Afonso Benites

Afonso Benites: CPI no Senado pressiona Bolsonaro pela primeira vez na pandemia, que escala com 400.000 mortos

Sempre que o Brasil atingiu trágicas marcas de centenas de milhares de mortos pela covid-19, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) seguia seu velho roteiro de priorizar a economia, criticar medidas de restrição de circulação, valorizar medicamentos sabidamente ineficazes contra a doença e de flanar sem máscara provocando aglomerações. Sem falar de quando minimizou as perdas e menosprezou a gravidade da crise. Nesta quinta-feira, quando o país ultrapassa os 400.000 mortos, Bolsonaro pouco mudou, mas, pela primeira vez nos últimos 13 meses de pandemia, ele sente a pressão de uma apuração que tem o potencial de desgastar sua imagem pelos próximos meses e colar nele a responsabilidade por parte do maior morticínio enfrentado pelo país ―ao menos para parte da população, já que, até o momento, o Planalto retém a aprovação de em torno de 30% da população.

CPI da Covid prepara uma artilharia pesada contra o presidente. Nesta quinta-feira, durante a sua segunda reunião, os senadores aprovaram 310 requerimentos que pretendem esmiuçar a ação do Governo no combate à pandemia. Entre os pedidos dos congressistas, há a tentativa de entender as razões que levaram o Governo a não comprar 70 milhões de vacinas da Pfizer entre agosto e setembro do ano passado ou que por razões estritamente políticas tenha atravancado as negociações com o Instituto Butantan, que produz a Coronavac, em parceria com a chinesa Sinovac.

Há duas estratégias dos oposicionistas, até o momento, mostrar que Bolsonaro e sua equipe foram omissos e atrasados na aquisição de vacinas, assim como teriam estimulado a contaminação massiva dos brasileiros, incentivando que a população não parasse de trabalhar, não se isolasse, se infectasse e, desta maneira, atingisse a tão propalada imunidade de rebanho. Nesse sentido, há um pedido até sobre o itinerário que o presidente fez em seus passeios fora da agenda oficial no Distrito Federal. Em quase todos, ele estava sem máscara e promoveu aglomerações.

Diante de um país que já emite alertas para uma terceira onda de contaminações e que em apenas 35 dias atingiu mais 100.000 mortos ―os 300.000 casos foram registrados em 24 de março―, fica cada vez mais evidente que a tática governista não tem dado certo. Entre a catástrofe de março e a de agora, Bolsonaro promoveu uma minirreforma ministerial, que defenestrou o chanceler Ernesto Araújo, um ideólogo que pouco ajudou na importação de vacinas e insumos, e empossou Carlos França. De largada, o novo ministro já mudou a postura do país, passou a reconhecer a gravidade da pandemia e dá sinais de que a política exterior deve passar por mudanças, ainda que dependa de um direcionamento de Bolsonaro.

Na prática, por enquanto, não houve avanços. A mudança de ministros até o momento não resultou na aquisição de mais vacinas. Essa, por exemplo, é uma das queixas dos bolsonaristas na comissão. “Quantas vacinas esta CPI vai aplicar no braço da população?”, indagou o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) nesta semana.

Com uma diminuta tropa de choque (só 4 dos 11 membros do colegiado), o Governo segue tentando dificultar o trabalho da CPI. Mas não tem obtido vitórias. Nesta quinta-feira, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), recusou um pedido feito por senadores governistas de afastar Renan Calheiros (MDB-AL) e Jader Barbalho (MDB-PA), das investigações. Calheiros é o relator do processo e comemorou a decisão e tem dito que não investigará pessoas ou instituições, mas sim os fatos. “Só devem ter preocupação os aliados do vírus. Quem não foi aliado do vírus, não deve ter nenhuma preocupação”, disse o relator em tom irônico ao apresentar o plano de trabalho.

Outro caminho do Governo na tentativa de barrar as apurações é o de investigar prefeitos e governadores, ampliando o espectro e desvirtuando o foco. “Não queremos fazer dessa CPI uma CPI do fim do mundo que chegue a mundo algum. É interesse nosso que essa CPI chegue a bom termo”, afirmou o vice-presidente do colegiado, Randolfe Rodrigues (REDE-AP). Houve uma tentativa de dispersão do foco da CPI. O que a sociedade vai entender se nós investigarmos menos que o fato determinado?”, complementou Calheiros.

Os senadores bolsonaristas também tentarão convocar os médicos e cientistas que defenderam o tratamento com cloroquina ou outras drogas comprovadamente ineficazes contra o coronavírus como estratégia para dizer que Bolsonaro não agiu sem apoio de profissionais da área de saúde. Por ora, esses pedidos não foram analisados.

Para a próxima semana, falarão como testemunhas os três ex-ministros da Saúde de Bolsonaro, Luiz Henrique Mandetta, Nelson Teich e Eduardo Pazuello, o atual chefe da pasta, Marcelo Queiroga, e o presidente da Agência Nacional de Vigilância em Saúde, Antônio Barra Torres. Ao convocar esses políticos como testemunhas e não como investigados, os senadores querem evitar que eles mintam ou se calem. Quando se é investigado por uma CPI, o depoente pode se negar a responder qualquer questionamento para não se autoincriminar. Já a testemunha, tem a obrigação de dizer a verdade.

Quem tem se aliado indiretamente ao Governo na tentativa de ampliar o foco da investigação é o Ministério Público Federal. Na linha do que defende Bolsonaro, a subprocuradora da República Lindôra Araújo enviou um ofício aos governos estaduais questionando sobre o emprego de verbas federais no combate à pandemia. Nesta quinta-feira, os nove governadores da região Nordeste, pediram o afastamento de Araújo do Gabinete Integrado de Acompanhamento da Epidemia de Covid-19, vinculado diretamente ao procurador-geral da República, Augusto Aras.

E, se os governistas têm recorrido à Justiça, os opositores também não fecharam esse caminho. Atendendo a um pedido da REDE, o ministro Lewandowski determinou nesta quinta-feira que o Ministério da Saúde apresente um cronograma atualizado da vacinação. A imunização em marcha lenta é uma das marcas da atual gestão. Enfim, a tendência é que a política e o Judiciário sigam entrelaçados na crise por um longo período.

 

Fonte:

El País

https://brasil.elpais.com/brasil/2021-04-29/cpi-no-senado-pressiona-bolsonaro-pela-primeira-vez-na-pandemia-que-escala-com-400000-mortos-e-escassez-de-vacinas.html


Afonso Benites: Renan Calheiros, o insólito novo líder da oposição a Bolsonaro

Político camaleão e hábil interlocutor na câmara alta, senador envia recado: “Nossa cruzada será contra a agenda da morte. Contra o caos social, a fome, o descalabro institucional, o morticínio, a ruína econômica, o negacionismo”

Inaugurada nesta terça-feira, a CPI da Covid já demonstrou quem será o segundo principal adversário político de Jair Bolsonaro pelos próximos meses, o senador Renan Calheiros (MDB-AL). Não é o principal, pois, como usualmente se diz em Brasília, o papel de maior opositor do Governo Bolsonaro cabe ao próprio presidente e a seus ministros, com as crises autoinfligidas e declarações que provocam conflito com outros poderes e países ―nesta terça-feira foi a vez de Paulo Guedes (Economia) irritar Pequim dizendo que o “chinês inventou o vírus”, sem saber que estava sendo gravado. Antes desta gafe, foi o discurso de Calheiros como relator da comissão parlamentar de inquérito que trouxe os primeiros indícios do caminho que o experiente senador de Alagoas pretende trilhar e do barulho que a CPI pode causar.

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Em sua primeira participação, Calheiros provocou incômodo no primogênito do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ). O herdeiro do presidente reclamou que as sessões presenciais da CPI poderiam resultar na contaminação de mais servidores da Casa e até na morte de parlamentares ―três senadores já morreram de covid-19 desde o ano passado. “Acho que o presidente [do Senado] Rodrigo Pacheco está errando, está sendo irresponsável, porque está assumindo a possibilidade de, durante os trabalhos dessa CPI, acontecerem mortes de senadores, morte de assessores, morte de funcionários desta Casa em função da covid-19”, disse Flávio. Indagado por repórteres sobre esta fala, Calheiros ironizou. “É a primeira vez que ele se preocupa com aglomeração. Significa que ele, talvez, esteja saindo do negacionismo e esteja aderindo à ciência e à necessidade dos brasileiros”, afirmou.PUBLICIDADE  

Em seu primeiro discurso na CPI, o senador não citou diretamente Bolsonaro em nenhuma ocasião. Mas enviou recados incômodos. “Nossa cruzada será contra a agenda da morte. Contra o caos social, a fome, o descalabro institucional, o morticínio, a ruína econômica, o negacionismo”, disse. Ele prometeu ser imparcial em seu relatório, do qual disse querer ser um sintetizador, um redator. E alegou ainda que prezará sempre pela ciência. É um contraponto à rejeição dos preceitos científicos de Bolsonaro e de seus asseclas. “A comissão será um santuário da ciência, do conhecimento e uma antítese diária e estridente ao obscurantismo, ao negacionismo sepulcral responsável por uma desoladora necrópole que se expande diante da incúria e do escárnio desumano.”

Crítico da operação Lava Jato, Calheiros reforçou essa postura também no discurso inicial da CPI. “[A comissão] tampouco será um cadafalso com sentenças pré-fixadas ou alvos selecionados. Não somos discípulos nem de Deltan Dallagnol nem de Sérgio Moro”, disse em referência ao procurador e ao ex-juiz que atuaram na operação em Curitiba. “Não arquitetaremos teses sem provas ou Power Points contra quem quer que seja. Não desenharemos o alvo para depois disparar a flecha”.

Ataques nas redes processos judiciais

Assim que passou a circular a informação de que o emedebista seria o relator da comissão, interlocutores do Governo o procuraram para tentar aliviar o relatório para Bolsonaro. Na conta, estaria um eventual apoio ao seu grupo político na eleição estadual do ano que vem. O cenário em Alagoas ainda não está claro. O Estado é governado por Renan Calheiros Filho (MDB), que, em seu segundo mandato, tem dois ou três pré-candidatos a sua sucessão. O apoio de Bolsonaro, no momento, não é bem recebido pelos emedebistas. Por enquanto, eles preferem estar ao lado do lulismo do que do bolsonarismo.

Seja como for, Renan Calheiros é um camaleão político que ocupa cargos públicos e eleitorais há 42 anos. Desde a redemocratização, já foi da base governista de todos os presidentes. De Fernando Collor (PROS) a Michel Temer (MDB). Em alguns momentos foi mais defensor do presidente da ocasião. Em outros, como no de Dilma Rousseff (PT), foi um conciliador que deixou de apoiá-la na reta final de processo de impeachment, mas conseguiu manter os direitos políticos da petista em um grande acordo parlamentar. Por essa razão, é bem-quisto pelos petistas, principalmente pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.PUBLICIDADE

Após ser derrotado por Davi Alcolumbre (DEM-AP) para a presidência do Senado em 2019, Calheiros atuou nos bastidores contra a gestão Bolsonaro. Fugiu dos holofotes por um período para se defender dos 12 processos aos quais responde no Supremo Tribunal Federal e, agora, volta com todas as cargas contra o presidente e já enfrenta a ira das redes bolsonaristas. A deputada Carla Zambelli (PSL-SP) tentou impedi-lo, por meio de uma ação judicial, retirá-lo da relatoria. Conseguiu, em primeira instância, mas viu na segunda, viu a decisão cair. “Intimidações, e todos os dias nós as vemos sob qualquer modalidade e arreganhos, não nos deterão”, disse. Uma das principais queixas dos bolsonaristas trata exatamente dos elos familiares de Calheiros. “Se for pela questão de interesse, o presidente não deveria nem deixar o Flávio Bolsonaro entrar aqui no colegiado”, disse o líder do PT no Senado, Paulo Rocha.

A característica mutante de Calheiros faz com que ele esteja, hoje, ao lado de quem antes era seu opositor. Agora, caminha de braços dados com Randolfe Rodrigues (REDE-AP), o senador que liderou o seu partido na Justiça, em 2016, em um movimento para afastar o emedebista da Presidência do Senado. Naquela ocasião, foi a primeira vez que o Senado afrontou uma decisão judicial, dada em caráter liminar pelo ministro Marco Aurélio Mello.

Próximos passos

Nesta quarta-feira, a CPI deverá receber sugestões de planos de trabalho, que são uma espécie de roteiro do colegiado que inclui as próximas convocações e os documentos que deverão ser entregues para se iniciar a investigação. Três já foram entregues, e o relator espera receber ao menos mais cinco. Antes, contudo, Calheiros já enviou uma série de requerimentos que devem dar o tom dos trabalhos na primeira semana. Na quinta, esses planos de trabalho deverão ser votados pela comissão.

O primeiro a comparecer na comissão, como testemunha, será o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS), na próxima terça-feira. “Temos a preocupação de começar a cronologia do início, para saber o que foi feito desde o primeiro momento”, disse o presidente do colegiado, Omar Aziz (PSD-AM).

Mandetta deixou o Governo por discordar da conduta negacionista do presidente Jair Bolsonaro. Ele defendia medidas de restrição de circulação enquanto o mandatário era contrário. Também havia um confronto sobre o uso de cloroquina e outros medicamentos ineficazes no tratamento do coronavírus, sempre propagados pelo presidente.


Afonso Benites: CPI da Covid mira falta de vacinas e promoção de cloroquina para buscar a digital de Bolsonaro

“Não será uma CPI abstrata, mas uma investigação que estará dentro da casa de cada brasileiro, pois todos conhecem alguém que morreu”, diz futuro presidente do colegiado, senador Omar Aziz. Ex-ministros devem ser convocados

“O dia que eu passei e você quer que eu sorria?” A reação nesta semana do presidente Jair Bolsonaro a uma simpatizante que pedia uma foto sintetiza um dos piores momentos de seu Governo. O mau humor do mandatário se deve ao cerco que se fecha em seu entorno e revela um presidente desalentado, em vias de ter a sua digital encontrada nas principais falhas de gerenciamento no país da maior crise sanitária da humanidade. A CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Covid deve começar seus trabalhos entre 22 e 29 de abril, e parlamentares trabalham para sejam convocados ex-ministros, funcionários técnicos da Saúde, e que se avaliem investigações já iniciadas no Tribunal de Contas da União (TCU) e no Ministério Público Federal (MPF). O objetivo é já avaliar a compra de vacinas e a promoção por parte do Governo federal de remédios sem eficácia para o tratamento da covid-19, como a cloroquina. Até este sábado, 371.678 pessoas já perderam a vida para o vírus no Brasil, e os contágios continuam em ascensão. Apesar disso, e mesmo sob a ameaça de ser responsabilizado pela tragédia, o presidente promoveu mais uma vez aglomerações neste final de semana, ao visitar Goianópolis (Goiás) no sábado, onde sem máscara cumprimentou pessoas e segurou um bebê.

Ainda que Bolsonaro tenha tentado dividir a responsabilidade da crise com governadores e prefeitos, conseguindo incluir os repasses feitos a Estados e municípios no escopo de investigação da CPI, os trabalhos da comissão instaurada no Senado para apurar as ações e a omissão do Governo durante a pandemia devem jogar holofotes a sua conduta neste um ano de calamidade. Mais do que fustigar e trazer à tona as falhas de Bolsonaro, os parlamentares —a maioria de oposição— arrastarão a imagem de um líder inepto até 2022, quando Bolsonaro pretende concorrer a uma nova eleição presidencial. As últimas pesquisas de popularidade e de intenções de votos não têm sido nada favoráveis ao presidente. Levantamento do PoderData publicada no último dia 14 mostra que ele perderia a disputa em segundo turno para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), apto novamente a concorrer ao pleito após decisão do Supremo que anulou suas condenações em Curitiba, e para o apresentador Luciano Huck (sem partido). E estaria empatado com outros três concorrentes: Ciro Gomes (PDT), Sergio Moro (sem partido) e João Doria (PSDB).

O futuro presidente da CPI, o senador Omar Aziz (PSD-AM), afirma que por mais que o cidadão brasileiro esteja acostumado a testemunhar esse tipo de investigação política, essa será diferente das outras dezenas que aconteceram desde a redemocratização, em 1988. “Essa não será uma CPI abstrata, na qual a pessoa olha para um político na TV e diz: ‘ah, são todos bandidos’. Essa CPI estará dentro da casa de cada brasileiro. Porque vamos tratar da morte de centenas de milhares de pessoas, não de crimes de corrupção. E todos os brasileiros conhecem alguém que morreu de coronavírus”.

Os 11 senadores titulares que compõem a CPI terão como missão delimitar onde o presidente acertou e onde errou durante a pandemia. Desde março de 2020, Bolsonaro ignorou praticamente todas as recomendações das autoridades de saúde do mundo: desestimulou o distanciamento social e o uso de máscaras de proteção facial, promoveu aglomerações como a deste sábado, incentivou o uso de medicamentos comprovadamente ineficazes no tratamento de covid-19, como cloroquina e ivermectina e negligenciou a compra de vacinas. Os parlamentares também investigarão se o Governo federal ignorou os alertas feitos no início do ano diante de um colapso sanitário de Manaus, quando dezenas de pessoas morreram porque as unidades de saúde onde elas estavam internadas não tinham cilindros de oxigênio.Quem persegue o Bolsonaro é o próprio Bolsonaro.

“O presidente acha que o estamos perseguindo e diz que ele não tem nada a esconder. Mas, quando ele se irrita com a abertura da CPI, é claro que ele veste a carapuça. Ou seja, quem persegue o Bolsonaro é o próprio Bolsonaro. Ele age contra si mesmo, sempre”, disse o senador Otto Alencar (PSD-BA), que presidirá a primeira sessão da comissão por ser o parlamentar mais velho. Nessa reunião, serão oficializados os nomes do presidente, vice e relator da CPI, papéis fundamentais para a condução da investigação, e que prometem ficar com oposicionistas.

Conforme os acordos que foram costurados ao longo da última semana, o MDB, que tem a maior bancada do Senado, ficará com a relatoria, responsável por produzir o relatório final sobre a investigação. O escolhido para esta função é Renan Calheiros (MDB-AL). O PSD, com a segunda maior bancada, ficaria com a presidência, com Aziz. E o vice-presidente será Randolfe Rodrigues (REDE-AP), que foi o autor do requerimento da comissão. Nos próximos dias, o Governo tentará alterar essa configuração. Aliados do presidente entenderam que a composição da cúpula da CPI ficou bastante desfavorável a ele e tentam convencer o PSD a indicar o bolsonarista Marcos Rogério (DEM-RR) para o cargo de relator. Mas dificilmente conseguirão. Cabe apenas ao presidente da CPI designar quem ocupará esta função. “Estamos fechados em um grupo de sete senadores. Temos a maioria e respeitamos a correlação de forças. Se os outros quiserem se somar a nós, serão bem-vindos. Mas não pretendo mudar nada”, disse Aziz.

Se a palavra dada por Aziz aos outros senadores não prevalecer e Bolsonaro conseguir fazê-lo mudar de opinião, marcará o rompimento de um acordo que poderá resultar em revides no plenário do Congresso Nacional, onde ainda devem tramitar temas de interesse do Governo, como o Orçamento Geral da União de 2021, que cortou boa parte das despesas dos ministérios e transferiu os recursos para emendas parlamentares e encurralou o Planalto, que tenta salvá-lo.

Hoje o presidente tem apenas quatro membros em sua tropa de choque na CPI. Além de Marcos Rogério, estariam na linha de defesa de Bolsonaro os senadores Ciro Nogueira (PP-AL), Jorginho Melo (PL-SC) e Eduardo Girão (Podemos-CE). Como estratégia para obter mais apoio na CPI, Bolsonaro estuda entregar cargos de primeiro e segundo escalões na máquina federal aos outros membros considerados independentes da comissão. Os principais alvos seriam Omar Aziz e Eduardo Braga (MDB-AM). Otto Alencar, Tasso Jereissati (PSDB-CE) e Renan Calheiros, os outros nesse campo, pendem mais para a oposição do que para o Governo. A CPI é complementada pelos opositores Randolfe e Humberto Costa (PT-CE).

Primeiros passos

Na CPI, os senadores deverão iniciar os trabalhos ouvindo especialistas da área de saúde para definir o que deveria ter sido feito como planejamento no combate à covid-19. “Queremos ouvir os melhores epidemiologistas, microbiologistas, sanitaristas. Eles terão de dar as primeiras respostas para a sabermos o porquê chegamos até aqui”, disse Randolfe.

Também deverão ser ouvidos servidores e ex-servidores do Ministério da Saúde. Na lista de requerimentos a serem apresentados estarão ainda os três ex-ministros da pasta, o general Eduardo Pazuello, o oncologista Nelson Teich e ortopedista e ex-deputado federal Luiz Henrique Mandetta, além de parte de seus antigos auxiliares. Não está descartada a convocação do atual ministro, Marcelo Queiroga, para falar qual era o cenário encontrado por ele quando assumiu o ministério em março e o que tem sido feito desde então. Outros dois ex-ministros intimamente ligados ao bolsonarismo também deverão ser convocados, segundo a Folha de S.Paulo: Ernesto Araújo (Relações Exteriores), para explicar as tratativas com outros países sobre a compra de vacinas, e Fernando Azevedo (Defesa), para falar sobre o aumento da produção de cloroquina pelo Exército.

“Os fatos irão se sobrepor. Agora, não dá para esperar que a gente passe a mão na cabeça de ninguém, mas também não espere que vamos crucificar A ou B, como se isso bastasse para acabar com a pandemia. Ela não será uma caça às bruxas”, diz Aziz. O senador afirma ainda que caso se encontrem irregularidades, punições serão sugeridas para os órgãos de controle e que os senadores pretendem também criar um protocolo para impedir que os próximos presidentes ajam da maneira que bem entenderem na condução de crises sanitárias. “Se nós definirmos em lei uma série de passos a se seguir, não vai adiantar presidente nenhum ser negacionista, porque a legislação mandará que ele siga um roteiro. Se escapar dele, pode ser punido”.

Blindagem moral

Como uma tentativa de blindar o general Pazuello, o seu fiel aliado que seguiu todas as suas recomendações, Bolsonaro deverá lotá-lo no cargo secretário de Modernização do Estado, na Secretaria-Geral da Presidência da República. Na prática, será uma proteção moral, já que o cargo não tem nenhuma prerrogativa de foro especial. Pazuello esteve ao lado de Bolsonaro neste sábado, durante a visita a Goianópolis.

Paralelamente, enquanto ouvem as testemunhas, os parlamentares deverão requisitar informações aos órgãos que já estão investigando os deslizes do Governo. Há apurações no Tribunal de Contas da União sobre os gastos da Gestão Bolsonaro com cloroquina e sobre os repasses feitos a Estados e Municípios. Também existe uma investigação na Polícia Federal contra Pazuello e uma outra no Ministério Público Federal contra o mesmo general sobre a crise manauara. A interlocutores, Renan afirmou que essas apurações serão uma espécie de roteiro inicial de seus trabalhos.

Mais do que ver seu governo enfraquecido no ano eleitoral, o maior temor de Bolsonaro é o de ser destituído do cargo. Ele sabe que conforme a quantidade de provas levantadas pela CPI mais um pedido de impeachment pode ser apresentado contra ele. Por essa razão, voltou a dizer em uma de suas declarações públicas que nada o tirará do poder antes do fim do mandato. “Só Deus me tira da cadeira presidencial. E me tira, obviamente, tirando a minha vida. Fora isso, o que estamos vendo no Brasil não vai se concretizar. Não vai mesmo! Não vai mesmo!”, esbravejou na sua transmissão ao vivo da última quinta-feira.


Afonso Benites: Bolsonaro sabota auxiliares que tentam costurar pacto contra a covid-19

Ação do presidente no STF que pretende impedir que governadores e prefeitos decretem ‘lockdown’ é vista como uma tentativa de ele reforçar seu discurso político em contraposição aos governadores. Cresce no Senado movimentação pró-CPI da Covid

Enquanto auxiliares do Palácio do Planalto se articulam para demonstrar alguma união com outros poderes e governadores no combate à pandemia de covid-19, o próprio presidente Jair Bolsonaro (sem partido) joga contra a sua equipe. Em duas aparições públicas, na sua live de quinta, e numa conversa com apoiadores no Palácio da Alvorada, na sexta-feira, o mandatário voltou a criticar governadores que impõem medidas de restrição de circulação, reforçou que entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal para impedir esses decretos e citou que, em algum momento, o Governo Federal tenha de tomar uma “medida dura”, por causa da pandemia. Foi uma repetição do discurso que vem adotando há um ano.

A diferença é que agora o Brasil registra quase 300.000 óbitos em decorrência do coronavírus e encontra dificuldades em adquirir vacinas, já que ignorou as ofertas de preferência de compras apresentadas no ano passado, e está prestes a ficar sem remédios básicos para UTIs em 18 Estados. Os ataques ocorrem nas vésperas de promover uma reunião ampla, em que o objetivo era mostrar alguma coesão. Ela está prevista para o próximo dia 24 e espera contar com a participação dos presidentes da Câmara, do Senado, do STF, do Superior Tribunal de Justiça, do Tribunal de Contas da União e uma comitiva de governadores que ainda não foi definida.

No Supremo, a ação apresentada pelo presidente tem sido vista como uma espécie de armadilha para reforçar o seu discurso, sem fundamento na realidade, de que o Judiciário não o deixa agir. Ele não espera uma vitória na Ação Direta de Inconstitucionalidade, e pretende usar uma possível derrota como plataforma política-eleitoral, na qual se eximiria de culpa no colapso da saúde e também pelas consequências do isolamento social. No ano passado, quando os ministros do STF decidiram que haveria uma responsabilidade compartilhada na gestão da crise, o presidente propagou entre os seus apoiadores a falsa informação de que ele foi impedido a agir por ordem dos magistrados.

Uma outra leitura política pode ser feita ao sobre o autor da ação. Geralmente, documentos que são enviados pela Presidência da República são assinados pela Advocacia Geral da União. Não foi o que ocorreu no caso. A petição inicial é firmada apenas pelo presidente Bolsonaro, e não por José Levi Mello do Amaral. No documento, o mandatário pede que os decretos emitidos pelos governos do Rio Grande do Sul, da Bahia e do Distrito Federal sejam suspensos. Também solicita “se estabeleça que, mesmo em casos de necessidade sanitária comprovada, medidas de fechamento de serviços não essenciais exigem respaldo legal e devem preservar o mínimo de autonomia econômica das pessoas, possibilitando a subsistência pessoal e familiar”. Na prática, quer proibir o lockdown.

A ação do presidente vai na contramão do que a maioria da população deseja. Pesquisa Datafolham, divulgada na quinta-feira, mostrou que 71% dos brasileiros apoiam a restrição do comércio e serviços como medida de controle da pandemia. Também segue em sentido oposto aos países que tem apresentado melhores resultados no combate à doença, como o Reino Unido.

Os nove governadores da região Nordeste assinaram uma nota que disseram estar surpresos com a ação do presidente. A chamaram de inusitada e o convidaram a participar de uma união de esforços no combate à pandemia. “Fizemos a proposta de um Pacto Nacional pela Vida e pela Saúde e continuamos aguardando a resposta do presidente da República”, diz o documento assinado pelos chefes dos Executivos estaduais nordestinos.

Sem vácuo na política

Os movimentos descoordenados de Bolsonaro tiveram três reações no cenário político. O primeiro foi que, no Senado, tem crescido um movimento para que seja instalada a Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19. Já há as assinaturas necessárias para tanto, mas o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), prefere postergar qualquer decisão. A abertura da comissão depende de seu aval.

O segundo movimento foi feito pelo próprio Pacheco. Nesta sexta-feira, ele enviou um ofício à a vice-presidenta dos Estados Unidos, Kamala Harris, pedindo que ela intermedeie a venda de vacinas excedentes em seu país para o Brasil. Harris acumula nos EUA o papel de presidente do Senado. Há ao menos 30 milhões de doses excedentes em território americano, produzidas pela AstraZeneca, que ainda dependem de autorização das agências sanitárias locais para serem usadas lá. A expectativa é que essas vacinas não sejam usadas tão cedo por lá. Enquanto que no Brasil, elas já têm autorização para o uso.

“O Governo não é só Executivo. O Governo é Executivo, é Legislativo e Judiciário. E a questão principal neste momento é unir forças em favor do povo brasileiro. E convém fazer mais do que tem sido feito”, disse a senadora Kátia Abreu (PP-TO), presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado que intercedeu no tema. O Senado se viu compelido a agir não só pela inépcia de Bolsonaro, mas também porque o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que não tem cargo algum, tem tentado usar de sua influência política para obter mais vacinas ao país.

O terceiro movimento no xadrez político partiu de um subprocurador da República junto ao TCU (Tribunal de Contas da União). Lucas Furtado pediu a esse tribunal que afaste o presidente Bolsonaro das funções administrativas e hierárquicas sobre os ministérios da Saúde, Economia e Casa Civil e repasse as suas atribuições ao vice-presidente, Hamilton Mourão. Em seu pedido, o procurador argumentou que haverá prejuízo aos cofres públicos se não houver atendimento à população durante a pandemia e se queixa das disputas político-ideológicas.

“Não se discute que toda estrutura federal de atendimento à saúde, com recursos financeiros, patrimoniais e humanos, terá representado inquestionável prejuízo ao erário se não cumprirem sua função de atender à população no momento de maior e mais flagrante necessidade. É inaceitável que toda essa estrutura se mantenha, em razão de disputas e caprichos políticos, inerte diante do padecimento da população em consequência de fatores previsíveis e evitáveis”, diz trecho do documento.

O subprocurador ainda justificou que seu pedido está embasado na lei orgânica do TCU, que prevê o afastamento temporário do responsável caso haja indícios suficientes de que, “prosseguindo no exercício de suas funções, possa retardar ou dificultar a realização de auditoria ou inspeção, causar novos danos ao Erário ou inviabilizar o seu ressarcimento”. Na prática, a tendência é que esse pedido não tenha sucesso. O afastamento de um presidente ocorre por meio de um processo de impeachment tocado no Congresso Nacional ou quando há a cassação da chapa por meio de uma ação no Tribunal Superior Eleitoral. O vácuo de liderança no Palácio do Planalto e os sinais trocados emitidos pelo presidente tem resultado até em ações esdrúxulas de outros atores.


Afonso Benites: Bolsonaro repete tática da chacota para mobilizar radicais e desviar atenção

Presidente testa de novo estratégia que até agora tem sido eficaz para manter sua popularidade em torno de 25%. A seu favor, Planalto tem ainda cúpula do Congresso. No entanto, atraso na gestão da vacina pode cobrar preço econômico e mudar jogo com empresários e investidores

presidente Jair Bolsonaro voltou a investir na sua política de confronto e de discursos diversionistas assim que confrontado com situações incômodas. O mandatário brasileiro dobra a aposta chamando de “frescura” e “mimimi” as práticas de distanciamento social quando há um recrudescimento da pandemia com mais de 1.600 mortos ao dia e após aumentarem as cobranças de governadores e prefeitos por uma coordenação nacional no combate à covid-19.

O ultradireitista choca e atrai para si os holofotes na semana em que seu primogênito, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), investigado por lavagem de dinheiro, comprou uma mansão de 6 milhões de reais em Brasília. Nem tudo, porém, cabe no script do ultradireitista. Diante da volta dos panelaços nas grandes cidades contra seu Governo, ele desistiu por dois dias seguidos de fazer um pronunciamento em rede nacional de rádio e televisão. E, apesar de ironizar a vacinação, tenta agora recuperar o tempo perdido para a compra dos fármacos sob a pressão de empresários que contam com imunização em massa para fazer a economia escapar de nova retração.

Nesta quinta-feira, Bolsonaro disse que quem defendia medidas restritivas de circulação de pessoas como uma das principais armas para conter o avanço da pandemia estava de “mimimi”. Na prática, retomou o discurso de um ano atrás, quando tentou emplacar a tese de que um isolamento social vertical, no qual apenas os grupos de risco se trancam em casa, seria o mais adequado para a sociedade brasileira. “Nós temos que enfrentar os nossos problemas, chega de frescura e de mimimi. Vão ficar chorando até quando? Temos de enfrentar os problemas. Respeitar, obviamente, os mais idosos, aqueles que têm doenças, comorbidades, mas onde vai parar o Brasil se nós pararmos?”, afirmou o presidente Bolsonaro durante um discurso em Goiás. A chacota contra as recomendações sanitárias ignora o sofrimento dos familiares e amigos de 260.970 pessoas que morreram de covid-19 no Brasil nos últimos doze meses.

Desde meados de fevereiro, diversos Municípios e Estados brasileiros passaram a intensificar políticas de distanciamento social, com o fechamento do comércio e escolas para conter a circulação da população e frear a circulação do coronavírus, já que ainda não há vacinas para todos os brasileiros. Menos de 5% da população foi vacinada no país. Com o discurso contrário, Bolsonaro tenta empurrar para prefeitos e governadores o custo político de medidas impopulares, além de atrapalhar as campanhas de conscientização pelo isolamento social.

Para um conjunto de juristas e segundo uma pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da USP e da Conectas Direitos Humanos, Bolsonaro implementa uma política deliberada para sabotar ações contra a pandemia, e deveria ser punido penal e politicamente por isso. O presidente, porém, segue escudado por uma fisiológica base de apoio no Congresso Nacional ―recentemente reforçada por sua bem-sucedida operação ajudar a eleger a nova cúpula do Parlamento― que dificilmente apoiará um dos 60 processos de impeachment. Também conta, até agora, com um Procuradoria-Geral da República que não enxerga irregularidades em seus atos.

Seja como for, o presidente, contudo, tem tomado alguns cuidados. Ao mesmo tempo em agita sua extremista base de apoio, ele libera os seus subordinados a minimamente agirem contra a pandemia, sob pena de ver a economia naufragar e seus adversários políticos surfarem demais. Depois de o presidente e o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, criticarem por dois meses as exigências feitas pela farmacêutica Pfizer, o Governo Federal decidiu avançar nas tratativas para a compra de 100 milhões de doses do imunizante dela até dezembro deste ano. O primeiro lote seria entregue em maio. Se aceitasse o contrato no passado, o país já teria recebido 70 milhões de doses em dezembro.

A corrida global pela vacina não é simples e o Planalto começa a colher reveses. Nesta quinta, ao conversar com apoiadores em Uberlândia (MG), ele reclamou das cobranças que recebe para adquirir os imunizantes. “Tem idiota nas redes sociais, na imprensa, [que fala] ‘vai comprar vacina’. Só se for na casa da tua mãe! Não tem para vender no mundo!”. É bem distinto da fala feita em 28 de dezembro do ano passado, quando afirmou que eram os vendedores quem deveriam buscar o governo brasileiro, e não o contrário. “O Brasil tem 210 milhões de habitantes, um mercado consumidor de qualquer coisa enorme. Os laboratórios não tinham que estar interessados em vender para a gente? Por que eles não apresentam documentação na Anvisa?”, indagou a um grupo de apoiadores no Palácio da Alvorada. “Pessoal diz que eu tenho que ir atrás. Não, quem quer vender (que tem). Se sou vendedor, eu quero apresentar”, completou.

Jogo até 2022

A fórmula caótica de Bolsonaro tem lhe rendido lucros mínimos. Se ainda não tem ameaças graves no campo político um dos motivos é justamente a sua popularidade, com índices superiores a 25%. Além de ser um patamar considerado alto para que um presidente seja tido como descartável pelo mundo político, isso também quer dizer que, caso a eleição presidencial fosse hoje, muito provavelmente Bolsonaro estaria em um segundo turno. “As variáveis que tornaram possíveis a ascensão do bolsonarismo foram a crise econômica do Governo Dilma Rousseff [PT] combinada com a Operação Lava Jato. Esse movimento não se dissipa de um dia para o outro”, avalia o cientista político Antônio Lavareda, do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (IPESPE), que produz levantamentos frequentes atualmente para a corretora de investimentos XP.

Na visão de Lavareda, no entanto, a disputa eleitoral de 2022 pode mudar a equação porque acabará colocando quatro temas na mesa, todos em que Bolsonaro pouco progrediu: a atuação na pandemia, que tem sido catastrófica; a retomada da economia, ameaçada pela falta de vacinação em massa; o combate à criminalidade violenta; e a redução da corrupção. No mês passado, o levantamento XP-Ipespe mostrou que o presidente patina nos quatro grandes assuntos. Na condução do enfrentamento à pandemia, 53% consideram seu desempenho ruim ou péssimo. Com relação à corrupção, 48% acreditam que há a expectativa de aumentar a prática. Na percepção de 62% a violência e a criminalidade violenta aumentaram. E, para 57%, a economia segue no caminho errado. “A preço de hoje o presidente tem problemas importantes em três desses temas. E perdeu a grande dianteira que tinha no combate à corrupção, por causa de suas alianças atuais, pelo fim da Lava Jato e por causa dos casos mal explicados de seus filhos”, disse Lavareda.

Ao notar esses movimentos, o presidente persiste na radicalização de seu discurso e, como jamais desce do palanque eleitoral, espera confrontar algum adversário do campo da esquerda em um segundo turno. “Ao que parece, o presidente vai precisar ressuscitar os fantasmas de 2018, da corrupção, do descalabro econômico do Governo Dilma e da falsa ameaça comunista”, avaliou o cientista político.

De momento, o custo Bolsonaro não parece incomodar a Câmara dos Deputados, atualmente presidida pelo líder do Centrão e neobolsonarista Arthur Lira (PP-AL). Até agora poucos são os deputados fora do campo da oposição que defendem qualquer tipo de enfrentamento contra o presidente. A nova tentativa de atingir o Governo vem do pedido de criação da CPI do Auxílio Emergencial, que ainda colhe assinaturas para investigar fraudes que atingem o montante de 50 bilhões de reais na concessão do benefício.

Já no Senado, passaram a circular nos últimos dias conversas para que o presidente da Casa, Rodrigo Pachedo (DEM-MG), outro aliado tático de Bolsonaro, autorize a abertura da CPI da Saúde, que tem como objetivo investigar toda a atuação do Governo federal. Pacheco tem buscado argumentos para impedir a abertura desse grupo por entender que a apuração seria contraproducente no momento. Por ora, essa parede ainda protege Bolsonaro.


Afonso Benites: Luxo acima de tudo de Flávio Bolsonaro constrange até os apoiadores do Planalto e assessores do pai

Enquanto filho do presidente ganha tempo no caso das “rachadinhas”, onde é investigado por lavagem de dinheiro, aquisição de mansão Brasília provoca críticas de assessores da presidência

Entre moradores e funcionários do condomínio de mansões Ouro Branco o silêncio impera quando questionados sobre o novo residente do local, o senador e primogênito do presidente, Flávio Bolsonaro. “Não tenho nada a dizer sobre ele. Ainda não o conheço pessoalmente. Só sei que agora mora aqui”, afirmou à reportagem um condômino que aguardava a abertura do portão automático do local. O novo CEP do parlamentar, no setor de mansões Dom Bosco, uma das diversas áreas nobres de Brasília é, como se pode prever pelo nome da região, uma das mais luxuosas da capital brasileira. É um local com pouca circulação de pedestres, próximo ao lago Paranoá. Os que por lá caminham são em sua maioria funcionários das casas da região.

Se não fosse pela ficha criminal do novo morador e seu vínculo com o principal mandatário do país, talvez poucos dariam atenção à aquisição de uma luxuosa residência de 2.500 metros quadrados por um congressista ao custo aproximado de 6 milhões de reais (1,06 milhão de dólares). Esse foi o 20º imóvel que ele negociou em 16 anos. Ainda assim, na sua declaração entregue à Justiça Eleitoral, em 2018, disse ter 1,74 milhão de reais em patrimônio. Seu salário líquido como senador é de 24.900 reais.

O silêncio entre os moradores do condomínio não se repete entre assessores no Palácio do Planalto. Dois deles relataram ao EL PAÍS que o momento não era o mais propício para uma movimentação como essa e temem que, de alguma maneira, a repercussão do caso possa respingar na imagem de seu pai, Jair Bolsonaro. Eles argumentam que o presidente já tem outras batalhas para enfrentar, sendo a principal delas a pandemia de coronavírus os reflexos políticos, sociais e econômicos que ela trouxe nos últimos 12 meses.

Desde 2018, Flávio Bolsonaro é investigado por um esquema de desvio de salários de seus funcionários no período em que foi deputado estadual no Rio de Janeiro. A suspeita é que ele tenha desviado 6,1 milhões de reais de proventos de 12 de assessores entre os anos de 2007 e 2018. Parte desses recursos abasteceram as contas de seu antigo braço direito, o ex-policial militar Fabricio Queiroz, hoje em prisão domiciliar. É o esquema batizado de “rachadinha”.

O parlamentar foi denunciado pelos crimes de lavagem de dinheiro, peculato e organização criminosa. No âmbito dessa apuração, ainda pairam dúvidas sobre os outros 19 imóveis que ele comprou e vendeu entre 2010 e 2017, pelos quais lucrou cerca de 3,1 milhões de reais. Seu processo tem sofrido idas e vindas entre as instâncias judiciais brasileiras. Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça anulou a quebra de sigilo bancário feita contra ele, um revés crucial para os investigadores. Há ainda outros recursos a serem analisados por essa Corte, que podem enterrar as investigações e que seriam analisadas nesta terça, mas foram mais uma vez adiadas.

A compra da mansão em Brasília foi oficializada no dia 2 de fevereiro e revelada pelo site O Antagonista na última segunda-feira. Conforme a escritura, pouco mais da metade do valor casa (3,1 milhões de reais) foi financiada por meio do banco público BRB, vinculado ao governo do Distrito Federal, que está sob a gestão de Ibaneis Rocha, um apoiador do presidente Jair Bolsonaro. A taxa de juros nominal é uma das mais baixas do mercado, de 3,65% ao ano. Como beneficiária do financiamento também está a mulher de Flávio, Fernanda Antunes Figueira Bolsonaro, que há menos de dois anos trabalha como dentista na capital.

Nesta terça-feira, o jornal Folha de S. Paulo revelou que, pelo financiamento registrado na escritura pública, o casal gastará 18.744 reais mensais como prestação da casa. É pouco mais da metade da renda mensal deles juntos: 36.957 reais. De acordo com a publicação, as rendas são menores que a mínima exigida pelo BRB para contratação de financiamento nessas condições. O beneficiário do empréstimo deveria receber ao menos 46.401 reais, conforme simulador disponível no site da instituição.

Sauna, piso de mármore e forno de pizza

A nova casa da família de Flávio tem dois andares, piso em mármore, academia, sauna integrada com a piscina, churrasqueira, forno de pizza, brinquedoteca, salas de jantar e estar, garagem para oito carros, além de um espaço para home theater e monitoramento por câmeras. No condomínio, há outras três casas e um terreno à espera de uma nova construção. A imobiliária que vendeu o imóvel, fez um vídeo com drone para demonstrar todos os atrativos do local. Quando a reportagem esteve no condomínio, nesta terça-feira, havia pouca movimentação de pessoas. Ninguém quis conceder entrevistas. Desde o condomínio até o Senado Federal, onde dá expediente, Flávio Bolsonaro leva pouco mais de dez minutos de carro. Até o início deste ano, ele vivia em um dos imóveis funcionais do Senado.

Em defesa, Flávio Bolsonaro postou um vídeo nas suas redes sociais no qual diz que é alvo de uma “narrativa criminosa da imprensa em cima de uma simples compra e venda de imóvel”. Justificou que adquiriu sua nova morada após vender um imóvel e uma franquia de loja no Rio de Janeiro. Essas vendas, contudo, ainda não foram oficializadas em cartórios de registro de imóveis e na Junta Comercial do Estado. Para isso, o parlamentar também tem uma explicação: “Foi um instrumento particular de compra e venda, que daqui a pouco vai ter uma escritura pública também, e está na fase de elaboração das certidões”.

A franquia a qual ele se refere é a da loja de chocolates Kopenhagen, que, conforme o Ministério Público do Rio, era usada para mascarar os desvios de recursos dos assessores do senador, já que boa parte das compras eram feitas em dinheiro vivo e em quantias iguais todos os meses. Flávio era dono de 50% da franquia.

Entre seguidores de Flávio Bolsonaro nas redes sociais também houve quem o recriminasse. “O povo quebrando, desempregado e você gastando em uma mansão? Sou eleitor do seu pai, e do seu irmão. Mas não tem como te defender. Falta de vergonha na cara”, disse um deles. “Atrapalhou o Governo do teu pai, que ao invés de colocar o Brasil acima de tudo, colocou você acima de todos!”, disse outra seguidora em alusão ao lema de campanha do presidente. As explicações ainda estão distantes de ter um fim.


Afonso Benites: Ricardo Salles aposta na gestão Arthur Lira na Câmara para avançar mineração na Amazônia

Sob pressão com mudança de poder nos EUA, titular do Meio Ambiente afirma que não está preocupado com possível reforma ministerial sinalizada por Bolsonaro

Ricardo Salles tem oscilado entre altos e baixos no Governo Jair Bolsonaro. Apontado por ambientalistas como um representante de ruralistas no Ministériodo Meio Ambiente e visto por alguns diplomatas como um extremista, Salles tenta buscar uma sobrevida para sua permanência na pasta. Para isso, tenta se apoiar no novo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) para emplacar projetos caros ao bolsonarismo, que têm potencial para dizimar regiões florestais e que podem prejudicar a sobrevivência de populações tradicionais. Entre essas propostas estão a regularização fundiária de regiões florestais e a que autoriza a mineração em terras indígenas. Ambas têm tudo para avançar sob a gestão Lira.

A primeira sinalização que o ministro fez para a base de apoio bolsonarista foi a de reclamar que, durante a gestão Rodrigo Maia (DEM-RJ), encerrada no início deste mês, pautas governamentais pouco avançaram. Agora, ele diz estar confiante de que a situação será mais favorável ao Governo. “O que nós vimos ao longo desse período que acabou é que nem sequer as discussões podiam ser feitas. Você mandava um projeto de lei ou até uma medida provisória que caducaram no Congresso, e as discussões não aconteciam”, disse Salles em entrevista ao programa Poder em Foco, do SBT, da qual o EL PAÍS participou como convidado.

Sobre seu apoio ao polêmico projeto de mineração em terras indígenas, o ministro diz que gostaria que houvesse regras claras sobre o tema. “A mineração na Amazônia, seja em terra indígena ou fora da terra indígena, qual é a regra que vai ser imposta? Nós estamos desde a Constituição de 1988 aguardando a solução de uma norma que já previa uma regulamentação e esse assunto vai sendo jogado pra baixo do tapete ano após ano. Então é preciso discutir e encontrar um caminho, a solução não é não ter solução”.

Nesta montanha-russa da política, Salles esteve fortalecido com o presidente mesmo após seguidas altas dos índices de desmatamento e de queimadas na floresta amazônica e no Pantanal ao longo de 2019 e 2020. O prestígio decaiu depois que, em março do ano passado, foi filmado em reunião ministerial dizendo que o Governo deveria aproveitar a pandemia para “passar a boiada” no afrouxamento de regras ambientais. Ficou um tempo fora das manchetes jornalísticas depois desse episódio. Mais recentemente, voltou a ter seu nome em destaque quando Joe Biden venceu Donald Trump na disputa presidencial dos Estados Unidos e vários analistas apostaram que ele seria demitido.

Manteve-se no cargo porque Bolsonaro estava irritado com seu vice, Hamilton Mourão, que comanda o agora esvaziado Conselho Nacional da Amazônia. O presidente queria ter alguém para se contrapor ao general. Mourão é visto por alguns bolsonaristas como uma ameaça a Bolsonaro, que já acumula mais de 60 pedidos de impeachment. Essa queda de braço tem sido vencida pelo ministro, por enquanto, já que os militares subordinados indiretamente ao conselho deixarão de atuar na fiscalização da região amazônica nos próximos dois meses.

O curioso é que o mesmo Centrão que pode dar sobrevida a Salles com o prestígio junto a Lira é o grupo que pode derrubá-lo, em busca de nacos de poder na Esplanada dos Ministério. O nome de Salles juntamente com o do chanceler Ernesto Araújo, volta a ser apontado como um dos próximos a ser demitido numa iminente reforma ministerial realizada para acomodar políticos do fisiológico Centrão. “O cargo é do presidente (...) Eu não estou preocupado se vai ter reforma, se não vai ter reforma”, disse no programa do SBT.

Primeira reunião com representante de Biden

Ao mesmo tempo em que tenta, mais uma vez, se equilibrar no cargo, Salles busca demonstrar institucionalidade e proatividade. No último dia 18, Salles e Ernesto Araújo se reuniram pela primeira vez, por videoconferência, com o secretário de Estado americano, John Kerry. Na ocasião, levaram uma proposta ao homem forte da área ambiental de Biden na qual pediam mais dinheiro para a proteção ambiental. Segundo interlocutores, o Governo americano não discordou da proposta. Apenas sinalizou que alguma compensação financeira poderia ser apresentada nos próximos meses. A proximidade entre Bolsonaro e Trump, e as declarações de apoio feitas pelo brasileiro antigo presidente americano por ora, tem criado barreiras entre a cúpula dos dois Governos.

A busca de Salles por mais recursos tem várias razões. Uma delas: em 2021, o Ministério do Meio Ambiente se deparará com um de seus menores Orçamentos das últimas décadas. O resultado prático disso será a redução de fiscalização, que está cada vez menor, e o enxugamento administrativo. Ainda assim, mesmo com menos recursos, desde que Bolsonaro chegou ao poder o país abriu mão de receber doações da Noruega e da Alemanha por meio do Fundo Amazônia. Atualmente, há 40 projetos de proteção ambiental com 1,4 bilhão de reais parados nas contas porque Bolsonaro e Salles decidiram alterar as regras de gestão desses recursos. A razão é ideológica. “Ao invés de mandar o dinheiro para projetos e ideias que não necessariamente o governo concorde, dissemos que queríamos ter maior participação nisso e os doadores, Noruega e Alemanha, não concordaram”, justificou-se o ministro.

Como alternativa para suprir esses recursos, Salles disse que o Brasil busca convencer os países ricos a doarem mais para a proteção ambiental. A contrapartida brasileira seria antecipar de 2060 para 2050 o prazo em que se zeraria as emissões de gás carbônico no país. A conta sairia cara para os países ricos, entre eles, os Estados Unidos: 10 bilhões de dólares por ano (algo em torno 53 bilhões de reais). “Pedimos cem Fundos Amazônia por ano”, afirmou na entrevista, gravada no último dia 10.


El País: Câmara mantém prisão de bolsonarista Daniel Silveira, que ameaçou STF e defendeu AI-5

Deputados acolhem relatório que entendeu que o parlamentar do PSL cruzou a linha que diferencia a crítica e a liberdade de expressão do ataque às instituições democráticas

Afonso Benites, El País

A Câmara dos Deputados decidiu manter a prisão do deputado federal bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ). Por 364 votos a 130, os parlamentares concordaram com a decisão unânime do Supremo Tribunal Federal que decretou sua detenção sob acusação de ter cometido os crimes de coação e ofensas à Corte e ao Estado Democrático de Direito. Houve ainda 3 abstenções. Silveira está preso desde a última terça-feira. O relator do processo no STF, ministro Alexandre Moraes, justificou a detenção sob o guarda-chuva da lei de segurança nacional e de que o crime cometido teria ocorrido em flagrante ―única condição para a prisão de um parlamentar―, pois foi feito em vídeo publicado em suas redes sociais, agora deletadas por decisão judicial.

Com a decisão, o Legislativo segue o script de não entrar em confronto com a cúpula do Judiciário em um momento em que os Poderes desfrutavam de uma trégua após passarem um ano de 2020 de extrema tensão, muito por conta das atitudes e ataques do presidente Jair Bolsonaro e de seu séquito. Nesse cenário, a Câmara sinalizou que não quer comprar brigas com os Poderes em nome da radicalização da base bolsonarista, ainda que o presidente esteja adotando uma conduta de cautela após os acordos que o aproximaram dos fisiológicos parlamentares do Centrão. A votação desta sexta-feira foi simbólica. Na ponta do lápis, houve mais votos a favor da prisão de Silveira do que apoios a Lira na eleição de 2 de fevereiro. Naquela ocasião, o parlamentar do Progressistas recebeu 302 votos.

Pesou contra Daniel Silveira seu histórico de extremista e de quem tem poucas relações políticas com o atual establishment. Os parlamentares ignoraram os apelos da defesa do colega bolsonarista que alegava irregularidades na prisão por entender que não havia flagrante no suposto crime e que as falas em que Silveira ameaçava os magistrados deveriam ser analisadas pelo Conselho de Ética da Casa, sem que resultasse em sua prisão. A maioria dos que seguiram em suas fileiras são bolsonaristas do PSL, filiados ao NOVO, membros da bancada da bala e representantes do PTB – partido que ainda busca seduzir Bolsonaro a se filiar na legenda.

Processos no Conselho de Ética

Mesmo preso, Silveira ainda enfrentará dois processos no Conselho de Ética da Câmara que podem resultar na cassação de seu mandato parlamentar. Uma representação nesse colegiado, no entanto, não significa quer necessariamente haverá punições. Outros parlamentares de seu grupo político, como Eduardo Bolsonaro ou o próprio presidente Jair Bolsonaro, quando era deputado, já responderam a processos fazendo discursos semelhantes exaltando o AI-5 ou torturadores da ditadura militar. Nenhum deles foi punido.

No último dia 16, Silveira publicou um vídeo no qual chamou o ministro Edson Fachin, do STF, de filho da puta e disse que imaginava ele e outros magistrados da Corte levando uma surra nas ruas. Também falou a favor do Ato Institucional número 5, principal instrumento de repressão da ditadura militar brasileira (1964-1985).

“O que acontece, Fachin, é que todo mundo tá cansado dessa tua cara de filha da puta, que tu tem, essa cara de vagabundo”, afirmou o deputado Silveira. Na sequência, disse: “Quantas vezes eu imaginei você [Fachin] e todos os integrantes dessa corte aí. Quantas vezes eu imaginei você na rua levando uma surra. O que você vai falar, que estou fomentando a violência? Não, só imaginei. Ainda que eu premeditasse, ainda assim não seria crime, você sabe que não seria crime. Você é um jurista pífio, mas sabe que esse mínimo é previsível. Então, qualquer cidadão que conjecturar uma surra bem dada com gato morto até ele miar, de preferência após cada refeição, não é crime”.

Em seu relatório para a votação desta sexta na Câmara, a deputada Magda Mofatto (PL-GO) entendeu que o parlamentar atacou as instituições democráticas e que viu clara intenção de seu colega de intimidar os ministros do STF. “É preciso traçar uma linha e deixar clara a diferença entre a crítica e o verdadeiro ataque às instituições democráticas. Temos entre nós um deputado que vive a atacar a democracia e as instituições e transformou o exercício de seu mandato em uma plataforma para a propagação do discurso do ódio, de ataques a minorias, defesa de golpes de Estado e de incitação à violência contra as autoridades públicas.”

No documento que defendeu a manutenção da prisão, Mofatto ainda disse que fala de Silveira não foi uma suposição qualquer. “O parlamentar não fazia meras conjecturas, mas faz entender que existia um risco concreto aos integrantes do STF”.

Em sua defesa, Daniel Silveira disse que se arrependeu de suas palavras, pediu desculpas ao povo brasileiro que tenha se sentido ofendido e citou que sua detenção era ilegal, pois infringia a imunidade de palavra que todo o parlamentar tem. Diz que pode ter agido por meio da pressão popular. “Às vezes vem aquele diabinho que vem no ouvido e diz: faz isso, e você vai lá e faz.” Ele reclamou que foi perseguido pela imprensa e de ter suas redes sociais suspensas. Seus perfis no Facebook e no Instagram foram apagados por ordem judicial de Alexandre de Moraes. “Todas as minhas redes foram deletadas, sumariamente. E não há nada mais grave que isso”, afirmou.

Apesar de ter elogiado e defendido o Ato Institucional número 5, instrumento de repressão da ditadura militar, Daniel Silveira negou que o tenha feito. “Nunca defendi o Ato Institucional número 5. Tampouco admiro ou quero um regime ditatorial. Acho isso tudo jurássico. A arbitrariedade do Estado é desnecessária”.

Logo na abertura da sessão, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), afirmou que o caso Silveira servirá como um ponto de inflexão na Câmara e anunciou que criará uma comissão pluripartidária para regular o artigo constitucional que trata da imunidade parlamentar. O artigo 53 aborda a inviolabilidade de congressistas, civil e penalmente, “por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. De acordo com esse dispositivo, os legisladores federais só podem ser presos em flagrante se crime for inafiançável. “A inviolabilidade do mandato foi inscrita de forma cabal no mesmo texto magno, no mesmo, pelos mesmos constituintes que definiram o papel do Poder Judiciário”, disse. “Respeitar a Constituição é respeitá-la por inteiro. E vamos zelar por isso”, afirmou Lira.

Antes mesmo do fim da votação, quando 17 partidos orientaram pela manutenção da prisão (4 contra e 3 liberaram as bancadas), defensores de Silveira reclamaram da derrota iminente. “Não se trata de defesa corporativa. Trata-se de defesa da democracia, do Estado de direito, da defesa de que não nos submetamos como vassalos, humilhados, ao Supremo Tribunal Federal”, declarou Marcel Van Hattem (NOVO-RS). Para ele, a detenção do colega era uma espécie de AI-5 do Judiciário.


Afonso Benites: Direita se engalfinha e desfaz alianças enquanto Haddad, Huck e Moro seguem entre apostas para 2022

Eleição de presidente da Câmara expõe guerra interna do DEM e PSDB e embaralha xadrez para próxima eleição. Bolsonaro premia Centrão com ministério da Cidadania enquanto PT testa primeiro nome da esquerda à sucessão presidencial

Sem lideranças políticas naturais, a direita brasileira está esfacelada em compasso de espera pelas eleições de 2022. E a esquerda também, depois que o PT lançou a candidatura de Fernando Haddad como um balão de ensaio para testar o eleitorado. O presidente Jair Bolsonaro foi incapaz de criar sua própria legenda, a Aliança pelo Brasil, mas alcançou a proeza de embaralhar a miríade das outras composições partidárias que pretendem disputar sua sucessão. Com um cenário de candidaturas diluído, a máquina governamental nas mãos e um apoio na casa dos 30% da população já colocariam o presidente em um segundo turno.

Nas últimas semanas, Bolsonaro cooptou com cargos e recursos da União o Centrão, o fisiológico grupo de centro direita que atua no Congresso Nacional, implodiu o direitista Democratas e acabou estimulando um racha na sigla de centro-direita PSDB. Todo o processo tem como pivô a disputa pela Presidência da Câmara dos Deputados no início do mês, que terminou com a vitória do candidato bolsonarista e expoente do Centrão Arthur Lira (PP-AL).

Nesta sexta-feira, Bolsonaro concretizou parte do acordo firmado com o Centrão em troca de seu apoio por Lira. Ele nomeou o deputado federal João Roma, do Republicanos, para o Ministério da Cidadania em substituição a Onyx Lorenzoni (DEM-RS), que foi deslocado para a Secretaria-Geral da Presidência da República. Roma é amigo e ex-assessor de Antônio Carlos Magalhães Neto, o presidente do Democratas que se aproximou do Planalto rompendo com o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ). Com o movimento, o mandatário começa a pagar a sua fatura em troca de uma base de sustentação legislativa. Ainda restam entre dois e três ministérios a serem entregues ao Centrão, o que deve ocorrer nas próximas semanas.

Os movimentos no xadrez político de Bolsonaro ocorrem a um ano e 8 meses da eleição. Mas, de pronto, já começaram a minar alianças que estavam sendo planejadas pelo campo autodenominado “direita democrática”. A principal delas foi a articulação feita por DEM, MDB, Cidadania e PSDB. As quatro legendas rascunhavam um acordo para seguirem juntas em 2022. Seu candidato seria João Doria (PSDB), o governador paulista que já foi aliado de Bolsonaro, ou Luciano Huck, o apresentador da maior emissora de TV do Brasil, a Globo, que paquerava uma filiação ao DEM ou ao Cidadania.

Implosão do DEM e racha no PSDB

A implosão do DEM afastou Huck dos democratas, mas há ainda a esperança do Cidadania de tê-lo em suas hostes. Além disso, dos 27 deputados do DEM, 6 disseram que apoiarão a reeleição de Bolsonaro, 14 não descartaram apoiá-lo e apenas dois disseram que não se aliarão ao presidente. Os dados foram levantados pelo jornal O Estado de S. Paulo. “O que o DEM tem dito é que não fechará nenhuma porta, nem mesmo a Bolsonaro. Se o presidente se moderar nos próximos dois anos, o DEM consegue se justificar e seguir com ele, caso contrário, pode tomar outro rumo”, avalia e cientista política Lara Mesquita, que é pesquisadora do Centro de Política e Economia do Setor Público da Fundação Getulio Vargas.

No PSDB, Doria se sentiu forçado a marcar território. Tentou controlar diretamente a Executiva Nacional do partido, atualmente comandada pelo seu então aliado o ex-deputado Bruno Araújo. Mas os figurões da sigla reagiram e estenderam o mandato de Araújo para 2022. De pronto, Doria se enfraqueceu no processo, sinalizou que pode deixar a legenda e viu outro tucano despontar como potencial presidenciável: Eduardo Leite, o governador do Rio Grande do Sul que quer ser uma nova oposição a Bolsonaro. “O Doria é uma liderança de luz própria. Os velhos elefantes do partido não o veem com bons olhos. Ele é uma das pessoas mais pragmáticas da política brasileira. Tanto que se aliou a Bolsonaro para se eleger governador”, diz a cientista política Mariana Borges, pesquisadora em Oxford.

Outra legenda de centro-direita que está em busca de um nome que agregue outros apoios é o Podemos. Os dirigentes esperam que o ex-juiz da operação Lava Jato e ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, anuncie sua filiação até o início do próximo ano. As conversas estavam adiantadas. Mas, nas últimas semanas, o que menos Moro tem feito é se preocupar com a política partidária, já que corre o risco de ter sua biografia ainda mais manchada, quando o Supremo Tribunal Federal está em vias de invalidar as decisões que ele tomou contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Para as duas pesquisadoras consultadas pela reportagem, ainda é cedo para os partidos definirem qualquer cenário. “Tudo ainda depende da economia e de como o Governo vai reagir à pandemia [de coronavírus]. Também tem de ser levado em conta a avaliação da população sobre os processos judiciais contra os filhos do presidente”, diz Lara Mesquita. A narrativa que Bolsonaro empregou na eleição de 2018, de ser um político antissistema também será posta a prova. “Ele está claramente adaptando o seu discurso extremista. Vamos ver até onde isso vai durar”, afirma Mariana Borges.

Da mesma maneira que a direita anti-bolsonaro, a esquerda também enfrenta severas dificuldades de articulação interna. O PT já colocou em prova sua hegemonia nesse campo na última semana, quando o ex-presidente Lula lançou a candidatura do ex-prefeito de São Paulo Haddad e disse para ele percorrer o Brasil em uma espécie de pré-campanha. O PDT se aproxima de uma aliança com o PSB para relançar o ex-governador do Ceará Ciro Gomes. E o PSOL sinaliza que deve seguir com o professor universitário Guilherme Boulos. Ou seja, seria a repetição dos três candidatos que foram derrotados por Bolsonaro na disputa passada. A diferença agora é que Boulos ganhou projeção nacional ao disputar o segundo turno com Bruno Covas pela prefeitura de São Paulo, a maior cidade do Brasil. “Os partidos estão se movimentando porque sabem que se não começarem a se movimentar, eles não terão um candidato do dia para a noite. O Bolsonaro, mesmo, ficou quatro anos fazendo campanha”, diz a pesquisadora Lara Mesquita.

Para Mariana Borges, uma das falhas da esquerda brasileira, especialmente do PT, é manter-se focada no Estado de São Paulo na hora de falar em candidatos, ignorando outras regiões brasileiras. Ela cita que, ao escolher Haddad, Lula deixa de lado lideranças baianas do partido, como o senador Jaques Wagner ou o governador Rui Costa. “Talvez apresentar um nome que não seja tão ligado ao Lula seria a alternativa para atrair os outros partidos de esquerda”, diz.

Outra conta que tem sido feita pelas legendas é a da cláusula de barreira. A partir de 2023, só terá acesso aos fundos públicos eleitoral e partidário quem atingir 2% dos votos válidos para a Câmara em nove Estados ou eleger ao menos 11 deputados. Atualmente, a doação eleitoral privada é proibida no Brasil. E é quase consenso entre os partidos que, sem uma candidatura presidencial como uma vitrine, dificilmente se elegem tantos deputados federais. Como o Brasil tem 33 partidos registrados, sendo que 24 têm representação na Câmara, a tendência é que haja uma disseminação de candidaturas presidenciais.


Afonso Benites: DEM implode e ameaça levar junto o ensaio para unir centro-direita contra Bolsonaro em 2022

Criticando ACM Neto e a cúpula do partido, Rodrigo Maia e Mandetta devem se desligar da legenda nas próximas semanas. Desintegração é vitória tática para Planalto

Dois anos atrás, o Democratas ocupava o centro do poder no Brasil. Administrava a Câmara dos Deputados e o Senado Federal. Tinha ainda três ministérios ―hoje são dois. Parecia ser uma alternativa política de direita capaz de influenciar o jogo da sucessão presidencial. Os últimos movimentos internos da legenda, no entanto, mudaram a rota e causaram uma espécie de implosão interna. A sigla que resolveu, sob a liderança de seu presidente e ex-prefeito de Salvador, Antonio Carlos Magalhães Neto, se aproximar ainda mais do bolsonarismo nas tratativas paro o novo comando do Congresso acabou provocando o rompimento do ensaio de aliança de centro-direita DEM-PSDB-MDB-Cidadania para a sucessão presidencial de 2022. Além disso, duas de suas figuras proeminentes nos últimos anos, o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia e o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta encaminham suas desfiliações das hostes Democratas para as próximas semanas.

Alguns dos 29 deputados federais e dezenas de deputados estaduais da legenda devem segui-los. De olho nas próximas eleições, Maia e Mandetta começam a viver a temporada de assédio partidário. Ambos querem fazer oposição ao Governo Jair Bolsonaro (sem partido) e já receberam sondagens do PSL, Cidadania e do Podemos. Maia ainda teve convites do MDB e do PSDB, e Mandetta, sondagens. Mais do que debater questões políticas nacionais, tanto um quanto outro estão de olho em suas sobrevivências na política. Nesta equação, questões regionais devem ser levadas em conta.

Mesmo tendo sido convidado pelo presidente do MDB, Baleia Rossi, Rodrigo Maia teria dificuldade de aderir à sigla, já que no Rio de Janeiro a maioria da legenda é alinhada com o presidente Bolsonaro. Em princípio, ele teria o interesse de concorrer à reeleição e talvez tivesse um caminho facilitado pelas outras legendas que pretendem lhe dar espaço e autonomia. Já Mandetta não teria fácil acesso ao PSDB e ao MDB porque esses dois grupos políticos dão sustentação à candidatura da ministra da Agricultura, Tereza Cristina, que pretende disputar o Governo de Mato Grosso do Sul. Se não conseguir se firmar como uma alternativa a Bolsonaro ou a vice em alguma chapa, Mandetta é cotado para concorrer ao Governo sul-mato-grossense.

O deputado já avisou que deixará o DEM e está consultando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre a melhor alternativa de fazê-lo, sem correr o risco de perder o mandato por infidelidade partidária. Já o ex-ministro Mandetta disse que se reunirá com a cúpula da legenda dentro de duas semanas com o objetivo de chegar a uma decisão.

Rastros da Arena

A principal causa da ruptura de Maia com o partido, que em 2018 lançou sua pré-candidatura ao Planalto, foi a eleição para a cúpula de comando da Câmara na semana passada. Na ocasião, uma articulação encabeçada pelo presidente do Democratas, ACM Neto, resultou no fim do apoio a Baleia Rossi (MDB-SP) e consequente migração para Arthur Lira (PP-AL), o candidato de Jair Bolsonaro que acabou vencendo. Em entrevista ao jornal Valor Econômico, Maia afirmou que ACM Neto, de quem é amigo há 20 anos, “entregou de bandeja” a sua cabeça ao “Palácio do Planalto” e que o partido voltou a ser a extrema direita que deu sustentação à ditadura brasileira entre 1964-1985. Antigo PFL, o DEM surgiu da Arena, o partido dos militares que governaram o país durante o regime autoritário.

Diante da repercussão da entrevista de Maia ao Valor, ACM Neto voltou à artilharia. Emitiu nota dizendo que o deputado tinha a intenção de “se perpetuar no cargo de presidente da Câmara”, que ele “se encastelou no poder”, que o DEM “não tem dono”, que não aderiu ao bolsonarismo e se eximiu de responsabilidade na condução da eleição da Mesa Diretora da Câmara. “A mais grave de todas as falácias de sua narrativa é exatamente a de procurar jogar no colo do Democratas uma conta que não é nossa.”

O governador goiano, Ronaldo Caiado, outra liderança do DEM, também atacou Maia. “Ele faz questão de deixar claro que está saindo do Democratas e colocando seu nome a leilão. A sua entrevista não deve ser considerada pela classe política porque é indicadora de internação hospitalar”, disse em seu Twitter.

O líder do partido na Câmara, Efraim Filho, em nota também saiu em defesa de ACM Neto. “Com o anúncio de sua saída [de Maia] deixa claro que chegou ao fim de um ciclo no partido, e esta decisão ajudará a pacificar o Democratas”.

Ex-deputado e ex-prefeito de Salvador por dois mandatos, ACM Neto tem como objetivo principal disputar o Governo da Bahia. Também tinha como meta garantir a eleição de Rodrigo Pacheco (DEM-MG) à Presidência do Senado. A soma de questões regionais com a ambição nacional, fez com que ele acabasse abandonando o grupo de Maia na Câmara. Suas últimas declarações também afastaram Mandetta, um potencial candidato à Presidência da República pelo DEM. Na última semana, à Folha de S. Paulo, o dirigente do Democratas afirmou que, na eleição de 2022, não descarta estar com quase nenhum dos potenciais presidenciáveis. Nominou Bolsonaro, João Doria (PSDB), Ciro Gomes (PDT), Luciano Huck (sem partido) e o próprio Mandetta. “Só faltou citar o Lula”, disse o ex-ministro.

Alternativas

Presidente do Cidadania, Roberto Freire admite que os diálogos para uma frente de seu partido com o DEM, PSDB e MDB entraram em modo de espera. “A partir do momento que o DEM passou a admitir estar até com o Bolsonaro, as pontes foram rompidas”, disse. Mas isso não impede uma mudança, em médio prazo. “O mesmo cavalo de pau dado pelo DEM agora pode se repetir em 22. Se encontrarmos uma candidatura competitiva, ele pode voltar a integrar nosso grupo”, disse.

Freire admite os diálogos com Mandetta e Maia, mas não sabe quando haverá uma resposta. “Já tivemos conversas com os dois. Mas o timing quem dá é o político, não o partido. Por isso, seguimos conversando”, disse.

Entre membros do PSL consultados pela reportagem, o ingresso de Maia só seria possível caso os deputados bolsonaristas ―que representam cerca de 30 dos 53 parlamentares― deixem a legenda nos próximos meses. Se não for assim, dificilmente ele se vinculará à sigla. No PSDB, o governador de São Paulo, João Doria, fez um convite público a Maia, que também recebeu elogio do presidente de honra da legenda, Fernando Henrique Cardoso. No Podemos a articulação é feita entre alguns dos deputados e senadores, mas não teve um retorno direto da cúpula partidária. Mais do que o ingresso de Maia em qualquer nova legenda, o que contará para o cenário político será o número de lideranças regionais ele conseguirá levar consigo.


Afonso Benites: Nova cúpula do Congresso acena à economia, e não à pauta ultraconservadora de Bolsonaro

Indicada para a CCJ, bolsonarista Bia Kicis, que já defendeu golpe militar e é negacionista da pandemia, sofre resistência. Derrota de deputada no colegiado seria derrota do Planalto

Na primeira metade de seu mandato, o presidente Jair Bolsonaro não conseguiu emplacar suas pautas de costumes. A expectativa dele era que, a partir deste ano, com as duas casas comandadas por seus aliados, o deputado Arthur Lira (PP-AL) e o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), a situação mudasse. Mas não é o que parece que ocorrerá. Nesta quarta-feira, na abertura do ano legislativo, Lira e Pacheco se comprometeram a pautar temas ligados ao crescimento da economia, mas não com a agenda ultraconservadora do presidente.

Em uma relação enviada aos parlamentares pela Secretaria de Governo, Bolsonaro citou que gostaria que nos próximos anos fossem debatidos temas como a permissão para mineração em terras indígenas, alterações no estatuto do índio, a ampliação do porte de armas para a população em geral, a licença para militares matarem quando estiverem em operações de garantia de lei e ordem (as GLOs), além da permissão para o ensino escolar domiciliar, o homeschooling.

Mais cedo, contudo, os presidentes de Câmara e Senado assinaram um documento no qual se comprometem a se empenhar em pautar medidas para o combate à pandemia de covid-19, a reforma tributária e às propostas de emendas constitucionais dos fundos infraconstitucionais e a emergencial. Essas duas últimas tratam da destinação de recursos da União para Estados e Municípios.

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Apesar de um aparente descompasso inicial, o presidente Bolsonaro disse estar confiante na relação com os dois parlamentares. “O clima [é o] melhor possível. Imperará harmonia entre nós”, declarou após um encontro com Lira e Pacheco na manhã de quarta-feira. O Governo ainda pediu dedicação do Parlamento na análise da reforma administrativa e da privatização da Eletrobrás. Algo que, inicialmente, não estava necessariamente no radar de prioridades do Congresso.

Na relação enviada pelo Executivo também constam propostas feitas para agradar os ruralistas, como os projetos de lei que pretendem alterar a regularização fundiária, o licenciamento ambiental e a concessão de áreas florestais.

No ato de abertura do ano legislativo, o presidente foi vaiado por deputados do PSOL, que fazem oposição ao seu Governo. Eles o chamaram de “genocida” e “fascista”. Em tom de deboche, o mandatário disse que em seus 28 anos de parlamentar sempre respeitou as autoridades que frequentaram o plenário da Câmara. E retrucou: “Nos vemos em 22”. Era uma alusão à eleição presidencial prevista para ocorrer em outubro do ano que vem na qual ele deve ser candidato à reeleição.

Reforma à vista

A relação inicial entre o Executivo e o Legislativo servirá de teste para Bolsonaro começar a pagar a fatura com o Centrão, responsável pela eleição de Lira para a presidência da Câmara. Auxiliares do presidente relataram que, ao invés de entregar os prometidos quatro ministérios já neste mês, o presidente pretende fazer uma reforma ministerial a conta-gotas. Seria uma estratégia para não deixar tão evidente o toma-lá-dá-cá que foi a eleição no Parlamento. Duas pastas da Cidadania e do Desenvolvimento Regional seriam entregues nas próximas semanas ao Centrão e ao grupo de Davi Alcolumbre (DEM-AP), que apadrinhou a candidatura de Pacheco. O presidente ainda estuda como iria acomodar os atuais ministros, Onyx Lorenzoni e Rogério Marinho, respectivamente. Lorenzoni deve ir para a Secretaria-Geral da Presidência. O destino de Marinho é incerto.

Numa segunda etapa, o presidente poderia recriar o Ministério da Previdência e o do Esporte, para alocar indicados do Centrão. Ainda há a possibilidade de dar as pastas ou da Saúde ou da Educação para os neoaliados. Outra troca deve ocorrer no Itamaraty. Mas essa seria uma indicação pessoal de Bolsonaro e um aceno ao presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, já que o atual ministro, Ernesto Araújo, foi um dos que mais empenhou na relação com Donald Trump.

As mudanças ocorreriam conforme os neobolsonaristas passassem a fazer a sua parte, ou seja, a aprovar os projetos de interesse do Planalto. Ainda não está claro para o Governo qual é o tamanho real de sua bancada. Na Câmara, 302 dos 513 deputados votaram no candidato de Bolsonaro, Lira. Mas sabe-se que houve traições entre parlamentares que os partidos oficialmente apoiavam Baleia Rossi (MDB-SP). No Senado, entre os 57 votos de Pacheco (entre 81 possíveis) houve apoios do PT, da Rede e do PDT, que são declaradamente opositores e tentam emplacar uma CPI da Saúde, para investigar a atuação do Governo na pandemia de coronavírus.

A ocupação de espaços internos da Câmara e do Senado também demonstrarão qual é o real tamanho do empenho dos bolsonaristas. O primeiro teste de fogo será a disputa pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Esse é o principal colegiado da Casa, por onde passam todos os projetos de lei. Em tese, o cargo seria de direito do PSL, que indicou a deputada Bia Kicis (PSL-DF). Em seu primeiro mandato, ela é defensora de um golpe militar, é aliada de primeira hora do presidente e foi apontada como uma das principais disseminadoras de desinformação da Câmara. Há uma tentativa de demovê-la da ideia de assumir o cargo. Apesar da indicação do partido, a escolha de presidentes de comissões depende da votação dos membros de cada colegiado. A derrota de Kicis seria a derrota de Bolsonaro.


Afonso Benites: Lira acomoda oposição, mas acordo reduz participação de mulheres

Grupo do novo presidente do Legislativo aumentou de 3 para 4 membros na Mesa Diretora. Oposição terá duas vagas e só uma ocupada por uma mulher. Depois de ameaças, grupo de Baleia Rossi não levou tema ao STF

Primeiro bate. Depois assopra. Assim foram as primeiras 24 horas da gestão do neobolsonarista Arthur Lira (PP-AL) na Presidência da Câmara dos Deputados. Temendo a judicialização de um tema interno do Legislativo, o parlamentar alagoano líder do Centrão deu um passo atrás e desistiu de cancelar todas candidaturas dos membros do bloco opositor ao seu na disputa pelo comando da Casa. Na reunião de líderes, Lira chegou a um denominador comum com outras lideranças em que seu grupo político acabou ganhando quatro vagas dentre as seis da Mesa Diretora. As outras duas, acabaram com os apoiadores de Baleia Rossi (MDB-SP).

Até a noite de segunda-feira, as seis cadeiras seriam divididas igualitariamente, três para cada bloco parlamentar. No entanto, assim que eleito, Lira decidiu invalidar a inscrição do grupo de Baleia Rossi e embaralhou o jogo. O motivo foi que o PT havia entregue seus documentos de inscrição da chapa seis minutos além do horário permitido, o qu, na sua visão, causaria um vício formal ao processo, mas mesmo assim foi aceito por Rodrigo Maia. Sua estratégia era ocupar cinco das seis vagas ainda em disputa da Mesa Diretora. Diante da repercussão, nesta terça-feira, negociou a nova configuração. Alguns deputados disseram que ele chegou querendo imprimir o seu tom à administração, que oscila entre a firmeza e a abertura ao diálogo. “O ato foi necessário, não para dar um pé na porta, mas um freio de arrumação”, afirmou minutos após ser eleito em entrevista à emissora CNN Brasil.

A solução de Lira resultou que a Mesa Diretora será ocupada assim: o PL indicará a primeira-vice-presidência, o PSD, a segunda. A primeira secretaria, que é responsável pelo orçamento da Casa, será do PSL. A segunda secretaria fica com o PT. A terceira, com o PSB. E a quarta, com o Republicanos. Desses, apenas petistas e peessebistas não são originalmente do grupo de Lira. Com a nova composição, o PSDB e a REDE acabam excluídos do processo.

Na nova configuração, também há uma considerável redução da participação feminina na cúpula gerencial da Câmara. Antes, havia a expectativa que três dos seis postos chaves ―excluindo a presidência― fossem ocupados por mulheres. Agora, apenas o nome de Marília Arraes, pelo PT, deverá figurar entre as dirigentes da Casa. Antes as outras indicadas seriam Rose Modesto (PSDB-MS) e Joenia Wapichana (REDE-RR). Havia um simbolismo nessas nomeações, já que apenas 15% da Câmara é ocupada por mulheres. No caso de Joenia, ela seria a primeira indígena a ocupar um cargo de comando na Casa.

Tradicionalmente, a ocupação dos cargos na Mesa Diretora ocorre de maneira proporcional. Ou seja, os maiores partidos ou blocos partidários indicam quem ocupará cada função. Se a decisão de implosão do grupo de Baleia persistisse como ameaçou Lira, apenas o PT entre os dez apoiadores de Baleia Rossi poderia indicar um membro. Como quem estivesse doutrinando os seus pares, Lira disse ao final do encontro dos líderes partidários que espera que os deputados tenham entendido como serão tomadas as decisões de sua gestão. “Nós trataremos democraticamente, sempre por maioria, ou decisões da Mesa ou decisões do colégio de líderes. Nada mais de decisões isoladas, como dissemos durante a campanha”, afirmou aos jornalistas.

Com a decisão da madrugada, os parlamentares que se sentiram prejudicados ameaçaram ingressar com uma ação conjunta no Supremo Tribunal Federal, o que não ocorreu em decorrência da composição ajustada por Lira e os líderes ao longo da tarde.

Por que a disputa?

Essas funções de dirigentes na Câmara são consideradas estratégicas pois, por meio delas, os parlamentares ganham destaque midiático, podem contratar assessores comissionados e administram orçamentos internos. Além de substituir o presidente, o primeiro-vice-presidente da Câmara é o responsável por analisar os requerimentos de informação a outros órgãos públicos. O segundo-vice analisa os pedidos de reembolso de despesas dos deputados e age como uma ponte institucional com órgãos dos Legislativos de Estados e Municípios.

O primeiro-secretário é uma espécie de prefeito da Câmara. O segundo zela pelas relações internacionais da Casa, o que inclui a emissão de passaportes para os deputados e o estágio universitário. O terceiro-secretário analisa requerimentos de licença e justificativas de ausência dos parlamentes assim como dá autorização prévia de reembolso de despesas com passagens aéreas internacionais. Já o quarto-secretário controla os apartamentos funcionais da Casa.