Celso Rocha de Barros: A antipolítica matou a renovação política?

Será bom se o número de partidos cair, mas não é irrelevante saber quais sobreviverão.
Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil
Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

Será bom se o número de partidos cair, mas não é irrelevante saber quais sobreviverão

Na coluna passada, argumentei que o fortalecimento do centrão pode estar se dando em um momento decisivo para a democracia brasileira: a provável redução do número de partidos causada pela proibição de coligações em eleições proporcionais.

Os partidos fisiológicos podem estar mais fortes justamente no momento em que a sobrevivência de cada legenda deve depender mais de seu tamanho atual.

Matéria de João Pedro Pitombo e Guilherme Garcia publicada na Folha de sexta-feira mostrou que o risco disso acontecer é real.

Segundo a análise de Pitombo e Garcia, as migrações de vereadores eleitos em 2016 para outros partidos em 2020 mostram que os candidatos já estão fazendo escolhas na nova estrutura de incentivos. Isto é, escolheram candidatar-se por partidos maiores, com perspectivas melhores de sobreviverem à cláusula de barreira e conquistar fatias maiores do financiamento eleitoral.

Era exatamente isso que os cientistas políticos esperavam que acontecesse. As coligações partidárias em eleições proporcionais sempre foram vistas como uma das causas do grande número de partidos existente no Brasil. Partidos pequenos podiam se aproveitar da votação dos partidos maiores para eleger deputados.

As consequências disso podem ter sido importantes: imaginem o que teriam sido os governos do PSDB e do PT se suas bancadas fossem maiores e a necessidade de cooptar aliados fisiológicos fosse menor.

A reforma da legislação aprovada pelo Congresso foi portanto, inequivocamente, uma boa ideia.

Mas ela pode ter menos efeitos positivos, ou pode demorar mais do que se esperava para gerar efeitos positivos, porque as outras ideias que venceram na política brasileira nos últimos cinco anos foram todas muito ruins.

Nos últimos anos, a onda antipolítica causou grandes perdas para os partidos mais consistentes —que aceitam passar longos períodos na oposição, sem acesso à máquina pública— como o PT e o PSDB. Eles chegam nesse início de processo de consolidação fracos.

Nos dados da matéria da Folha, vê-se que o PT se manteve estável desde 2016, mas 2016 foi sua pior eleição em muitos anos. O PSDB perdeu 11% de seus vereadores desde as últimas eleições. A única exceção entre os grandes partidos é o DEM, que cresceu 52%, um número muito expressivo.

Mas alguns dos partidos que mais receberam novos candidatos a vereador foram, segundo a reportagem, os partidos de centro-direita que sempre venderam seu apoio a qualquer governo.

O PP cresceu 30%, o PSD de Kassab também cresceu, o MDB permaneceu estável mesmo depois do desempenho ridículo de 2018. É impossível, inclusive, descartar a hipótese de que o DEM tenha crescido, em parte, porque voltou a se aproximar do perfil centrão.

No geral, isso não era o que torcíamos que acontecesse quando o número de partidos caísse.

Queríamos que PT e PSDB não precisassem mais comprar o PP, ou que PT e PSDB fossem substituídos por partidos melhores. Não queríamos que o PP substituísse o PT ou o PSDB como grande legenda.

Será bom se o número de partidos cair. Mas não é irrelevante saber quais deles sobreviverão. Se a tendência atual persistir, restarão de pé justamente os que tiveram mais disposição para se vender. A antipolítica pode ter matado a renovação que a política tradicional poderia ter trazido.

*Celso Rocha de Barros, Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).

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