Paulo Baía: A cidadania está ser ar

O governo de Jair Bolsonaro é quase uma unanimidade nas diversas mídias tradicionais e digitais como um fracasso na condução e gestão da crise sanitária da Covid-19, pelo ponto de vista da saúde pública, coletiva, humanitária, assim como do sistema econômico produtivo.
Foto: Alan Santos/PR
Foto: Alan Santos/PR

O governo de Jair Bolsonaro é quase uma unanimidade nas diversas mídias tradicionais e digitais como um fracasso na condução e gestão da crise sanitária da Covid-19, pelo ponto de vista da saúde pública, coletiva, humanitária, assim como do sistema econômico produtivo. Bolsonaro, seus ministros e autoridades de governo pouco se importam com o que é dito e redito com fatos, fotos, números, estatísticas, gráficos, cálculos e índices. Entramos no inferno de Dante, onde só enxergamos uma imensa escuridão, em contraponto aos governantes federais que seguem orgulhosos do cenário, afirmando estar tudo ótimo. As realidades são distintas e se movem em planos paralelos sem se comunicarem. Ou seja, o significado sociológico dos sorrisos e gargalhadas dos governantes revela a ideia de que a política de incentivo às mortes está efetivamente dando certo.

No início do mês de março, escrevi que vivíamos em um “Campo de Extermínio”. Para esta vivência social e política é necessário que haja articulação fina e determinação intragovernamental dos gestores da República. Os dias se passaram e estamos atingindo a marca de aproximadamente 3.000 mortes por dia. O governo, sob pressão após a entrada em cena da possível candidatura de Lula após a anulação de suas condenações, decidiu mudar o ministro da saúde, e este já disse que vai continuar o trabalho do antecessor sob o comando direto de Bolsonaro. Isto é, “não temos meta, quando atingirmos a meta, dobramos a meta”.

Estamos navegando na Barca de Caronte, a escuridão nos sufoca ao perceber que deveremos chegar a em torno de um milhão de brasileiros mortos por Covid-19. Em contrapartida, prefeitos e governadores acovardados, com a leniente cumplicidade dos poderes legislativos, não tomam as medidas recomendadas pelos especialistas, não miram nas experiências internacionais como a do colonizador português ou do hegemônico EUA de Joe Biden. Jair Bolsonaro e Paulo Guedes comandam uma política pública fazendária de morte e miséria em escala industrial cibernética, inspirados e lastreados nas ignóbeis teses da “Ponte Para o Futuro” do professor doutor Marcos Lisboa e seus “parças”. O horror da política sanitária disciplinada de Pazuello-Queiroga é o espelho perfeito do sucesso de Paulo Guedes-Marcos Lisboa. Não existe acaso em governos. Tudo é planejado e decidido entre táticas e estratégias. Jair Bolsonaro, Paulo Guedes, Pazuello, Ernesto Araújo e demais ministros não são “omissos”, são operadores eficientes de um projeto político em andamento. Com isso, entramos na Barca deslizando por rios carregados de pulsão de morte, onde Thanatos está no controle nacional com eficiência e eficácia.

As ações de oposição a Jair Bolsonaro e a seu governo são como Ivermectina para Covid-19. A oposição está fazendo firulas cênicas, agindo como o vereador de Canela/RS, pretendendo pulverizar álcool gel na população com um avião. Pobre Canela, que já foi referência nacional no contexto da Serra Gaúcha.

Proponho, através das experiências bem sucedidas em termos micro e local de autoproteção experimentadas em várias favelas do Rio de Janeiro, de São Paulo, de Recife, de Porto Alegre e Salvador, que formemos um “Fundo Financeiro Social” para compra de vacinas contra a Covid-19 de todos os laboratórios para imunizar a população. Nos rebelemos contra a política afirmativa de valorização da morte e promoção da doença de Bolsonaro, Paulo Guedes, Queiroga. Um Fundo Soberano, gerido por um consórcio da sociedade civil com a Transparência Brasil, a CUFA, a ANF, o AfroReggae, a Comissão Arns, o Banco da Providência e assemelhados.

O presidente Lula pediu ao presidente dos EUA Joe Biden uma reunião de emergência do G-20 para discutir a distribuição global de vacinas, pensando tanto no Brasil quanto nos países pobres. Além da iniciativa bem-sucedida de João Dória, que fez acordo para trazer a Coronavac da China em meados do ano de 2020. Dessa forma, Lula da Silva, Ciro Gomes, Henrique Mandetta, Alexandre Kalil, Guilherme Boulos, José Sarney, Fernando Henrique Cardoso e quem mais chegar, que façam para ontem uma comitiva e visitem a Europa, a China, a Índia, a Rússia e os EUA para negociar diretamente com os laboratórios, os governos e a OMS vacinas para toda a população brasileira ainda em 2021.

Podem retrucar acerca do Fundo Financeiro Social com gestão direta da sociedade civil como “Coisa de Maluco”, pois que seja. O que não podemos é ver e ouvir os aplausos dos mórbidos para Jair Bolsonaro-Paulo Guedes, e os seus, os quais certamente dançarão sobre as montanhas de cadáveres nos necrotérios e valas comuns coletivas Brasil afora. A nossa cidadania está sem ar, sufocada nas filas das UTIs, nos ônibus e trens abarrotados, usando máscaras no queixo com os olhos, narizes e bocas de fora. Precisamos ir além das notas de repúdio, cartas à humanidade, petições online, ações judiciais, discursos inflamados das tribunas parlamentares, para reverter a situação e tirar o “oxigênio” político institucional de Paulo Guedes-Pazuello-Queiroga.

Os consórcios de algumas prefeituras e de alguns governadores para compra direta das vacinas em diversos laboratórios é uma ação com mais substância eticopolítica e de efetivo enfrentamento a Jair Bolsonaro, que terá que lidar com o fato consumado, se é que vai ser consumado mesmo.

Para além do que se tem feito a partir de uma oposição atordoada, apostar também no que os favelados, periféricos e miseráveis nos ensinaram ao longo destes 12 meses de pandemia: autoproteção e autonomia social, já que o Estado brasileiro gerido por Bolsonaro é facilitador da morte por asfixia. Vamos esquecer que o doutor Marcos Lisboa, “parças” das universidades e associados das “Ruas Faria Lima” de nossas urbes existem. E ressignificar de acordo com o livro de Júlio Ludemir – “Sorria, você está na Rocinha” – ao nos deixar impregnar pelas iniciativas potentes de autoproteção dos favelados e periféricos brasileiros. Talvez assim possamos sair da escuridão e quem sabe alcancemos, que não seja o céu, pelo menos o purgatório de Dante.

*Paulo Baía é sociólogo e cientista político

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