Elio Gaspari: Paulo Guedes mostrou a faca

Falando a uma plateia de empresários na Federação das Indústrias do Rio de Janeiro, o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, fez o principal pronunciamento político do novo governo: “O Brasil, um país rico, virou um paraíso de burocratas e piratas privados”. Na mesma ocasião, avisou: “A CUT perde e aqui fica tudo igual? Tem que meter a faca no Sistema S também.”

Falou em corda numa casa de enforcados, pois todas as federações das indústrias são alimentadas pelo ervanário que o Sistema S arrecada mordendo as folhas de pagamento das empresas. Em 2017, foram R$ 16,5 bilhões e, na conta de quem entende, pode-se estimar que o desperdício chegue a 30%, com mordomias, obras suntuosas, contratos de consultorias y otras cositas más. Guedes avisou que, com uma boa conversa, esse seria o tamanho do corte. Sem conversa, prometeu uma facada de 50%. Na plateia, riram e aplaudiram.

Por que riram, não se pode saber. Pode ter sido por boa educação, sabedoria, ou ainda porque diante de um ministro que assumirá com plenos poderes, rir é o melhor remédio.

Jair Bolsonaro administrará um país cujo PIB per capita cresceu apenas 1,1% nos últimos 20 anos, e Paulo Guedes promete revolucionar sua economia. Pode-se estimar que ele assumirá o “Posto Ipiranga” com poderes prometidos que só o professor Antônio Delfim Netto teve. Sem o cajado do Ato Institucional nº 5, a caneta de Guedes terá menos tinta que a de Delfim. Mesmo assim, o ex-ministro é um bom mestre. Primeiro, vale visitar sua opinião sobre o empresariado nacional.

“Você tem dois grupos de empresários. O primeiro vem ao teu gabinete e pede redução dos impostos, perdão das dívidas e reserva de mercado. Você manda eles lamberem sabão (versão edulcorada), batem os calcanhares, dão meia-volta e vão trabalhar. O segundo bate os calcanhares, vai para a antessala e pede uma nova audiência. No dia de hoje, as chances de êxito deste grupo podem ser estimadas em 60%.”

Uma parte do pessoal que riu quando Paulo Guedes prometeu cortar 30% do ervanário do Sistema S está no segundo grupo descrito por Delfim. Eles já viram muitos ministros anunciando reformas liberais ou mudanças na caixa do Sistema S e sabem que isso ficou na parolagem. O último foi Joaquim Levy.

A partir do dia 2, Paulo Guedes terá que lidar com as manhas da turma que dá meia-volta e pede uma nova audiência, a ele ou a algum parlamentar que deverá votar as reformas propostas por Bolsonaro. O projeto da dupla ainda é uma salada de frutas, e parte de suas propostas precisará do Congresso. Se eles aprovarem 75% do que pretendem, ainda assim farão uma revolução no capitalismo brasileiro. Se forem travados, terão que se contentar com uma margem em torno de 25%.

Bolsonaro fez uma campanha vitoriosa atacando sufixos como o bolivarianismo, o ativismo e, acima de tudo, o petismo. Daqui a poucas semanas, terá que lidar com os verdadeiros interesses que ora produzem progresso, ora preservam o atraso. Guedes foi bonzinho quando disse que o Brasil “virou um paraíso de burocratas e piratas privados”. Virou?

Na imponente entrada do edifício da Associação Comercial do Rio de Janeiro, há dois grandes bustos. Um é o do Barão de Mauá, o patrono da indústria nacional. Ele faliu. O outro é o do Visconde de Cayru, o primeiro professor de “ciência econômica” do Brasil. Estudou em Coimbra (uma Harvard da época), mas aposentou-se aos 50 anos. Nunca deu uma aula e sua família pediu duas pensões ao Império. Filho de um mestre de obras, nunca produziu um prego.


Elio Gaspari: Cadê o Fabrício Queiroz?

Desde que o Coaf acendeu o sinal amarelo, Bolsonaro está dois lances atrasado

Jair Bolsonaro lidou com a primeira crise do seu governo com uma mistura de onipotência e ingenuidade. Diante de um problema no qual ele e o filho Flávio (eleito senador) não são investigados ou acusados de coisa alguma, transformaram o silêncio em suspeita.

O suboficial Fabrício Queiroz, da PM do Rio, amigo do presidente, motorista, segurança e assessor de Flávio, movimentou R$ 1,2 milhão em 12 meses. Fez 176 saques (cinco num só dia) e recebeu 59 depósitos, todos em dinheiro vivo. Sete funcionários que estavam ou passaram pelos gabinetes do deputado estadual Flávio e de seu pai fizeram depósitos na sua conta. Dois eram parentes de Queiroz. Outro era um tenente-coronel PM que trabalhou por 18 meses com Flávio e durante esse período viveu 248 dias em Portugal.

Queiroz pediu demissão do gabinete de Flávio Bolsonaro no dia 16 de outubro, uma semana depois do primeiro turno. Ele teria feito isso para cuidar de sua passagem para a reserva. No mesmo dia, foi afastada sua filha Nathalia, que trabalhava com Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados. (Fernando Haddad, derrotado na disputa pela Presidência, levantou a suspeita de que a surpresa do Coaf tenha chegado ao conhecimento de Bolsonaro, "no máximo, em 15 de outubro".)

Durante uma semana os Bolsonaro reiteraram sua confiança em Queiroz, e o senador eleito informou que ouviu dele "uma explicação plausível". Apesar da plausibilidade do que ouviu o senador eleito, Queiroz manteve-se em silêncio e, pelo que se sabe, pretende falar ao Ministério Público nesta semana.

Deixando-se de lado o piti do futuro chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que interrompeu uma entrevista ao ser questionado sobre o assunto, Bolsonaro foi onipotente e ingênuo ao supor que o silêncio de Queiroz poderia ser compensado por suas breves declarações. Tanto ele como o filho repetiram que estão fora da investigação e quem tiver feito algo errado deverá pagar. Até hoje, a questão é só uma: cadê o Queiroz?

As bizarrices apontadas pelo Coaf nas finanças do amigo dos Bolsonaro serão estudadas pelo Ministério Público e a ele caberá decidir se há o que pagar.

Noves fora a disseminação do "Cadê o Queiroz?", a malversação do episódio produziu um efeito colateral. Apareceram os "generais preocupados". É conhecido o desconforto do vice-presidente Hamilton Mourão, mas os generais anônimos são um fator de verdadeira preocupação para paisanos e fardados.

Bolsonaro é um exímio manipulador do que seria o pensamento de militares. Até sua eleição esse fator ventou a seu favor. Agora, poderia soprar contra. Para quem não gosta do presidente eleito, a brisa pode até ser motivo de alegria. O problema é que quando esse vento sopra, seja qual for a direção, arrasta tudo, inclusive a disciplina militar.

O marechal Castello Branco denunciou, faz tempo, as "vivandeiras alvoroçadas, (que) vêm aos bivaques bolir com os granadeiros e provocar extravagâncias do Poder Militar".

Registro
No segundo turno Fernando Henrique Cardoso votou em branco.

Caneladas
A União Europeia nunca esteve disposta a fechar um acordo comercial com o Mercosul, e Bolsonaro presenteou-a com um álibi.

Em poucas semanas a França e a Alemanha afastaram-se das negociações atribuindo as dificuldades ao novo governo brasileiro.

Com um ministro da Economia dizendo que o Mercosul "não é prioridade" e um chanceler condenando o "globalismo", a equipe de Bolsonaro pôs a cereja no bolo da Europa.
Na diplomacia da canelada, o Brasil entrou com a canela.

Perigo à vista
A ekipekonômica de Bolsonaro namora a ideia de cobrar anuidades aos alunos das universidades públicas. A ideia é velha e tem razoável apoio na opinião pública.

Para evitar desastres, os sábios do futuro governo devem tratar do caso na sua verdadeira dimensão.
Admitindo-se que a carta da cobrança das anuidades vá para a mesa, o que os sábios pretendem fazer quando estourar uma greve de professores e alunos?

A resposta imediata é a ameaça de que os professores não receberão os dias parados. Parece fácil, mas surge outra questão: o que eles farão quando a Justiça mandar pagar, como tem feito habitualmente?

Querer cobrar anuidades é uma coisa, incendiar as universidades, outra.

Dilma fala
A ex-presidente Dilma Rousseff deu uma entrevista ao repórter Leonardo Fernandes. Tratou de seu legado, da desigualdade social e das formas de oposição ao novo governo. Num momento de bom humor, disse que "a alegria é a forma básica de resistência".

Quando o repórter perguntou "quais as perspectivas de resistência fora da institucionalidade, das organizações sociais e dos movimentos, em 2019", ela disse o seguinte:

"Eu acho que esse vai ser um momento fundamental para se voltar a investir nas lutas fora da institucionalidade, na organização fora da institucionalidade. E dessa combinação entre a institucionalidade e as lutas fora da institucionalidade é que está o 'X' da nossa resistência. A luta das mulheres, dos trabalhadores, dos sem-terra, dos desempregados... É importantíssimo buscar organizar os desempregados porque hoje não há uma perspectiva que dê sentido para a luta deles. (...) Não basta só a luta institucional. Não basta só a organização de massa. Ela é crucial, mas não basta uma só, isolada da outra."

"Fora da institucionalidade" pode significar muita coisa, inclusive nada.

Sábio fatiamento
O economista Paulo Tafner deu a explicação definitiva para justificar o fatiamento da reforma da Previdência:

"Se o governo não fatiar a reforma, estará reunindo todas as oposições no mesmo debate. Os servidores públicos, por exemplo, manifestaram severa preocupação com os trabalhadores rurais. Se você fatia e faz uma primeira proposta só para os servidores, eles serão obrigados a admitir que são contra a retirada do próprio privilégio."

O candidato
A turma de Bolsonaro ergue o estandarte da "volta do PT" sempre que ouve alguma coisa contra seu chefe.

O espantalho pode ser conveniente, mas quem está na pista costurando sua candidatura é o futuro governador de São Paulo, JoãoDoria.

Prefeito-bomba
O prefeito Marcelo Crivella quer pedir ajuda a Jair Bolsonaro para que o bilionário americano Sheldon Adelson construa um resort-cassino na região do porto do Rio.

Adelson tem 85 anos, US$ 43,4 bilhões e explora esses negócios em Las Vegas, Macau e Singapura. É um dos campeões da luta pela instalação de embaixadas em Jerusalém, financiou a campanha de Donald Trump e tem grande influência sobre o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu.

Tudo o que Bolsonaro não precisa é entrar nessa fotografia como defensor da volta do jogo.


Elio Gaspari: Um governador irresponsável

Na segunda-feira, o governador do Ceará, Camilo Santana, anunciou que afastou dos serviços de rua os 12 policiais envolvidos no massacre de Milagres, onde morreram 14 pessoas. Informou também que criou um grupo especial de investigação para apurar o que aconteceu durante a madrugada de sexta-feira na pequena cidade do Vale do Cariri: “Este momento nos coloca um dever ainda maior de proteger vidas e fortalecer a paz.”

Blá-blá-blá. Três dias antes, a polícia estava em Milagres à espera de uma quadrilha de assaltantes de bancos e matou seis reféns, cinco de uma mesma família, dois dos quais adolescentes. Horas depois da chacina, do alto de sua autoridade, o governador louvou a operação e ensinou: “Temos que ser responsáveis e aguardar o trabalho de investigação”.

Irresponsável era ele, por falar de ouvir dizer, adiantando uma indulgência plenária aos policiais: “O fato é que eles estavam preparados para assaltar dois bancos e não conseguiram assaltar nenhum.” Até aí, foi uma manifestação primitiva de onipotência, pois “se temos que ser responsáveis”, aquilo que ele chamou de “o fato” era sabidamente algo mais que uma tentativa de assalto impedida pela polícia. O governador foi além e lançou dúvidas sobre a estatística produzida em Milagres. Nela morreu parte da família sequestrada pelos bandidos, mas Camilo Santana argumentou: “É estranho um refém de madrugada em um banco”.

Estranho é um governador endossar a velha versão segundo a qual todo morto em ação policial é suspeito de alguma coisa.

Três dias depois, Santana corrigiu-se com a mesma ligeireza: “De forma infeliz disse aquilo, mas peço desculpas à família. Quem me conhece sabe do meu respeito às pessoas e da minha defesa à vida”. Ele não foi infeliz, foi irresponsável, com o propósito de lustrar a operação policial. Suas desculpas não deveriam ser apresentadas só à família dos chacinados, mas também a toda a população. O truque do “quem me conhece” foi pueril, pois quem o ouviu teve oportunidade de perceber que defende a vida alheia em termos genéricos. Quando se tratou de um caso específico, envolvendo a ação da polícia, podendo ficar calado, repetiu o que lhe contaram.

Quando fez sua primeira declaração, Camilo Santana sabia que a quadrilha havia sido emboscada. As polícias de vários estados investigavam seus movimentos há semanas e esperavam os bandidos em Milagres. O que aconteceu na madrugada daquela sexta-feira foi uma típica ação de policiais ineptos que atiram primeiro e vão conferir depois.

O governador do Ceará foi um ponto dentro da curva. Todo morto em ação policial acaba virando “suspeito”. No Rio de Janeiro, guarda-chuva e furadeira já foram objetos suspeitos nas mãos de pessoas mortas por policiais. Camilo Santana foi reeleito no primeiro turno, com votação expressiva. Como seus similares, cavalga um discurso de promessas, acompanhado de uma solidariedade automática para a polícia. Seja o que for que se faça, algo deveria ser feito e o feito, feito está. Parece que não estudaram história. Lampião era um bandido, quem o transformou em herói foi a polícia, desfilando sua cabeça de Piranhas a Maceió e expondo-a num museu.

O empresário João Batista Magalhães saíra de Serra Talhada (PE) para uma reunião natalina e foi sequestrado pelos bandidos numa estrada próxima a Milagres. Ele morreu com o filho, e outros três familiares. Afinal, “é estranho um refém de madrugada em um banco”.


Elio Gaspari: A fantasia das 'bancadas temáticas'

O perigo nas negociações é o da construção de um sistema que leve a uma crise

O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado Alceu Moreira (MDB-RS), deu um presente a Jair Bolsonaro. Quando o repórter Raphael Di Cunto perguntou-lhe como funcionaria a articulação do governo com as “bancadas temáticas” do Congresso, ele respondeu:

“Quem disser que sabe qual é o resultado que esse novo modelo produzirá, de duas uma: ou é adivinho ou está mentindo”.

Moreira apoia o novo governo, lidera uma frente que reúne mais de 200 parlamentares e sabe que a eficácia das “bancadas temáticas” é uma fantasia. Elas agrupam deputados e senadores que têm pontos de vista semelhantes em questões genéricas, mas separam-se em temas pontuais. O próprio Moreira fez questão de lembrar que sua frente “só discute produção de alimento, não é nem agro”.

A ideia da negociação com as “bancadas temáticas” é útil numa campanha eleitoral e funciona durante a fase de transição. No dia 2 de janeiro, Jair Bolsonaro deverá abrir a quitanda e em fevereiro instala-se a nova legislatura. Só então começará o jogo, com a remessa ao Congresso das diversas emendas constitucionais prometidas pelo candidato. Elas precisam de três quintos dos votos da Câmara e do Senado.

Cada parlamentar tem sua legítima agenda de defesa dos interesses de sua base eleitoral. O toma lá dá cá faz parte da vida política, desde que se esclareça o que se toma e o que se dá. Por exemplo: um deputado de uma bancada temática vai ao governo com um pedido para que se autorize o funcionamento de uma faculdade de Medicina na sua região. O pleito pode ser justo e o projeto, impecável. Pode também ser uma girafa. Como ensinava o então ministro Paulo Renato Sousa, “se você entregar o poder de decisão para a abertura de faculdades privadas às freiras carmelitas descalças, na segunda reunião elas virão com bolsas Vuitton”.

O toma lá dá cá com as bancadas que se dizem partidárias chegou a níveis obscenos nas últimas legislaturas, mas não existe governo que possa conviver com o Congresso sem que haja um sistema de trocas com os parlamentares. Bolsonaro conseguiu formar seu Ministério com grande liberdade, e não se pode dizer que este ou aquele ministro esteja ali por delegação de partido. Contudo, formar equipe é atribuição do presidente, mas votar projetos e, sobretudo, emendas constitucionais depende do consentimento do Congresso.

As negociações com a Câmara e o Senado poderiam ser saneadas se a liderança do governo tivesse disposição para denunciar propostas indecentes, começando pelos eternos jabutis que são enfiados nas medidas provisórias. Muitos deles nascem naquilo que hoje se chama de bancadas temáticas.

Bolsonaro armou um governo bifronte, com uma face política e outra militar, representada por generais da reserva. Só a vida real mostrará se tramitarão negociações capazes de exasperar a banda militar, ou vetos capazes de paralisar a banda política.

A fantasia das bancadas temáticas é popular, mas só os adivinhos podem saber como funcionará o sistema. (Os mentirosos, na formulação de Alceu Moreira, sabem que estão mentindo.)

Para dar certo, o futuro governo precisa aprovar as reformas que promete. Talvez não aprove todas, mas isso não seria um pecado. Desgraça, da boa, seria um cenário no qual um governo legítimo e popular promete reformas e, um ano depois da eleição, se queixa de ter sido bloqueado pelo Congresso.

Nos últimos 50 anos, sempre que isso aconteceu, o governo sabia que estava criando a crise.


Elio Gaspari: O agronegócio não é uma ‘bancada do boi’

Contaminado por um setor paleolítico, o agronegócio brasileiro paga pelo que não é e não consegue mostrar o que é. Prova disso é que a defesa dos seus interesses é atribuída ao que denomina “bancada do boi”. Nessa bancada há trogloditas que querem queimar matas, calotear dívidas e invadir terras alheias. Defendendo-os, Jair Bolsonaro chega mesmo a acreditar que os quilombolas são um problema nacional.

Dois renomados historiadores — Herbert Klein, de Columbia e Stanford, e Francisco Vidal Luna, da USP — entregaram à editora da Universidade de Cambridge o texto de “Feeding the World” (“Alimentando o Mundo”), onde contam a história da revolução ocorrida na agricultura brasileira nos últimos 50 anos, acelerada neste século. O livro sairá em dezembro e a tradução, no ano que vem. O que houve foi uma revolução de verdade. De país atrasado, o Brasil tornou-se o maior exportador de soja, carnes processadas, laranjas e açúcar. É o quinto maior produtor de cereais. Enquanto a indústria nacional patinou depois da abertura da economia, o agronegócio adaptou-se, expandiu-se e adquiriu competitividade internacional.

Entre a década de 1980 e os últimos oito anos a produtividade das áreas plantadas cresceu 150%. Essa revolução juntou empreendedores e uma elite técnica formada com vigor chinês. Em 1999 o Brasil tinha seis mil estudantes de agronomia. Em 2007 eram 48 mil (40 mil dos quais em instituições públicas). Entre 1998 e 2017 foram produzidas oito mil dissertações de mestrado e três mil teses de doutorado. No pico desse êxito está a Embrapa, que se tornou um dos melhores centro de pesquisas agrícolas do mundo. Hoje o Brasil tem a terceira maior indústria de sementes.

Klein e Luna não deixam assunto sem análise, inclusive os problemas de pobreza e atraso, mas expõe uma revolução que está acontecendo. Ela é descrita em São Paulo, no Sul, e surpreende no Centro-Oeste. Uma migração espontânea, selvagem no início, transformou Mato Grosso num celeiro. Em 1970 lá existiam 600 tratores, 15 anos depois eram 20 mil. Em 1980, quando chegou a soja, cultivaram sete mil hectares. Em apenas nove anos, chegaram a 1,7 milhão de hectares. As taxas de fertilidade e mortalidade infantil caíram, enquanto a expectativa de vida subiu cerca de 20 anos desde 1960. Hoje o Mato Grosso tem um dos mais altos índices de terras tituladas (77%).

O agronegócio carrega entre 20% e 25% da economia nacional porque é moderno. A contaminação paleolítica obriga-o a ser ouvido como um Yo-Yo Ma tocando num violoncelo rachado. Carne? Joesley Batista. Meio ambiente? Jair Bolsonaro e seus conselheiros do agronegócio durante a campanha eleitoral.


Elio Gaspari: Os generais no palácio do capitão

Com vice e dois generais no Planalto, Bolsonaro conseguirá, pelo voto, algo inédito

A escolha do general Carlos Alberto dos Santos Cruz para a Secretaria de Governo do futuro presidente, Jair Bolsonaro, consolidou a inédita marca militar da próxima administração.

Considerando-se que um de seus antecessores foi o deputado Geddel Vieira Lima, hoje encarcerado, a melhoria de padrão será indiscutível. Santos Cruz junta-se aos generais da reserva Hamilton Mourão (vice-presidente) e Augusto Heleno (Segurança Institucional) na equipe que trabalhará no Planalto. Bolsonaro, o chefe de todos eles, é um capitão reformado que chegou à Presidência pelo voto.

Essa circunstância desautoriza qualquer comparação automática com os poderes palacianos durante a ditadura.

Os generais de Bolsonaro comandaram tropas das Nações Unidas no Haiti e no Congo.

Os da ditadura comandaram mesas em representações no exterior. Deles, só Castello Branco e Golbery do Couto e Silva estiveram na Segunda Guerra. (Golbery não ouviu um só tiro.)

Forçando-se a mão, pode-se comparar a presença de Santos Cruz na Secretaria de Governo com a ida de Golbery para a chefia do Gabinete Civil do presidente Ernesto Geisel, em 1974.

Contudo, há duas diferenças. Golbery nunca foi general no serviço ativo, pois foi para a reserva em 1962 como coronel e ganhou a promoção automática que a lei da época lhe assegurava. Depois de criar e dirigir o SNI, ele foi para o Tribunal de Contas e de 1969 ao início de 1974 esteve na iniciativa privada, presidindo a filial brasileira da Dow Química.

Os generais da ditadura viveram a anarquia e rebeliões políticas do século passado. Costa e Silva foi preso em 1922 e Golbery, detido em 1955, redigiu todos os manifestos da indisciplina de coronéis e generais das décadas de 50 e 60.

Médici e Geisel rebelaram-se em 30. Castello Branco, nunca. Todos participaram da deposição de João Goulart. Desde 1950, as Forças Armadas estavam publicamente divididas por motivos políticos. Hoje essa divisão não existe.

Bolsonaro e seus generais vieram de outra cepa, num período de profissionalismo e pacificação política dos quartéis. Ainda assim, em 1978, o capitão Augusto Heleno, ex-ajudante de ordens do general Sylvio Frota, viu-se observado, em pelo menos um documento do SNI. Em 2008, como comandante militar da Amazônia, ele criticou a política indigenista e foi aconselhado a evitar o assunto.

Há três anos, depois de um pronunciamento político, o general Hamilton Mourão perdeu a prestigiosa chefia da tropa do Sul. Ele mesmo reconheceu, citando o ex-comandante Enzo Peri, que "cada um tem que saber o tamanho de sua cadeira", e extrapolara o tamanho da sua.

Já o capitão Bolsonaro tomou uma cadeia por ter escrito um artigo defendendo o aumento do soldo dos militares e foi excluído do quadro da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais em 1987, por ter desenhado num croqui o que poderia ser a colocação de uma bomba na adutora do Guandu.

Ele negava a autoria do desenho. Uma perícia confirmou-a e outra, não. Mais tarde, o capitão foi absolvido pelo Superior Tribunal Militar, por voto de minerva em favor do réu.

A presença de militares da reserva no coração do Planalto durante um governo eleito é jogo jogado, desde que cada um saiba o tamanho de sua cadeira.

Um dos maiores secretários de Estado do governo americano foi o general George Marshall. Quando ele era chefe do Estado-Maior Conjunto, o general Douglas MacArthur desafiou o presidente Harry Truman. Comandando a tropa que guerreava na Coreia, tinha uma cadeira enorme. Marshall defendeu sua demissão, para confirmar a primazia do poder civil. A cadeira de Truman era maior.

*Elio Gaspari é jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".


Elio Gaspari: O ministério se revela nas manobras

Em setembro acreditava-se que o médico Henrique Prata, diretor do Hospital do Câncer de Barretos (SP), podia ser o ministro da Saúde num eventual governo de Jair Bolsonaro. Outra hipótese seria a ida do deputado Luiz Henrique Mandetta (DEMMS). Nos dois meses seguintes, pelo menos dois renomados médicos passaram pelo balcão de apostas, e o jogo fechou com a nomeação de Mandetta. Há dois anos, o cirurgião Raul Cutait esteve com um pé na pasta, mas Michel Temer nomeou o deputado Ricardo Barros (PP-PR).

O jogo do ministério, com seus balões de ensaio e boatos, é um divertimento que acaba no dia em que o Diário Oficial publica a lista dos nomeados. Contudo, os movimentos que ocorrem nos bastidores acabam revelando a alma do governo que se forma. Descontada a maneira silenciosa e cirúrgica com que Paulo Guedes forma sua equipe na área econômica, até agora a principal decisão de Bolsonaro foi a transferência do general da reserva Augusto Heleno para o Gabinete de Segurança Institucional. Ele estava designado para a Defesa e foi deslocado pouco depois da escolha de Sergio Moro para a Justiça. Trocou um ministério com gabinete fora do Planalto por outro a poucos metros da sala do presidente.

O Ministério da Educação de Bolsonaro tornou-se uma grelha. Mozart Ramos, diretor do Instituto Ayrton Senna, foi vetado pela bancada evangélica sem ter sido convidado. O procurador Guilherme Schelb, da simpatia dos pastores, viu-se frito. Ao fim do dia, foi escolhido o professor Ricardo Vélez Rodriguez, da Federal de Juiz de Fora (MG), que lecionou na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército. Do episódio, resulta que Bolsonaro colocou no Ministério da Educação uma pessoa com quem nunca trocou duas palavras ou leu duas páginas.

A formação de um governo obedece a uma lógica própria. Um terço dos ministros é formado por pessoas que o presidente queria colocar exatamente onde ficaram, como Paulo Guedes. No segundo terço, o escolhido vai para a equipe, mas cai em outro lugar, como Augusto Heleno. No terceiro, entram pessoas que o presidente mal conhecia.

A mecânica da formação da equipe acaba sendo tão significativa quanto as escolhas. Temer disse que nomearia notáveis. Armou sua equipe pelo velho método e estabeleceu uma marca na História universal: dois de seus ministros acabaram na cadeia (Geddel Vieira Lima e Henrique Alves). Outros dois tiveram os pais e padrinhos políticos encarcerados (Helder Barbalho e Leonardo Picciani). No governo Dilma, Joaquim Levy pensou que havia sido escolhido para o Ministério da Fazenda, mas caiu num comissariado, do qual fugiu.

Na competição que produz ministros, às vezes ganham relevo aqueles que decidem não sê-lo. Ilan Goldfajn deixou o Banco Central. Já o nome do general da reserva Oswaldo Ferreira para a área de infraestrutura era pedra cantada. Ele participou do planejamento da campanha de Bolsonaro e chegou a dar entrevistas sobre projetos. Decidiu ficar fora do governo.

O ‘imprevisto’ de Moro
O futuro ministro Sergio Moro defendeu a delegada Érika Marena, coordenadora da Operação Ouvidos Moucos, que em 2017 resultou na prisão do reitor Luiz Carlos Cancellier, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Levado para uma penitenciária, ele vestiu uniforme laranja, foi algemado e lá dormiu uma noite. Sua prisão foi pedida pela delegada e a Justiça, que a autorizou, suspendeu-a no dia seguinte, pois não viu no pedido da delegada “fatos específicos dos quais se possa defluir a existência de ameaça à investigação.”

Livre, o professor matou-se, atirando-se do alto de um shopping de Florianópolis. Quando a Ouvidos Moucos foi espetacularizada, Cancellier e outros professores eram acusados de terem desviado R$ 80 milhões de um programa da UFSC. Essa informação revelou-se falsa e foi divulgada antes mesmo que Cancellier fosse ouvido. A cifra referia-se à verba total do programa.

A delegada Érika Marena é considerada uma policial competente e teve um relevante desempenho na fase inicial e decisiva da Operação Lava-Jato. Ao informar que ela assumiria o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional do Ministério da Justiça, Moro tratou do caso de Cancellier e disse o seguinte: “Foi uma tragédia, algo trágico e toda a solidariedade aos familiares do reitor, mas foi um infortúnio imprevisto na investigação. A delegada não tem responsabilidade quanto a isso”.

Falta definir “infortúnio imprevisto na investigação”. Ou pelo menos, quais são os infortúnios que as investigações podem prever. Prisões desnecessárias, humilhações e espetacularizações talvez estejam entre eles.

OUTRO ESPETÁCULO
Há um ano, noutro caso espetacular, o empresário Ricardo Saud, da J&F dos irmãos Batista, contou que sua organização corrompia políticos e esfriava as propinas usando mais de cem escritórios de advocacia que simulavam serviços. Entre os políticos, estava o deputado Fábio Faria e, entre os escritórios, o do advogado Erick Pereira. (Na sua delação, Saud chamou-o de Erick Faria.) Passou-se um ano, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, chamou Saud de “pretenso colaborador” e pediu o arquivamento do processo porque “não foi possível colher nenhum elemento probatório que demonstrasse que o investigado (deputado Fábio Faria) cometeu os referidos delitos”. E que “a documentação juntada aos autos pelo colaborador em nada demonstra que os eventos que narra ocorreram”. O pedido da procuradora foi atendido pela ministra Rosa Weber, do STF. Quanto ao advogado Erick Pereira, ele juntou aos autos as provas dos serviços prestados pelo escritório.

O distinto público foi enganado duas vezes, primeiro pela JBS fazendo-se passar por uma “campeã nacional”. Depois pelos seus donos e diretores enfiando cascalhos nas suas pretensas delações.

BEIJO DA MORTE
Na terça-feira, um veterano parlamentar ouviu um colega do PSOL saudando a possível escolha de Mozart Ramos, diretor do Instituto Ayrton Senna, para o Ministério da Educação.
Foi rápido:
“Já era.”

FOGO AMIGO
Durante a campanha, o general Hamilton Mourão contou que estava lendo uma biografia de seu colega “Stonewall” Jackson. Ele foi um dos maiores generais do Sul rebelde na Guerra da Secessão (1861/1865). Ganhou o apelido de “Muralha” ao conter o inimigo, decidindo a primeira grande batalha do conflito. Era um tipo estranho. Cristão fervoroso, lutava pelo Sul, mas condenava a escravidão.

A vida de “Stonewall” pode inspirar Mourão. Primeiro, porque ele falava pouco e escondia tudo. Sempre ia para a linha de frente, mas numa noite tomou três tiros de sua própria tropa durante uma patrulha noturna. “Stonewall” tornou-se a mais famosa vítima de fogo amigo das forças militares americanas.


Elio Gaspari: A ‘sala vermelha’ da tortura

Baseado em documentos da Justiça, o repórter Rafael Soares mostrou que quatro cidadãos presos na madrugada de 20 de agosto durante uma operação militar em favelas da Penha, no Rio de Janeiro, denunciaram torturas sofridas num quartel da 1ª Divisão de Exército (DE). Eles teriam sido levados para uma “sala vermelha”, onde três pessoas com os rostos cobertos e sem fardas deram-lhes “madeiradas” e chicotearam-nos com fios elétricos. Um deles informou que a sessão durou cerca de 20 minutos. Todos eram interrogados para identificar traficantes da região. O grupo permaneceu no quartel por 17 horas, até ser levado para uma delegacia. Continuam presos, acusados de traficar drogas.

Durante a operação nas favelas da Penha, do Alemão e da Maré , traficantes mataram um cabo e dois soldados do Exército. Foram presas 86 pessoas e apreendidos 15 fuzis, 27 pistolas e 11 granadas de mão. A despeito das baixas, essa pode ter sido a ação mais eficaz das forças da ordem desde o início da intervenção militar na segurança do Rio.

Num primeiro momento, a denúncia dos presos levados para o quartel da 1ª DE foi desprezada. Depois que surgiram novas informações, o comando militar decidiu investigar o caso.

Desde fevereiro, quando sete pessoas foram mortas no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, paira sobre uma tropa do Exército a suspeita de ter praticado uma chacina. No caso, poderia ter havido um confronto, mas ainda não se sabe o que aconteceu. Na denúncia da tortura da “sala vermelha”, os presos teriam conexão com o tráfico, e um deles é reconhecidamente viciado, mas o episódio teria ocorrido dentro de um quartel do Exército.

Está sobre a mesa dos comandantes militares a questão do esclarecimento das denúncias. A sabedoria convencional mostra que, em certas épocas, uma enorme parcela da opinião pública defende uma política de “mata e esfola”. Quando a maré vira, aqueles que ontem eram festejados como vingadores passam a ser vistos como torturadores. Em 1974, os jornalistas credenciados na Secretaria de Segurança de São Paulo escolheram os melhores policiais do ano, e o delegado Sérgio Fleury ficou em quarto lugar.

O acobertamento de violências corrói a disciplina militar. Só isso explica por que, em 1943, no meio da guerra, o general Dwight Eisenhower ordenou ao seu amigo George Patton que se desculpasse diante da tropa formada por ter esbofeteado um soldado que, a seu ver, se acovardara. Patton comandava os gloriosos blindados americanos que entrariam na Alemanha.

Quando o torturador vê que seus superiores negam ocorrências das quais participou, passa a crer que faz parte de uma elite onipotente e inimputável. Além disso, o acobertamento cria uma trama de cumplicidades que se infiltra no serviço público, no Judiciário e mesmo na imprensa. O espírito de corpo que, a princípio, acoberta defensores de uma ordem específica, acaba se transformando num estímulo à ilegalidade, levando agentes para outras formas de delinquência. As cumplicidades criadas na administração do Rio de Janeiro e de alguns outros estados explicam boa parte da anarquia de seus sistemas de segurança.

A “tigrada” francesa que nos anos 50 baixou o pau na Argélia e varejou comunidades árabes terminou seus dias tentando matar o presidente Charles De Gaulle. A brasileira explodiu no estacionamento do Riocentro.

Num livro intitulado “Torture”, o professor americano Edward Peters tratou essa questão com magistral clareza ao informar: “O futuro da tortura depende do futuro do torturador”. Se ele é aplaudido e promovido, ela se espalha. Se ele é condenado, ela acaba.


Elio Gaspari: A reunião da irresponsabilidade fiscal

Para quem temia que depois da eleição viesse mais do mesmo, ressurge a maldição do príncipe de Salinas no romance “O Leopardo”: “Depois será diferente, porém pior”

No mesmo dia em que anunciou um “momento de regeneração”, Jair Bolsonaro foi a uma esquisita reunião de governadores eleitos copatrocinada pelo paulista João Doria. Nada havia sido combinado com sua equipe. O que muitos governadores querem é suspender as exigências e os efeitos da Lei da Responsabilidade Fiscal. Uma legítima superpedalada, capaz de superar os çábios da “contabilidade criativa” que custou a presidência a Dilma Rousseff.

Como o presidente eleito ainda não desceu do palanque, fez brincadeira com a sua presença no conclave: “O que eles querem, eu também quero, dinheiro”. Antes fosse, o que eles querem é atropelar a lei que obriga os Estados a limitar em 60% o comprometimento das receitas com o pagamento de despesas de pessoal

O Rio está com um comprometimento de 81%. Minas Gerais, 79% e o Rio Grande do Sul, 78%. Isso para não se falar no campeão, o Rio Grande do Norte, com 88%. Ao todo, são 17 os Estados que ofenderam a LRF, mas nove governos comportaram-se como deviam.

Os governadores querem mais dez anos de prazo para cumprir uma lei de 2000 e prometem um conjunto de medidas para buscar o equilíbrio financeiro. Velha conversa, como a do Supremo Tribunal Federal que quer o aumento para já, prometendo o fim dos penduricalhos dos juízes para depois. Ademais, dentro de dez anos os governadores serão outros.

Bolsonaro deveria ter desarmado a cilada da reunião, expondo a irracionalidade do pleito. Doria, que governará o Estado que exibe melhor desempenho (54% de comprometimento, graças a Geraldo Alckmin), poderia ter evitado a ribalta.

Para quem temia que depois da eleição viesse mais do mesmo, ressurge a maldição do príncipe de Salinas no romance “O Leopardo”: “Depois será diferente, porém pior”.

REGISTRO
Foram muitos os nomes que entraram na dança para a cadeira de ministro das Relações Exteriores, mas o nome do diplomata Ernesto Araújo foi o primeiro a surgir, logo depois do segundo turno.

CONTINUIDADE
Quando Lula era presidente, o chanceler Celso Amorim chamou-o de “nosso guia”. Ernesto Araújo anuncia que assumirá o cargo certo de que a “mão firme e confiante de Bolsonaro nos guiará”.

BILATERAL
As “caneladas” de campanha de Bolsonaro deram à sua política externa dois resultados:

1) Submeteu o chanceler brasileiro a uma molecagem do governo egípcio porque prometeu levar a embaixada brasileira para Jerusalém. Fez que não notou.

2) Demonizou a participação de cubanos no programa “Mais Médicos” e provocará a retirada de oito mil profissionais. Segundo a Confederação Nacional dos Municípios, 1.575 localidades ficarão sem médico.

Daqui até a posse ele perceberá que relação bilateral tem dois lados.

MÉDICOS
Com a partida dos médicos cubanos, os novos ministros da Saúde e da Educação poderiam examinar as exigências para que médicos brasileiros formados no exterior revalidem seus diplomas para trabalhar em Pindorama.

A lei exige que o médico esteja “em situação legal de residência no Brasil”, mas o programa do governo não diz quanto tempo demorará o processo de revalidação.

Enquanto isso, o que faz o médico que se formou nos Estados Unidos e trabalha num hospital de Boston, vende limão na praia?

Eremildo é um idiota e acha que os médicos têm direito a uma reserva de mercado. Mesmo assim, por cretino, acredita que pode dar entrada na burocracia mesmo que o médico more num dos anéis de Saturno, desde que cumpra todas as exigências posteriores.

BANCO CENTRAL
Com tanta gente querendo ir para o governo, o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, preferiu ir para casa.

Sentou na cadeira em 2016, com a economia em pandarecos, e presidiu o BC falando pouco e fazendo o certo, longe dos holofotes. Leva consigo o estilo de economistas como Pedro Malan e Otávio Gouveia de Bulhões.

PALPITE
Um veterano conhecedor do funcionamento do Palácio do Planalto acredita que Jair Bolsonaro restabelecerá a rotina da “Reunião das Nove” que vigorou nos anos dos generais.

Pelo desenho de hoje, nela sentariam o presidente, o general Augusto Heleno, o economista Paulo Guedes e o deputado Onyx Lorenzoni. Trocando o ministério da Defesa pelo Gabinete de Segurança, logo depois da escolha de Sergio Moro para a Justiça, o general tornou-se um ministro que tem sala no Planalto. Não é pouca coisa.

RENOVA
O movimento Renova, que elegeu 16 parlamentares em diversos partidos, pretende se organizar de forma inédita no parlamento. Realizará reuniões periódicas e seminários para discutir projetos com empresários e organizações da sociedade civil.

SUPERPODERES
O economista Paulo Guedes, futuro “Posto Ipiranga” da economia, coordena 20 grupos temáticos.

Tomara que dê certo. Em 2004 o comissário José Dirceu coordenava 37 grupos de trabalho na Casa Civil. Um cuidava do hip hop.

DANÇA MINISTERIAL
Nos próximos dias, Bolsonaro concluirá sua dança ministerial. Anunciou fusões, desistiu, juntou abacaxi com banana e terminará cumprindo a sua promessa de redução do número de pastas.

Feito o serviço do primeiro escalão, começará o remanejamento de setores administrativos.

Nessa altura, vale lembrar uma história ocorrida com um oficial do Exército. Como capitão, serviu num quartel que tinha a forma de um quadrilátero. Voltou a ele como general e, surpreendido, comentou com um velho sargento:

— Fico feliz em ver que a barbearia continua no mesmo lugar.

O sargento esclareceu:

— General, a barbearia mudou tanto de lugar que deu a volta.

TUNGA NO LIVRO
As guildas dos livreiros e editores responderam ao que foi publicado aqui na semana passada contra a proposta que encaminharam a Michel Temer, para tabelar a mercadoria que vendem, limitando os descontos a 10% no primeiro ano de circulação de um volume.

Deram seus argumentos, reforçando-os com uma particularidade: “Para utilizar um exemplo conhecido do autor, seu título ‘A ditadura envergonhada’, lançado em 2002, com preço sugerido de R$ 40, custa hoje quase 50% a menos do que seu valor nominal de 15 anos atrás — corrigido pelo IGP-M, seria de R$ 115,80. No entanto, sua edição atual é vendida por R$59,90”.

Não entenderam nada. O signatário alegra-se quando seus livros são vendidos mais barato. Se alguém quiser vendê-los por menos de R$ 59,90, ótimo. Como ensinou o Conde Francisco Matarazzo, “mercadoria não tem preço de mercado, terá preço se tiver quem a compre”. Quando ele morreu, em 1937, era o homem mais rico do Brasil, com 20 bilhões de dólares em dinheiro de hoje.


Elio Gaspari: Temer deveria zerar mimo do STF

Depois que o Senado aprovou o aumento de salários dos ministros do Supremo Tribunal Federal, o presidente eleito Jair Bolsonaro disse o seguinte:

“Complica para a gente, quando fala em fazer reforma da Previdência, tirar dos mais pobres e aceitar um reajuste como esse. Está nas mãos do Temer. Não sou o Temer, se fosse, você sabe qual seria minha posição. (...) Não tem outro caminho no meu entender, até pela questão de dar exemplo.”

Faltam 48 dias para Temer passar a faixa a Bolsonaro. Será no mínimo um péssimo exemplo jogar uma bomba que poderá chegar a R$ 4 bilhões anuais no Orçamento de um governo que nem começou. Mas isso não é tudo.

O Senado aprovou o mimo ao apagar das luzes da legislatura por 41 votos a favor, 16 contra, 20 ausências e uma abstenção. A sessão foi presidida pelo senador Eunício Oliveira, que disputou a reeleição e foi mandado para casa. Metade da bancada que votou a favor do aumento perdeu a cadeira, como Romero Jucá, ou desistiu do Senado, como Aécio Neves. Por ordem alfabética, o primeiro senador solidário com o reajuste dos ministros foi Acir Gurgacz, que cumpre pena de quatro anos e seis meses na penitenciária da Papuda.

A votação foi uma clássica xepa de feira. O aumento tramitava no Senado desde 2016, mas Eunício Oliveira levou-o ao plenário em regime de urgência. O relator do projeto na Comissão de Assuntos Econômicos, senador Ricardo Ferraço, deu parecer contrário e votou contra o reajuste.

Na sua conta, elevando-se o salário dos ministros de R$ 33.763 para R$ 39.293 provoca-se um efeito cascata que, com o tempo, vai se espalhar por toda a administração. Na mesma sessão, os senadores votaram também o aumento do salário da procuradora-geral da República. Por mais razão que tenham os ministros com seus salários, nenhum deles passará necessidades com um salário de R$ 33.763 e outros pequenos confortos. Na maioria, são pessoas patrimonialmente seguras por fortuna familiar, acumulação, sucesso profissional e mesmo por empreendedorismo.

O senador Eunício e muita gente boa garantem que o aumento irá só para os 11 ministros ou, quem sabe, só para os juízes dos tribunais superiores. Quem já viu uma comissão de frente entrar na Marquês de Sapucaí sem que houvesse atrás uma escola de samba pode acreditar nisso.

Juízes e desembargadores admitem a possibilidade de trocar alguns de seus penduricalhos depois que houver a propagação do aumento, mas não há quem garanta o sucesso dessa manobra. Muitos juízes, como Sergio Moro, recebem o auxílio-moradia e veem nele um complemento salarial. Seu derivativo carioca, o doutor Marcelo Bretas, acumula o mimo com o da mulher, que a ele tem direito pelos seus próprios méritos. (O fato de morarem no mesmo apartamento seria irrelevante.)

O troca-troca de mimos por penduricalhos nunca foi explicado direito. Se há aí um toma lá dá cá, alguém precisa mostrar a planilha com a conta, porque até agora a Viúva só dá, nunca toma.

Os salários da Justiça estão defasados, mas não se desembaralha o novelo com mimos para ministros acompanhados de inexequíveis promessas de contenções. Tudo ficaria melhor se, em vez de uma xepa de feira, Temer vetasse o aumento aprovado para os ministros, e Jair Bolsonaro chamasse sua turma para fazer a conta direito, mostrando-a aos contribuintes.

Um veto de Temer lustrará seu fim de governo e permitirá que a questão seja zerada, para ser discutida numericamente por um governo livre de ganchos processuais.


Elio Gaspari: Os livreiros querem tungar os leitores

Está na Casa Civil da Presidência um pleito das guildas de comerciantes e editoras proibindo a concessão de descontos superiores a 10% durante o primeiro ano de venda de um livro. Se bobear, Temer sacramenta essa tunga no bolso dos leitores. A origem do pleito é uma majestosa demonstração do atraso de empresários e do oportunismo de suas corporações. Ela deriva do que seria uma crise do mercado de livros, exemplificada nas dificuldades financeiras que afogam as duas maiores redes do país, a Cultura e a Saraiva. Uma está em recuperação judicial, devendo em torno de R$ 150 milhões a bancos e fornecedores. A outra já fechou vinte lojas e sua dívida estaria em R$ 400 milhões.

Não há crise no mercado de livros. Como no de parafusos, o setor passou pelas dificuldades de todos os empresários. Neste ano o mundo dos livros cresceu 5,7% e seu faturamento aumentou em 9,3%. Também não existe crise de livrarias, pois há redes que vão muito bem, obrigado. A Cultura e a Saraiva enroscaram-se nas próprias gestões. Quem lhes manteve o crédito devia saber o que fazia. Se Temer quiser ajuda-las, pode liderar uma vaquinha. Quando as grandes redes de livrarias estavam comendo as pequenas, louvava-se a destruição criadora do capitalismo. Havia até editoras que imprimiam seus livros na China. Agora, cavalgam um falso problema e foram ao escurinho de Brasília para recorrer à capacidade destruidora do corporativismo. Grandes livreiros quebram e a conta vai para a freguesia, instituindo-se um tabelamento de preços.

O mercado de livros, como o de jornais, passa pelo choque da era digital. Primeiro surgiu a Amazon, revolucionando o setor com seu sistema de vendas. Depois veio o ebook, que compete com os volumes impressos. Assim é a vida, o automóvel quebrou as fábricas de carruagens, o CD matou o disco de vinil e a internet matou o CD. Como em Pindorama canta o sabiá, no século XIX, quando os Estados Unidos e a Europa expandiam suas ferrovias, os plutocratas lutavam para preservar a escravidão.

Em 1994, todos os donos de redes de livrarias e de grandes editoras brasileiras tinham mais patrimônio que Jeff Bezos, um papeleiro de 30 anos que pensava em criar um varejão eletrônico. Ele começou a Amazon com menos de 200 mil dólares, vendendo só livros. Metade do capital foi-lhe emprestado pelos pais e Bezos avisou que as chances de perderem tudo era de 70%. Hoje a Amazon está encostando no trilhão de dólares em valor de mercado. Esse gigante surgiu dando descontos. As guildas dos livreiros nacionais querem socializar um falso problema suprimindo-os.

Um grande Rio Branco
Está nas livrarias “Juca Paranhos , o Barão do Rio Branco”, de Luís Cláudio Villafañe Santos. É uma excepcional biografia do patrono da diplomacia brasileira, uma grande figura (1m82cm), a quem o país deve uma área equivalente à dos estados de Pernambuco, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul somados. Escrita por um diplomata de carreira, mostrou o personagem em sua intrigante grandeza. Retrata um conservador (melhor dizendo, um reacionário). Rio Branco foi monarquista enquanto pôde, achou a Abolição uma coisa precipitada e não gostava de novidades, entre elas os elevadores. Juca Paranhos era menor que seu pai, o Visconde de Rio Branco (1m92cm), teve uma juventude boêmia, engravidou, e bem mais tarde, casou-se com uma dançarina de cabaré. Costuma-se lembrar que ele começou a carreira como cônsul em Liverpool, ficando a impressão de que puseram-no no canil. Engano, era o cargo melhor remunerado do Império e Paranhos passava boa parte do tempo em Paris.

Pesquisa notável, dela surge um Barão mestre da esgrima burocrática, da manipulação da imprensa e do culto à própria glória. Tudo isso a serviço do país, numa época em que as grandes potências retalhavam a África. Morreu no gabinete de trabalho sem fazer fortuna. Villafañe Santos desmonta, como “clara mistificação”, a ideia de que Rio Branco aproximou o Brasil dos Estados Unidos. A boa relação com Washington já existia. Esse grande personagem deixou uma pergunta: Por que o Barão, tendo engravidado a dançarina com quem manteve uma relação de pouco ou nenhum afeto, teve com ela outros quatro filhos?

SAÍDA EXEMPLAR
Pode-se discutir a maneira como Michel Temer entrou no Palácio do Planalto, mas ele está saindo de forma exemplar. Temer convidou Jair Bolsonaro para acompanha-lo na reunião do G-20 que se realizará em Buenos Aires no fim deste mês. Se ele quiser, poderá ir com sua própria comitiva. Em 2016, quando Temer entrou no Planalto, havia apenas uma funcionária para recebê-lo e os computadores estavam apagados.

DELFIM AVISA
O professor Delfim Netto está convencido de que em 2019 a economia poderá crescer, revertendo o mal estar que já dura três anos. Em 1968, quando a oposição ia para a rua pedindo “Democracia e Desenvolvimento”, Delfim era ministro da Fazenda e sabia que o “Milagre Brasileiro” estava logo adiante. Veio o crescimento e ninguém se incomodou com a ditadura.

SISTEMA S
Paulo Guedes quer mexer na caixa preta do Sistema S. Trata-se de um cofre que em 2017 arrecadou compulsoriamente R$ 16,4 bilhões nas folhas de pagamento das empresas. O Sistema S é dinheiro na veia para o sindicalismo patronal, onde uma casta de dirigentes eterniza-se nos cargos. Às vezes ajudam os poderosos da ocasião. Uma nora de Lula foi funcionária do Sesi.

O último ministro da Fazenda que pensou em mexer com os barões do Sistema S foi Joaquim Levy. Apanhou de todos os lados. Guedes poderia conversar com ele, para saber de onde virão os tiros, que já começaram.

CABRAL VIVE
Sérgio Cabral rala na cadeia condenações que somam 183 anos, seu filho perdeu nas urnas o mandato de deputado federal e sua rede continua a povoar cadeias. Isso não quer dizer que esteja fora de combate. Seu cunhado Cézar Vasquez, atual superintendente do Sebrae do Rio, batalha pela recondução. Está na cadeira desde 2010.

Junto iria a presidente do Sindicato dos Joalheiros do estado, Carla Pinheiro. Os ourives do Rio foram mimados por Cabral com incentivos fiscais e dois deles mimaram-no com joias livres de nota fiscais.

O VELHO NOVO
Jair Bolsonaro nomeou a deputada Tereza Cristina (DEM-MS) para o Ministério da Agricultura. Parlamentar respeitada e líder da bancada ruralista, Tereza Cristina Corrêa da Costa Dias vem de uma velha cepa da oligarquia de Mato Grosso. É neta e bisneta de governadores.

Lá atrás, os oligarcas brigavam feio pelas terras devolutas onde se plantava erva-mate. Hoje defendem o agrotóxico. Desde a Regência os Corrêa da Costa governaram o estado onze vezes. Se nos séculos passados as matriarcas mandavam na sombra e bordavam em público, a nova ministra é engenheira agrônoma e empresária.

PREVIDÊNCIA
Michel Temer ainda não se convenceu de que deve tomar iniciativas fatiando alguns itens da reforma da Previdência.


Elio Gaspari: Bolsonaro precisa desacelerar

O que o governo do general egípcio Al-Sisi fez com o chanceler brasileiro Aloysio Nunes Ferreira foi uma molecagem. Cancelou a visita oficial de quatro dias que ele faria ao país a partir de amanhã. O convite partiu dos egípcios, e 20 empresários brasileiros já estavam no Cairo. Nunes Ferreira foi atingido por uma bala perdida do tiroteio trumpesco em que se meteu o candidato Jair Bolsonaro. Foi molecagem dos egípcios, porque ele não é ministro do governo do presidente eleito, mas de Michel Temer, um descendente de sírios.

Bolsonaro poderia ser Donald Trump, mas parece-se com o filipino Rodrigo Duterte, outro governante pitoresco e agressivo. Ambos têm um lado folclórico, mas Trumps abeque não pode mexer comas instituições. A decisão do candidato de levara embaixada do Brasil para Jerusalém é uma simples imitação do que fez o presidente americano. Não atende à essência das relações com Israel e prejudica os interesses nacionais com uma parte do mundo árabe.

Não foi o primeiro caso. A retórica anti-chinesa do candidato ricocheteou. O discurso anti ambientalista que contaminou sua campanha a partir de queixas do setor agropaleolítico vem sendo discretamente moderado. Isso não acontece porque Bolsonaro decidiu agradar à turma das ONGs, mas porque ouviu os grandes exportadores, que não querem tisnar suas marcas nos mercados consumidores. Diplomacia e comércio exterior funcionam direito quando trabalham em silêncio. O governo de Michel Temer começou dando caneladas mas aquietou-se. Em silêncio, poderá conseguir o fim do embargo russo às importações de carne.

Bolsonaro prometeu extraditar o asilado Cesare Battisti. Depois de receber o embaixador italiano, o presidente eleito reconheceu o óbvio: é preciso esperar apalavra do Supremo Tribunal Federal. Até lá, pode-se apenas lembrar que nos anos 60 viveu no Brasil como exilado o ex-primeiro ministro francês Georges Bidault, um dos chefes civis da organização terrorista OAS. Foi recebido no governo João Goulart e morou em Campinas durante o governo do marechal Castelo Branco.

Mesmo lidando com seus futuros ministros, Bolsonaro comete lapsos de sinceridade. Deu carta branca a Sergio Moro. Tudo bem, sabe-se que as cartas brancas são aquelas em que há mais texto, mas quando ele diz que “naquilo que nós somos antagônicos, vamos buscar o meio-termo, sou favorável à posse de arma; se a ideia dele for o contrário, tem que chegar a um meio-termo”. Só o tempo dirá onde se situa o meio termo de Moro. Uma coisa é certa, se um advogado sugere um meio-termo a um juiz, arrisca receber ordem de prisão.

Referindo-se ao plano de reforma da Previdência do superministro Paulo Guedes, o presidente eleito disse que “não está batido o martelo”. Perfeito, mas prosseguiu: “Tenho desconfiança, sou obrigado a desconfiar para buscar uma maneira de apresentar o projeto.” Ao explicar, Bolsonaro mostrou que desconfia confiando. Inverteu o lema do marechal Floriano Peixoto de “confiar desconfiando”. Ele dera carta branca ao Barão do Rio Branco, mas mandara vigiá-lo em Nova York, para saber se estava metido em conspirações monarquistas. (Não estava e nunca soube da vigilância.)