RPD || Paulo Baía: O silêncio agônico de Jair Bolsonaro

Mudez de Jair Bolsonaro nos últimos dias é apenas um recuo tático para conter um possível processo de impeachment e a ofensiva do STF no inquérito das fake news contra seus apoiadores, avalia Paulo Baía.
Foto: Marcos Corrêa/PR
Foto: Marcos Corrêa/PR

Mudez de Jair Bolsonaro nos últimos dias é apenas um recuo tático para conter um possível processo de impeachment e a ofensiva do STF no inquérito das fake news contra seus apoiadores, avalia Paulo Baía

A marca de Jair Bolsonaro, de seu governo e seus ciberapoiadores nos últimos trinta dias foi o silêncio indigesto. Uma mudez que não significa comedimento ou arrependimento dos constantes ataques à democracia. Trata-se de um recuo tático, agônico, num momento em que os múltiplos movimentos Fora Bolsonaro ganharam rosto e ecos com manifestos, abaixo-assinados e manifestações de rua em cidades significativas como São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba e Rio de Janeiro.

Desde o início do governo, em janeiro de 2019, as ruas, monopolizadas por bolsonaristas em rituais de enfrentamento ao Estado Democrático de Direito, ganharam novos protagonistas reverberando o Fora Bolsonaro, aliados aos panelaços quase diários em centenas de cidades espalhadas pelo país.

O impacto das investigações do STF, conduzidas pelo ministro Alexandre de Moraes, sobre as ameaças à Corte e a seus amigos integrantes foi sentido. As buscas e apreensões nos gabinetes de parlamentares bolsonaristas, de empresários financiadores das manifestações contra o Congresso Nacional e o STF, a prisão de agitadores bolsonaristas contumazes nas agressões e violências em Brasília, como Sara Winter e Renan Sena, chegaram muito perto dos filhos do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro e o deputado federal Eduardo Bolsonaro. As investigações sobre a prática de fraudes na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) avançaram com a prisão, em Atibaia/SP, de Fabrício Queiroz, no sítio de Frederick Wassef, advogado do senador Flávio Bolsonaro e que se apresenta também como advogado de Jair Bolsonaro.

Os efeitos destruidores da crise sanitária da Covid-19 sobre o sistema produtivo e gerador de renda no Brasil somaram-se à ineficiência de uma política econômica essencialmente rentista conduzida por Paulo Guedes e toda a sua equipe. Os tempos do coronavírus descortinaram uma realidade para a qual Paulo Guedes não é afeito, desconhece o que tem de ser feito, mostrando-se inapto. Dessa forma, o governo já mantém plano de intervenções socioeconômicas nas gavetas da Casa Civil com o ministro Braga Neto. Jair Bolsonaro conta com a boa vontade de Rodrigo Maia, Davi Alcolumbre, ACM Neto, Baleia Rossi e Michel Temer, ao mesmo tempo em que constrói com os partidos fisiológicos uma minoria de 172 votos na Câmara dos Deputados. O mínimo suficiente para barrar um processo de impeachment ou de autorização para ser investigado pela PGR, se o apoio do DEM e do MDB não for diluído.

Bolsonaro foi simpático com os ministros do STF na posse de Luiz Roberto Barroso como presidente do TSE, em 25 de maio. Saudou os presidentes das casas legislativas, Davi Alcolumbre e Rodrigo Maia, em solenidade no dia 30 de junho. Fez nomeações para cargos importantes de segundo e terceiro escalões de filiados de partidos fisiológicos, esteios do mensalão, em 2005, e da Lava-jato, de 2013 em diante. Além de comparecer à inauguração da transposição do Rio São Francisco, no eixo do Ceará, no dia 26 de junho, como apoio à sua base política visando ao processo eleitoral municipal deste ano.

É nesse contexto de recuo tático e agônico que ocorre a escolha do novo ministro da Educação, em que os partidos oportunistas aderentes terão o protagonismo. Além da condução da política para a Amazônia através do Conselho Nacional da Amazônia Legal, capitaneado pelo vice-presidente da República Hamilton Mourão, pressionado por grandes empresários para fazer um combate inflexível e abrangente ao desmatamento ilegal na Amazônia, coincidindo com as ações do Ministério Público Federal contra o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.

Não pensem que Jair Bolsonaro está contido em sua saga contra a democracia e os valores iluministas, como demonstra em sua fala mansa ao comunicar ter sido contaminado com o coronavírus e estar se tratando com cloroquina e hidroxicloroquina. É apenas tático, um movimento para conter o processo de impeachment e a ofensiva do STF no inquérito das fake news contra seus apoiadores. Mas sua atitude ambígua permanece ao insistir que a pandemia é uma chuva inofensiva, sem mencionar os mais de 72 mil brasileiros mortos (números em 13/07/2020), que a lógica da imunidade de rebanho trata como cadáveres baratos.

  • Sociólogo e cientista político.

Privacy Preference Center