eu cumpro”, disse ao responder a repórteres qual seria o andamento de uma das reformas que a gestão Bolsonaro pretende apresentar neste ano.

Desde o ano passado Bolsonaro já demonstrou estar descontente com a atuação de Onyx na pasta. Aos poucos foi minando seu poder. Retirou de sua competência a articulação com o Congresso, a análise jurídica de projetos de lei e o programa de privatizações. Restou ao ministro participar de eventos que o presidente não queria comparecer, como a abertura do ano legislativo, e coordenar reuniões de grupos interministeriais.

A gota d’água ocorreu no fim de janeiro, quando o então número dois de Onyx, Vicente Santini, usou um jatinho da força aérea para voar entre a Suíça e a Índia para participar da comitiva presidencial que visitava Mumbai. Santini ocupava interinamente o ministério, porque o titular estava em férias, nos Estados Unidos. O presidente se irritou com a viagem porque outros ministros, efetivos, tinham ido ao país asiático em voos comerciais, o que gerou menos custos aos cofres públicos. Santini foi demitido e, em seu esteio, ao menos outros três assessores caíram.

Onyx só não foi completamente retirado do Governo porque o presidente tem uma espécie de dívida de gratidão com ele. Ainda em 2017, Onyx foi o primeiro deputado a declarar apoio à candidatura de Bolsonaro à presidência e promoveu dezenas de reuniões em sua casa em Brasília em busca de aliados dentro do parlamento.

Já Osmar Terra deve ser realocado em alguma embaixada. Além das falhas no Bolsa Família, ele perdeu força na função porque seu ministério assinou um contrato sem licitação com uma empresa de tecnologia da informação (a Bussiness Tecnology) mesmo tendo sido alertado por órgãos de controle de que a companhia tinha indícios de fraude. A empresa foi alvo de uma operação da Polícia Federal no início do mês. O caso foi revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo no último dia 10 de fevereiro.

Tanto Onyx como Terra são deputados federais pelo Rio Grande do Sul. Estão licenciados de seus cargos. Se voltassem à Câmara, não teriam destaque, já que os cargos de liderança estão ocupados. Além disso, no caso de Terra, seu retorno retiraria da função de vice-líder Darcísio Perondi, que é o primeiro suplente do MDB gaúcho na Casa e vice-líder do Governo.


Afonso Benites: Bolsonaro anuncia projeto que permite garimpo em área indígena e sugere “confinar ambientalistas”

Exploração econômica é temida por indígenas e ativistas, que preveem mais desmatamento e desequilíbrio social nas áreas. Mais cedo, Governo nomeou um evangelizador em cargo na Funai

O presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, anunciou que enviará nesta quinta-feira ao Congresso Nacional um projeto de lei que permite a exploração de mineral, a instalação de lavras de petróleo e gás, além da geração de energia elétrica em terras indígenas. Atualmente, não há regulamentação sobre o tema, apesar de estar prevista na Constituição Federal. Por essa razão, não há nenhum garimpo oficial nas 619 áreas indígenas localizadas no país, embora haja relatos sobre dezenas de garimpos ilegais, principalmente na região amazônica.

O projeto prevê também que sejam autorizadas a exploração de territórios indígenas para turismo, agricultura, pecuária ou extrativismo florestal. A autorização do uso da terra será dada pelo Legislativo e os indígenas que moram nessas comunidades serão ouvidos, mas não terão direito a veto. Ao longo do ano, a Câmara e o Senado Federal deverão analisar o tema, que provoca críticas de comunidades indígenas, de indigenistas e de ambientalistas. O principal argumento contrário à exploração econômica das áreas é o de que as atividades vão desequilibrar as comunidades, acelerar a devastação florestal e o desaparecimento de espécies nativas —o mais recente relatório da ONU, de 2019, que alerta sobre a velocidade com que as espécies estão se extinguindo (uma de cada oito está ameaçada) assinala que essa destruição da natureza é mais lenta nas terras onde vivem os povos indígenas do que no resto do planeta.

Durante o anúncio, em uma cerimônia no Palácio do Planalto em que a gestão comemorou seus 400 dias, o presidente pressionou o Legislativo pela aprovação de sua proposta e disse que, se pudesse, confinaria os ambientalistas na Amazônia. “O grande passo depende do Parlamento, vão sofrer pressão dos ambientalistas. Esse pessoal do meio ambiente. Se um dia eu puder, eu confino-os na Amazônia, já que eles gostam tanto do meio ambiente, e deixem de atrapalhar os amazônidas aqui de dentro das áreas urbanas.” Desde o início de sua gestão, Bolsonaro é alvo de protestos de ambientalistas. As críticas ficaram mais intensas após a série de incêndios florestais na Amazônia, que em 2019 sofreu um aumento de 30% na área queimada em comparação com o ano anterior.

Na mesma solenidade desta quarta-feira, o presidente voltou a pregar sua visão sobre os indígenas. Só alterou um pouco o discurso. Em janeiro, afirmou que “cada vez mais o índio é um ser humano igual a nós”. Agora, disse: “O índio é um ser humano exatamente igual a nós. Tem coração, tem sentimento, tem alma, tem desejo, tem necessidades e é tão brasileiro quanto nós”. A frase martela a ideia do atual Governo, que ecoa o passado sob a ditadura militar, de que os indígenas devem se “integrar” à sociedade não-indígena. Entidades ligadas à população originária do país tem protesto e dito que Bolsonaro está obrigado a respeitar os direitos constitucionais dos indígenas, inclusive o de manter particularidades no modo de viver.

Até a conclusão dessa reportagem, o projeto de lei não havia sido entregue ou sua íntegra publicada pelo Planalto. Conforme o material de divulgação produzido pela assessoria da Casa Civil, as comunidades indígenas afetadas pelos garimpos receberão indenizações das empresas que explorarem as áreas. Haveria pagamentos a conselhos curadores que seriam compostos apenas por indígenas. O texto ainda prevê que, se assim o quiserem, também os próprios indígenas poderão explorar as áreas em que vivem.

No documento não está detalhado o quanto seria pago pelo usufruto das terras. Ressalta, apenas, que os conselhos curadores formados por indígenas de cada uma das áreas, uma entidade de caráter particular, seria o responsável por definir onde seriam investidos os recursos pagos à comunidade. A ONG Observatório do Clima protestou contra o envio e apelou aos presidentes da Câmara e do Senado. “O Observatório do Clima espera dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, que honrem a própria palavra e não pautem esse projeto genocida. Ambos haviam se comprometido a não colocar em votação proposições que ameaçassem a floresta e as populações tradicionais. É hora de testar essa determinação”, escreveram em nota.

O projeto de exploração econômica de áreas indígenas não é o único tema que preocupa indigenistas no Governo Bolsonaro. Nas últimas semanas, a gestão foi alvo de várias críticas por ter escolhido o ex-missionário evangélico Ricardo Lopes Dias como novo coordenador de indígenas isolados e de recente contato da Fundação Nacional do Índio (Funai). Há tempos, a Funai tem sido enfraquecida pela União. Em nota, o Conselho Indigenista Missionário disse que o presidente deixou de respeitar a existência livre dos povos indígenas e promove o genocídio dessa população.

“O Governo Bolsonaro dá evidentes sinais de abandono à perspectiva técnico-científica, do respeito ao direito de existência livre desses povos, com seus próprios usos, costumes, crenças e tradições, em seus territórios devidamente reconhecidos e protegidos, para uma orientação neocolonialista e etnocida, de atração e contato forçados, com o uso do fundamentalismo religioso como instrumento para liberar os territórios destes povos à exploração por grandes fazendeiros e mineradores”.


Afonso Benites: Maia testa seu protagonismo em seu último ano à frente da Câmara

Governo quer celeridade na votação da reforma administrativa, que Guedes nem enviou ainda à Casa. Congresso se debruça em reforma tributária

O último ano de Rodrigo Maia (DEM-RJ) à frente da presidência da Câmara será um teste sobre seu protagonismo na política brasileira, alcançado principalmente, quando conseguiu voar a reforma da Previdência no ano passado. Seus embates para marcar contraponto com o presidente Jair Bolsonaro também lhe deram destaque na política nacional. No atual cenário, há um Governo Bolsonaro que ainda patina nas medidas que pretende apresentar nesse início de 2020. O que, mais uma vez, dá espaço para que o Parlamento mostrar que caminha com as próprias pernas.

Os discursos entre o que pretende o Planalto e o que os parlamentares preveem para o Congresso Nacional mostram como será o ano legislativo, que se inicia nesta segunda-feira. Enquanto o Legislativo quer votar logo a reforma tributária, com a redistribuição e possível redução dos impostos, o Executivo insiste na reforma administrativa, que pretende reduzir a máquina pública estatal com a redução salarial dos novos servidores públicos.

De um lado o Executivo cobra empenho do Parlamento, mas o Ministério da Economia ainda não enviou sua reforma administrativa e, até o momento, está ausente das discussões sobre a reforma tributária. A expectativa é que essa ausência faça com que a reforma administrativa fique para o fim da fila e seja votada apenas no segundo semestre, que deve ser mais curto por causa das eleições municipais. O intuito do ministro da Economia, Paulo Guedes, era votá-la o quanto antes. Até já declarou que sua aprovação pode ser considerada simples.

Na última quinta-feira (30), em um evento em São Paulo, o ministro Guedes e o presidente da Câmara chegaram a trocar farpas sobre o andamento das reformas. O chefe da Economia disse que estava se acostumando ao ritmo dos políticos, que não votavam propostas no ritmo esperado pela equipe econômica. “Aprendi a respeitar”, disse. Maia devolveu, lembrando que quem dita essa velocidade é o Governo, que primeiro tem de enviar sua sugestão. “Não tenho como avançar na reforma administrativa sem o pontapé inicial do Governo”, disse o deputado.

O líder dos Democratas, Efraim Filho, diz que o Executivo não soube definir o que defender. “O Parlamento se apossou desse vácuo e está construindo a sua própria agenda”, diz Efraim Filho. A expectativa no ministério da Economia é que a reforma administrativa seja fatiada. Parte dela seria enviada ainda em fevereiro, como uma proposta de emenda constitucional. A segunda e terceira parte seriam encaminhadas entre março e abril.

Pela proposta de reforma administrativa, diversos cargos públicos em aberto deverão ser cortados. Além disso, os futuros servidores terão de ficar de dois a três anos no cargo para serem efetivados. Seus salários serão menores do que os dos atuais. O objetivo é equiparar os vencimentos com quem trabalha em empresas privadas. Um estudo do Banco Mundial mostra que o custo com um funcionário da iniciativa pública é duas vezes maior que o da privada.

Ainda não há dados fechados sobre o impacto financeiro dessa reforma. Mas a ideia inicial é não repor a maioria dos 149.000 cargos que devem ficar vagos até 2024 por causa de funcionários que irão se aposentar. Os futuros aposentados representam 21% de todo o funcionalismo federal. Conforme dados da Economia, o Brasil gasta cerca de 108 bilhões de reais por ano com o pagamento de funcionários civis. Nessa conta não estão os militares, que têm um regime diferente e não serão incluídos nas mudanças administrativas.

Sobre a reforma tributária, a gestão de Bolsonaro também não apresentou a sua versão do texto. Há três propostas tramitando no Congresso. Duas na Câmara e uma no Senado. No fim do no passado, os presidentes das duas casas legislativas decidiram criar uma comissão mista de senadores e deputados para analisá-las. Duas delas tratam da simplificação de impostos, seria algo como juntar entre cinco e sete impostos sobre o consumo.

A outra proposta, batizada de reforma tributária solidária, propõe a fusão de tributos e a redução da carga tributária para pessoas mais pobres e o aumento para as mais ricas. Essa última sugestão enfrenta uma série de lobbies empresariais e tem menos chance de prosperar na íntegra. Além disso, foi apresentada por partidos de esquerda opositores de Bolsonaro e que somam menos de 150 dos 513 deputados, ou seja, número insuficiente para atingir o quórum mínimo da Câmara, que é de 308 votos. “É preciso simplificar a tributação, mas, não apenas isso e torná-la mais justa”, ponderou o líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ).

A princípio, nenhum dos três projetos prevê a redução da arrecadação de impostos. No caso das duas propostas que têm maior simpatia do Governo, a expectativa é que a simplificação traga mais investimentos e, em médio prazo, mais recursos. O projeto da oposição para a reforma prevê a redistribuição de quanto cada um paga de imposto. “Os mais ricos têm de pagar mais que os mais pobres. Quando se tributa consumo, todos pagam igual”, afirmou André Figueiredo, líder do PDT. Segundo ele, ainda que não se preveja diminuir a carga tributária, essa possibilidade não foi descartada.

O Governo ainda tentará dar andamento ao seu plano de privatizações – que inclui a venda da Eletrobrás, da empresa de dados Serpro, dos Correios e da Dataprev—a votação do projeto de autonomia do Banco Central, assim como das PECs enviadas no ano passado que tratam da extinção de cidades pequenas. Há ainda as PECs da criação de medidas emergenciais para Estados e municípios em crise financeira, e o fim de uma série de fundos públicos com a destinação de seu orçamento para abater dívidas ou fazer caixa.

Um dos entraves para dar celeridade aos trabalhos são as eleições municipais. Entre agosto e outubro parte dos parlamentares brasileiros estarão envolvidos nas campanhas eleitorais para eleger prefeitos e vereadores de 5.570 municípios brasileiros. Alguns desses congressistas devem disputar as prefeituras, outros, tentarão ampliar sua base de apoio, elegendo seus aliados. Por essa razão, a tendência é que haja um esvaziamento do Congresso Nacional ao longo desses dois meses. Sobre isso, Maia disse não acreditar em dificuldades. “Todo mundo está pronto para votar”, afirmou.


Afonso Benites: Os acenos de Bolsonaro para colocar Sergio Moro na "gaiola dourada” do STF

Com eventual nomeação de ministro, presidente garante aliado na Corte, elimina adversário em disputa pela reeleição e o afasta de Doria e Huck

Quando foi sabatinado por um grupo de jornalistas no programa Roda Viva, da TV Cultura, o ministro da Justiça, Sergio Moro, foi criticado por bolsonaristas que cobravam uma defesa mais enfática de seu chefe, o presidente ultradireitista Jair Bolsonaro. Uma semana depois, foi a vez de Moro tentar se redimir, quando ainda se especulava o quanto a ameaça de Bolsonaro de fatiar o ministério nas mãos do ministro havia danificado a complexa relação entre os dois. Na rádio Jovem Pan, Moro, entrevistado por jornalistas, fãs e humoristas do programa Pânico, não quis deixar dúvidas a respeito e se declarou fiel ao presidente —uma lealdade tamanha que só falta, nas palavras do próprio ministro, fazer uma tatuagem na testa anunciando que apoiará a candidatura à reeleição de Bolsonaro eem 2022.

“Eu já falei um milhão de vezes. Toda hora me perguntam isso, daqui a pouco eu vou ter que tatuar na testa. Em 2022, o presidente já apontou que pretende ir para reeleição. É uma decisão dele. E, claro, eu sou ministro do Governo, eu vou apoiar o presidente”.

A inflexão do ministro e ex-juiz da Lava Jato é sintomática. No Palácio do Planalto e entre analistas que acompanham o dia a dia da política em Brasília, há quem diga que o cenário está desenhado. Para não alimentar um adversário dentro de sua própria casa, Bolsonaro estaria decidido a indicar Moro para vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal que será aberta em novembro, quando Celso de Mello se aposentará compulsoriamente por fazer 75 anos de idade. Não é só de olho na reeleição que o presidente está. “Se você o nomeia na vaga que se abre neste ano, você prende o Moro numa gaiola dourada. É tudo o que o presidente precisa”, afirmou o cientista político Ricardo Caldas, professor da Universidade de Brasília.

O movimento no xadrez político também garante um apoiador de primeira hora para as causas de interesse do presidente que chegarem à Corte, afasta a aproximação dele com outros presidenciáveis —como o governador paulista João Doria (PSDB) ou o apresentador da TV Globo Luciano Huck (sem partido)— e abriria um espaço para a recriação do ministério da Segurança Pública e consequente loteamento da área por representantes da “bancada da bala”. Na última semana, Bolsonaro articulou para que a cisão do Ministério da Justiça voltasse à pauta. E, oficialmente, secretários da Segurança Pública apresentaram a sugestão ao mandatário, que em um primeiro momento disse que estudaria o tema. Depois, quando atingiu o objetivo de dar uma espécie de castigo ao seu ministro, disse que a ideia estava descartada.

Bolsonaro estava insatisfeito com a ausência de defesa enfática de seu Governo por parte de seu ministro-estrela. Em dado momento do Roda Viva, da TV Cultura, Moro chegou a pedir para não falar sobre o presidente, mas, sim, sobre a gestão dele à frente do ministério. Agora, respondendo de maneira descontraída para o Pânico, da Jovem Pan, Moro se comparou, indiretamente, a Dom Pedro I, que em 1822, quando era príncipe regente decidiu ignorar as ordens de seu pai, Dom João VI, e avisou que ficaria no Brasil, ao invés de retornar a Portugal. “Vai ser o segundo Dia do Fico no Brasil”, disse, ao ser questionado se sairia da pasta da Justiça.

Moro sabe que até a indicação ao STF se concretizar, caso ela de fato ocorra, há um longo caminho. “Ele está sempre de saia justa. Se fizer uma defesa apaixonada do Bolsonaro, vão chamá-lo de bolsominion, o que ele não quer. Se ele criticar, ele perde apoio do presidente. Não pode nem sorrir, nem fazer careta. Hoje, ele ainda está dependente do presidente”, analisou o professor Caldas. E chegar ao Supremo não impede que o ex-juiz abandone a vida política. Nesse cenário, não estaria descartada uma candidatura dele ao Planalto em 2026.

Aparentemente, o movimento feito por Bolsonaro também serviu aos interesses do Governo no Legislativo. Nesta semana, emissários do Planalto se reuniram com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, para discutir uma pauta comum para o primeiro semestre legislativo, que se inicia na próxima semana. “Quando Bolsonaro sinalizou que daria a Segurança para o Alberto Fraga, ele queria agradar ao Maia. Como a reação negativa foi forte, ele voltou atrás. Mas o Maia não pode alegar que Bolsonaro não tentou”, afirmou o especialista. O presidente da Câmara era um dos entusiastas da separação dos ministérios.

Para Caldas, se Moro for nomeado para o STF, já há quem o substitua para ajudar Bolsonaro a angariar apoio popular, a atriz Regina Duarte, que está prestes a assumir a Secretaria Nacional de Cultura. Sai uma celebridade do Judiciário, entra uma celebridade da TV. “O presidente precisa de alguém com credenciais conservadoras impecáveis para dividir essa atenção com ele”, disse.