2018

Conheça a seleção de presidenciáveis de 2018 no #ProgramaDiferente

Faltam exatamente sete meses para a seleção brasileira de presidenciáveis entrar em campo para disputar o jogo decisivo de 7 de outubro. Em ano de Copa do Mundo, num país que idolatra o futebol e onde as metáforas da bola servem para tratar de qualquer assunto, nada como antecipar o esquema tático dos onze craques convocados por seus respectivos partidos para as eleições de 2018. Detalhe: o técnico é você, eleitor!

Escalamos uma espécie de "seleção do povo", com os 11 titulares mais lembrados nas sondagens pré-eleitorais, aqueles que já estão no aquecimento e vão sair agora do vestiário para o reconhecimento do campo. Não significa que todos terão condição de jogo, até porque já vemos jogador renomado buscando vaga no tapetão, novato de salto alto, veterano com pouco fôlego para enfrentar o adversário e perna-de-pau sem coragem de encarar a torcida.

O esquema é o tradicional 4-3-3 dos anos 80, até com ponta-direita e ponta-esquerda, apesar de estarmos muito longe do "futebol-arte" da seleção canarinho. O que se busca hoje é o feijão com arroz, o "futebol de resultados" onde 1x0 é tão festejado como uma goleada. Na analogia entre o futebol e as eleições, esperamos que o resultado que teremos para os mandatários a partir de 2019 não seja tão frustrante quando o 7x1 da Alemanha na última Copa.

Essa é uma brincadeira que fazemos, obviamente, para tratar de um assunto sério e essencial para a normalidade democrática, cívica e institucional do Brasil com leveza, ironia e bom humor. No link sobre o nome dos candidatos relacionados abaixo, o #ProgramaDiferente traz um discurso ou entrevista recente que mostra a essência do pensamento de cada um.

Vamos à escalação (e clique sobre o link para ver os vídeos):

1. Lula - Como Pelé nos velhos tempos, o craque petista também joga no gol nos momentos de necessidade. Vive da nostalgia do tetra (duas eleições dele e duas de Dilma), mas a única chance que tem para seguir como número 1 é mesmo sendo escalado no sacrifício para defender na mão grande o seu time do implacável ataque inimigo. O último resultado foi um 5x0 no campo do STJ. A esperança que resta para não ser cortado antes da final é uma virada de mesa no STF, como nunca antes neste país...

2. João Amoêdo - Na lateral direita, com habilidade para atuar também como líbero, está a aposta do Partido Novo. Fez sólida carreira no exterior, até voltar ao Brasil para ajudar a lançar um time sem tradição mas recheado de patrocinadores e gestores profissionais.

3. Temer - Na zaga situacionista, com fama de xerifão, joga o capitão do time, apelidado "Presidente". Queimado com a torcida, a dúvida é se pendura as chuteiras antes da final, como palpitam alguns analistas, ou se estica a carreira para prestigiar os cartolas do seu time, que tanto se empenharam para mantê-lo como titular.

4. Meirelles - Completando a dupla de zaga do governo, um verdadeiro beque-de-fazenda. Atua com desprendimento nos dois lados da área, segurando o ímpeto da equipe, mas tem dificuldade de subir para disputar bolas alçadas contra atacantes mais encorpados.

6. Manuela - Na lateral esquerda, com disposição para marcar de perto os adversários que se deslocam pela direita, ganhou a posição essa ex-juvenil acostumada a cruzar a bola na área para o atacante petista cabecear para o gol.

5. Ciro Gomes - É o típico cabeça de área, pronto para dar cobertura aos laterais, armar o meio-de-campo e sair jogando com a bola dominada sempre que houver um rebote (principalmente uma bola espalmada de Lula). Chuta forte com as duas pernas, mas é ruim de pontaria. Famoso pela passagem por vários clubes diferentes na carreira e pelos gols contra que já lhe custaram um campeonato onde despontava como favorito.

8. Álvaro Dias - Veterano meia-direita e ídolo no sul do país. No selecionado nacional sempre atuou como armador do time, mas agora prefere se arriscar mais como ponta-de-lança. Acredita que PODE dar certo, apesar das dificuldades e da descrença da mídia especializada.

10. Marina - Dona de um toque refinado, dá sustentabilidade e equilíbrio à equipe. Alguns críticos reclamam que falta mais ousadia e presença no ataque, mas os companheiros elogiam o ritmo cadenciado e a experiência de uma carreira com reconhecimento internacional. É a esperança de bola na REDE.

7. Bolsonaro - Joga avançado pela extrema direita, desafiando qualquer esquema tático. Aparece frequentemente impedido, tem dificuldade no domínio da bola e fragilidade em recompor o sistema defensivo. Adorado pela torcida pelo jeitão irresponsável, espontâneo e inconsequente. Geralmente se envolve em confusões.

9. Alckmin - Como centroavante, com o desfalque dos antigos titulares de estilo mais trombador, aparece o discreto "Xuxu" paulista. Administra bem a bola, dá segurança no meio-de-campo e atua como pivô para quem chega em bloco, por trás, pelo chamado "centro democrático". Aposta no "fair play" e na regularidade para conquistar a preferência da torcida.

11. Boulos - Pela extrema esquerda estreia o atacante de movimentação bastante ofensiva, acostumado a invadir a área adversária e ocupar os espaços vazios na defesa oposta. Dono de um estilo rebelde e desafiador, geralmente contesta a autoridade da comissão técnica e da arbitragem, além de ter relação conturbada com a imprensa não setorista e com a PM nos estádios.


Míriam Leitão: Futuro do PIB

Dentro de um ano, o país estará diante de um número melhor do que o 1% que colheu esta semana. O PIB de 2018 deve ficar, segundo as previsões dos economistas, em torno de 3%. Mesmo com o extremo nevoeiro do cenário político, o país deve dar mais alguns passos na recuperação do produto perdido. O consumo vai subir e até o investimento será positivo.

O crescimento de 2017 foi baixo e concentrado na agricultura, e o único fato a comemorar foi o fim da recessão de 2014-2016. Os indicadores foram positivos, mas magros, e não se sentiu a mesma temperatura em toda a economia. Em 2018, o PIB deve ser mais forte e espalhado pelos demais setores. A agricultura, por ter crescido muito no ano passado e batido recorde de produção, deve encolher 3%. Porém, as projeções estão ficando melhores do que as iniciais. Mesmo sendo menor do que a do ano passado, a colheita de grãos deve ter o segundo maior nível da história: 226 milhões de toneladas. Isso terá outros efeitos benéficos na economia, apesar de estatisticamente o setor entrar na conta com um sinal negativo.

Um dos pontos positivos será manter a recuperação do consumo. As famílias vão consumir mais pela soma de vários fatores positivos: a inflação está baixa, está havendo aumento discreto da renda mesmo com o quadro do desemprego. Os dissídios estão conseguindo reajuste acima da inflação. Haverá nova queda do comprometimento da renda das famílias com o pagamento de dívidas. E, como já foi dito aqui, isso significa um aumento de R$ 100 bilhões liberados para o consumo ou poupança, segundo projeção do BNP Paribas.

Uma coisa são os índices agregados, outra é o que os empresários sentem na ponta da produção. Pegue-se por exemplo embalagem para margarina. O Brasil consome 220 milhões de embalagens de margarina por mês. Um número espantoso, mas é esse mesmo. Segundo a empresa Fibrasa, um dos produtores dessas embalagens, com duas fábricas, no Espírito Santo e em Pernambuco, o consumo está parado e até teve uma pequena queda na demanda em fevereiro. A saída desta recessão será assim, com idas e vindas.

Prova disso é a indústria. Ela dará um susto na semana que vem. Na terça-feira, será divulgada uma queda na produção industrial de janeiro e há projeções de tombo de 3%. Na língua própria dos economistas, ela vai “devolver a surpresa positiva de dezembro”. Mas ela está saindo do buraco, como mostra a redução da capacidade ociosa. A indústria caiu 13 trimestres consecutivos e terminou 2017 em zero, mas teve números positivos a partir de meados do ano passado. A previsão é de que suba 4,6% no ano, segundo o economista-chefe do Itaú Unibanco, Mário Mesquita. Serviços, também pela previsão do Itaú, ficará em 3%.

Os investimentos devem voltar para o azul, depois de quatro anos consecutivos de recuo. A expectativa é de alta de 5%. Só que estará longe de recuperar-se da perda de mais de 25%. Os empresários não farão grandes investimentos porque não confiam que esteja se iniciando um período de crescimento sustentado, mas pelo menos estão substituindo máquinas e equipamentos que ficaram antigos e sofreram o desgaste de uso.

Certas consultorias e bancos preveem um crescimento do PIB até maior do que 3%. A MB Associados, por exemplo, acredita que a alta será de 3,5%. O Itaú estima uma taxa mais forte em 2019, de 3,7%, mas no seu cenário conta com a eleição de um governo que aprove a reforma da Previdência no primeiro ano de mandato.

Esse é o grande problema das estimativas para o crescimento. O impulso que vai ganhar corpo em 2018 pode se transformar em voo de galinha se o problema fiscal não for resolvido. Os economistas explicam que a recuperação, neste momento, é “cíclica”, ou seja, está apenas repondo o que foi perdido pela crise. Por isso, não é sustentável sem que o governo enfrente o problema do rombo em suas contas. O raciocínio de economistas como Fernando de Holanda Barbosa Filho, da FGV, que entrevistei esta semana na Globonews, é que até aqui o estímulo monetário empurrou a economia para fora da recessão, mas a política fiscal precisa fazer parte do esforço de crescimento e, para isso, o ajuste das contas é fundamental. Ele arrumará a casa para um novo período de crescimento.

 


Fernando Gabeira: A cada ano sua história

Nesta época sempre tento ver as coisas com a simplicidade de Drummond: “O último dia do ano/não é o último dia do tempo./Outros dias virão”. O ano de 2018 nasce numa segunda exatamente 50 anos depois de 1968. Esse aniversário não deveria ofuscar o ano que entra, mas sim ajudar a entender esse meio século. Em 68, nem tudo aconteceu da mesma forma. Na Praça de Tlatelolco, no México, mais de 200 estudantes foram assassinados. Luther King, assassinado, Robert Kennedy, assassinado.

Nem todas as lutas eram idênticas. Hoje, 68 é associado às românticas revoltas da juventude, aos sutiãs queimados e expectativas de mais liberdade sexual.

No Brasil, esses fatores só chegam mais tarde. Era basicamente uma luta estudantil contra um governo militar, embora tenham ocorrido duas greves de metalúrgicos no período, em Osasco e Contagem.

Na verdade, eles eram um subenredo. Lembrome que, ao dissolver o congresso da UNE, em Ibiúna, a policia fez questão de exibir todas as pílulas anticoncepcionais encontradas no sítio. A intenção era sugerir promiscuidade sexual. Hoje, talvez fosse um indício apenas de precaução.

Quase nunca falo de 68 porque já me cansei do tema. No entanto, faz alguns anos que sempre me pergunto: até que ponto a mudança de comportamento foi influenciada pelos jovens? Até que ponto o instrumento realmente decisivo partiu de um salto científico com a disseminação da pilula?

O ano de 2018, apesar de começar na segunda, como 1968, enfrenta uma conjuntura bastante desafiadora. Apesar dos 50 anos de lutas por direitos civis nos EUA, a eleição de Trump representa um golpe na ilusão de um progresso linear.

As ondas migratórias, com o crescimento da extrema direita, colocam em xeque as teses do multiculturalismo que estimulou as lutas identitárias dos imigrantes.

No Brasil, a lembrança mais próxima é a de um longo período de dominação da esquerda que, além de falhar nos campos da ética e da economia, revestiu esses temas culturais de uma estreiteza partidária lamentável. Os direitos humanos foram as primeiras vítimas: são vistos hoje com desconfiança.

Em toda a parte, nos EUA, na Europa e no Brasil tornam-se mais fortes as linhas conservadoras que questionam esse possível legado de 68.

Talvez fosse um momento para refletir com a experiência da juventude. Quando se quer o mundo, você pensa apenas no seu objetivo e esquece um pouco dos outros. De repente, descobre que a maioria prefere outro caminho. É hora de dialogar. Em 68, o traço de união era lutar contra um regime ditatorial. Em 2018 é de reconstruir um país, sob muitos aspectos, arrasado.

Mas 2018 acontece 50 anos depois. As lutas continuam se desenvolvendo. As feministas queimavam sutiãs em 1968. Hoje, com a entrada maçica das mulheres na força de trabalho, elas questionam o assédio sexual nas empresas. E não só nas de Hollywood, mas também nas grandes montadoras.

De lá para cá houve a revolução digital e um processo contínuo de mudanças que nos envolvem. É nesse quadro amplo de transformações que precisamos achar um rumo.

O fator nacional de referência é a reconstrução do tecido democrático, mudanças no sistema político partidário, recuperação da economia.

Grandes debates sobre costumes, alguns fundados, outros artificiais, vão seguir acontecendo. O importante é saber em que lugar e em que ano estamos. Reconheço que mesmo nesses quesitos não há unanimidade: as pessoas vivem em tempos diferentes.

Daí a importância das eleições, como troca de ideias, uma oportunidade real de saber para que lado a maioria quer levar o Brasil.

Sempre desejo feliz 2018 lembrando que será um ano difícil.

Mas não os vejo como termos antagônicos. O ano de 1968 também foi difícil. E muitos o viveram com alegria.

Cada época com seus fantasmas. O importante para quem viveu algumas é não confundi-los. Como Drummond, de copo na mão esperar o amanhecer, sabendo que “Para ganhar um Ano-Novo/ que mereça este nome,/ Você, meu caro, tem de merecê-lo/ tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil,/ mas tente, experimente, consciente./ É dentro de você que o Ano Novo/ cochila e espera desde sempre.”

Um país também não escapa dessa lógica. Para ganhar um Ano Novo, terá de merecê-lo. Ainda que 2018 desapareça na névoa da história e ninguém se lembre dele ao completar meio século. Mas é o ano que temos, o tempo presente. Tão grave no Brasil que nos convida a andar devagar e, se possível, de mãos dadas.

 


Mauricio Huertas: Hoje só nos resta desejar: Feliz 2019, Brasil!

Num 2017 que termina com o tal “insulto” natalino do presidente Michel Temer para um terço dos condenados na Lava Jato; com a liberação de um sorridente mensaleiro (Henrique Pizzolato, aquele que fugiu do Brasil se passando pelo irmão morto), juntando-se a outros indultados famosos, como José Dirceu, José Genoíno eJoão Paulo Cunha; com o mercado comemorando um reaquecimento ínfimo (que beneficia os investidores da bolsa, enquanto para o trabalhador o desemprego volta a subir, em plena época natalina); com a demissão de um ministro do Trabalho que ninguém sabe quem é (e a entrada de outro, idem!), isso num ano em que se aprovou uma reforma trabalhista e se discute a reforma previdenciária; só nos resta mesmo desejar aos brasileiros um Feliz 2019!

Se já sabíamos que entraríamos num período de transição no pós-impeachment de Dilma Rousseff, este 2018 será o auge desse rito de passagem. Com o agravante de uma eleição presidencial determinante, mas completamente imprevisível, num cenário de descrença generalizada nas instituições democráticas e republicanas, e um porto nada seguro para o novo ciclo que se iniciará com o resultado a ser proclamado em outubro de 2018.

O calendário do ano novo (novo?) está posto, com aquela estranha sensação de déjà vu logo na sua chegada: manifestações contra o aumento de 20 centavos no transporte público de São Paulo estão marcadas para 11 de janeiro (onde certamente teremos a monótona repetição de cenas de depredação e violência); além do julgamento de Lula em segunda instância no dia 24 de janeiro – e isso nos remete ao início deste texto, quando mencionamos o indulto concedido aos bandidos do Mensalão e da Lava Jato. Teremos afinal a condenação do chefe dessas duas quadrilhas? Ele estará afastado das eleições? Vai recorrer para sair candidato? Será preso ou responderá em liberdade?

Mas isso é só o começo de janeiro, neste ano (de novo: novo?) que entramos com ranço dos anos 70 e 80: afinal, temos Paulo Maluf e José Maria Marin atrás das grades; enquanto Jair Bolsonaro e Lulalideram livres, leves e soltos as pesquisas de intenção de voto. Nada mais emblemático destes velhos novos tempos. O que mais virá por aí entre o Carnaval, logo no início de fevereiro, a Copa do Mundo no meio do ano, seguida pelas campanhas eleitorais, a eleição em si e… 2018 vai voar!

De todo modo, será uma boa chance para a (re)definição dos campos partidários e talvez até para o necessário surgimento de novas lideranças. Crise é oportunidade, diz a sabedoria milenar. Esse último suspiro do (des)governo Temer – na súbita e típica melhora do paciente terminal antes da morte – pode clarear um pouco o horizonte político ao atrair para o seu entorno oportunistas de todas as matizes que se reunirão para dilapidar o que resta da máquina estatal. Do lado oposto, o vitimismo dos que construíram a narrativa do golpe e o queremismo redivivo do pai dos pobres.

Isso abre um flanco estratégico para uma candidatura equidistante do governo e da oposição tradicional, ambos comprovadamente quadrilheiros e indesejáveis para o país que desejamos construir para o futuro – e que aí sim poderemos estufar o peito e encher a boca para bradar: UM BRASIL NOVO! Renovado, reformado, recuperado, reestruturado, reconstruído.

Sem os Malufs e Marins, sem os Temers e Lulas, sem os Bolsonarosou Meirelles, políticos vetustos com novos disfarces, que tentam esconder a velha política com as suas práticas obsoletas, deletérias e condenáveis. Não precisamos de mais do mesmo! Basta de indultos aos maus políticos! Basta da complacência da sociedade com tudo aquilo que empurra o Brasil para o buraco, que arrasa com a nossa esperança por dias melhores e que coloca em risco a nossa jovem estabilidade democrática.

Se queremos felizes 2019, 2020, 2021 (…) precisamos construir isso nos próximos meses. Não vamos delegar aos mesmos enganadores e exterminadores de sonhos, o nosso futuro. Vamos assumir a nossa responsabilidade e exercer o nosso protagonismo para forjar a mudança que desejamos. Vamos criar, inovar, fazer nascer e crescer um novo Brasil! Já!

Mauricio Huertas, jornalista, é secretário de Comunicação do PPS/SP, diretor executivo da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), líder RAPS (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade), editor do Blog do PPS e apresentador do #ProgramaDiferente

 


Monica de Bolle: A solidão da América Latina

No Brasil, prevalece o embate Lula-Bolsonaro, com um centro pulverizado

Fim de ano é sempre época de escrever colunas e artigos sobre o que esperar para o próximo na política, na economia. É sempre tempo de dar algumas pinceladas nos desafios, aflições, dilemas e agruras. O ano de 2018 será marcado por algo quase sem precedentes na América Latina: cerca de 420 milhões de pessoas serão chamadas às urnas para escolher quem determinará o destino de seus países, dentre os quais estarão três das maiores economias da região – Brasil, México e Colômbia. Ao contemplar o destino incerto e nebuloso desses três países, é impossível escapar da sensação de que 2018 será o ano da política nos tempos da cólera nessa região que, apesar de avanços, solitária permanece. “Pátria imensa de homens alucinados”, assim definiu Gabriel García Márquez a América Latina em seu discurso, cujo título encabeça esse artigo, na entrega do Nobel de Literatura em 1982.

A violência física e econômica da desigualdade, a brutalidade da corrupção, temas de 1982 para García Márquez, temas de 2018 para os eleitores latino-americanos. Os eleitores latino-americanos, habitantes de região tão frequentemente esquecida, carente da atenção mundial, da consideração dos EUA, já que no centro das grandes batalhas geopolíticas não está, por maior que seja, hoje, a presença da China.

Solitários, desiludidos com seus governantes, enraivecidos uns com outros ante a polarização crescente que caracteriza tudo e todos, eleitores que representam quase 80% do PIB da região escolherão os próximos homens e mulheres que hão de compor seus governos no ano que vem. Tais decisões não estarão circunscritas às fronteiras de cada nação. Os novos governos e suas diretrizes econômicas fadados estão a influenciar o restante da América Latina e seus eternos conflitos.

Quais são esses conflitos? O controle da economia pelo mercado versus o controle da economia pelo governo; a eficiência versus a justiça social; a tomada centralizada de decisões versus a transparência democrática. Esses conflitos, hoje, estão exacerbados na região pelos escândalos sucessivos de corrupção, e pela capacidade desses escândalos de atravessar fronteiras.

Há alegações de envolvimento ilícito de construtoras brasileiras na alçada da Operação Lava Jato em diversos países latino-americanos, incluindo México e Colômbia, além de Peru, Equador, Argentina, Chile, Uruguai, República Dominicana, Costa Rica, Guatemala, Panamá e Honduras. Como revela ampla literatura sobre os efeitos da corrupção, ela geralmente vem acompanhada de maior desigualdade, prejudica a capacidade do Estado de prover bens e serviços à população, distorce incentivos na alocação de talentos e recursos, e reduz a legitimidade do governo. Isso dificulta o complexo debate sobre o equilíbrio entre o papel do governo e o papel do mercado na economia, levando a reflexões simplórias do tipo “melhor privatizar tudo para eliminar a roubalheira”.

Privatizações podem aumentar a eficiência e reduzir a corrupção, mas podem também aumentar o poder econômico de alguns em detrimento de outros. Como sempre, as melhores soluções e recomendações de política econômica estão no meio, no centro.

Mas, como encontrar o centro, hoje tão solitário em meio à polarização? É essa a pergunta que as eleições latino-americanas de 2018 terão de responder. Na Colômbia, onde se dará o primeiro dos pleitos presidenciais em maio, há a Coalizão Colombiana, cujo objetivo é beneficiar-se da rejeição aos partidos e políticos tradicionais. Há os partidos tradicionais que apoiam o atual presidente Juan Manuel Santos, e há o partido do ex-presidente Álvaro Uribe, o Centro Democrático, cujo viés populista de direita “dura” é claro. Uribe se opôs ferrenhamente ao acordo de paz do governo Santos com as Farc, e o candidato endossado por sua coalizão provavelmente será o principal opositor de Germán Vargas Lleras, candidato respaldado por Santos.

No México, destaca-se a candidatura de Andrés Manuel Lopez Obrador por seu próprio partido, o Morena, de viés populista de esquerda – candidatos mais ao centro, por ora, não aparecem bem nas pesquisas para as eleições de julho. No Brasil, prevalece o embate Lula-Bolsonaro – ao menos até que o destino do ex-presidente seja definido – com um centro pulverizado e repleto de políticos que pouca inspiração trazem ao eleitorado.

Três eleições, várias possibilidades de que delas saia um líder mais extremado, inclinado a desfazer parte das reformas implantadas pelos governos anteriores ou, ainda, sem definição clara do que faria na economia. Colômbia e México têm algum estofo para enfrentar essas incertezas: são países que mantiveram taxas de crescimento razoáveis frente aos desafios internos e externos recentes, que têm economias bem administradas, que não passaram por convulsões institucionais severas.

Já o Brasil não tem a mesma sorte. O País tenta a duras penas engatar uma recuperação cíclica após dois anos de fortíssima recessão em meio a um ruidoso quadro político e convulsões institucionais diversas. A economia ainda necessita de profundo ajuste fiscal ante os déficits projetados para os próximos anos, o governo incapaz será de adotar reformas que sustentem o teto dos gastos públicos erguido há um ano – alguém acredita que a diluída reforma da Previdência será mesmo aprovada em 2018? E a campanha política promete ser das mais sangrentas e insubstanciais que já tivemos.

Tudo isso com o invólucro de uma administração instável nos EUA, de problemas geopolíticos em profusão mundo afora, da sanha populista que se alastra pelo Leste Europeu, pela Turquia de Erdogan, pelas Filipinas de Duterte, e que ameaça, ainda, a estabilidade da Europa.

Disse García Márquez em seu discurso de 1982 que a América Latina “não quer nem tem por que ser um bispo de xadrez sem arbítrio”. Referia-se à falta de vontade própria, à facilidade de ser a região manipulada pelas “potências”. Trazendo seu discurso para a atualidade, a América Latina não tem por que ser manipulada por seus piores instintos, refletidos na pobreza do debate político e suas perversas consequências para a economia. Saberemos em 2018 o destino dos homens alucinados distribuídos nessa imensa pátria.

* Monica de Bolle é pesquisadora do Peterson Institute for International Economics

 


El País: O que o Exército está insinuando sobre as eleições?

Comandantes militares pediram um ambiente de tranquilidade política que permita a realização de “um processo eleitoral tranquilo”

Juan Arias

Os comandantes militares exortaram à criação no país de um ambiente de tranquilidade política que permita, ano que vem, a realização de “um processo eleitoral tranquilo”, de acordo com um documento ao qual o jornal Folha de S. Paulo teve acesso. O que a cúpula do Exército está insinuando? Freud alertou que as palavras podem indicar mais do que expressam, porque revelam nosso subconsciente. E não é preciso ser um especialista em semiótica para saber ler o que está implícito na linguagem. Por isso, é importante entender o que os militares entendem por eleições “tranquilas”.

O Exército, que em sua alta hierarquia afirma apoiar o processo democrático e sua fidelidade às instituições, deve possuir informações privilegiadas sobre o que ocorre no país. É possível que os comandantes conheçam a existência de interessados em contaminar as eleições criando um clima de desassossego eleitoral. Não é um segredo que nas próximas eleições o Brasil, que não é uma república das bananas, mas um ator essencial dentro e fora do continente, tem muito em jogo. É o final de um ciclo histórico e estão sob suspeita muitos interesses abertos e ocultos, sejam políticos ou econômicos, que podem depender do resultado de eleições limpas.

Não por acaso a presidenta do Partido dos Trabalhadores, Gleisi Hoffmann, acaba de afirmar que “corremos o risco de não ter eleições com essa crise institucional”. A que crise concreta ela se refere? Está querendo indicar que os brasileiros perderam a confiança não só em seus políticos, mas até em suas instituições democráticas? E se for assim, existe o perigo real de que as eleições possam ser abortadas e com quais consequências? E quem teria interesse em que não se realizassem ou que amanhã sejam impugnadas eleições que deveriam colocar o ponto final do chamado “golpe” contra Dilma, que deixou feridas ainda abertas que Lula tentou cicatrizar com sua frase já célebre e enigmática “estou perdoando os golpistas desse país”?

Gleisi, que fala com menos diplomacia do que os militares sobre o perigo que as eleições podem sofrer, antecipou que os interessados em boicotá-las “são os golpistas”, a direita. Ninguém ainda expressou abertamente, mas é possível que muitos políticos importantes, de direita e esquerda, pelo temor de que tanto eles como seus partidos sejam varridos após as acusações de corrupção que lhes inquietam, possam estar interessados em que as eleições, como parecem insinuar os militares, não se realizem em um clima de tranquilidade. No Congresso já se preparam para “afrouxar”, por exemplo, a lei da Ficha Limpa, que pode impedir que muitos políticos corruptos concorram nas eleições.

O PT, que é um dos grandes que chega mais vulnerável a essas eleições, começou, por exemplo, a considerar a possibilidade de “boicotar” as eleições se a Justiça impedir Lula de disputá-las. A presidenta Gleisi disse, em uma entrevista recente à BBC Brasil, que as eleições poderão ser consideradas uma “fraude” se Lula não puder ser candidato. Confessou que seu partido já está trabalhando nas redes sociais com dois lemas: “Eleições sem Lula são uma fraude” e “Eleições sem Lula são um golpe”. Um correligionário seu, o deputado por São Paulo José Américo foi ainda mais longe. Chegou a dizer que se impedirem Lula de participar, pode ser criada no país, “por não deixarem o povo decidir”, uma situação de “convulsão social e de risco de guerra civil”.

Nesse momento delicado, o mesmo Lula, o maior líder popular do país, cuja candidatura condiciona fortemente o resultado das eleições, teria, de acordo com líderes de seu próprio partido, que esclarecer se pensa em se candidatar a qualquer custo, ou se respeitará as regras eleitorais. Poderia explicitar que só será candidato se existirem as condições jurídicas para que possa fazê-lo, para a tranquilidade do país e para contribuir com a realização tranquila das eleições. Lula tem o direito, como qualquer outro cidadão brasileiro, de disputar as eleições e o PT de defender sua candidatura apesar de seus problemas com a Justiça ainda pendentes de um veredito final. Hoje são milhões que votariam em Lula segundo as pesquisas, mas para que ninguém possa tirar a legitimidade das eleições, isso deveria ocorrer somente se o candidato petista estiver nesse momento amparado pela lei.

É, de fato, nos momentos cruciais para um país, em que podem estar em perigo os valores da democracia, quando os políticos de boa cepa devem saber se inscrever no livro da História.

 

 


Roberto Freire: Compromisso com as reformas

Em mais um capítulo da tumultuada quadra política que o país enfrenta, os brasileiros acompanharam a votação na Câmara dos Deputados que sacramentou o arquivamento do pedido de licença para que o Supremo Tribunal Federal analisasse se havia ou não elementos suficientes que ensejassem a abertura do processo com base na denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República contra o presidente Michel Temer. A bancada do PPS decidiu votar pela autorização da licença, seguindo um princípio histórico adotado pelo partido no sentido de que todas as denúncias de eventuais irregularidades devem ser rigorosamente apuradas, com total transparência.

Com o resultado, a Câmara indica que o atual mandato será cumprido com Temer na Presidência da República. Diante de uma vitória tão acachapante, cabe ao governo a grandeza de buscar a reaglutinação da base de apoio na luta pelo impeachment em sua integralidade, sem excluir os deputados que, divergindo da posição do governo, votaram pelo pedido de licença já arquivado pela Câmara.

O apoio à transição e às reformas tem de ser a palavra de ordem para chegarmos a 2018 em melhores condições e tendo superado os problemas decorrentes do perverso legado do lulopetismo. A principal tarefa do governo será rearticular todas essas forças políticas em prol de uma agenda reformista, positiva e necessária ao Brasil. No caso do PPS, é importante ressaltar que o partido segue com uma posição de independência, mas plenamente integrado na transição e na luta pela votação das reformas e pela recuperação econômica do país.

Apesar de algumas pesquisas de opinião apontarem uma grande rejeição ao presidente, a sociedade desta vez não se manifestou de forma significativa nem foi às ruas – ao contrário do que se viu no impeachment de Dilma Rousseff, que registrou as maiores mobilizações da história democrática do país. Trata-se, evidentemente, de uma clara demonstração de que a parcela amplamente majoritária dos brasileiros repudia a atual oposição, capitaneada pelo PT e também formada por alguns de seus satélites, como o PCdoB e o PSOL. O povo, definitivamente, não encampou a bandeira do “Fora, Temer” empunhada por aqueles que, abusando da desfaçatez, se dizem contra a corrupção, mas apoiaram Lula e Dilma; ou falam supostamente em favor da democracia e defendem a ditadura venezuelana chefiada por Nicolás Maduro.

A população brasileira demonstrou, afinal, que não se esquece do descalabro dos últimos 13 anos: corrupção desenfreada e escândalos em série como o mensalão e o petrolão, a destruição quase completa da Petrobras, a maior recessão econômica da história do Brasil, com mais de 14 milhões de desempregados, entre outras mazelas. Diferentemente do que pregam os áulicos do lulopetismo, que constroem uma narrativa falaciosa, enviesada e desconectada da realidade, os brasileiros não desejam a volta de Lula e do PT ao poder. As eleições municipais de 2016 já haviam sinalizado de forma categórica que o país quer olhar para frente, seguir adiante com um novo governo e avançar em uma agenda virtuosa que nos traga desenvolvimento e crescimento econômico.

O cumprimento dessa pauta benfazeja é o norte a orientar os parlamentares e partidos que têm a exata dimensão da importância de não desperdiçarmos a chance de tirar o país da crise. Já o reconduzimos de volta aos trilhos depois do desmantelo lulopetista. Agora é preciso acelerar e consolidar a retomada da economia.

 


O Estado de S. Paulo: Caciques tucanos têm desaprovação maior que a de Lula

Aécio, Serra, Alckmin e FHC têm imagem mais desgastada que a do petista; João Doria é menos rejeitado entre todos políticos tucanos analisados

Daniel Bramatti, Gilberto Amendola e Pedro Venceslau, O Estado de S. Paulo

A pesquisa Ipsos sobre a percepção dos brasileiros em relação a 27 figuras públicas revela que quatro dos principais caciques do PSDB – Aécio Neves (MG), José Serra (SP), Fernando Henrique Cardoso (SP) e Geraldo Alckmin (SP) – têm hoje a imagem mais desgastada que a do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Também tucano, o prefeito de São Paulo, João Doria, está em situação mais confortável: é o que aparece mais bem colocado entre os políticos avaliados pela pesquisa. Ainda assim, sua taxa de desaprovação (53%) é bem maior que a de aprovação (19%).

Condenado em um processo e réu em outras cinco ações relacionados à Operação Lava Jato, Lula é desaprovado por dois terços da população, enquanto um terço o vê de forma favorável. Já a desaprovação aos caciques tucanos varia entre 73% e 91%.

O maior desgaste é o de Aécio, que teve 48,4% dos votos na eleição presidencial de 2014 e hoje tem seu desempenho desaprovado por nove em cada dez brasileiros – resultado que o coloca em situação de empate técnico com o presidente Michel Temer (93%) e o deputado cassado e ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (91%), que está preso desde outubro de 2016 e já foi condenado na Operação Lava Jato a 15 anos por corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas.

Logo a seguir aparece o senador e também ex-candidato a presidente José Serra, que foi ministro de Relações Exteriores no governo Temer durante nove meses. Serra é mal avaliado por 82% da população, segundo o Ipsos. FHC e Alckmin são desaprovados por 79% e 73%, respectivamente.

A pesquisa não revela os motivos da rejeição aos políticos. Mas a desaprovação a Aécio teve um salto a partir de junho, quando ele foi acusado pela Procuradoria-Geral da República de receber recursos ilícitos do grupo JBS. Na época, o tucano chegou a ser afastado do mandato de senador por decisão liminar do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal.

Serra e Alckmin, cuja desaprovação também aumentou nos últimos meses, foram envolvidos em delações na Operação Lava Jato. O primeiro é alvo de inquérito por suposto recebimento de recursos ilegais da Odebrecht, e também foi acusado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de receber doações da JBS via caixa dois. Já o atual governador paulista foi citado por delatores da Odebrecht como beneficiário de recursos ilícitos.

Serra afirma que suas campanhas sempre foram feitas dentro da lei. Alckmin também nega irregularidades.

‘Mito’. Para o ex-governador de São Paulo Alberto Goldman, vice-presidente nacional do PSDB, a desaprovação aos líderes do partido se soma a uma “rejeição à classe política em geral”. Sobre o fato de Lula estar em situação um pouco melhor, Goldman disse que o ex-presidente “tem ainda certa dose de mito, um grau de sentimento popular, e isso abranda a rejeição dele”.

Para cientistas políticos ouvidos pelo Estado, a pesquisa Ipsos mostra o quão imprevisível está o quadro político para as eleições de 2018. “O imprevisto é o provável”, afirmou Cláudio Couto, da Fundação Getulio Vargas. “A situação está tão confusa e o desgaste de lideranças tradicionais é tão grande que fica muito difícil fazer qualquer tipo de previsão. Nesse contexto, abre-se espaço para aventureiros que, hoje, estão fora do radar eleitoral. Talvez o discurso antissistema se transforme em uma vantagem eleitoral.”

Já a também cientista política Maria do Socorro Braga, da USP, relaciona o baixo índice de aprovação dos políticos à Operação Lava Jato. “No começo, era algo que parecia apenas atingir o PT, mas depois, com o tempo, a sociedade entendeu que os problemas estavam disseminados por outras legendas.”

Para Marco Antônio Teixeira, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), até políticos que se apresentaram como novidade “acabaram se desgastando rapidamente, porque, pelo menos aparentemente, repetem hábitos da ‘política velha”. Já o professor de Direito Constitucional Oscar Vilhena (FGV) disse que “a bola está com o eleitor”. “A pesquisa mostra uma necessidade de reconstrução e renovação, mas será que o cidadão está realmente pronto para ela?”

 


Murillo de Aragão: A renovação política nas Eleições 2018

Caminho para alavancar uma candidatura não alinhada com o antigo será o das redes sociais

Uma das perguntas mais recorrentes em minhas palestras é como e se o novo prevalecerá nas eleições de 2018. A pergunta parte do pressuposto de que existe um notável sentimento antipolítico na sociedade e que, a partir dessa constatação, seria mais do que natural uma grande renovação do sistema político.

No entanto, existem condições muito duras para que o novo prevaleça. A primeira barreira para a disseminação do novo, que chamarei de novos entrantes, são as regras atuais. O marco regulatório das eleições estabelece regras para a distribuição de fundos partidários e para o uso de tempo de televisão. Ambas são críticas para a campanha eleitoral e estabelecem uma situação de privilégio para as estruturas partidárias tradicionais.

Grandes partidos ganham mais verbas, mais tempo de televisão e, na maioria das vezes, mais prefeituras. Ora, numa competição em que haverá escassez de recursos – pela ausência de financiamento empresarial e pela debilidade das doações individuais – o maior financiador da campanha será o Fundo Partidário.

Sabendo disso, o relator da minirreforma política na Câmara, deputado Vicente Cândido, está prevendo uma verba de R$ 3 bilhões para os partidos. Ainda que tamanha indecência não seja aprovada, grandes partidos continuarão a ser fortes financiadores da campanha eleitoral.

Apenas no primeiro trimestre deste ano o PT recebeu mais de R$ 23 milhões do fundo. Já legendas como o Partido Novo, que não tem nenhum deputado federal, recebeu pouco mais de R$ 300 mil. Ou seja, o sistema privilegia quem está no poder.

Outro fator crítico é a máquina pública. Somente o PMDB tem mais de mil prefeitos eleitos no Brasil. O PSDB tem pouco mais de 700. Entre os novos partidos, somente o PSD tem desempenho importante: 539 prefeituras.

Existem duas saídas para os novos entrantes: aliar-se às estruturas tradicionais ou buscar caminhos completamente inovadores. A fórmula novo-antigo foi testada com sucesso em São Paulo com João Doria. Com um discurso novo, uma campanha inovadora e uma estrutura partidária tradicional e poderosa venceu com certa facilidade. No Rio de Janeiro, a dupla finalista na disputa pela capital apresentou comportamento semelhante. Marcelo Crivella e Marcelo Freixo disputaram apresentando-se como o novo, ainda que os dois não representem nada de novo em termos políticos.

Faltando pouco mais de um ano para as eleições gerais, o sentimento antipolítico não se organizou para se expressar de forma competitiva. As especulações abrangem poucos nomes que poderiam aglutinar a sociedade em torno de um projeto político alternativo. Fala-se de Joaquim Barbosa, Luciano Huck e até mesmo de Sergio Moro. Porém como torná-los competitivos?

A resposta está no trinômio participação-mobilização-redes sociais. Os críticos do sistema político devem transformar sua crítica em participação e a participação em mobilização. Sem uma tomada de posição o sistema continuará mais ou menos como está – mudando pouco para não ter de mudar muito.

Pesquisa recente do Ibope aponta que pela primeira vez eleitores consideram a internet o maior influenciador para eleger um presidente da República. Ainda que o resultado seja apertado em relação à televisão, as mídias virtuais estão em ascensão, conforme pondera José Roberto Toledo (Estado, 12/6). Destaca-se, ainda, o fato de a internet ser fundamental para os eleitores jovens.

Dados do Facebook indicam que 45% da população brasileira acessa a rede social mensalmente. Seriam mais de 92 milhões de brasileiros acessando regularmente as redes. O Instagram tinha 35 milhões de usuários no Brasil em 2016. E o aplicativo de mensagens Whats-App já é utilizado por mais de 120 milhões de brasileiros!

Nos Estados Unidos, na eleição de Donald Trump, segundo seus estrategistas, a vitória se confirmou com a opção de privilegiar as redes sociais, em detrimento da mídia tradicional. Na França, Emmanuel Macron abandonou um partido tradicional, organizou um movimento e usou as redes para alavancar a campanha.

Considerando que as redes sociais assumem papel preponderante na formação da opinião política, pela primeira vez na História do Brasil poderemos ter eleições nas quais as estruturas tradicionais podem não ser decisivas para o resultado final. Em especial se um novo entrante chegar ao segundo turno, em que o tempo de televisão destinado à propaganda eleitoral gratuita é igual para os dois concorrentes.

Poderemos ter um fenômeno Macron no Brasil? Sim e não. Para responder afirmativamente à questão volto às duas peças iniciais do trinômio que propus. Sem participação e mobilização nada de novo acontecerá. A indignação com a política será estéril. Ficará nas intenções vagas de sempre. Porém, se a sociedade civil se mobilizar em torno de um projeto que seja aglutinador e expresse uma nova forma de fazer política, tudo pode mudar. E o caminho para alavancar uma candidatura que não esteja alinhada com o antigo será as redes sociais.

A conjunção de fragilidade financeira das campanhas – sem as doações empresariais – com desmoralização do mundo político e a emergência das redes sociais pode proporcionar uma surpresa eleitoral que ainda não tem cara nem nome. No entanto, justamente por não ter nome é que o tradicional pode prevalecer. Outro fator importante é que a indignação com a política ainda não se traduziu em participação e mobilização. O tempo está passando. Nem a política tradicional dá sinais de querer renovar-se nem os novos entrantes ainda dão sinais de querer, efetivamente, participar.

*Advogado, consultor e jornalista, é mestre em ciência política e doutor em sociologia pela universidade de brasília

Fonte: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,a-renovacao-politica-em-2018,70001875569

 


Dora Kramer: Uma eleição sem derrotas nem derrotados

À exceção do já previsto desastre petista, não houve derrotas nem derrotados fragorosos na eleição de ontem. Tampouco ocorreram vitórias ou se registraram vitoriosos absolutos na escolha de prefeitos e vereadores nas capitais do País. Foi tudo meio morno. Portanto, de baixa intensidade também foi o impacto sobre os preparativos para 2018. É tradição se tomar o desempenho de cada partido no pleito municipal como uma espécie de ensaio para a disputa presidencial dali a dois anos, embora tal versão quase nunca corresponda aos fatos. Desta vez, podemos dispensar o “quase” e assumir na totalidade a negativa.

Não haverá correspondência alguma entre as duas eleições, notadamente pela peculiaridade de ambas. A de agora, realizada com regras até então inéditas, em ambiente de crises, escândalos, prisões, delações, reações algo desesperadas e um altíssimo grau de rejeição aos políticos. O paradoxo é que o interesse pela política cresceu na proporção inversa. O sumiço dos caciques partidários das campanhas deu-se justamente porque não há quem possa dizer que esteja bem na fotografia no momento. Fernando Henrique e Aécio Neves fizeram aparições fortuitas em prol do candidato do PSDB a prefeito de São Paulo, João Doria, e ainda assim só depois de ele dar sinais de saúde eleitoral.

O ex-presidente Lula bem que tentou. Apareceu aqui e ali, no Nordeste e em São Paulo, para ter o desgosto de ver candidatos nordestinos dispensando sua presença e Fernando Haddad desistindo de apresentá- lo no horário eleitoral depois de as pesquisas qualitativas o apontarem como fator de perda de votos. O presidente Michel Temer não deu o ar da graça. Verdade que ele havia anunciado distância a fim de não provocar atritos entre partidos dos quais depende de votos no Congresso. Mas é fato também que não se viu ninguém no PMDB e área de influência a clamar por sua presença.

Por esses e outros motivos, não se pode enxergar em 2016 um ensaio para 2018, quando o esperado e o inesperado cuidarão de proporcionar cada qual a respectiva surpresa. Nada está garantido e a obra do futuro com desfecho em aberto. Mesmo o desempenho surpreendente de João Doria em São Paulo não representa um passaporte para o governador Geraldo Alckmin na disputa presidencial. Entre outros motivos, porque nossa história recente demonstra que criaturas nem sempre fazem bem aos criadores. (O Estado de S. Paulo – 03/10/2016)


Fonte: pps.org.br