Bruno Boghossian: Presidentes da Câmara e do Senado podem definir vida ou morte de governos

Histórico político das relações entre o Planalto e os presidentes das Casas oscila entre lealdade e traição.
Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados
Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

Histórico político das relações entre o Planalto e os presidentes das Casas oscila entre lealdade e traição

O empenho de Jair Bolsonaro nas eleições do Congresso nesta segunda (1º) é uma jogada de sobrevivência. Depois de ter usado o enfrentamento como arma política, o presidente mudou os cálculos: quer aliados nas presidências da Câmara e do Senado para construir uma agenda e permanecer no poder.

A história mostra que a relação entre os chefes do Congresso e o Palácio do Planalto pode mudar os rumos de um governo. O poder desses parlamentares determina se a plataforma de um presidente será implantada ou até se ele deve ser derrubado.

Dilma Rousseff (PT) soube que ter um rival no comando da Câmara pode ser fatal. Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se protegeu graças à escolha de um nome para esse mesmo posto. E Fernando Collor (PRN) percebeu que até a indiferença dos chefes do Congresso pode ser um problema nas horas de fragilidade.

Todos eles, além de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Michel Temer (MDB), também souberam que a fluidez política desses personagens define o tamanho do poder de um presidente da República.



COLLOR E IBSEN (1992)

Um presidente sem força no Congresso pode ter que governar no escuro, principalmente em tempos de crise. Foi o caso de Fernando Collor no caminho para o impeachment.

Na eleição para o comando da Câmara, em 1991, Collor não teve influência. Eleito pelo minúsculo PRN, ele só observou a escolha de Ibsen Pinheiro (MDB).

“O Collor não tinha condições de se intrometer”, conta Renan Calheiros (MDB), que foi líder do governo no início do mandato.

A relação era protocolar, e a distância se tornou rivalidade nas semanas que antecederam a abertura do impeachment, em setembro de 1992. O presidente da Câmara frustrou o governo ao definir que aquela votação seria aberta –e não secreta.

“Não houve nenhuma tentativa de demover o Ibsen”, diz Jorge Bornhausen, ministro de Collor.

Num pronunciamento na TV no fim de agosto, Collor atacou o Congresso e disse que os parlamentares não aprovavam os projetos do governo. O presidente da Câmara já concordava com o processo, mas os atritos o tornaram um entusiasta público.

Ibsen montou um palanque na Câmara e recebeu pessoalmente o pedido de impeachment apresentado no dia 1º de setembro. A Câmara aprovou o afastamento, e Collor renunciou antes do fim do processo no Senado.

FHC E ACM (2001)

Um presidente não dorme tranquilo nem quando há partidos aliados na cúpula do Congresso. Fernando Henrique Cardoso (PSDB) tinha uma coalizão larga, mas viveu uma relação terrível com Antônio Carlos Magalhães (PFL), que comandou o Senado (1997-2001).

O vínculo FHC-ACM refletiu o princípio político de que as ligações do poder variam de acordo com interesses de ocasião, como cargos e outras ferramentas de influência.

O PFL fazia parte da coalizão que elegeu o tucano. Quando estava satisfeito, ACM trabalhava a favor: ele foi personagem fundamental, por exemplo, nas articulações do Planalto para impedir a quebra de sigilo bancário do ex-chefe de campanha de FHC, numa investigação tocada pelo Congresso.

ACM também criou problemas para o governo como presidente do Senado. Usou o poder de pautar projetos para retardar a votação de medidas provisórias e acelerar a derrubada de vetos do Planalto. Era também um contumaz fabricante de dossiês que atingiam o governo.

“Antônio Carlos levou a vida inteira chantageando”, escreveu FHC sobre o então senador, em seus diários. “Tem uma inveja infinita de mim e gostaria mesmo é de ser presidente.”

LULA E ALDO (2005)

A disputa pela presidência da Câmara em setembro de 2005, na esteira do mensalão, é um exemplo acabado de como as escolhas no Congresso podem determinar os rumos de um governo.

“Aquela disputa tinha nível dez de importância”, afirma Jaques Wagner (PT), que era o articulador político de Lula. “Havia um movimento para emparedar. Queriam infernizar a vida, fazer CPI, interditar o governo.”
Naquela época, a oposição aproveitou a crise e deu força a José Thomaz Nonô (PFL) para chefiar a Câmara. Fragilizado, o governo Lula (PT) desarmou candidaturas do partido e apoiou Aldo Rebelo (PC do B).

“A ideia corrente era que a vitória da oposição significaria a abertura do processo de impedimento”, diz Aldo. “Havia uma radicalização, era um ambiente tumultuado.”

O Planalto temeu perder a disputa e ficar na mão de rivais. Nonô e Aldo empataram em 182 votos no primeiro turno. No segundo, o deputado do PC do B teve uma vitória apertada: 258 a 243.

“Lula se salvou de qualquer tentativa de impeachment porque elegeu o Aldo Rebelo”, avalia Jorge Bornhausen, que em 2005 era senador pelo PFL e crítico do então presidente.

DILMA E CUNHA (2015)

O destino de Dilma Rousseff (PT) foi traçado exatamente a partir de uma disputa pela presidência da Câmara. A eleição de 2015 mostrou como as coalizões políticas podem ser volúveis.

No ano anterior, o MDB e o centrão haviam feito parte da chapa que reconduziu a petista ao Planalto. Um mês depois da posse, o governo rivalizava com esse mesmo grupo pelo comando da Câmara.

Eduardo Cunha (PMDB) reuniu o apoio do chamado baixo clero e de caciques de partidos que faziam parte da base de Dilma. Assim, ele derrotou o candidato do governo, Arlindo Chinaglia (PT).

“Aquela disputa foi um erro básico. Deveríamos ter construído uma candidatura alternativa”, diz o deputado José Guimarães (PT), que se tornou líder do governo dias depois.

Primeiro, Cunha ativou o que os petistas chamavam de pauta-bomba, projetos de lei que aumentavam os gastos de um governo que tinha cofres vazios. “Ele começou o desgaste com a pauta-bomba, com o impeachment sempre acenando na gaveta”, avalia Jaques Wagner, que foi ministro de Dilma.

O presidente da Câmara usou a caneta e autorizou o processo de afastamento da presidente no fim daquele ano. Foi uma retaliação ao PT, que decidiu votar a favor do prosseguimento da cassação do mandato de Cunha no Conselho de Ética da Câmara.

TEMER E MAIA (2017)

Michel Temer (PMDB) viveu uma relação peculiar com a Câmara. Os deputados salvaram seu governo, mas o presidente se enfraqueceu e viveu num parlamentarismo branco, em que o Congresso passou a dar as cartas.

A delação de executivos da JBS jogou tensão na praça dos Três Poderes. Se a Câmara desse aval à denúncia feita pela Procuradoria-Geral da República contra o presidente por corrupção, o emedebista seria afastado, e o poder cairia nas mãos de Rodrigo Maia (DEM) –chefe da Casa e nome seguinte na linha sucessória.

Maia não era adversário do Planalto, mas os canais entre os dois eram preenchidos de intrigas. Na noite em que a delação foi divulgada, ministros do governo foram à casa do presidente da Câmara para discutir a saída de Temer.

Em momentos delicados, a cúpula do Congresso se torna um polo de atração das disputas de poder. Maia, segundo seus aliados, poderia ter convencido os deputados a afastarem Temer do cargo, mas não se moveu.

“Essa relação tem muito a ver com temperança e personalidade. Nós não enxergávamos [em Maia] uma atitude que pudesse tangenciar a deslealdade”, diz Antônio Imbassahy (PSDB), ministro da articulação política de Temer.

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