Felipe Salto: Brasil economiza R$ 28 bilhões por ano para cada ponto cortado na Selic

Banco Central

Felipe Salto aponta a volta dos “juros civilizados” no país. Ainda assim, a taxa real continua sendo a mais alta do planeta. Diretor da Instituição Fiscal Independente analisa curva da Selic. Recessão atual é pior que a pós-1929 e facilita queda da taxa

A hora dos juros civilizados

O recente artigo de André Lara Resende para o jornal Valor Econômico (para assinantes) despertou um bom debate sobre as estratégias de política monetária e suas relações com o lado fiscal da economia. A última decisão do Copom, explicada na ata divulgada na 3ª feira (17.jan.2017) pelo Banco Central, desenha uma oportunidade única para realinhamento dos juros reais no Brasil.

A redução da Selic, no último dia 11 de fevereiro, foi positiva para a economia. A intensificação do ciclo de afrouxamento monetário, com queda de 0,75 ponto percentual na taxa básica de juros, deve antecipar a retomada do crescimento do PIB. As contas do governo, das famílias e das empresas também ganham um alívio.

Desde o final do ano passado, a Selic foi reduzida em 1,25 ponto percentual. A cada ponto de percentagem de redução, a economia para o Erário é de cerca de R$ 28 bilhões, próximo a um orçamento anual do Bolsa Família.

Apenas com a decisão desta semana, o Banco Central aliviou as contas públicas em algo como R$ 21 bilhões, em valores anualizados. Esse é um efeito colateral importante e que deve ser considerado nas análises sobre o rumo da política fiscal.

O ciclo de queda da Selic iniciou-se com duas reduções de 0,25 ponto percentual. Agora, avança para um ritmo mais intenso. Os dados de atividade econômica e inflação dão respaldo à continuidade do processo de queda da Selic.

O comunicado, bastante claro e embasado, mostra que “no cenário de mercado, [as projeções para o IPCA] situam-se em torno de 4,4% e 4,5% para 2017 e 2018, respectivamente”. Não é pouca coisa. Em 2015, o IPCA encerrou em 10,7%. O Banco Central conseguiu realinhar as expectativas, isto é, os agentes econômicos já projetam a inflação no centro da meta. Marcou 1 tento.

A retomada da confiança e da credibilidade contribuíram para esse feito, mas o quadro econômico de recessão profunda –situação pior do que a projetada há 1 ano– deu sua pesada cota de contribuição. Afinal, o país vive o pior biênio da história em termos de variação do PIB.

De acordo com os dados calculados pelo IBGE, o desempenho da economia em 2015 e 2016 é pior até mesmo do que o observado no imediato pós crise de 1929. Nos 2 últimos anos, a queda acumulada do PIB deve ter totalizado 7,2%. No biênio 1930-1931, a queda somada na atividade econômica foi de 5,3%. A partir deste ano de 2017 inicia-se a recuperação, mas ainda de maneira gradual.

Os demais indicadores de atividade continuam negativos: emprego, comércio e indústria ainda respiram por aparelhos.

Para ter claro: os riscos inflacionários estão controlados e a atividade econômica precisa de estímulos, que não podem vir do campo fiscal, onde um importante programa de ajuste está sendo executado. Nesse contexto, o processo de afrouxamento monetário é central.

Juros menores implicam menor custo de oportunidade para o investimento produtivo. As empresas e as famílias têm o serviço de suas dívidas reduzido. Como decorrência, podem voltar a consumir e a investir em menor tempo.

O processo de ajuste da taxa de juros deve continuar, sobretudo na presença de condições macroeconômicas favoráveis a esse realinhamento: melhores perspectivas para o quadro fiscal e retomada da confiança dos agentes econômicos.

Hoje, a taxa real de juros do Brasil ainda figura entre as maiores do mundo. Descontando-se da taxa nominal de juros (13%) a inflação esperada para os próximos doze meses (4,7%), tem-se um juro real de 7,9%. A redução acumulada de 1,25% na Selic ajudou a conter a alta do juro real e a iniciar um processo de queda desta variável.

Ocorre que as comparações internacionais mostram que nossa situação ainda não é adequada, como demonstra a tabela a seguir. Quando tomamos os dados para um grupo de países selecionados (membros da OCDE e G-20), o Brasil ocupa a primeira colocação no ranking dos juros reais.

tablea_juros

A regra da paridade dos juros mostra que há um descompasso relevante dos juros internos e externos. Com a queda do risco-país ocorrida nos últimos 12 meses, de algo como 570 pontos para 320 pontos, a soma da taxa livre de risco internacional (-1,8%, nos EUA) ao atual nível de risco resulta em 1,4%. Isto é, o juro necessário para cobrir o risco país é 6,5 pontos percentuais inferiores à nossa atual taxa real de juros: 7,9%.

As expectativas para a inflação vêm caindo sistematicamente desde o final de 2015. Todas as condições para uma redução segura dos juros estão dadas, principalmente na presença de uma política fiscal mais coesa.

Assim, o Banco Central poderá seguir conduzindo o processo de redução da Selic ao longo deste ano, de modo a levá-la ao patamar de 1 dígito. Como consequência, os juros reais poderão convergir a níveis mais razoáveis até o final de 2017. Os efeitos fiscais serão intensos.

O desalinhamento dos juros tem causas diversas:

i) o “efeito contágio” entre a política fiscal e a política monetária causado pelo excesso de dívida pública atrelada à Selic –incluindo as operações compromissadas;

ii) a resistência da inflação em reagir ao manejo dos juros de curto prazo, o que está associado ao grau elevado de indexação da economia brasileira;

iii) a presença de finanças públicas desajustadas por longo período, o que já começa a ser corrigido.

Há momentos oportunos, como o atual, que reúnem condições favoráveis à correção desse problema. É preciso aproveitá-los. A redução consistente dos juros contribui para o processo de ajuste fiscal e reanima o investimento. Só assim o Brasil retomará o crescimento em benefício de toda a sociedade.


Felipe Salto, 29 anos, é economista formado pela FGV/EESP. Tem mestrado em administração pública e governo também pela FGV-SP, onde ministrou aulas de macroeconomia e economia brasileira nos cursos de pós-graduação executiva (2012-2014). Atuou como consultor na Tendências (2008-2014). Foi assessor econômico dos senadores José Serra (PSDB-SP) e José Aníbal (PSDB-SP) nos anos de 2015 e 2016. Em 29 de novembro de 2016, foi aprovado pelo Senado Federal para ser o 1º diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente. Publicou em 2016, pela Editora Record, o livro “Finanças públicas: da contabilidade criativa ao resgate da credibilidade”.

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