Afonso Benites

Afonso Benites: Lira sela vitória dupla de Bolsonaro no Congresso, mas deixa Planalto refém do Centrão

Deputado do Progressistas de Alagoas vence Baleia Rossi por 302 a 145. Como primeiro ato, presidente dissolve bloco de seu opositor e cancela eleição de seis dirigentes da Casa

Quatro anos atrás, o então deputado federal Jair Bolsonaro concorria à presidência da Câmara e resolveu fazer uma “denúncia”. Disse ele: “Sabemos que o Executivo sempre interferiu nos trabalhos desta Casa, em especial por ocasião das eleições. Hoje temos uma Câmara que não cria leis, que não fiscaliza e que não representa os anseios do povo. O Poder Legislativo se apresenta subserviente ao Executivo e submisso ao Judiciário”. Sua candidatura de protesto rendeu 4 votos.

O vencedor na ocasião foi Rodrigo Maia (DEM-RJ), que contou com o apoio de boa parte do Centrão, o grupo fisiológico de centro-direita. O jogo virou. Agora é Bolsonaro, ocupante da Presidência, que colhe os louros de ter agido abertamente para interferir na eleição da Câmara e celebra nesta segunda-feira a vitória contundente do líder do Centrão, deputado Arthur Lira (PP-AL), como novo comandante da Casa, formulador da agenda estratégica do Legislativo brasileiro e, não menos importante, dono da prerrogativa de por ou não em análise pedidos de impeachment.

Arthur Lira derrotou em primeiro turno, com 302 votos contra 145, o candidato de Maia e da oposição, Baleia Rossi (MDB-SP). O resultado faz com que Bolsonaro se una ainda mais ao Centrão, a quem ofereceu até quatro ministérios, dezenas de cargos no segundo e terceiro escalões, além de entregar pelo menos 3 bilhões de reais em emendas extraorçamentárias. Se, por um lado, o presidente começa seus dois últimos anos de mandato com uma relação mais azeitada com o Congresso ―o presidente também emplacou um aliado, Rodrigo Pacheco, na presidência do Senado―, por outro, fica refém de grupo que não é conhecido pela lealdade, mas pelo extremo pragmatismo: se os ventos dos recursos públicos secarem e os da popularidade do Planalto minguarem de vez, Lira pode deixar de ser a blindagem que que o ultradireitista almeja contra um processo de destituição.

A aliança do presidente com Lira também sela de vez o fim do discurso de rejeição da “velha política” e contra desvios de conduta que marcou a campanha eleitoral bolsonarista. Ao longo da corrida para a Presidência da República, Bolsonaro e seu entorno criticavam severamente o Centrão. O hoje ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, cantarolou em um evento: “Se gritar pega Centrão, não fica um, meu irmão”. Foi uma paródia da canção que troca a palavra ladrão por Centrão.

Ex-integrante da elite da tropa de choque de Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara preso pela Operação Lava Jato, o novo presidente da Casa é réu no Supremo Tribunal Federal pelo crime de corrupção passiva. Ele é acusado de receber 106.000 reais em propina de Francisco Colombo, então presidente da Companhia Brasileira de Transportes Urbanos que queria o seu apoio para seguir no cargo. O crime teria ocorrido em 2012 e até hoje seu julgamento não foi concluído. Por ser réu, Lira não pode ocupar a cadeira presidencial, mesmo sendo o segundo na linha sucessória. Caso Bolsonaro e o seu vice Hamilton Mourão se ausentem temporariamente do país, renunciem ou morram, o deputado não poderia assumir a cadeira presidencial.

O apoio que poderia parecer um contrassenso para a base bolsonarista, não o foi, em um primeiro momento. Levantamento do Departamento de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas mostra que a base conservadora de Bolsonaro se engajou na candidatura de Lira. Em grupos pró-governo no WhatsApp e no Telegram, monitorados pela reportagem, também não havia nenhuma crítica à mudança de discurso de Bolsonaro. O principal argumento era de que Lira seria um opositor a Maia, chamado de algoz de Bolsonaro, e encarnação, junto com a mídia, do “sistema” que o impede de governar. O discurso foi usado inúmeras vezes, como no início do ano, quando o presidente disse que o “Brasil estava quebrado” e que ele não conseguia fazer nada. Agora, veremos como essa caixa de ressonância se ajusta aos novos métodos do Planalto.

Golpe contra adversário e último choro de Maia

Tido como um negociador duro assim como Cunha, Lira tomou uma decisão controversa como primeiro ato no comando da Casa. Dissolveu o bloco de seu principal adversário, Baleia Rossi, formado por PT, MDB, PSDB, PSB, PDT, Solidariedade, PCdoB, Cidadania, PV e Rede, e cancelou a eleição de outros seis cargos da Mesa Diretora. Argumentou que o bloco foi inscrito ilegalmente para a disputa na tarde desta segunda-feira, depois do horário-limite para a inscrição de concorrentes, às 12h, e mesmo assim chancelado por Maia. O novo presidente da Câmara marcou a nova eleição para os cargos para às 16h desta terça-feira, mas o caso pode acabar sendo levado ao STF.

Todo o movimento de Lira visa evitar que partidos de esquerda que apoiaram a candidatura de Rossi, como o PT, tenham a prioridade em escolher qual cargo irá ocupar. O novo presidente da Câmara e seus aliados entendem que, como eles têm um maior número de partidos, caberia ao seu grupo escolher as posições primeiro. Como de costume, o Centrão está de olho em cargos. Dessa vez, o grupo de Lira quer a 1ª vice-presidência e a 1ª secretaria, esta que é uma espécie de prefeitura da Casa, e também é responsável pelas finanças. O objetivo é deixar cargos irrelevantes aos petistas, como a 4ª secretaria ou uma suplência.

Na coroação de Lira não faltaram homenagens ao chamado baixo clero da Câmara como provocações a Rodrigo Maia, que terminou um dos mais longevos períodos de comando da Casa da história brasileira de maneira melancólica. O líder do Centrão afirmou que privilegiará a coletividade em detrimento a pessoalidade dada por Maia na condução da Casa. Iniciou sua fala em pé, ao lado da cadeira de presidente da Câmara, que ele disse não ser um trono de um absolutista. “De pé, em homenagem a todos os presentes, de todos os partidos, aos que votaram e aos que não votaram em mim. É um gesto de respeito a este plenário, o verdadeiro e único presidente da Câmara”, afirmou aos seus pares. Prometeu que o Legislativo será independente, harmônico e responsável, que olhará à direita, ao centro, e à esquerda ―o quanto seguirá os interesses do Planalto é uma pergunta ainda em aberto.

Já Maia teve seu último ato como protagonista de primeira linha em Brasília. O deputado do DEM atraíra as atenções durante todo o dia desde que, prevendo a derrota acachapante de seu candidato com a participação do seu próprio partido, ventilou a possibilidade de pôr em análise um dos pedidos de impeachment contra Jair Bolsonaro, um passo que jamais cogitou fazer no último ano. À tarde, negou: “Eu nunca disse que ia dar (andamento ao processo). Vocês (da imprensa) ficam ouvindo as pessoas e não confirmam comigo”, afirmou à Agência Câmara. Na cadeira de presidente da Câmara pela última vez, chorou. A Maia, Lira reservou uma frase feita de peso simbólico: “A História irá julgar o seu legado.”Adere a


Afonso Benites: A receita de Bolsonaro para vencer no Congresso de braços dados com o Centrão

O deputado Arthur Lira e o senador Rodrigo Pacheco são favoritos para ganharem as presidências do Legislativo na próxima segunda-feira. Com popularidade de presidente em queda, mas ainda alta, impeachment fica em segundo plano

Ao custo de quatro ministérios e da liberação de dezenas de bilhões de reais em emendas parlamentares, o presidente Jair Bolsonaro está em vias de ter aliados no comando da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Seus candidatos, respectivamente, Arthur Lira (Progressistas-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG), caminham para serem eleitos para as presidências das duas Casas na próxima segunda-feira, dia 1º de fevereiro. Caso se confirmem essas vitórias, Bolsonaro abraça de vez a velha política que sempre criticou. E exatamente da maneira que prometeu que não o faria, liberando recursos, negociando cargos por apoio. Não é uma vitória menor para um presidente que enfrenta queda de popularidade, ainda que mantenha um patamar alto de apoio. Com ela, Bolsonaro consegue deixar um eventual processo de impeachment em stand by e pode progredir com sua pauta conservadora no Legislativo. Nesse sentido, estão previstos projetos de lei que pretendem ampliar o armamento da população, o avanço da proposta de prisão após condenação em segunda instância e a que vincula as polícias militares à União.

Na Câmara, na tentativa de frear o avanço de Bolsonaro, o principal adversário de Lira na disputa, Baleia Rossi (MDB-SP), usou seu padrinho político, o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para denunciar a compra de votos em troca de emendas parlamentares. Nos últimos dias, Maia tem dado seguidas declarações criticando o Palácio do Planalto. Afirmou que Bolsonaro liberaria 20 bilhões de reais em emendas extraorçamentárias para os parlamentares. E chegou a ligar para o ministro Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, para reclamar da tentativa de interferência do Governo.

“A forma com o Governo quer formar maioria não vai dar certo, porque essas promessas não serão cumpridas em hipótese alguma. Não há espaço fiscal”, reclamou Maia. “Todos estão legitimados para exercer suas funções, nenhum parlamentar pode ser prejudicado por ser a favor ou contra o Governo”.

Outro concorrente ao cargo e que tem chances quase nulas de vencer, o deputado Alexandre Frota (PSDB-SP), reforçou esse avanço do Governo entre os congressistas. “Os deputados estão se vendendo para o Bolsonaro. Claramente trocam votos por cargos, por emendas”, disse ao EL PAÍS. Uma reportagem publicada nesta quinta-feira pelo jornal O Estado de S. Paulo mostrou que, nas últimas semanas, o Governo já abriu a torneira para abastecer prefeituras e governos indicados pelos parlamentares nas emendas extraorçamentárias. Foram 3 bilhões de reais destinados a afilhados de 250 deputados e de 35 senadores.

Com apoio dos partidos de esquerda, Rossi insiste no discurso da independência do Legislativo. A expectativa na Casa é que ele atinja cerca de 200 votos. Para ser eleito são necessários ao menos 257, entre os 513 deputados. Já Lira, conta com aproximadamente 240. Nessa contabilidade, deve haver segundo turno. Há pelo menos outros seis concorrentes ―Frota, Luiza Erundina (PSOL-SP), André Janones (AVANTE-MG), Fábio Ramalho (MDB-MG), Marcel Van Haten (NOVO-RS) e Capitão Augusto (REP-SP).

Além das emendas palacianas, Lira tem dito aos seus eleitores que terá o poder de indicar até quatro ministros, além de seu séquito de assessores. É o que se chama de ministérios com porteiras fechadas onde é possível administrar primeiro, segundo e terceiro escalões. Na conta estariam os ministérios da Saúde, do Turismo e mais dois que ainda estão sendo discutidos. Para acomodar o grupo de Lira, o Centrão, há ainda a possibilidade de se recriar o Ministério da Previdência, que hoje está sob o guarda-chuva da Economia.

“O Lira joga com a máquina do Governo em seu favor, que culminaria até em uma reforma ministerial”, diz o cientista político Leonardo Barreto. Como seu ativo, ainda é apontado o fato de conhecer “a alma dos deputados do baixo clero”, como diz esse especialista, e por ser um “cumpridor de acordos”. “É aquela coisa de fio do bigode. Por isso, o Centrão está hermético com ele”.

Os ventos do Centrão

Em Brasília, o Centrão costuma seguir dois ventos: o da aprovação/rejeição popular e o do dinheiro. Onde houver recursos, lá estará esse grupo. A eleição de Eduardo Cunha (MDB-RJ) e de Rodrigo Maia para a presidência da Câmara, assim como o impeachment de Dilma Rousseff (PT) da Presidência da República tiveram a digital desse grupo fisiológico. Na prática, isso quer dizer que, nas atuais circunstâncias, uma destituição de Bolsonaro dificilmente ocorrerá com Lira no comando da Câmara. Já há ao menos 63 pedidos de impeachment esperando a análise do presidente da Casa. Só haverá uma mudança de rumos se as duas condições primeiras para o Centrão mudem: as promessas ao grupo não seja cumpridas e Bolsonaro sofrer uma desidratação severa de aprovação.

Ainda assim, o termo impeachment voltou ao vocabulário de Brasília, ao menos como instrumento de pressão. Nesta quarta, o vice-presidente Hamilton Mourão afirmou que irá exonerar o chefe da assessoria parlamentar da Vice-Presidência da República, Ricardo Roesch, depois que o site Antagonista revelou que ele trocou mensagens com o chefe de gabinete de um deputado federal sobre articulações no Congresso Nacional para um eventual impedimento de Bolsonaro. É bom estarmos preparados”, diz uma das mensagens. Roesch diz que as mensagens não são suas, mas Mourão não cedeu: “Esse assessor avançou o sinal”.

Na quarta-feira, Bolsonaro admitiu que tinha o objetivo de influir na eleição da Câmara. Disse ainda que Lira seria “o segundo homem na linha hierárquica do Brasil” ―na verdade, é o terceiro e com problemas porque é réu em ações penais, e Bolsonaro pulou justamente o vice Mourão da sua conta. Quando indagado sobre essa afirmação do mandatário, Lira disse que “na presidência da Câmara ninguém influi”. “Se eleito, serei independente, altivo, autônomo e harmônico”, afirmou o parlamentar nesta quinta.

Baleia é classificado como uma pessoa com pouca experiência e que ficou presa a Maia, que demorou a definir o seu candidato. “Em seu favor ele tem apoio de 20 dos 27 governadores que entendem que ele terá mais condições de encaminhar uma reforma tributária que seja benéfica aos Estados”, avalia Barreto.

As diferenças entre eles podem ser vistas nas postagens que fazem nas redes sociais. O discurso de Lira é dirigido aos deputados. “Para simplificar: eu sou o candidato da palavra cumprida e do aperto de mão”, disse em uma mensagem o membro do PP. Enquanto que Baleia fala para o público externo e reforça a necessidade de se desvincular do Planalto. “Quem se incomoda com o protagonismo da Câmara nos últimos tempos, na verdade, deseja um Parlamento de joelhos para o Executivo. Somos diferentes”, afirmou.

Dobradinha Bolsonaro-Alcolumbre

No Senado, a atuação do presidente conta com o apoio e a articulação do atual presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP). O candidato deles, Rodrigo Pacheco, já conta com apoio de mais de 45 dos 81 senadores, o que seria suficiente para garantir a eleição. O número pode ultrapassar os 50 votos. Parte desse suporte ocorreu porque o MDB rachou e abandonou a própria candidata, Simone Tebet (MDB-MS). Neste caso, a cisão ocorreu porque Pacheco e Alcolumbre negociaram com emedebistas um cargo na Mesa Diretora e a presidência de comissões relevantes da Casa, como a de Constituição e Justiça.

Nesta quinta-feira, ela manteve sua candidatura, dizendo que seria uma candidata independente. Reforçou que o jogo atual é muito pesado. E, sem citar nomes afirmou: “Quererem transformar o Senado da República em um apêndice do Executivo”. A imagem de sua entrevista coletiva simbolizava exatamente o momento em que ela vive. Estava sozinha. No dia em que o MDB anunciou que apresentaria o seu nome para a disputa, ela estava cercada de correligionários.

Dois anos atrás, quando abriu mão de ser candidata para apoiar o atual presidente em uma apertada disputa com Renan Calheiros (MDB-AL), Tebet ouviu as seguintes palavras de Alcolumbre da tribuna do Senado: “Se você tivesse vencido em sua bancada, eu não estaria aqui [disputando a presidência]”. No mesmo discurso, disse que ela era “gigante, uma guerreira”. Agora, foi ele quem articulou para derrubá-la.

“Ela é a candidata de um grupo que diz ser diferente e que ajudou a eleger Alcolumbre. Agora, esse grupo está órfão, depois que o atual presidente cedeu aos antigos grupos que sempre comandaram o Senado”, diz o cientista político Leonardo Barreto.

A união Pacheco/Alcolumbre/Bolsonaro conseguiu ainda reunir antagonistas na política nacional. No mesmo barco estão o senador Flávio Bolsonaro (REP-RJ), filho do presidente e investigado pelo esquema de rachadinhas, Ciro Nogueira, o presidente do PP que é investigado por corrupção, e estridentes opositores do Planalto, como senadores do PT, da REDE e do PDT, que volta e meia bradam por impeachment.

Para o líder do PT no Senado, Rogério Carvalho (PT-SE), essa insólita união é pontual, representa um rechaço de seu partido a Simone Tebet e a uma aprovação à garantia que Pacheco teria dado à oposição para ocupar espaços em comissões e ter voz no plenário. “Uma coisa é a política eleitoral daqui para fora. A outra é a que ocorre aqui. Nossas diferenças ideológicas não estão em jogo nesta eleição”, afirmou Carvalho.


Afonso Benites: TCU aperta cerco sobre gastos com publicidade do Governo Bolsonaro

Decisão veta verba em sites e perfis no YouTube de atividade ilegais, como jogo do bicho, ou em canais infantis. Escrutínio é novo revés para máquina de propaganda do Planalto

Uma decisão em caráter cautelar, de efeito imediato e preventivo, do ministro Vital do Rêgo, do Tribunal de Contas da União, impedindo que o Governo Jair Bolsonaro anuncie em diversos sites e canais do YouTube se soma a uma série de reveses para o Planalto em sua estrutura de propaganda oficial e extraoficial. Na sexta-feira, o ministro proibiu que o Ministério das Comunicações veiculasse publicidade em meios que promovam atividades ilegais, como jogo do bicho, por exemplo, ou em que o conteúdo não tenha relação com o público-alvo de suas campanhas, como o infantil. Os valores gastos com esses anúncios ou o tamanho das páginas atingidas não foram divulgados. Por conta dessa ação, o Governo terá de divulgar todas as inserções publicitárias programadas pela Secretaria de Comunicação, a Secom.

A decisão de Rêgo cita casos em que foi veiculada publicidade em páginas que disseminavam fake news, conteúdo infantil, a favor do jogo do bicho ou no idioma russo. A ação foi baseada em uma reportagem do jornal Folha de S. Paulo que revelou os gastos da então Secretaria de Comunicação da Presidência da República nesses meios específicos no ano de 2019, quando o Planalto produziu peças publicitárias em alusão à reforma da Previdência, que acabou sendo aprovada naquele ano. Atualmente, a Secom é vinculada ao recriado Ministério das Comunicações.

Para o ministro Rêgo há sinais de “flagrante desperdício de recursos públicos”. Diz trecho da decisão: “O caso em relevo —divulgar matérias afetas a regime jurídico-administrativo a crianças, sejam elas brasileiras ou de qualquer outra nacionalidade— equivale a vender areia no deserto, gelo nos polos ou água nos oceanos”.

Os anúncios veiculados nessas páginas eram feitos via Google Adsense, que é uma ferramenta na qual o anunciante pode filtrar seu público. Por exemplo, escolhe qual é a faixa etária de seu alvo, a temática tratada pelo veículo ou se trata de temas ilegais. Algo que, aparentemente, não foi feito pelo Palácio do Planalto. Em nota à Folha, a Secom afirmou que o Governo “não interfere na seleção do Google Ads, realizada por algoritmos, e nunca investiu recursos públicos com base em preferências pessoais ou políticas”.

Em sua decisão, Vital do Rêgo ainda cobrou explicações do Governo nos próximos 15 dias e exigiu que o ministério apresente “informações detalhadas sobre todas as veiculações/inserções do Governo Federal em plataformas/mídias/canais realizadas por meio da compra de espaços publicitários”.

A divulgação detalhada dos dados da Secom pode ser mais combustível para o escrutínio às ações de propaganda do presidente e do Governo. Mas não é o único movimento que mira a maquinária de propaganda do bolsonarismo, especialmente na Internet. A escalada judicial e empresarial contra os militantes iniciou em maio, quando o Supremo Tribunal Federal deu andamento ao inquérito das fake news e apreendeu uma vasta quantidade de documentos, celulares e computadores de 29 blogueiros e youtubers bolsonaristas. Na mesma ocasião, foram autorizadas as quebras de sigilo contra quatro empresários suspeitos de financiar a disseminação de desinformação.

No mês seguinte, os alvos foram quem apoiou atos antidemocráticos, entre eles dez deputados e um senador da base do Governo que também tiveram seus sigilos levantados. Nesse ínterim, desembarcou no Brasil a iniciativa Sleeping Giants, que estimula empresas a deixarem de financiar veículos que divulgam boatos, a maioria delas ideologicamente vinculadas à gestão Bolsonaro – ao menos dois e sites e cinco apoiadores foram descapitalizadas até o momento, com perdas aproximadas de 448.000 reais.

Por fim, o Governo ainda viu o Facebook e o Instagram encerrarem 88 perfis, grupos e contas vinculadas a apoiadores do presidente, entre eles o assessor presidencial Tércio Arnaud Tomaz, número dois da estratégia digital do mandatário. Neste caso, o conglomerado comandado por Mark Zuckerberg reagiu à pressão internacional de patrocinadores, que ameaçaram deixar de anunciar em suas redes caso não houvesse uma filtragem de perfis que disseminassem discursos de ódio ou espalhassem desinformação. Em outros quatro países – EUA, Canadá, Equador e Ucrânia – foram fechadas outras 402 contas por “comportamento inautêntico coordenado”.O caso em relevo —divulgar matérias afetas a regime jurídico-administrativo a crianças, sejam elas brasileiras ou de qualquer outra nacionalidade— equivale a vender areia no deserto, gelo nos polos ou água nos oceanos.

Os movimentos têm desagradado o presidente, que reagiu, mesmo em isolamento por estar com coronavírus. Em live na última quinta-feira, o presidente disse que quem o apoia tem sido censurado. “Vemos que o Facebook derrubou páginas em todo o mundo. No Brasil, sobrou pra quem está do meu lado, pra quem é simpático à minha pessoa. A esquerda fica posando de moralista, mas olha aqui, blog me associando ao nazismo. Bolsonaro decapitado. Ninguém fala em derrubar essas páginas”, disse o mandatário.

Em tese, essa rede de desinformação que vem sendo desbaratada em diversas frentes pode afetar o julgamento de ações que tramitam no Tribunal Superior Eleitoral que pedem a cassação da chapa Bolsonaro-Mourão. Na eleição de 2018, havia claro uso de divulgação de fake news em favor da candidatura que venceria o pleito.


Afonso Benites: Após flerte com golpe, Bolsonaro diz que missão de militares é a defesa da democracia

Presidente participou de cerimônia de sepultamento de soldado paraquedista morto em acidente, no Rio. Ele tem evitado ator públicos desde a prisão de aliado Fabrício Queiroz

Em sua primeira aparição pública após a prisão de seu amigo Fabrício Queiroz, o presidente Jair Bolsonaro amenizou o tom crítico de seus discursos e afirmou que a missão das Forças Armadas é defender a democracia. A fala de Bolsonaro ocorreu neste domingo, no Rio de Janeiro, durante a cerimônia de sepultamento do corpo de Pedro Lucas Ferreira Chaves, um soldado paraquedista do Exército morto em treinamento. “A nossa missão, a missão das Forças Armadas, é defender a pátria, é defender a democracia”, disse o presidente. No mesmo evento, o presidente afirmou que ele e os militares estão “a serviço da vontade da população brasileira”.

Nos últimos meses, ele tem radicalizado e flertado com uma espécie de autogolpe com o apoio dos militares para se manter no poder. Já disse, por exemplo, que não aceitaria um “julgamento político” de seu mandato. E sugeriu, em mais de uma ocasião, que, conforme o artigo 142 da Constituição Federal, as Forças poderiam agir como um poder moderador para intervir em outros poderes. Essa tese já foi rejeitada em ao menos duas decisões de ministros do Supremo Tribunal Federal nos últimos dias. O ministro Roberto Barroso, do STF, classificou esse entendimento de “terraplanismo constitucional”.

Ex-paraquedista, Bolsonaro se mostrou emocionado na solenidade que contou com dezenas de pessoas em um período em que o país enfrenta uma pandemia do novo coronavírus, com mais de 50.000 óbitos registrados. O gesto contrasta com a atitude do presidente diante da pandemia no Brasil. Desde o início da crise sanitária jamais fez alguma manifestação direta de condolências aos familiares das vítimas da enfermidade como a deste domingo, direcionada aos parentes do soldado. “Todos nós, ao lado do Chaves, devemos nos preparar para, se um dia a nação assim o pedir, se preciso for, darmos a vida pela nossa pátria e pela nossa liberdade”, disse Bolsonaro.

Em Brasília, o discurso é visto como uma tentativa de pacificação, ainda que temporária, com parte do Congresso e, principalmente, com o Judiciário, de onde tem partido as principais derrotas de Bolsonaro e na qual ele sofreu uma série de ataques nas últimas duas semanas.

Entre as derrotas do presidente está exatamente a prisão do ex-policial militar Queiroz na quinta-feira passada na casa do advogado da família Bolsonaro, Frederick Wassef. Queiroz foi assessor do senador Flávio Bolsonaro, primogênito do presidente. É investigado por comandar um esquema de rachadinha, no qual se apropriava de parte dos salários dos servidores do gabinete de Flávio.

O presidente também se deparou com o avanço de dois inquéritos que resultaram na apreensão de documentos, computadores e celulares de 50 apoiadores seus, testemunhou a quebra de sigilo de 11 parlamentares governistas e de quatro empresários suspeitos de financiarem manifestações antidemocráticas. Atos estes que pediam o fechamento do Congresso, do Supremo e, em alguns casos, de intervenção militar.

Neste domingo, foi registrado mais um ato em Brasília, um dos poucos em que o presidente não participou. O ato foi esvaziado, assim como em outras cidades, como São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Além de evitar participar do ato da manifestação, o presidente também mudou, ainda que provisoriamente, o hábito de se aproximar de seus apoiadores. Faz quatro dias que ele não conversa com os fãs que o aguardam na entrada do Palácio da Alvorada, a residência oficial da Presidência da República.

Nos bastidores, ele fez dois movimentos. Sinalizou aos militares que ainda o apoiam que tomará mais cuidado com o que fala, para não radicalizar os discursos, e pediu para três de seus ministros se encontrarem com o ministro do Supremo, Alexandre de Moraes. Ele é o relator de duas investigações que atingem bolsonaristas.

O encontro entre os ministros ocorreu na sexta, 19, e contou com a participação de André Mendonça (Justiça), Jorge Oliveira (Secretaria-Geral) e José Levi do Amaral (Advocacia-Geral da União). Moraes também é ministro no Tribunal Superior Eleitoral e está nas mãos dele a continuidade do julgamento de dois dos oito processos que pedem a cassação da chapa presidencial eleita em 2018 por disseminação de desinformação, fake news.

Se antes Bolsonaro falava muito para o seu extremista público, com a perda de apoio e os ataques vindos de diversos flancos que podem resultar na perda de mandato, agora, ele ameniza os seus discursos. Só não está claro quanto tempo dura essa trégua.


Afonso Benites: Militares e cúpula do Legislativo intervêm para manter Mandetta, a despeito de Bolsonaro

Alcolumbre adverte Planalto sobre estremecimento com Parlamento, em caso de demissão. Ministro pede “paz” para trabalhar

Desconfortável por ter um subordinado que pensa e age diferente de si, o presidente Jair Bolsonaro pretendia demitir Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde nesta segunda-feira e trocá-lo pelo deputado federal Osmar Terra. Não conseguiu. Assim que a notícia veio à tona, começaram as poderosas pressões para evitar que o mandatário concretizasse a exoneração do ministro, que é mais popular que o seu próprio chefe por causa da coordenação das ações de enfrentamento à pandemia da Covid-19.

Houve quatro frentes de críticas contra a decisão até então tomada pelo presidente: 1) generais do Exército, um deles na ativa, com assento no Planalto, disseram que lhe faltaria apoio popular e político para demitir um ministro que tem seguido as recomendações das principais autoridades sanitárias do mundo; 2) congressistas o alertaram sobre a possibilidade de atrapalhar ainda mais a relação no Legislativo e de ver um dos pedidos de impeachment contra ele prosperar em médio prazo; 3) no Judiciário, ao menos dois ministros do Supremo Tribunal Federal queixaram-se de falta de liderança política no país e; 4) nas redes sociais, pulularam manifestações de apoio a Mandetta. O ministro ganhou ainda uma demonstração de suporte entre os seus: cerca de 150 servidores do Ministério da Saúde fizeram um protesto em frente à sede do órgão para ameaçar uma demissão coletiva, caso se concretizasse sua exoneração.

Novo round
No domingo, Bolsonaro demonstrou, mais uma vez, estar descontente com a atuação de Mandetta na pasta. Ao falar a um grupo de religiosos apoiadores que o aguardavam na entrada do Palácio da Alvorada, o presidente disse que havia ministros que estavam se sentindo estrelas e que poderia usar a “caneta” contra eles. Não citou nomes. Mas o recado foi direto ao ministro da Saúde. “Algumas pessoas no meu Governo, algo subiu à cabeça deles. Estão se achando. Eram pessoas normais, mas de repente viraram estrelas. Falam pelos cotovelos. Tem provocações”, afirmou. “Mas a hora deles não chegou ainda não. Vai chegar a hora deles. A minha caneta funciona. Não tenho medo de usar a caneta nem pavor. E ela vai ser usada para o bem do Brasil, não é para o meu bem. Nada pessoal meu. A gente vai vencer essa”, declarou o presidente.

No sábado, o ministro deu mais uma demonstração dos holofotes que atraiu: gravou um vídeo para músicos campeões de audiência no Brasil que fizeram apresentações ao vivo em suas redes sociais, como Xand do Avião e Jorge & Mateus. Na gravação, Mandetta disse a eles que o “show não pode parar”, mas as aglomerações, sim. Enquanto isso, a interlocutores, o ministro reagia às queixas de Bolsonaro. Disse que não aceitava ameaças. Que se Bolsonaro tivesse algo a fazer, que agisse, que o demitisse. E insistiu em seu discurso feito na semana passada quando foi questionado se abandonaria o cargo: “Médico não abandona paciente”.

Depois de um dia de inteiro de rumores e uma série de reuniões, inclusive com Bolsonaro e sua equipe de ministros, Mandetta surgiu para falar com a imprensa depois das 20h. Discursando na sede do Ministério da Saúde, em Brasília, e em mais um sintoma de uma crise com o Planalto que ganha ares surrealistas em meio à pandemia, admitiu que vários funcionários seus já estavam limpando suas gavetas para irem embora, inclusive as dele. E deu o recado: “Nós vamos continuar porque continuando a gente vai conseguir enfrentar o nosso inimigo, que tem nome e sobrenome, a Covid-19”.

A altivez do ex-deputado vinha do respaldo angariado ao longo do dia e na semana passada. O presidente do Congresso Nacional, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), transmitiu o seguinte recado a Bolsonaro por meio dos ministros-generais Luiz Eduardo Ramos (Governo) e Walter Braga Netto (Casa Civil): “o Congresso é contra a saída de Mandetta. Isso iria prejudicar a relação com o Parlamento”. Chamado para conversar pessoalmente com o presidente, Alcolumbre avisou que não o encontraria e que a discussão estava acima de questões partidárias. Mandetta é filiado ao DEM de Alcolumbre, pelo qual cumpriu dois mandatos de deputado federal por Mato Grosso do Sul.

A pressão mais intensa, contudo, veio dos militares dias antes. Na noite de quinta-feira passada, quatro generais com assento no Planalto se reuniram com Bolsonaro logo após ele conceder uma polêmica entrevista à rádio Jovem Pan, na qual disse que faltava humildade a Mandetta e que ele deveria ouvi-lo mais. O quarteto disse a Bolsonaro que ele deveria se calar para não deixar a crise sanitária e econômica ainda mais grave. Pediram para ele não mexer em sua equipe, por enquanto. Tampouco provocar governadores e prefeitos que decretaram quarentenas. Disseram que, se ele não mudasse sua postura, poderia ser pressionado a deixar o cargo.

Em um primeiro momento, parecia que o presidente tinha ouvido as advertências e acatado os conselhos. Mas as declarações no domingo e as sinalizações da segunda-feira demonstraram que não foi bem assim. Para um interlocutor que estava no encontro com os militares na quinta-feira, não ficou de todo claro se Bolsonaro esperava tamanha reação, e de tantas frentes coordenadas, contra a queda do ministro.

O cerne da discórdia entre chefe e subordinado é o fato de o ministro ser a favor do distanciamento social, com medidas que incluem o isolamento do maior número de pessoas em cidades onde haja uma disseminação da doença. O presidente, por sua vez, entende que só quem deveria se isolar seriam os grupos mais vulneráveis, idosos e pessoas com comorbidades. Bolsonaro está preocupado com os efeitos de uma inevitável quebradeira econômica, com os gastos que o Governo terá para ajudar a população mais pobre e com suas próprias perspectivas de reeleição em meio à crise sem precedentes.

Quem tem ajudado na “fritura” de Mandetta é exatamente seu potencial substituto, Osmar Terra. Deputado federal pelo MDB do Rio Grande do Sul, e demitido por Bolsonaro do Ministério da Cidadania em fevereiro, o parlamentar nega a importância do distanciamento social como ação para coibir a disseminação massiva do coronavírus, assim como o mandatário. No fim de semana agiu intensamente contra seu antigo colega de Parlamento. Participou de reuniões entre Bolsonaro e médicos que são contrários ao isolamento horizontal, publicou artigo em jornal e deu entrevistas para dizer que a quarentena não auxilia no controle da pandemia de Covid-19. Algo que é refutado pelas principais autoridades sanitárias do mundo.

Em suas redes sociais, Terra recebeu sanção do Twitter ao dizer que que a “quarentena aumenta os casos de coronavírus”. Em uma entrevista que concedeu por videoconferência, ao portal bolsonarista Crítica Nacional, o deputado disse que no Brasil não vão morrer nem 5.000 pessoas. Falou, equivocadamente, que as medidas de isolamentos não funcionaram em nenhum local do mundo e reclamou das quarentenas no país. “Essas medidas drásticas não adiantam nada. Não fica uma pessoa a mais ou a menos internada por causa da quarentena. Não tem uma pessoa a mais ou a menos morrendo por causa da quarentena. Ela não atrapalha o vírus”, afirmou.

Em um grupo de parlamentares do DEM, Mandetta chamou o deputado do MDB de “Osmar Trevas”. “Vamos seguir a ciência, disciplina, planejamento, foco. Não perca. Esses barulhos que vem ao lado, fulano falou isso, beltrano falou aqui, esquece. Eles estão aqui do lado. Apesar dos pesares, foco, aqui!”, afirmou o ministro em uma coletiva durante a noite.

Esse não foi o primeiro dia do fico de Mandetta. Nem deve ser o último até o fim da crise da pandemia. “Infelizmente começamos com mais um solavanco a semana de trabalho. Espero que possamos entrar um período de paz, daqui pra frente”, afirmou.


Afonso Benites: Bolsonaro calibra tom, mas segue sem defender isolamento social

Mandatário se viu isolado politicamente e afastado até do aliado Trump na luta contra doença. Presidente distorceu fala de diretor-geral da OMS. Panelaços soaram em várias cidades brasileiras

Uma semana depois de fazer um pronunciamento na TV negando a gravidade do novo coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro voltou às telas brasileiras nesta terça-feira com um tom algo mais moderado sobre a pandemia. Saíram as menções à “gripezinha”, como ele havia se referido à doença, os ataques à imprensa e as ironias a prefeitos e governadores que haviam determinado medidas de isolamento social para conter a velocidade de contágios. O que apareceu desta vez foi um presidente que tentou se por à frente do combate da doença, citando especialmente que empregará as Força Armadas na tarefa, que chamou de “desafio da geração”. Ele também mencionou as perdas de vidas que serão ocasionadas pela Covid-19. Como costuma fazer, no entanto, seguiu acenando à sua base radical: não mencionou nem uma vez a importância de reduzir a circulação social para conter o avanço da doença, como martelam as autoridades do Ministério da Saúde e da OMS (Organização Mundial da Saúde): “Temos uma missão, salvar vidas, sem deixar para trás, os empregos”, equiparou. Como se tornou praxe há duas semanas, o pronunciamento foi acompanhando por panelaços em várias cidades brasileiras.

Nos últimos dias, Bolsonaro tem registrado seguidas perdas de apoio político, inclusive internamente no Governo. Ao contrário de vários líderes mundiais, ele segue insistindo que só deveriam ficar isolados os idosos e as pessoas que apresentem alguma doença grave. Até mesmo o americano Donald Trump, em quem ele se inspira, mudou de ideia e tem defendido ações drásticas de isolamento até o final de abril. Uma das estratégias da cúpula bolsonarista e do próprio presidente tem sido estimular circulação de notícias falsas e desinformação a respeito do novo coronavírus. Nesta terça-feira pela manhã, Bolsonaro decidiu selecionar um trecho de uma declaração do diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, para dar a entender que o executivo da organização defende o fim do isolamento social em nome da proteção de emprego e renda. O próprio Adhanom veio a público para responder ao brasileiro, reafirmando a defesa das medidas restritivas ao lado do desenho de políticas para proteger os mais vulneráveis. No entanto, mesmo assim, Bolsonaro usou apenas o trecho que lhe interessava na TV.

Numa fala que também foi dirigida à população mais pobre, o presidente citou a sua preocupação com os empregos de diversas categorias, “como vendedores ambulantes, camelôs, vendedores de churrasquinho, diarista, ajudante de pedreiro, caminhoneiro e outros autônomos”. Bolsonaro, no entanto, ainda não sancionou um projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional que destina até 1.200 reais por família que ficar desassistida em decorrência da pandemia da Covid-19. Por ser dia 31 de março, dia do golpe militar, havia a expectativa de que o presidente falasse sobre a tomada de poder pelos militares em 1964, mas ele não o fez. Decidiu fazer uma sinalização aos militares e elogiar as ações das Forças Armadas no combate ao coronavírus. Politicamente, ele tem se sustentado cada vez mais em seu núcleo militar, ainda que haja fissuras fora do grupo que ele acolheu no Planalto. Uma eventual saída dele da presidência, ainda sem prazo definido, tem sido discutida internamente pela cúpula militar, que já informou ao vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB) que o apoiaria, em caso de assunção à chefia do Executivo.

Maior salto em um único dia
Enquanto analistas discutem quanto a conduta errática do presidente atrapalha o país no combate à Covid-19, os números da pandemia escalam. O pronunciamento do presidente foi ao ar horas depois de uma entrevista coletiva dada pelo ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, na qual ele anunciou o maior aumento diário no número absoluto de casos confirmados de coronavírus no país em um dia. Foram 1.138 novas infecções confirmadas nesta terça-feira, 20% do total acumulado desde o dia 25 de fevereiro, quando foi identificado o primeiro caso da doença no país.

Com base nos dados mais recentes do Ministério da Saúde, o Brasil soma agora 5.717 confirmados e 201 mortes pela Covid-19. O aumento representativo desta terça-feira pode estar relacionado à fila para processamento de testes nos laboratórios. Há relatos de demora de até 10 dias para a obtenção dos resultados, o que impacta as estatísticas. Mandetta também voltou a defender o isolamento social como importante ferramenta para frear a disseminação do vírus, outro ponto de divergência entre ele e Bolsonaro, que alardeia o isolamento vertical -que carece de estudos atestando sua eficácia. “No momento vamos fazer o máximo de isolamento social e incentivo ao homeworking possível”, afirmou. Ele não descarta, no entanto, mudanças nesta política, “quando chegar o momento de falar ‘estamos mais preparados’, vamos liberando e controlando pela epidemiologia. Vai ser um trabalho de muita precisão”.

Em São Paulo, epicentro da doença no país, a situação também preocupa. O Estado registrou de segunda para terça-feira 23 novas mortes, quase uma por hora, totalizando 136 óbitos relacionados ao Covid-19, de acordo com a Secretaria de Saúde. Trata-se do maior aumento em números absolutos já registrado. Para Mandetta, a situação de São Paulo tem algumas especificidades: “Mais de 80 dos 136 mortos registrados no Estado ocorreram em um mesmo hospital, que é ligado a um plano de saúde que só atende idosos”.


Afonso Benites: Reação ao coronavírus faz cúpula militar acender alerta e sinalizar apoio a Mourão

Representantes das Forças Armadas têm realizado encontros em Brasília para discutir cenários de médio e longo prazo sobre afastamento do presidente. Possibilidade de saída imediata é remota

A cúpula das Forças Armadas acendeu um sinal de alerta nos últimos dias diante das reações do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) à crise do novo coronavírus. Nesta semana, representantes da Aeronáutica, Exército e Marinha sinalizaram ao até então nem tão bem-quisto vice-presidente, general Hamilton Mourão (PRTB), que poderiam contar com o apoio deles, caso o ocupante do Palácio do Planalto deixasse o cargo por meio de um impeachment ou renúncia.

Apesar de o debate ter se intensificado desde que a crise sanitária se agravou, as chances de que Bolsonaro saia da presidência são remotíssimas. Em mais de uma ocasião ele disse indiretamente que não deixaria o cargo. “Nunca abandonarei o povo brasileiro, para o qual devo lealdade absoluta!”, afirmou em seu Twitter. E o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), responsável por dar o ponta pé inicial a um eventual processo de impeachment, declarou nesta semana que o assunto não está na pauta do Congresso, por ora.

Ainda assim, os militares têm feito seguidas reuniões em Brasília, inclusive com aliados de Bolsonaro e membros civis de seu primeiro escalão. Nesta semana, ao menos dois encontros ocorreram. Neles foram debatidos cenários hipotéticos para o médio e longo prazo.

Dois participantes dessas reuniões relataram ao EL PAÍS que o grupo está preocupado com um possível aumento repentino de registros e mortes provocadas pela doença e que isso seja vinculado ao discurso negacionista feito por Bolsonaro sobre a gravidade da Covid-19. Ressaltaram que, quando o mandatário sugere o fim das quarentenas e dos isolamentos sociais decretados por governadores e prefeitos, pode soar insensível.

Nesse cenário, avaliam que a popularidade do presidente poderia despencar e que fosse colada nele a pecha de um fracassado líder que prefere alavancar a economia do que salvar vidas. “É um discurso de que estamos em guerra. Mas quem está na linha de frente da guerra é um soldado que sabe que pode morrer. Em uma pandemia, não podemos colocar todos na mesma situação que os soldados”, afirmou, em caráter reservado, um dos membros do grupo. Responsável por atrair a maçonaria à campanha de Bolsonaro, o vice-presidente já garantiu o apoio dela caso tenha de assumir o Planalto.

Na terça-feira, o comandante do Exército, o general Edson Leal Pujol, tratou de vacinar as forças de qualquer responsabilidade sobre a crise. Na contramão do defendido pelo presidente, declarou que os militares devem, sim, se preocupar com a Covid-19 e disse que o combate à disseminação da doença “talvez seja a missão mais importante de nossa geração”.

Tem circulado em Brasília também a tese de que o presidente poderia dar uma cartada extrema e decretar um estado de sítio ou de defesa – ambos dependem de aprovação do Congresso Nacional, onde ele não tem maioria – e criam uma série de restrições de liberdade, de comunicação e a suspensão de garantias constitucionais. São atos radicais, mas que podem ser usados politicamente com base no discurso voltado para os seus, de que ele tenta “salvar o Brasil”, mas a velha política não o ajuda.

Oficialmente, o presidente nega que decretará estado de sítio ou de defesa sob a justificativa de que causaria uma sensação de pânico no país. “Acho que estaríamos avançando, dando uma sinalização de pânico para a população”, disse em entrevista coletiva na semana passada. Nas entrelinhas, porém, manda recados. Nesta sexta-feira, em entrevista ao jornalista José Luiz Datena, da TV Band, ele foi indagado se pretendia dar um golpe e fechar o país. A resposta: “Quem quer dar o golpe jamais vai falar que quer dar”.

Principalmente por essas sinalizações, os militares se aproximaram do vice-presidente. Entre os fardados, o próprio Mourão está longe de ser uma unanimidade. No meio militar, ele passou as ser visto como um radical quando, em 2015, sugeriu que as Forças Armadas poderiam fazer uma intervenção. Na ocasião, a presidenta Dilma Rousseff (PT) estava em crise e a Lava Jato começava a revelar escândalos de corrupção em série. No campo político, Mourão era a quinta opção de Bolsonaro para compor sua chapa. Foi escolhido de última hora, diante das negativas de outros políticos, dos partidos deles ou por desconfiança do próprio presidente.

Entre a família Bolsonaro, Mourão também não é bem visto. Seu principal inimigo entre o clã é o vereador pelo Rio de Janeiro, Carlos Bolsonaro (PSC). Logo no início da gestão, ele passou a receber embaixadores estrangeiros para mostrar que o Brasil não se fecharia para o mundo. Também foi o principal articulador da aproximação com a China, principal parceira comercial do Brasil. A partir de então, passou a ser visto como uma voz moderada em um governo de ultras. Entre o núcleo ideológico do governo, a aproximação com a China foi interpretado como uma traição ao presidente, que queria se afastar comunistas. Na prática, a ideologia foi colocada de lado e o comércio entre as duas nações foi mantido a pleno vapor.

Mourão foi colocado de lado. Atuou em poucos momentos-chaves, como na crise da Venezuela, quando se discutia se o Brasil apoiaria ou não uma intervenção militar para apoiar Juan Guaidó no embate com o presidente Nicolas Maduro e, mais recentemente, passou a coordenar o Conselho Amazônia, um colegiado recriado após a crise dos incêndios florestais.

Nesta semana, o vice voltou a emergir quando contrariou o seu chefe e disse que ele havia sido mal interpretado ao defender em um pronunciamento à nação que o país deveria priorizar a economia. “Pode ser que ele (Bolsonaro) tenha se expressado de uma forma, digamos assim, que não foi a melhor, mas o que ele buscou colocar é a preocupação que todos nós temos com a segunda onda como se chama nesta questão do coronavírus”.

Bolsonaro reagiu nesta sexta. Na entrevista à Band, disse que Mourão se sentia à vontade para se pronunciar por ser “indemissível”. “Com todo o respeito ao Mourão, ele é muito mais tosco do que eu. Não é porque é gaúcho, não. Alguns falam que eu sou até muito cordial perto do Mourão. Ele é o único que não é demissível no Governo, então pode ficar à vontade”.

Soma-se ainda a esse contexto, a aposta de Bolsonaro em confrontar governadores e se isolar politicamente e a ouvir panelaços contrários ao seu governo há dez dias seguidos nas principais cidades do país. Nesta semana, ele perdeu o apoio de um aliado de primeira hora, o governador goiano Ronaldo Caiado (DEM). Mas o xadrez político está distante de estar definido. Depois da pressão do presidente, três governadores autorizaram a abertura parcial do comércio em seus Estados: Rondônia, Santa Catarina e Mato Grosso. Os dois primeiros Marcos Rocha e Carlos Moisés são filiados ao PSL, antigo partido do presidente e eleitos na onda conservadora das eleições de 2018. Já o mato-grossense Mauro Mendes é emparedado pelo setor agrícola, mola propulsora da economia local. Os próximos movimentos no planalto central ainda dependerão mais da questão sanitária do que dos discursos de um lado ou de outro.


Afonso Benites: Isolado, Bolsonaro vê Exército, vice Mourão e 27 governadores marcarem distância na crise do coronavírus

Criticado por chamar doença de “gripezinha”, presidente perde aliado Caiado. Presidente do Itaú, maior banco brasileiro, diz: “Sinto falta de um administrador da crise”

Enquanto a população se isola em suas casas para tentar ajudar na contenção do novo coronavírus em boa parte do país, o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro (sem partido) fica cada vez mais isolado politicamente. Lideranças do Congresso Nacional, o vice-presidente Hamilton Mourão, representantes do Judiciário, governadores, prefeitos, entidades médicas e até parte da cúpula militar marcaram distância da conduta do mandatário na crise. Entre o pronunciamento em rede de rádio e TV na noite de terça-feira, no qual criticou medidas de isolamento social e voltou a chamar a Covid-19 de uma “gripezinha”, e o início da noite de quarta, cresceram as manifestações contrárias ao principal representante da ultradireita na América do Sul. O comportamento de Bolsonaro conseguiu até unificar discursos de seus opositores, que costumam agir de maneira desalinhada.

O presidente também foi emparedado por governadores da região mais rica e populosa do país, o Sudeste. Quase em uníssono, os representantes de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo disseram, em reunião desta quarta, que preferiam seguir as orientações da Organização Mundial da Saúde às considerações sem embasamento do presidente. Foram acompanhados pelos outros 23 governadores brasileiros.

Em uma teleconferência, um antigo aliado de palanque do presidente, o paulista João Doria (PSDB), iniciou uma discussão, dizendo que Bolsonaro precisava ter calma. “Presidente, como brasileiro e governador, peço que você tenha serenidade, calma e equilíbrio. Mais do que nunca, o senhor precisa comandar e liderar o país.” A resposta veio de maneira irritada: “Guarde suas observações para 2022, quando vossa excelência poderá destilar todo o seu ódio e demagogia”. Doria é pré-candidato à sucessão presidencial.

O mandatário também perdeu apoio de um dos poucos governadores que se declarava bolsonarista-raiz no país, o goiano Ronaldo Caiado (DEM). Médico de formação e político há mais de três décadas, Caiado foi um dos primeiros a declarar sustentação à gestão Bolsonaro. Em um duro pronunciamento, ele disse: “Não posso admitir que venha um presidente da República, lavar as mãos, e responsabilizar outras pessoas pela falência da economia e de empregos. Não faz parte da postura de um governante. Estadistas têm de assumir dificuldades do momento que passam”.

O pronunciamento de Bolsonaro na noite de terça-feira frisou dar atenção à economia, mais do que à saúde, justamente em um momento em que a curva de casos começa a ficar ascendente – são 2.433 registros de contaminados e 57 óbitos. “O sustento das famílias deve ser preservado. Devemos, sim, voltar à normalidade. Algumas poucas autoridades estaduais e municipais devem abandonar o conceito de terra arrasada, como proibição de transporte, fechamento de comércio e confinamento em massa”.

Entidades municipalistas e representantes da classe médica, chamaram o pronunciamento de equivocado. “Postura irresponsável, alicerçada em convicções sem embasamento científico, que semeiam a discórdia e até mesmo a convulsão social, compromete as relações federativas”, diz trecho de nota da Frente Nacional de Prefeitos. “Se a intenção foi acalmar, a reação da sociedade mostra que ele não alcançou seus objetivos”, afirmou o presidente de Associação Paulista de Medicina, José Luiz Gomes do Amaral.

Assim, Bolsonaro, mais uma vez, cometeu o que em política não costuma dar certo: ter de explicar o que disse em um discurso. “Pode ser que ele tenha se expressado de uma forma que não foi a melhor”, disse o vice-presidente, o general Hamilton Mourão (PRTB). Conforme Mourão, “a posição do nosso Governo, por enquanto é uma só: o isolamento e o distanciamento social”. É a mesma linha que vinha sendo adotada pelo ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.

Ao longo do dia, chegou a circular em Brasília que o ministro, um médico que já foi secretário de Saúde e deputado federal, poderia pedir demissão ou ser demitido. Seu substituto seria ou um militar que comanda a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Antônio Barra, ou o deputado e ex-ministro da Cidadania, Osmar Tera (MDB-RS). O próprio Mandetta botou panos quentes na situação. “Saio daqui na hora que acharem que eu não devo trabalhar, o presidente achar, porque ele que me chamou, ou se eu estiver doente. Ou num momento que eu achar que esse período todo de turbulência já tenha passado e eu possa não ser mais útil”.

Se não bastassem os recados da classe política, Bolsonaro teve de ouvir também os enviados pela classe econômica. Em entrevista ao jornal O Globo, o presidente do Itaú, o maior banco brasileiro, Candido Bracher, disse que sentia a falta no Executivo federal de um administrador de crises. “Sinto falta de um administrador da crise, de alguém que coordene todos os esforços do Governo e possa administrar o arsenal variado de medidas para combater a crise”.

Dos quartéis, o discurso foi prévio ao pronunciamento de Bolsonaro. Enquanto o presidente minimizava os efeitos sanitários da Covid-19, o comandante do Exército, o general Edson Leal Pujol, tratava o combate à enfermidade como um dos maiores desafios da atual geração. “Uma de nossas responsabilidades com a nação nesse momento de crise é que nossa tropa deve manter a capacidade operacional para enfrentar o desafio e fazer a diferença. Talvez seja a missão mais importante de nossa geração”, disse em um vídeo divulgado no canal do Exército no YouTube poucas horas antes do discurso do presidente.

Maia fecha porta ao impeachment
De volta à esfera política, no Congresso Nacional a percepção é de que ficou clara a tentativa eleitoral de Bolsonaro em suas últimas manifestações. Quatro congressistas que costumam se alinhar às pautas bolsonaristas no Legislativo relataram, de maneira reservada ao EL PAÍS, que o presidente está mais preocupado com sua campanha à reeleição, no longínquo ano de 2022, do que com a saúde da população. “Ele foi eleito com apoio forte do empresariado. O PIB de 2019 subiu 1,1%. Para este ano devemos ter uma recessão. Se não conseguir melhorar a economia, perde sustentação”, afirmou um parlamentar.

Entre esses legisladores, o presidente reagiu de maneira antecipada ao rebote econômico da crise, que deve vir e cuja profundidade vai depende de quão o longo processo de lockdown (fechamento) durar. “Todo mundo sabe que o Brasil não é a Europa. Que nossa economia não aguenta ficar 90 dias parada. Mas ainda estava cedo para fazer um discurso econômico. Ainda estamos há algumas semanas do pico de casos. Era melhor o Bolsonaro esperar um pouco para demonstrar essa preocupação econômica. Falar agora demonstrou insensibilidade”, disse outro congressista.

As movimentações do presidente fazem com que, ainda de maneira tímida, comece a ganhar força em Brasília grupos que defendem o impeachment do presidente. Ao menos sete pedidos foram protocolados na Câmara. Não há, contudo, uma sustentação política capaz de dar andamento a esses pedidos, por enquanto. “Não há motivo de impeachment", cortou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que é quem ter o poder legal de fazer um pedido de destituição no Congresso. “Como o Governo pode falar de isolamento vertical sem ter plano de contingenciamento para idosos de baixa renda?”, seguiu Maia. “Por mais que ache que o presidente esteja cometendo crimes contra a saúde pública, ao agir dessa maneira, temos de cuidar de uma crise de cada vez”, disse o líder de um partido de direita.

Informações sobre o coronavírus:

Clique para seguir a cobertura em tempo real, minuto a minuto, da crise da Covid-19;

O mapa do coronavírus no Brasil e no mundo: assim crescem os casos dia a dia, país por país;

O que fazer para se proteger? Perguntas e respostas sobre o coronavírus;

Guia para viver com uma pessoa infectada pelo coronavírus;

Clique para assinar a newsletter e seguir a cobertura diária.


Afonso Benites: Presidentes da Câmara e do STF criticam Bolsonaro por criar “tensão” e “clima de disputa permanente”

Oposição fala em impeachment de presidente e pede para Ministério Público investigá-lo por crime de responsabilidade após mandatário divulgar vídeo de manifestação contra Congresso

Os presidentes da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Supremo Tribunal Federal, José Antonio Dias Toffoli, criticaram a atitude do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) que por meio de dois vídeos apócrifos chamou seus apoiadores e participarem de um protesto a favor dele, convocados para 15 de março. Os organizadores da manifestação também defendem o fechamento do Legislativo e da Corte Suprema. Maia e Toffoli pediram paz e harmonia. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), não se manifestou até a conclusão dessa reportagem.

Disse Maia em uma publicação em sua conta no Twitter: “Criar tensão institucional não ajuda o país a evoluir. Somos nós, autoridades, que temos de dar o exemplo de respeito às instituições e à ordem constitucional. O Brasil precisa de paz e responsabilidade para progredir”. Enquanto que o magistrado se manifestou por meio da seguinte nota: “Sociedades livres e desenvolvidas nunca prescindiram de instituições sólidas para manter a sua integridade. Não existe democracia sem um Parlamento atuante, um Judiciário independente e um Executivo já legitimado pelo voto. O Brasil não pode conviver com um clima de disputa permanente. É preciso paz para construir o futuro. A convivência harmônica entre todos é o que constrói uma grande nação”.

Na noite de terça-feira, o jornal O Estado de S. Paulo publicou uma reportagem na qual mostrava o envio dos vídeos de Bolsonaro a um grupo de amigos pelo WhatsApp. O protesto do próximo dia 15 foi convocado por bolsonaristas depois que o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, o general Augusto Heleno, foi flagrado chamando os parlamentares de chantagistas. Na semana passada, sem saber que estava sendo filmado em um evento públco pelo perfil oficial da Presidência, Heleno disse: “Não podemos aceitar esses caras chantageando a gente o tempo todo. Foda-se”.

O pano de fundo desse debate é sobre o controle de 30 bilhões de reais do Orçamento da União. O valor representa menos de 1% de todo orçamento federal. A legislação aprovada no Congresso prevê que os parlamentares possam definir de maneira impositiva onde aplicar esses recursos. O presidente vetou esse trecho da lei e o veto presidencial deve ser votado no próximo dia 3. É sobre esse assunto que Heleno se queixou.

Nesta quarta-feira, o presidente não falou com jornalistas, como costuma fazer quase diariamente. Em seu Twitter, Bolsonaro minimizou o episódio e afirmou que há uma tentativa de tumultuar o país. “Tenho 35Mi de seguidores em minhas mídias sociais, c/ notícias não divulgadas por parte da imprensa tradicional. No Whatsapp, algumas dezenas de amigos onde trocamos mensagens de cunho pessoal. Qualquer ilação fora desse contexto são tentativas rasteiras de tumultuar a República”.

Desde a fala de Heleno, diversas convocações para protestar em apoio a Bolsonaro começaram a surgir. Em uma delas, está escrito em uma montagem: os generais aguardam as ordens do povo. Fora Maia e Alcolumbre. É acompanhada de imagens de quatro generais da reserva: o vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB), o ministro Augusto Heleno, o deputado federal General Peternelli (PSL-SP) e o ex-ministro Sérgio Etchegoyen. Heleno, Peternelli e Mourão disseram que seus nomes têm sido usados indevidamente. Etchegoyen se calou sobre as imagens. O vice ainda defendeu Bolsonaro: “Não autorizei o uso de minha imagem por ninguém, mas protestos fazem parte da democracia que não precisa de pescadores de águas turvas para defendê-la. O presidente Jair Bolsonaro não atacou as instituições, que estão funcionando normalmente.”

General Hamilton Mourão

@GeneralMourao

Não autorizei o uso de minha imagem por ninguém, mas protestos fazem parte da democracia que não precisa de pescadores de águas turvas para defendê-la. O presidente @JairBolsonaro não atacou as instituições, que estão funcionando normalmente.

Ver imagem no Twitter
11,4 mil pessoas estão falando sobre isso

Oposição quer impeachment
Nesse cenário, a oposição tem se unido para pedir o impeachment do presidente. Internamente o assunto tem sido debatido no PT. O PSOL, por sua vez, fez uma representação junto ao Ministério Público Federal, alegando que o presidente cometeu crime de responsabilidade. A bancada do PSOL diz que as mensagens de Bolsonaro são de “cunho autoritário e antidemocráticas”. Alegam que elas infringem o artigo 85 da Constituição pois atentariam contra o livre exercício do Poder Legislativo, o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais e contra a probidade da administração.

O líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ), pediu uma união de forças contra o presidente: “Temos que parar Bolsonaro! Basta! As forças democráticas deste país têm que se unir agora. Já! É inadiável uma reunião de forças contra esse poder autoritário”.

No Senado, até parlamentares que se consideram governistas, como o líder do PSL Major Olímpio, reclamaram da atitude do presidente e de algum de seus aliados. “Protestar a favor do presidente, tudo bem. Agora, integrantes do Governo Bolsonaro estimularem manifestações agressivas ou induzirem eventual fechamento do Congresso é um atentado contra a democracia. Temos de serenar os ânimos”.

Um outro apoiador do presidente, o deputado Coronel Tadeu (PSL-SP) afirmou que a imprensa se baseia em fake News para dizer que o mandatário estaria pedindo apoio à manifestação e disse não encontrar indícios para uma eventual destituição dele. “Esse vídeo não é uma convocação. Não existe nada de errado, nada de anormal para que um processo de impeachment seja aberto”.

O PSDB, que não se considera governista, mas tem filiados ocupando cargos no primeiro e segundo escalões da Esplanada dos Ministérios, pediu debate entre os poderes e demonstrou-se preocupado com aprovação das reformas administrativa e tributária. “O momento é de diálogo entre os Poderes e não de ações que tumultuam o ambiente político”, afirmou o líder da legenda na Câmara, Carlos Sampaio.

Do Ministério Público Federal, nenhuma manifestação oficial. Quem falou, também pelo seu Twitter pessoal, foi o secretário de Direitos Humanos da Procuradoria Geral da República, Ailton Benedito, um influencer da direita bolsonarista. “As instituições do Estado, especialmente os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, não se reduzem às pessoas que eventualmente ocupam cargos nas suas estruturas. Críticas a agentes públicos, por seus atos, devem ser compreendidas como exercício da democracia”.

Não é a primeira vez que Bolsonaro dá apoio a manifestações que miram a artilharia para os outros poderes. Em maio do ano passado, o chamado “bolsonarismo puro” saiu às ruas pela primeira vez sem o apoio das forças forjadas na campanha do impeachment, as mesmas que estiveram ao seu lado na campanha presidencial. Na época, as manifestações foram grandes o suficiente para mostrar o poder de mobilização do presidente, mas não tão grandes como em 2015 e 2016, a ponto de amedrontar Brasília. Agora, o clã presidencial endossa mais um movimento e será testado novamente.


Afonso Benites: Greve da PM no Ceará atiça debate sobre transferir polícias dos Estados para Governo federal

Crise coloca Bolsonaro e governadores em lados opostos. Moro vai ao Ceará e diz que situação está sob controle, embora homicídios tenham crescido 75%

A proximidade de policiais militares com o presidente da República, Jair Bolsonaro, acendeu um sinal de alerta entre governadores desde a semana passada, quando se iniciou um motim de policiais no Ceará. O principal temor é que haja uma instrumentalização das polícias que, em médio ou longo prazo, pode resultar na transferência de suas atribuições dos Estados para a União. O tema tem sido debatido em grupos de discussões dos quais participam policiais, secretários de Segurança Pública e especialistas. Três participantes desses debates relataram ao EL PAÍS que está sendo gestado um projeto de lei que tem como objetivo alterar os regimentos das PMs e bombeiros, em vigor desde 1983. Um de seus artigos deve prever a federalização das polícias, que hoje são estaduais.

As conversas ainda estão em estágio inicial, mas encontram alta adesão entre a bancada da bala e os comandos das corporações, que costumam ter livre acesso ao presidente. É comum se deparar com encontros entre Bolsonaro e representantes de forçar policiais sem a intermediação de seu ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, ou do secretário Nacional da Segurança Pública, o general Guilherme Teóphilo.

Por outro lado, os governadores são frontalmente contra a proposta. Atualmente, são os governos estaduais e do Distrito Federal os responsáveis pelas polícias militares, civis e bombeiros militares, que representam o grosso do efetivo policial no Brasil. Ao governo federal, cabe a administração da Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e da Força Nacional de Segurança Pública ―esta tem o efetivo formado por policiais estaduais.

A crise numa área tão sensível tem ampliado a comunicação entre os governadores, segundo disse o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), ao jornal Valor. “O presidente Bolsonaro neste momento tem tido um bom papel, o de unir os governadores”, disse ele, que considera legítima a reivindicação dos policiais por melhores salários, mas a greve não. “A ação de miliciar a polícia, e miliciar esse processo, sob qualquer justificativa, é um risco e uma afronta à Constituição”, afirmou. Também o governador da Paraíba, João Azevêdo (Cidadania), se diz preocupado com a proporção das pressões de policiais. Seu Estado também está sob pressão por melhores salários dos policiais. “Observamos na Paraíba, assim como em outros Estados, a forte conotação política e até eleitoreira nesses movimentos. Uma coisa é uma reivindicação legítima de uma categoria, mas outra é a radicalização”, disse ele ao jornal O Estado de S. Paulo.

Na última semana, os governadores publicaram uma carta na qual reclamaram da postura do presidente. Na ocasião, se queixaram da tentativa de interferência de Bolsonaro em questões locais, como a segurança pública. A referência era os ataques do presidente contra o governador da Bahia, Rui Costa (PT), já que a greve de policiais cearenses ainda não tinha ganhado força. Ainda segundo o Valor, Doria disse que os governadores cogitam enviar uma segunda carta aberta ao presidente centrada na greve do Ceará. “Esperamos que o governo federal saiba colocar isso [a greve da PM no Ceará] dentro de um sentimento institucional que não eleve ainda mais essa perspectiva [de crise].”

Anistia ou punição
O sociólogo Arthur Trindade Maranhão Costa, que coordena o Núcleo de Estudos sobre Violência e Segurança da Universidade de Brasília (UnB), diz que greves de policiais sempre aconteceram. ”Depois, vem anistia e pronto. Ninguém é punido. Agora, a reação é mais forte diante da possibilidade de instrumentalização das PMs por parte do Governo Bolsonaro”, ponderou. Por ora, o Governo do Ceará afastou 230 deles sob a suspeita de serem desertores ou de estimularem o motim ou por participação em “condutas transgressivas” contra a corporação.

Apesar de proibida pela Constituição, a greve de policiais tem sido constante no Brasil. De 1997 a 2017 foram ao menos 715 casos, sendo 52 deles de PMs. Os dados constam em um estudo coordenado pelo sociólogo José Vicente Tavares dos Santos, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “O problema é a legitimidade política desse tipo de ação”, ponderou o especialista. No atual movimento já houve invasão de batalhões da polícia, grupos encapuzados usando viaturas policiais e armas para coagir comerciantes a fecharem suas lojas e até um parlamentar baleado após tentar atropelar um grupo de amotinados. O senador Cid Gomes (PDT-CE) foi atingido por dois disparos no tórax depois que tentou invadir com uma retroescavadeira uma unidade da PM em Sobral, cidade que é sua base eleitoral.

O que raramente acontece nos motins policiais é a punição aos envolvidos nesses protestos ilegais. De 2010 para cá, ao menos três leis foram aprovadas pelo Congresso Nacional e sancionadas pelo presidente da ocasião (Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer) autorizando que os policiais e bombeiros amotinados fossem perdoados de seus delitos. O perdão é uma decisão política. Quando se trata de crime federal ou infração militar, é dado pelo Congresso e pelo presidente. Quando o delito atinge regras estaduais, como regimentos locais, é dado pelas Assembleias Legislativas e pelos governadores.

Ato de milícia
No caso do Ceará, o governo local já sinalizou que não tem interesse em afrouxar as sanções. O mesmo ocorre nacionalmente. “Não posso concordar com movimentos como o que eu vi, policiais encapuzados como bandidos black blocs, viaturas sendo queimadas. Não haverá uma nova anistia para esses casos no Congresso”, afirmou o senador Major Olímpio (PSL-SP), policial militar da reserva que esteve no Ceará na semana passada em uma comitiva parlamentar que tentou, em vão, intermediar as negociações entre os amotinados e o Governo. Atualmente, Olímpio é o relator de um projeto de lei que pretende anistiar policiais que participaram de outras três paralisações entre 2011 e 2018 no Ceará, em Minas Gerais e no Espírito Santo.

Nessa linha seguiu o secretário da Segurança Pública no Ceará, André Costa. “O que a gente não pode nunca é negociar com pessoas encapuzadas, pessoas cometendo crimes, inclusive usando aparato da corporação, como viaturas, motocicletas, e até armas, para ameaçar cidadãos, não há possibilidade de anistia”, disse o dirigente ao jornal O Povo.

Enquanto a situação não se normaliza, os homicídios no Ceará registraram uma alta de 75% desde o fim tarde do dia 17, quando o protesto teve início, até o começo da noite deste dia 24. Ao menos 147 pessoas foram mortas no período, o que elevou a média diária de vítimas de assassinatos de 12 para 21. Apesar desses dados, em visita a Fortaleza, da qual participaram outros dois ministros, Sergio Moro, titular da Justiça, disse que a situação nas ruas não é descontrole. “A situação está sob controle dentro de um contexto relativamente difícil em que parte da polícia estadual está paralisada”, disse Moro.

Nas ruas, é comum colher relatos ou se deparar com imagens de policiais murchando pneus de viaturas para evitar que profissionais que não aderiram à paralisação trabalhem. Por outro lado, para tentar amenizar a imagem negativa que estão junto à população, um grupo de amotinados circulou por bairros distribuindo alimentos. Ato típico de milícias. “Estão chamando a gente de vândalo, a gente não é vândalo, não. A gente é cidadão trabalhador. Se você gosta da polícia aí, vem ajudar”, diz um policial em um vídeo publicado pela colunista do jornal O Estado de S. Paulo Vera Magalhães, em seu perfil no Twitter.

Atendendo a pedido do governador cearense, Camilo Santana (PT), a gestão Bolsonaro enviou no fim de semana, 2.600 militares das Forças Armadas, cerca de 100 policiais da Força Nacional e reforçou a atuação da PRF e da PF local. Os militares permanecerão no Ceará pelo menos até o dia 28. “Esperamos que essa situação possa ser resolvida o mais cedo possível pelo Governo do Estado junto a esse movimento. Nosso trabalho aqui é exclusivamente de garantia e proteção à população diante da população”, reforçou Moro.