Ana Cristina Rosa: No Brasil da injustiça social, terra também tem cor

Foto: Divulgação
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O nexo entre a estrutura fundiária e a perpetuação da injustiça social não é novidade no país

Ana Cristina Rosa / Folha de S. Paulo

Dados demográficos sobre o Brasil colonial apontam que pelos idos de 1798 a população era estimada em 3,25 milhões de pessoas. Quase metade (48,7%) era de escravizados e outros 12,5%, de negros e mulatos libertos. Os indígenas “pacificados” somavam 7,7%. Brancos, só 31,1%.

Os percentuais fazem lembrar do Atlas do Espaço Rural Brasileiro, publicação do IBGE do final de 2020, que identificou pela primeira vez a cor ou raça dos produtores dirigentes dos estabelecimentos rurais do país e cruzou esses dados com outras variáveis. O resultado é a exposição em números de uma realidade conhecida há séculos: no Brasil, a terra também tem cor.

A metodologia evidenciou que produtores rurais pretos, pardos e indígenas estão concentrados em pequenos estabelecimentos. À medida que aumenta a área de terras, cresce também o número de proprietários brancos, deixando clara a relação entre etnia e concentração fundiária.

A história mostra que o nexo entre a estrutura fundiária e a perpetuação da injustiça social não é novidade no país. Líder do movimento abolicionista no século 19, Joaquim Nabuco já defendia “uma democracia de pequenos proprietários rurais”.

Em discurso proferido em 1884, Nabuco chegou a afirmar que acabar com a escravidão não seria o bastante; era preciso destruir “a obra da escravidão”. E atrelou a emancipação dos escravizados à democratização do solo. Como se sabe, aconteceu exatamente o contrário.

O engenheiro negro André Rebouças, outro abolicionista, pregava a adoção de uma lei agrária que distribuísse a terra. A concentração fundiária exposta no Atlas é um dos frutos de uma sociedade que optou pelo extermínio de povos nativos, substituição da mão de obra escravizada pela de colonos europeus e marginalização dos negros.

A publicação do IBGE fornece uma “visão integrada” do espaço rural brasileiro e desenha por meio de mapas, gráficos e tabelas que também no campo as ações do passado moldaram as desigualdades do presente.

*Ana Cristina Rosa é jornalista especializada em comunicação pública e coordenadora da Associação Brasileira de Comunicação Pública (ABCPÚBLICA) – Seção Distrito Federal.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ana-cristina-rosa/2021/08/terra-tambem-tem-cor.shtml

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