auxilio emergencial

Benito Salomão: Auxílio Brasil e risco democrático

Proposta do novo benefício pode comprometer estabilidade macroeconômica

Benito Salomão / Folha de S. Paulo

Quando a lógica eleitoral pauta a política econômica, as consequências são indesejáveis. O Brasil viveu isso em 2013-14 diante da reeleição da presidente Dilma Rousseff (PT), causando nítidos retrocessos na política fiscal, tais como as contabilidades criativas e pedaladas fiscais. Naquela época, a presidente optou pelo negacionismo fiscal até novembro de 2014, quando venceu as eleições e a realidade se impôs. O desfecho daquele episódio segue fresco na memória.

A história se repete, primeiro como tragédia, depois como farsa, sentença atribuída a Karl Marx ideal para explicar a realidade contemporânea. Após o descalabro de 2014, o Brasil voltou a discutir retrocessos fiscais parecidos com os daquele momento. Em 2020, o país teve que elevar seu endividamento público em face dos danos humanitários causados pela Covid-19.

A dívida pública absorveu o choque, crescendo fortemente. Já em 2021, com várias economias superando a pandemia e retirando os incentivos fiscais, o Brasil segue na direção oposta e acumula inúmeros episódios que têm minado a credibilidade fiscal. Vale ressaltar que o prolongamento da pandemia no tempo é o primeiro fator de insustentabilidade fiscal, criando pressão permanente sobre benefícios sociais que deveriam ser apenas temporários. Isso tudo piorado pelas incertezas acerca da manutenção do teto de gastos, ou por heterodoxias como o orçamento paralelo e o escalonamento dos precatórios.

Nesse contexto de dificuldades fiscais, o governo envia para a Câmara a medida provisória 1.061/21 do novo Bolsa Família, agora nominado Auxílio Brasil. Sobre isso, ressalvas devem ser feitas: 1 - uma política dessa natureza é muito importante para ser normatizada via medida provisória; 2 - não se tem notícia de nenhum estudo que embase o novo desenho da política; e, 3° essa nova política de renda mínima será financiada por elevações de impostos ou cortes de gastos e em quais áreas? Ademais esse programa será acrescido a outras despesas como os precatórios escalonados, além de novos gastos que devem surgir na folga criada pela inflação deste ano no teto de gastos. Esse conjunto de despesas pode tornar inevitável aumentos tributários em um futuro próximo, impondo um elevado custo à sociedade.

O mais grave, no entanto, é o seu objetivo claramente eleitoral, visando reverter a desvantagem do presidente nas próximas eleições. Buchanan e Wagner (1977) sustentam que déficits fiscais causam distorções nas democracias, já que seus benefícios são sentidos no curto prazo, enquanto seus custos, associados a desequilíbrios macroeconômicos como inflação, desemprego, juros altos e elevações tributárias, demoram a se manifestar. Já Tabellini e Alesina (1990) salientam que políticos têm o incentivo de elevar déficits no presente, visando bônus eleitoral e deixando os custos futuros do ajuste para seus sucessores. Nesse contexto, a proposta do Auxílio Brasil tem todas as características de um programa cujo objetivo seja auferir prestígio eleitoral ao seu idealizador. Jair Bolsonaro está, aparentemente, disposto a comprometer a estabilidade macroeconômica do país para se reeleger.

Para 2023, dois cenários são possíveis: 1 - a reeleição do atual presidente irá impor a necessidade que ele próprio conduza o ajuste fiscal. Se isso ocorrer, Bolsonaro herdará de si um país infinitamente mais desorganizado que recebeu em 2019, tendo que lidar com desemprego, dívida pública, câmbio, juros e inflação muito elevados; ou 2 - a eleição de Lula, que também terá de implementar ajustes fiscais, que via de regra são hostilizados por ele e seu partido.

Igualmente importante, é preciso atentar à configuração do Congresso que emergirá em 2023, isso porque boa parte das medidas fiscais dependem de esforços legislativos. No Brasil, a política fiscal é predominantemente formalizada na Constituição, o que torna o poder legislativo fundamental em qualquer estratégia de equilíbrio fiscal.

Independentemente do resultado das urnas, a próxima legislatura dependerá de credibilidade para que o ajuste tenha sucesso. Caso contrário, em um contexto de polarização exacerbada, o ano de 2023 pode reeditar as turbulências de 2015, afetando a governabilidade. Medidas como aumentos de impostos e cortes de gastos são impopulares por si próprias. Em períodos pós-eleitorais, mais ainda, porque o eleitor vota escolhendo cestas de bens públicos prometidos na eleição e, ao receber benefícios a menos, ou impostos a mais, sente-se enganado e tende a radicalizar.

É preciso evitar esse cenário. Melhor seria que o respeito à responsabilidade fiscal fosse cultivado já.

*Benito Salomão é economista do Programa de Pós-Graduação em Economia da UFU (Universidade Federal de Uberlândia)

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2021/10/auxilio-brasil-e-risco-democratico.shtml


‘Polo democrático precisa construir agenda mínima e ter cara’, diz consultor estratégico

Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP

consultor estratégico Orlando Thomé Cordeiro faz um alerta sobre a necessidade de se criar uma alternativa aos nomes do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT). “É imprescindível que o chamado Polo Democrático construa uma agenda mínima, olhando para frente, para o futuro”, afirma, em artigo publicado na revista Política Democrática Online de maio.

O polo democrático deve “deixar claro quais os pontos básicos que uma candidatura desse campo tem a oferecer para a população”, afirma, na publicação, produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania. “Em complemento, há que se produzir a narrativa adequada para que as ideias-força sejam comunicadas de maneira a emocionar, engajar e mobilizar”.

Veja a versão flip da 31ª edição da Política Democrática Online: maio de 2021

Na avaliação do consultor, a agenda e a narrativa mobilizadoras necessitam de um nome que as represente. “Precisa ter cara! Ser percebida pelo eleitorado como competitiva para conseguir chegar ao segundo turno e derrotar qualquer um dos dois atuais favoritos. É uma decisão pra já! Como disse o poeta, não temos tempo a perder”, escreve ele, na revista Política Democrática Online.

“É evidente que Bolsonaro não joga sozinho nesse campo, e a oposição não petista, mesmo não tendo encontrado ainda o melhor caminho para derrotá-lo, tem procurado se mexer. Uma coisa é certa, porém: uma dispersão de candidaturas provocará a repetição do que aconteceu em 2018”, afirma. “É possível evitar isso?”, questiona.

De acordo com Cordeiro, a polarização representada pelas candidaturas de Lula e Bolsonaro só interessa a eles. “Afinal, trata-se de um processo de retroalimentação. Não tem, no entanto, efeito prático algum criticar tal polarização sem apresentar alternativa capaz de atrair aquela parcela do eleitorado que prefere não votar em nenhum dos dois”, assevera.

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A íntegra do artigo de Cordeiro está disponível, no portal da FAP, para leitura gratuita na versão flip da revista Política Democrática Online, que também tem artigos sobre política, economia, tecnologia e cultura.

O diretor-geral da FAP, sociólogo Caetano Araújo, o escritor Francisco Almeida e o ensaísta Luiz Sérgio Henriques compõem o conselho editorial da revista. O diretor da publicação é o embaixador aposentado André Amado.

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‘Não se resolve economia sem prévia solução do problema da saúde’, afirma economista

Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP

O economista Benito Salomão diz que é possível identificar, nitidamente, a diferença de desempenho de países que optaram por adotar enfrentamento sério e preventivo em relação à pandemia da Covid-19 e dos que assumiram uma “estratégia dúbia”. A análise dele está publicada na revista Política Democrática Online de maio (edição 31).

Produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania, a publicação tem todos os seus conteúdos disponibilizados, na íntegra, gratuitamente, no portal da entidade. “Os dados confirmam a teoria de que não se resolve a economia sem prévia solução do problema da saúde”, destaca Salomão.

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No total, conforme lembra o economista, 60 países que já apresentaram dados do PIB em 2020. Segundo ele, o primeiro grupo (China, Vietnã, Nova Zelândia, Noruega, Finlândia, Nigéria, entre outros) viram seu PIB variando entre -2% e 2%. Muito acima, portanto, da mediana dos 60 países, uma retração de -4,1%.

Esse desempenho, de acordo com Salomão, também foi muito superior a países que negligenciaram a doença no início (Reino Unido, México, Itália, França e Espanha) e que apresentaram retrações do PIB entre -8% e -10%.

De acordo com o autor do artigo publicado na revista Política Democrática Online, o Brasil apresentou um mergulho do PIB de -4,1% em 2020, o maior da sua história e, paralelamente a isto, uma taxa de óbitos de 130 para cada 100 mil habitantes, o dobro da média mundial de 62 mortes por 100 mil.

Por outro lado, segundo o economista, países como Nova Zelândia, Coreia do Sul e Vietnã têm taxas próximas de 0 mortes por 100 mil. “Há, portanto, clara correlação entre número baixo de mortes e o amortecimento dos impactos sobre a atividade”, afirma.

O desempenho do Brasil, na avaliação de Salomão, é ainda pior ao se considerar a expansão fiscal patrocinada pelo governo no exercício de 2020. Ao todo, o pacote fiscal brasileiro para o enfrentamento da COVID-19 teve magnitude de 12% do PIB, algo muito semelhante à Turquia, que gastou 12,8%, mas teve taxa de mortos de 40 para cada 100 mil habitantes e um crescimento econômico de 2% em 2020.

“O pacote fiscal brasileiro foi o dobro do governo de Israel, que gastou 6,1% do PIB e quase o triplo da Noruega (4,3% do PIB). Em outras palavras, o Brasil gastou, mas não gastou com efetividade, negligenciou a compra de vacinas e suavizou pouco o ciclo econômico”.

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A íntegra do artigo de Salomão está disponível, no portal da FAP, para leitura gratuita na versão flip da revista Política Democrática Online, que também tem artigos sobre política, economia, tecnologia e cultura.

O diretor-geral da FAP, sociólogo Caetano Araújo, o escritor Francisco Almeida e o ensaísta Luiz Sérgio Henriques compõem o conselho editorial da revista. O diretor da publicação é o embaixador aposentado André Amado.

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‘Quem mais vai perder é o povo pobre’, diz ex-presidente do IBGE sobre atraso do Censo

Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP

Ex-diretor do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e ex-presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o economista Sergio Besserman critica a suspensão do Censo nacional e relaciona essa medida com o que chama de “negacionismo do atual governo”. Ele publicou sua análise na revista mensal Política Democrática Online de maio (edição 31).

Produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), vinculada ao Cidadania, a publicação disponibiliza todos os seus conteúdos, gratuitamente, para os internautas, no portal da entidade.

Veja a versão flip da 31ª edição da Política Democrática Online: maio de 2021

Na última sexta-feira (14/5), o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por maioria de votos, que o governo federal está obrigado a tomar as medidas necessárias para realizar o Censo Demográfico no ano que vem. “O Brasil já vive sob apagão estatístico há bastante tempo”, observa Besserman. “Quem mais vai perder é o povo pobre”, alerta, sobre a demora do censo.

Em seu artigo publicado na revista mensal da FAP, o economista lembra que a Comissão de Estatística da Organização das Nações Unidas recomenda o Censo decenal, de preferência, nos anos de final zero. “O objetivo é comparar todos os censos entre si. Países que têm registros administrativos ruins, segundo a ONU, devem realizar, como melhor prática estatística, um minicenso entre os dois censos decenais”, diz.

No Brasil, conforme ele explica, o censo era chamado de “contagem populacional”, mas o levantamento também fazia outras perguntas. “Por razões de economia fiscal, não fazemos esse censo intermediário desde os anos 90. Os registros administrativos brasileiros são ruins”, analisa. Ele também é coordenador estratégico do Climate Reality Project no Brasil.

http://fundacaoastrojildo.com.br/revista-pd31/

No governo federal, de acordo com o autor do artigo, há alguns poucos melhores, como o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho, e dados relacionados ao Sistema Único de Saúde (SUS). “Mas a maior parte é inexistente ou ruim. Nos estados e municípios, a mesma coisa”, lamenta, na revista Política Democrática Online.

Segundo Besserman, a decisão de suspender o censo sem sequer anunciar, imediatamente, quando ele será realizado, “foi pautada pelo negacionismo do atual governo, seu desprezo pela informação e pelo conhecimento”. “Vamos perder muito mais dinheiro com esse adiamento do que aquilo o que será economizado”, salienta.

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Muitos países, como Canadá e Estados Unidos, aplicam o Censo a distância – seja pela internet seja pelos correios. O economista diz que a combinação do censo presencial com melhorias nas informações de registros administrativos e a conexão desses tipos de metodologias remotas deve ser prioridade, e o IBGE está trilhando esse caminho com excelência, como sempre.

“Afinal, a tecnologia existe e pode muito bem ser integrada com o trabalho dos recenseadores, que serão sempre importantíssimos em um país tão desigual e de proporções continentais como o Brasil”, assevera.

A íntegra da análise de Besserman está disponível, no portal da FAP, para leitura na versão flip da revista Política Democrática Online, que também tem artigos sobre política, economia, tecnologia e cultura.

O diretor-geral da FAP, sociólogo Caetano Araújo, o escritor Francisco Almeida e o ensaísta Luiz Sérgio Henriques compõem o conselho editorial da revista. O diretor da publicação é o embaixador aposentado André Amado.Leia também:

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RPD || Orlando Thomé Cordeiro: Não temos tempo a perder!

No mês passado, ultrapassamos o número de 400 mil mortes na pandemia. Desse total, mais da metade foi no primeiro quadrimestre de 2021. Uma tragédia que, certamente, poderia ser minimizada não fora a combinação de negacionismo e incompetência do governo Bolsonaro. 

Também em abril, dia 27, tivemos a instalação da CPI no Senado com a participação de 18 parlamentares, sendo 11 titulares e 7 suplentes. Apesar de todas as tentativas o governo federal, a presidência e a relatoria ficaram com o grupo formado pela oposição que promete trabalhar com a faca nos dentes. 

Já no dia 30 foram divulgados os dados do desemprego para o trimestre encerrado em fevereiro: 14,4%. Isso significa que 14,4 milhões de pessoas estão na fila por um trabalho no país, o maior contingente desde 2012, início da série histórica.  

No mesmo mês, após muitas idas e vindas, o orçamento anual foi sancionado com muitas restrições e incertezas quanto à sua aplicação. Não está claro, por exemplo, como o governo fará para liberar as emendas parlamentares sem desrespeitar o teto de gastos. 

Para ampliar as preocupações do presidente, desde dezembro de 2020 as pesquisas passaram a apontar aumento significativo nos índices de desaprovação do presidente e de seu governo. Adicionalmente, a volta do ex-presidente Lula à disputa eleitoral reaqueceu a polarização entre os dois que vêm liderando as intenções de voto para 2022. 

Diante desses fatos, tenho lido e ouvido diversas análises feitas por especialistas de ótima reputação dando como certo que, nessa batida, Bolsonaro estará fora do segundo turno. Bem, considero enorme equívoco e permito-me afirmar que, até o momento, a tendência é ele estar presente naquela fase da disputa em 2022. Apresento a seguir algumas razões para minha assertiva. 

Iniciada em 2008, na campanha de Obama à presidência dos EUA, as redes sociais passaram a fazer parte do debate político e das contendas eleitorais. Desde então, sua influência na formação de grupos e definição de voto vem crescendo vertiginosamente a ponto de muita gente, inclusive eu mesmo, ter-se surpreendido com seu papel em 2018. 

Nesse território, Bolsonaro continua a reinar quase absoluto, mantendo parcela de 16% a 18% de apoiadores fiéis. Some-se a esse nicho algo em torno de 14% que, mesmo tendo críticas ou algum grau de arrependimento, não têm demonstrado disposição para mudar seu voto em 2022, principalmente diante da candidatura petista.  

Outro fator tem a ver com a economia. Se 2021 tende a ser marcado por muitas dificuldades, a expectativa para o próximo ano é que haja razoável retomada propiciada, em grande parte, pelo provável crescimento no número de pessoas vacinadas até dezembro, podendo abranger toda população a partir de 30 anos de idade. 

Em relação ao orçamento, segundo o economista Mansueto Almeida, ex-secretário do Tesouro, Bolsonaro terá espaço de R$ 111 bilhões para ampliar as despesas em 2022, tendendo a ser o ano mais tranquilo para o presidente cumprir o teto de gastos, regra que atrela o crescimento das despesas à inflação. Desse total, o governo deverá contar com cerca de R$ 40 bilhões para gastar livremente, justamente em ano eleitoral. 

É evidente que Bolsonaro não joga sozinho nesse campo, e a oposição não petista, mesmo não tendo encontrado ainda o melhor caminho para derrotá-lo, tem procurado se mexer. Uma coisa é certa, porém: uma dispersão de candidaturas provocará a repetição do que aconteceu em 2018. É possível evitar isso? 

Cristalino está que a polarização representada pelas candidaturas de Lula e Bolsonaro só interessa a eles. Afinal, trata-se de um processo de retroalimentação. Não tem, no entanto, efeito prático algum criticar tal polarização sem apresentar alternativa capaz de atrair aquela parcela do eleitorado que prefere não votar em nenhum dos dois. 

É imprescindível que o chamado Polo Democrático construa uma agenda mínima, olhando para frente, para o futuro. Deixar claro quais os pontos básicos que uma candidatura desse campo tem a oferecer para a população. Em complemento, há que se produzir a narrativa adequada para que as ideias-força sejam comunicadas de maneira a emocionar, engajar e mobilizar. 

São condições necessárias, mas insuficientes. Agenda e narrativa mobilizadoras necessitam de um nome que as represente. Precisa ter cara! Ser percebida pelo eleitorado como competitiva para conseguir chegar ao segundo turno e derrotar qualquer um dos dois atuais favoritos. É uma decisão pra já! Como disse o poeta, não temos tempo a perder. 

* Orlando Thomé Cordeiro é consultor em estratégia.  

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de maio (31ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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RPD || Rogério Baptistini: O populismo e a demagogia amplificam a tragédia brasileira

No mês de abril, o Brasil atingiu a marca de 400 mil mortos pela pandemia de Covid-19. O número de vítimas do coronavírus certamente é ainda maior, dado que desde o início da crise sanitária há relatos de subnotificação e, inclusive, pouco interesse do governo federal no acompanhamento e controle dos casos. Mas o que incomoda é o alheamento do presidente e de seus auxiliares em relação ao sofrimento dos concidadãos. É como se não tivessem responsabilidades para com o povo, o elemento pessoal do Estado. E aqui, o paradoxo de nossa situação. 

Bolsonaro chegou ao governo como expressão do populismo, um fenômeno tão antigo quanto a própria democracia. Neste, confluem um líder e um povo mobilizado por um discurso que divide a sociedade política entre um nós e um eles, geralmente uma elite corrupta. A própria condição de mito, atribuída ao ex-deputado do baixíssimo clero reforça a percepção do que seria uma condição atávica de nossa evolução política. Acompanhando Ernst Cassirer, o mito, no populismo, personifica a vontade coletiva e se impõe à Constituição e às próprias instituições. “O que fica é apenas o poder e a autoridade mística do líder e a sua vontade suprema é a lei”. (2003, p. 325) 

O passado, como ensinava o historiador Mac Bloch (1886-1944), não é objeto de ciência, mas ilumina o presente.  E quando olhamos para trás, verificamos que a absolutização dos conflitos na história brasileira degenerou sempre em regressão na cultura democrática, em que pese o salto para a frente da aceleração econômica e a incorporação dos “de baixo” pela via dos direitos sociais. Estas, as camadas sociais inferiores, são o elemento central da lógica populista, manipuladas conforme a conjuntura, num dualismo de aceitação ou rejeição: mortadelas contra coxinhas, patriotas contra comunistas, cristãos contra destruidores da família. 

Pilar do Estado moderno, a noção de povo deriva diretamente do populus romano. Ali, ao lado das famílias presentes no Senado, que representavam o núcleo originário da República, este participava das decisões sobre o destino comum, constituindo o elemento democrático e plural – a civilitas – do conjunto de cidadãos que fundava o corpo social – a civitas. A lei seria a expressão de sua responsabilidade política, traço de urbanidade e o próprio contrato que os uniria. Contraditoriamente, foi o apoio popular ao Principado e, depois, ao Dominado, que encolheu o papel político do povo romano (COLLIVA, 1991), culminando no ocaso de uma civilização e nas trevas do medievo. 

Verdadeira presença ausente na democracia, o povo não é uma nulidade. Apesar de não constituir uma massa compacta, ele existe e padece as consequências do populismo. O descaso para com as leis, a corrupção da República e a demagogia como uma perversão que acomete os governos democráticos representam a catástrofe para os populares; o apocalipse medido em mortes e desesperança. E novo alimento para o irracionalismo, para as soluções que apresentam a vida como uma luta inconteste entre o Bem e o Mal. A economia contra a saúde; o mercado contra o Estado; o deus dos fundamentalistas contra o demônio.  

No momento mesmo da invenção da política como esfera autônoma, na antiguidade clássica, Platão alertava para os perigos que a manipulação do demos poderia gerar pela ação de demagogos. O risco da implantação da tirania, quando da exploração dos ressentimentos populares por um perverso e o desejo irracional de castigar o levavam a descrer do governo democrático. A agonia do momento presente representa o ápice da demagogia entre nós. 

É a atuação do povo como bloco que alimenta o populismo e faz da demagogia uma perversão. Tanto um como outra estiveram em germe, desde a redemocratização, na atividade de líderes e partidos, culminando no autocanibalismo do que se apresentava como o “novíssimo” na política brasileira, “diferente de tudo o que está aí”. A transformação do espaço público como espaço de luta pelo exclusivismo, no qual todo o adversário passou a ser visto como inimigo a ser derrotado trouxe uma vitória de Pirro para os adeptos do conflito, com consequências irreparáveis para uma geração de brasileiros, e a política sendo desviada para a margem dos canais institucionais pacientemente construídos. 

Aos democratas, resta lutar nas trincheiras da razão e não ceder aos apelos do dualismo populista que insiste na exploração do desespero popular. A hora é de reconstrução da cultura pública essencial ao exercício da cidadania informada, ativa e plural, capaz pactuar em favor da democracia como caminho para o futuro. 

*Rogério Baptistini Mendes é sociólogo, pesquisador do LabPol -Laboratório de Ciência Política da Unesp/FCL-CAr. 

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de maio (31ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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RPD || Sergio Besserman: Censo 2021 – Vamos perder mais dinheiro do que será economizado agora

O governo federal anunciou que o Censo 2021, que estava previsto para 2020, será novamente suspenso; desta vez, por falta de recursos no orçamento deste ano. Não há prazo para um novo levantamento. Os prejuízos para implementação de políticas públicas são incalculáveis, especialmente para a população mais pobre. 

De certo modo, o Brasil já vive sob apagão estatístico há bastante tempo. A Comissão de Estatística da Organização das Nações Unidas recomenda o censo decenal, de preferência, nos anos de final zero. O objetivo é comparar todos os censos entre si. Países que têm registros administrativos ruins, segundo a ONU, devem realizar, como melhor prática estatística, um minicenso entre os dois censos decenais. 

No Brasil, chamávamos de “contagem populacional”, mas o levantamento também fazia outras perguntas. Por razões de economia fiscal, não fazemos esse censo intermediário desde os anos 90. Os registros administrativos brasileiros são ruins. No governo federal, há alguns um pouco melhores, como o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho, e dados relacionados ao Sistema Único de Saúde (SUS). Mas a maior parte é inexistente ou ruim. Nos estados e municípios, a mesma coisa. 

Nós vivemos no século da informação e do conhecimento. Ter dados sólidos sobre a real situação dos brasileiros é importante para a implementação de políticas públicas eficazes. O Brasil é um país dinâmico, muda muito, especialmente desde a última década. Perceba-se que 10 anos já é um tempo bastante longo. Áreas fundamentais, como transporte urbano, saúde, educação, segurança pública, sofrem com o atraso no Censo Demográfico por mais de uma década. Prejudica, inclusive, todas as outras pesquisas, pois diversos institutos do setor público e privado utilizam esses dados. Todas as pesquisas perdem em qualidade em razão da ausência de informação censitária atualizada. 

Outro ponto a se destacar é que a grande maioria dos municípios depende de Estados e do governo federal para fechar as contas. Esta suspensão afeta diretamente a população mais pobre. Para 80% dos municípios do Brasil, a principal fonte de receita é o Fundo de Participação (FPM). O critério utilizado para a distribuição desses recursos é a população. Anualmente, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) faz uma estimativa da população nacional, por Estados e municípios. Com esse longo espaçamento no tempo, aos poucos, o fundo de participação vai deixando de cumprir um dos objetivos, que é justamente combater a desigualdade. As estimativas não conseguem capturar situações de mudanças dinâmicas em diversos municípios. 

Com os dados do censo, teríamos a oportunidade de mapear informações sobre a miséria e a extrema pobreza. Esse, talvez, seja o impacto mais danoso do ponto de vista social. Não teremos as informações e o conhecimento necessário para fazer esse trabalho tão indispensável de reconstrução econômica, social e política do Brasil, que será preciso a sociedade conseguir após 2022. 

Destaco, ainda, que a principal conquista histórica do Censo Demográfico foi a consolidação do IBGE como órgão de Estado. Ele foi uma grande conquista democrática. Atravessou ditaduras, sempre mantendo sua característica de órgão de Estado, sem jamais ter sofrido qualquer tipo de intervenção, e sendo, principalmente, reconhecido quanto ao princípio do sigilo das informações obtidas. 

Entendo que a decisão de adiar o censo sem sequer anunciar, imediatamente, quando ele seria realizado, foi pautada pelo negacionismo do atual governo, seu desprezo pela informação e pelo conhecimento. Vamos perder muito mais dinheiro com esse adiamento do que aquilo o que será economizado. E quem mais vai perder é o povo pobre. 

Muitos países, como Canadá e Estados Unidos, aplicam o Censo a distância – seja pela internet ou mesmo pelos correios. A combinação do censo presencial com melhorias nas informações de registros administrativos e a conexão desses tipos de metodologias remotas deve ser prioridade, e o IBGE está trilhando esse caminho com excelência, como sempre. Afinal, a tecnologia existe e pode muito bem ser integrada com o trabalho dos recenseadores, que serão sempre importantíssimos em um país tão desigual e de proporções continentais como o Brasil. 

*Sergio Besserman é economista, é professor do Departamento de Economia da PUC e coordenador estratégico do Climate Reality Project no Brasil.  Ex-diretor do BNDES,  ex-presidente do IBGE, do Instituto Pereira Passos, e do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (RJ).

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de maio (31ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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Malu Gaspar: Toffoli manda Bolsonaro, Pacheco e Lira se explicarem sobre emendas "cheque em branco"

O ministro do Supremo Tribunal Federal José Dias Toffoli deu 10 dias a Jair Bolsonaro e os presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, para enviar explicações sobre a ampliação de uma nova modalidade de desembolso das emendas parlamentares, as chamadas transferências especiais.

Os três foram notificados na última sexta-feira, como consequência de uma ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Partido Novo e que foi distribuída para Toffoli. O Novo é crítico do instrumento de repasse. Jair Bolsonaro não era citado inicialmente na ação, mas Toffoli decidiu incluí-lo.

As transferências especiais foram criadas em 2019 pelo Congresso. São chamadas de "cheque em branco" porque, ao contrário do que acontece com os recursos enviados para estados e municípios por meio de emendas regulares, no caso delas não é preciso dizer em quê os recursos serão aplicados nem prestar contas aos órgãos federais de controle de seu uso.

 Basta o parlamentar indicar o nome da cidade que deve receber o dinheiro, e os recursos caem direto na conta da prefeitura, que também não precisa dizer o que fará com ele.

Criadas no final de 2019 com o propósito de facilitar o repasse da verba federal, em geral lento e burocrático, as transferências na prática criaram uma exceção à regra, adotada em toda a administração pública, pela qual o dinheiro para obras ou programas custeados com dinheiro da União é repassado a estados e prefeituras pelos ministérios ligados à aplicação das verbas e seu uso é fiscalizado pela Caixa.

 Elas foram estabelecidas por uma emenda constitucional que permitiu aos parlamentares repassar até metade de sua cota de emendas individuais por depósito direto. Em 2021, isso representará cerca de R$ 8 milhões por parlamentar. 

Conforme mostrou a coluna, essa verba ajudou a irrigar prefeituras comandadas por parentes de deputados no ano passado e contribuiu para a sua reeleição. Dos cinco municípios que mais receberam transferências especiais em 2020, em três o dinheiro foi repassado por um parlamentar que é parente do gestor local. Todos foram reeleitos.

Embora o mecanismo tenha sido criticado desde o início por órgãos de controle federais, por reduzir a possibilidade de fiscalização, no Orçamento de 2021, o relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias, Irajá Abreu (PSD-TO) decidiu estender, por conta própria, o uso do "cheque em branco" para as emendas coletivas de bancada, envolvendo uma fatia bem maior dos repasses federais: R$ 7,3 bilhões neste ano.

Pela regra, as emendas de bancada servem para custear projetos  maiores e são decididas de maneira coletiva entre os parlamentares de cada unidade federativa. Ao aplicar a elas o mesmo tratamento das emendas individuais, corre-se o risco de ampliar o uso de verba para atender a interesses paroquiais dos parlamentares em seus redutos eleitorais e deixar à míngua projetos mais relevantes. 

O texto de Irajá Abreu foi vetado por Jair Bolsonaro, mas o veto foi derrubado pelos congressistas no meio da votação do Orçamento de 2021, em 17 de março.

Para não atrasar ainda mais o Orçamento, que só acabou sendo votado no fim daquele mês, os líderes do governo no Congresso firmaram um acordo com parlamentares para que deixassem a conversão das emendas de bancada em transferências especiais para depois da sanção do texto orçamentário, o que ocorreu na semana passada.

Na ação impetrada no Supremo, o Partido Novo pede a revogação do "cheque em branco". O partido alega que a ampliação do uso das transferências promovida por Irajá Abreu é inconstitucional pois trata as emendas individuais e as de bancada, diferenciadas na lei, de maneira uniforme.

Os advogados do partido pedem ainda que a decisão seja proferida liminarmente, ou seja, rapidamente, uma vez que a aplicação das transferências especiais nas emendas de bancada está valendo e pode ser feita a qualquer momento. Somando-se o valor já autorizado a ser desembolsado neste ano em transferências especiais ao volume que desejam os parlamentares, o valor total do "cheque em branco" pode chegar a R$ 9,3 bilhões neste ano.

“Trata-se, portanto, de caso de extrema urgência, a fim de evitar a reorientação das emendas parlamentares de bancada rumo a um tipo de execução que não tem base constitucional”, afirma o Novo, em sua petição.

Após o prazo de 10 dias para esclarecimentos, Toffoli quer ouvir também a Advocacia-Geral da União e a Procuradoria-Geral da União antes de proferir sua decisão.


Foto: Beto Barata\PR

Bela Megale: 'Gabinete do Ódio' da Presidência será alvo de convocação da CPI da Covid

Funcionários do Palácio do Planalto que integram o chamado “gabinete do ódio” serão alvos de um pedido de convocação da CPI da Covid, instaurada nesta terça-feira no Senado. O PT vai solicitar a convocação dos assessores da presidência da República Tércio Arnaud Tomaz, José Matheus Salles Gomes e Mateus Matos Diniz. O trio bolsonarista é apontado como responsável por ataques a adversários do presidente nas redes sociais.

Uma das frentes articuladas pela oposição mira o uso de redes sociais para disseminar fake news que boicotam medidas sanitárias, como uso de máscara, além de ataques a autoridades que decretaram medidas de isolamento social, como governadores e prefeitos. Para isso, os senadores trabalham em um pedido de compartilhamento de dados da CPMI das fake news com a investigação da Covid.

A ideia é saber se houve dinheiro público e até de privado de apoiadores do presidente na disseminação de ataques e notícias falsas relacionadas à pandemia. A avaliação da oposição é que, ao unir a negligência do governo federal sobre a pandemia e o uso de fake news, Bolsonaro terá que lidar com os temas mais espinhosos de sua gestão.

– Se o presidente da CPI da Covid requisitar algum material, não há problema nenhum. O que for pedido sobre fake news relacionadas às vacinas, Covid-19, estamos dispostos a compartilhar – disse o senador Angelo Coronel (PSD-BA), presidente da CPMI das fake news.

Os senadores também pretendem explorar investimentos do governo federal em campanhas como “O Brasil não pode parar”, que pregava contra o isolamento social e acabou proibida pela Justiça, a ações de marketing com influenciadores digitais defendendo o tratamento precoce, ou seja, o uso de remédios sem eficácia para tratar a Covid-19.


Pedro Cafardo: O culto à cloroquina e ao teto sacrossanto

Enquanto o mundo pensa no pós-pandemia, Brasil se vê envolto na discussão sobre limites fiscais rígidos demais

Uma frase banal - fazer do limão uma limonada - move quem está pensando na economia da era pós-covid. Ainda que as aflições com o desastre humanitário global em andamento desencorajem esse olhar economicista, muitos países já puseram o tema em discussão e tomam medidas olhando para o futuro imediato.

Quem prestou atenção nos discursos da Cúpula do Clima da semana passada viu o “caminho das pedras” da nova economia. A ideia geral é que o principal mecanismo para criar empregos após a pandemia serão os investimentos na economia verde.

O presidente dos EUA, Joe Biden, está presenteando os americanos com um programa econômico que vai muito além do auxílio emergencial. Já aprovou um pacote de estímulos fiscais de US$ 1,9 trilhão e propõe investimentos de longo prazo de até US$ 3 trilhões. Esta segunda parte é a limonada, porque aproveita a crise para sugerir uma grande transformação estrutural da economia americana, ao mesmo tempo em que promete reduzir as emissões de gases-estufa em 52% até 2030. Pode parecer estranho, mas a infraestrutura americana está velha e precisa ser renovada. Não há no país, por exemplo, ferrovias de alta velocidade, coisa comum na Europa. As novas linhas de trens devem substituir transporte aéreo, altamente poluidor.

Então Biden quer renovar a infraestrutura do país e, ao mesmo tempo, descarbonizar a economia, que é para onde vai a fronteira tecnológica em função do aquecimento global. Além disso, ele promete investir em educação e saúde pública com recursos obtidos pela maior taxação dos ricos americanos.

O plano Biden, pela sua enorme dimensão, provoca controvérsias. As declarações que mais preocuparam foram as do ex-secretário do Tesouro Larry Summers, por ser um economista de centro-esquerda, que teoricamente deveria apoiar o investimento público. Summers acha que o pacote fiscal, grande demais, pode gerar inflação de demanda, alta de juros e recessão.

Com ou sem polêmica, o fato é que os americanos já planejam a economia do pós-covid e pouco se lixam com o aumento dos gastos. Europeus vão pelo mesmo caminho. Na França, o ministro das Finanças, Bruno Le Maire, mandou às favas o neoliberalismo e disse que vai proteger a economia francesa “a qualquer custo”. Prometeu investir para garantir soberania e domínio de tecnologias que “moldam o futuro” do país. Vai proteger as empresas com taxações e novos financiamentos. A ideia é “reinventar o modelo econômico do país” com base na inovação e na indústria livre de carbono.

Enquanto o mundo pensa no pós-pandemia, aqui o governo ainda aposta na cloroquina, provocando gargalhadas no exterior. Promessas, como as feitas na Cúpula do Clima, soam falsas. O comando econômico só pensa em conter gasto público. A discussão da política macroeconômica se limita ao teto de gastos, jabuticaba pouco razoável num momento em que mundo decidiu aplicar recursos para combater a doença e renovar a economia nos novos parâmetros.

Nem no incentivo ao carro elétrico, óbvia tendência mundial, estamos pensando ainda, como mostrou Marli Olmos no Valor de ontem. Não se trata de defender a ideia de que o bom para os EUA ou para a Europa é bom para o Brasil. Trata-se de seguir o rumo da economia mundial ou de ficar sentado na sarjeta, chorando e esperando pelos milagres da cloroquina ou do teto de gastos.

José Luis Oreiro, professor da UNB, que acaba de lançar o livro “Macroeconomia da Estagnação Brasileira” em parceria com Luiz Fernando de Paula, anda enfurecido com o que chama de “fé no teto sacrossanto”, que só existe no Brasil com esse rigor, incluído na Constituição e com poucas regras de saída. “Se preservar o teto, a economia cresce; se violar, não cresce”, esse é o dogma. “Por que?”, pergunta.

Em tempo: na opinião de Oreiro, Summers está equivocado e “Biden deve ficar para a história como o novo Roosevelt”.

Pontes abertas

Mudando de assunto, mas nem tanto, os quadrinhos acima, uma velha metáfora comum nas paredes de barbearias dos anos 1960, representam bem o que vêm fazendo as duas forças políticas progressistas do país há quase três décadas. Nunca saíram do primeiro quadrinho e foi preciso aparecer um radical totalitário para desconfiarem que estão no mesmo lado. Ameaçam agora passar para o segundo quadrinho.

As propostas das duas não são conflitantes. Quando governaram, controlaram inflação, buscaram crescimento, reduziram analfabetismo e mortalidade infantil, tiveram a responsabilidade fiscal possível e melhoraram a distribuição de renda. Seria utopia pensar numa aliança progressista entre elas? As pontes estão abertas. Mas será preciso superar ambições pessoais de poder em ambos os lados e alguém tomar a iniciativa de atravessar as pontes. As propostas podem ser mescladas para salvar um país entregue a quem não faz planejamento econômico, ignora a ciência e o desafio ambiental, descuida da educação e da saúde e promove discórdias.

Se não se unirem, as duas forças serão condenadas pela história. Pode dar com os burros n’água a ideia de deixar a centro-esquerda de fora e formar um bloco puro-centro, que é móvel, infiel e fragmentado, como mostrou pesquisa publicada sexta-feira pelo Valor. Também não há como isolar de um acordo a centro-direita, porque a esquerda não forma maioria. Não seria melhor escantear os extremistas, parar, negociar e decidir se vão comer juntos primeiro as mortadelas da esquerda ou as coxinhas da direita?


Andrea Jubé: 'Quantos poderiam ser salvos?'

Atraso nas vacinas foi deliberado, diz governador de Alagoas

O governador de Alagoas, Renan Filho (MDB), recorreu a uma metáfora futebolística, tão comum na política, para explicar por que a falta de uma coordenação nacional no combate ao coronavírus contribuiu para o recrudescimento da pandemia no Brasil.

“O Ministério da Saúde é fundamental nesse processo, e em meio à crise, tivemos quatro ministros. Imagina a Seleção Brasileira, às vésperas da Copa do Mundo, trocando de técnico quatro vezes, cada um com um time de diferente, um lateral esquerda, outro de direita. Certamente isso dificulta a organização do time”.

O mandatário é filho do senador Renan Calheiros (MDB-AL), que ontem teve a nomeação para o cargo de relator da CPI da pandemia impedida por uma liminar da Justiça Federal do Distrito Federal. Nas redes sociais, o senador classificou a decisão como “interferência indevida”, acusou o governo Jair Bolsonaro de orquestrá-la, anunciou que vai recorrer, e provocou: “Por que tanto medo?”

Para Renan Filho, contar com Renan Calheiros na relatoria da CPI não deveria inspirar medo, mas, sim, confiança pela sua experiência política e disposição para conciliação. “Não se encontra no Senado tanta gente com a capacidade dele, experiente, calmo, sereno. O senador Renan é equilibrado e no papel de relator, só vai ajudar”.

O governador acrescenta que o senador seria incapaz de qualquer injustiça na condução dos trabalhos “porque já foi injustiçado, e sabe o que isso significa”. Uma alusão às denúncias contra o senador no âmbito da Lava-Jato. Renan ainda responde a oito processos no Supremo Tribunal Federal, mas dos 17 originais, nove já foram enviados ao arquivo.

Na última semana, Renan Filho recebeu um telefonema do presidente Jair Bolsonaro, que tem o alagoano como único interlocutor entre os governadores do Nordeste. Na conversa, Bolsonaro reafirmou ao governador que o momento é inoportuno para a CPI.

O governador não discordou do presidente naquele momento, porque seria uma descortesia em pleno telefonema com o chefe do Executivo. Ontem, entretanto, Renan Filho disse à coluna que tem outra opinião: “Quem decide o momento ideal para uma CPI é o Congresso Nacional”.

Renan Filho acredita que Bolsonaro lhe telefonou para fazer “um gesto na direção do diálogo”, já que o senador Renan havia sido indicado para relatar a CPI. O governador lembrou que, em entrevistas recentes, Renan Calheiros disse que, como relator, conversaria com todos, “especialmente com o presidente, se ele desejar”.

Até ontem, havia ambiente para o diálogo, mas a ofensiva judicial da deputada Carla Zambelli (PSL-SP), aliada de primeira hora do Palácio do Planalto, e que obteve a liminar barrando Renan, tumultuou o jogo. Se a decisão for revogada, Renan assumirá o posto pintado para a guerra, um figurino que ainda não havia exibido.

No fim de semana, Renan foi ao Twitter declarar-se suspeito em relação a qualquer investigação sobre o governo de Alagoas que surgir na CPI. Uma reação à campanha deflagrada nas redes sociais pelos bolsonaristas, que impulsionaram a hashtag #Renansuspeito, já que o relator da CPI é pai de um governador, e os governadores serão investigados quanto à gestão dos recursos federais para o enfrentamento da pandemia.

Renan Filho diz que não teme essa investigação porque Alagoas tem bom desempenho na pandemia. É o terceiro Estado com menos mortes por grupo de 100 mil habitantes, e não foi investigado pela Polícia Federal.

Para conter a covid-19, ele associou medidas de distanciamento social e de restrição de circulação, à ampliação da rede hospitalar. Relata que acelerou a conclusão de quatro hospitais, ao mesmo tempo em que contou com o apoio da Federação das Indústrias e da Associação Comercial em comerciais para a televisão nas medidas restritivas. Está em vigor o toque de recolher a partir das 21 horas, e dias pontuais para o fechamento dos shoppings. A lotação das UTIs está em 76%.

“Por essas ações a rede não colapsou até agora. É possível construir um discurso integrado, mas houve no Brasil uma intenção de dividir o país”.

Renan Filho invoca o infográfico elaborado na semana passada pelo site “Poder360”, que comparou unidades federativas a países. Nesse comparativo, o Distrito Federal e sete Estados brasileiros estariam entre os 10 países com mais vítimas da covid-19. Amazonas, com 2.903 mortes por milhão, desponta acima da República Tcheca, líder do ranking mundial. Alagoas estaria empatado com a Bahia, em 32º lugar, com 1.186 mortes por um milhão de habitantes.

Renan Filho defende que a CPI faça esse modelo de cálculo. “Quantas vidas teriam sido salvas se as medidas corretas de enfrentamento à pandemia fossem tomadas no momento adequado? Essa história também precisa ser contada”, conclamou.

Ele admite que não será possível um cálculo direto ou objetivo, “mas obviamente dará para demonstrar que algumas regiões têm resultados melhores do que outras, e podemos olhar o que levou a isso, podemos fazer discussão com especialistas”, sugeriu.

Num momento em que o Brasil ainda vivencia um platô de 3 mil mortes diárias, o governador considerou “muito grave” a nova revisão do cronograma de imunização, e vê um atraso intencional na busca de imunizantes.

“Nós nos atrasamos deliberadamente na aquisição de vacinas. Em determinado momento, o Brasil era contra a compra de vacinas, e isso se verbalizou por meio de várias autoridades. E não temos um cronograma de vacinação, ele é alterado a cada semana, quinzena ou mês, e é sempre para postergar, nunca para antecipar”.

Renan Filho lembra que defendeu a urgência de uma coordenação nacional de combate à pandemia, com a integração de esforços entre as três unidades da federação na reunião de governadores, ministros e chefes das Casas Legislativas no Palácio da Alvorada há um mês. “Governo federal e Congresso concordam com essa falta de coordenação, por isso criaram o comitê [nacional de combate à pandemia], mas de lá pra cá, não teve ação nenhuma”.


Eliane Cantanhêde: Na CPI, guerra é guerra

Bolsonaro quer impor roteiro, desqualificar Calheiros e dar Pazuello aos leões, mas os fatos o condenam

Com a instalação da CPI da Covid, começa hoje uma nova fase do governo Jair Bolsonaro, que, além de já estar em campanha eleitoral antecipada para 2022, vai estar muito ocupado em tentar explicar o inexplicável numa tragédia histórica que já levou 390 mil vidas no Brasil. Bolsonaro vai passar a ter oposição real e muita visibilidade negativa.

A CPI é como o coronavírus: desconhecida, altamente contagiosa e potencialmente letal. Se Bolsonaro reagir a ela com o negacionismo com que trata o próprio vírus, ficará em maus lençóis. Mas, se ele é incompetente como presidente, é esperto como candidato e na relação com o Centrão. Suas três prioridades: impor o roteiro da CPI, desqualificar o senador Renan Calheiros como relator e manter controle sobre o general e ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello.

Quanto ao roteiro, o Planalto fez 23 perguntas a ministros sobre os erros mais gritantes, mas tem muito mais. Exemplos: por que tratar a pandemia até hoje como “gripezinha”? E por que Bolsonaro jogou no lixo documentos do Exército e da Abin sobre isolamento? Nenhum ministro tem resposta para isso, assim como ninguém sabe que tipo de motivações, ou interesses, estão por trás da posição sobre isolamento, máscaras e vacinas – e sem pôr nada no lugar, além de cloroquina...

Atacar Calheiros é fácil, pelos processos no Supremo e por ser pai do governador de Alagoas, Renan Filho, como acatou ontem a Justiça Federal no DF. Mas Renan pode ser tudo, menos bobo. É experiente, tem liderança e, depois de tanto tempo recolhido, sabe bem o que o esperava e espera ao voltar aos holofotes.

Quanto a Pazuello, ele é um risco para Bolsonaro. Como ministro, já se atrapalhava todo com jornalistas, mentindo, apresentando previsões irreais de vacinas, tirando onda de irritado. Já imaginaram numa CPI com raposas, maioria oposicionista, montanhas de erros e nenhuma defesa?

Até na véspera da CPI, Pazuello e o sucessor, Marcelo Queiroga, continuaram errando. Um ex-ministro da Saúde passeando sem máscara num shopping logo de Manaus? E o atual tentando culpar o Butantan por falta de segundas doses? De Pazuello não se espera muito e o próprio Exército não sabe o que fazer com ele. Mas Queiroga? Está mal informado, ou entrou na dança política?

Ontem, Queiroga jogou para governadores, Butantan e Coronavac a culpa por muitos brasileiros, sabe-se lá quantos, não conseguirem tomar a segunda dose. Se há vacinas, o Brasil deve à Coronavac. E por que não há segunda dose? Porque, em 21 de março, dois dias antes da nomeação de Queiroga, o Ministério da Saúde liberou Estados e municípios a gastarem todo o estoque na primeira. É mais uma irresponsabilidade criminosa, até porque as previsões de doses nunca foram confiáveis. O ministro não sabia?

Foi também o Ministério da Saúde quem confiscou toda a produção nacional do kit intubação, mas, quando os insumos e medicamentos começaram a faltar e o governo de São Paulo mandou nove ofícios pedindo envio urgente de kits, o que Queiroga respondeu? Mandou os “Estados ricos” comprarem seus próprios kits. Comprar onde, se todo o estoque foi requisitado pelo governo federal?

A estratégia do governo é jogar Pazuello aos leões e deixar os demais ministros na fila da jaula, inclusive Paulo Guedes e o ex-chanceler Ernesto Araújo. Todos, porém, só cumpriram ordens. Um manda, os outros obedecem. O presidente Jair Bolsonaro é o grande responsável, cometeu os grandes erros, é o grande alvo. A intensa articulação do Planalto para esvaziar a CPI, atacar Calheiros e usar Pazuello de escudo esbarra numa antiga verdade: contra fatos, não há argumentos. Nem articulação que dê jeito.