Fernando Gabeira: Bolsonaro e a construção do caos

Na semana em que as mortes pela pandemia atingem a marca de 255 mil, toda a atmosfera política parece sombria. Não é caso de desespero, apenas a constatação de que vivemos um momento especialmente difícil.
Foto: Clauber Cleber Caetano/PR
Foto: Clauber Cleber Caetano/PR

Na semana em que as mortes pela pandemia atingem a marca de 255 mil, toda a atmosfera política parece sombria. Não é caso de desespero, apenas a constatação de que vivemos um momento especialmente difícil.

Enquanto sonhamos com a imunização do povo contra a Covid-19, quem recebe vacinas é Flávio Bolsonaro, filho do presidente, e os congressistas do Brasil. Flávio ganhou uma vacina contra a punição no caso das rachadinhas. Os congressistas foram mais longe e produziram um projeto que os vacina contra a prisão em flagrante.

Impressionante ver como o populismo de direita se associa aos políticos tradicionais para criar uma intransponível blindagem para toda sorte de crimes.

E logo eles, os populistas de direita, que afirmam a decadência de um mundo materialista, distante dos valores espirituais que pretendem restaurar.

Acabo de ler “Guerra pela eternidade”, um livro de Benjamin Teitelbaum. O livro fala do retorno do tradicionalismo e da ascensão da direita populista. Infelizmente, não posso fazer uma resenha aqui, senão meu espaço iria para o espaço, se me perdoam o jogo de palavras.

Teitelbaum é etnógrafo, e seu método de pesquisa consiste em observar e interagir com as pessoas que estuda. Dois personagens, entre outros, se destacam em seu livro: Steve Bannon e Olavo de Carvalho. A leitura do livro me ensinou alguma coisa sobre o pensamento da direita, embora a tese central não tenha me parecido muito sólida. Ele tenta enquadrar Steve Bannon e Olavo de Carvalho no figurino do tradicionalismo, mas algumas partes do corpo ficam do lado de fora, não cabem exatamente.

O tradicionalismo tem uma visão circular do tempo. As épocas se sucedem da Idade do Ouro, o tempo dos sacerdotes, passando pelos guerreiros e comerciantes, até o dos escravos, a decadência que se vive hoje no mundo material, globalizado, dominado por uma aliança entre o liberalismo e a China.

Steve Bannon e Olavo de Carvalho sonham com um novo mundo, em que os moradores das áreas rurais americanas e o povo religioso do Brasil (no caso de Olavo) aparecem como as forças novas que vão restaurá-lo.

É um pouco parecido, num outro plano, com a visão romântica dos comunistas, que viam a redenção na classe operária. O mais importante, no entanto, é que, assim como a velha extrema esquerda, Bannon quer implodir as instituições existentes.

Isso explica, no governo Trump, a escolha de uma secretária de Educação que distribuía vouchers para usarem em escolas particulares, anulando o ensino público. Ou mesmo a escolha de um diretor da agência ambiental cujo grande objetivo era acabar com seu ativismo.

Há correspondência dessas escolhas no Brasil. Ricardo Salles foi apontado para destruir o trabalho legal pelo meio ambiente. Ernesto Araújo, para realizar uma diplomacia que rompe com as práticas tradicionais.

Araújo não se importa que o Brasil se transforme num pária. Num mundo decadente, isso é um elogio: significa que há um papel na nova idade do ouro, em que os símbolos superam a razão.

Não tenho espaço para as contradições. Lembro apenas que Bannon se diz espiritualista, mas recebia um salário de US$ 1 milhão de um bilionário chinês e foi acusado de desviar dinheiro destinado a construir o muro na fronteira com o México.

O ponto central é que essas ideias influenciam o governo Bolsonaro. Ele mesmo é uma espécie de antipresidente, alguém destinado a explodir a instituição. O caos é algo promissor para quem julga antever a aurora de uma nova era.

É assim que entendo sua intervenção na Petrobrás e os decretos para armar o povo. Na verdade, foi assim que li as principais declaracões dos quadros da alt-right, a direita alternativa.A tática parece muito com as velhas teorias revolucionárias , só que com o sinal trocado.

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