Day: abril 5, 2022

Esperança e mudança foram alguns dos anseios da frente democrática que lutou pela redemocratização do Brasil | Foto: Reprodução

Revista online | A frente democrática, aqui e agora

Luiz Sérgio Henriques*, exclusivo para revista Política Democrática Online

“Brasileiro, profissão esperança” – era assim que costumávamos nos autodefinir, na trilha do belo musical de Paulo Pontes sobre Dolores Duran e Antônio Maria, ainda nos anos 1970. A ditadura, afinal, era como que “externa” a nós, imposta de fora. Não a queríamos, só éramos forçados a suportá-la. O que talvez explique certo pessimismo hoje disseminado é a descoberta – terrível – de que a esperança não é necessariamente nossa profissão e muito menos a segunda natureza. De dentro de nós mesmos, de pessoas como nós – amigos, parentes, vizinhos – podem brotar dezenas de milhões de votos capazes de jogar o país, como jogaram em 2018, nos braços da extrema-direita. Uma escolha, historicamente desesperada, de quem quer voltar atrás no tempo, negar conquistas, fugir a incertezas e desafios.

A experiência da luta contra o regime ditatorial nos educou, é verdade, mas é preciso entender bem o que houve. Aprendemos, por exemplo, que o “centro político” é um conceito essencial, pois nele se cruzam, se chocam e, também, se conciliam as tendências fundamentais de toda uma conjuntura. O centro não é um termo médio amorfo, um espaço povoado por mornos ou desmotivados para a luta, mas, sim, o elo que é preciso pegar firmemente com as mãos para fazer mover, num sentido ou no outro, o conjunto das forças políticas e a própria sociedade. De nada adianta autoexilar-se num gueto, batendo a mão no peito e apregoando a condição de “verdadeira” esquerda – condição talvez sincera, certamente impotente.

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Considerar aquele centro como terreno estratégico define a questão da hegemonia e das forças que se credenciam para dirigir as demais numa dada circunstância. Na ditadura, o sentido da luta contra o voto nulo e pela valorização das eleições foi precisamente este: animar um centro organicamente comprometido com a redemocratização do país, no qual pudessem convergir forças e personalidades variadas, inclusive as que paulatinamente se destacavam do regime – Teotonio Vilela, Aureliano Chaves ou José Sarney. E havia uma esquerda, uma parte dela ao menos, que dava legitimidade a este movimento progressista, que desaguaria na Constituição de 1988.

Na situação de agora, um motivo de desesperança – ou, se quisermos, uma interrogação para a qual ainda não temos resposta – decorre da incerteza sobre o principal partido da esquerda, sua linha básica e a orientação dos seus simpatizantes, que não foram “treinados” na política de frente. Será que basta acenar simbolicamente para o centro, escolhendo, tal como em 2002, um vice-presidente “conservador” para compor a chapa? A intenção será só a de “acalmar os mercados”, sugerindo relações de “paz e amor”? Ou, ao contrário, haverá algo de novo na ação institucional e na definição de políticas que não copiem o velho desenvolvimentismo?   

A inquietação, na verdade, não deve ser estranha ao próprio núcleo da campanha petista. O senador Randolfe Rodrigues demonstra instinto apurado quando constata a reconstituição de um poderoso bloco em torno de Bolsonaro, militares e Centrão (“Bolsonaro vencerá se Lula não for mais plural”, Metrópoles, 03.04.2022). Um conjunto que não está suspenso no ar, uma vez que esta extrema-direita no poder tem sustentação na sociedade: os 25 ou 30% que apoiam irrestritamente Bolsonaro são uma espécie de aríete antidemocrático pronto para ser acionado contra instituições-chave, como o Supremo Tribunal Federal (STF), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ou qualquer outra. E um eventual segundo mandato do atual presidente, como toda a literatura tem repetido a propósito da farta safra de populistas autoritários, seria um risco ainda maior do que tentativas canhestras de golpe, como em setembro de 2021.

Estadistas se movem audaciosamente na hora do perigo. Tomam a iniciativa de procurar desafetos, curar ressentimentos, reestabelecer pontes com adversários de ontem, sem nenhuma exceção. O senador Randolfe menciona os palanques das diretas-já, cruciais para a eleição da chapa Tancredo-Sarney e a consequente derrota do regime de 1964. A menção é pertinente porque se trata, também, de acolher forças e personalidades da direita democrática, bem como seus eleitores, em torno da candidatura oposicionista mais forte. Além do mais, aquela ação típica de estadista, se efetivada, teria um efeito pedagógico não desprezível sobre os adeptos de sempre, mostrando a estes, num momento decisivo, que a vida em democracia sempre requer embates e acordos, dissensos e consensos, com exclusão só de quem ameaça a própria convivência civil.

Ao longo dos anos, a falta desta pedagogia terá sido, em boa medida, a responsável pelo déficit de recursos que ora sentimos para vencer o adversário nas urnas e diminuir na sociedade o expressivo número de brasileiros com inclinações autoritárias. Não se pode esquecer que, com a frente democrática de antes, o país afinal pôde respirar por algumas décadas ares de “esperança e mudança”. Estas, contudo, são páginas já escritas por gente como Ulysses e Tancredo. Há outras mais, igualmente decisivas, a serem escritas aqui e agora. O feito será repetido?


Saiba mais sobre o autor

* Luiz Sérgio Henriques é tradutor e ensaísta

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática online de abril de 2022 (42ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.

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Luiz Carlos Azedo: trapalhada de Bolsonaro deixa Petrobras à deriva

Uma das características do governo Bolsonaro é a geração de crises endógenas, ou seja, criadas pelo próprio presidente da República ou seus auxiliares, sem nenhuma interferência da oposição. Por capricho ou esperteza do chefe do Executivo, a confusão armada na troca de comando da Petrobras é mais uma delas. No fundo, ocorre porque Bolsonaro se considera um presidente que pode tudo no governo, quando não é assim que funciona o Estado democrático de direito. O presidente da República tem seu poder limitado pela Constituição e pelas leis.

A gestão da Petrobras foi blindada pela nova legislação das estatais aprovada no governo do presidente Michel Temer. A chamada Lei de Responsabilidade das Estatais (Lei nº 13.303/16) foi uma resposta do Congresso aos escândalos investigados pela Operação Lava-Jato na maior empresa estatal brasileira, para dar uma satisfação à opinião pública. A nova legislação regulamentou o dispositivo da Constituição (art. 171, §1º) que exige um estatuto jurídico próprio para as empresas estatais.

A lei estabelece regras de governança corporativa para impedir as ingerências políticas nas empresas estatais, entre as quais a indicação e a ocupação dos cargos de administração (art. 17, §2º) por políticos ou pessoas sem idoneidade e a necessária qualificação técnica. A lei tornou obrigatória a existência de um comitê interno cuja função é verificar se as indicações aos cargos de administradores cumprem as regras de governança corporativa.

A legislação também deu maior transparência e eficiência à gestão administrativa das empresas estatais, com a criação de diversos órgãos de controle (compliance, auditoria interna, comitê estatutário etc.), além de seguir expressas práticas de governança e de divulgação de informações. No caso da Petrobras, essas regras são ainda mais relevantes, porque a empresa é uma sociedade anônima, cujas ações são negociadas no mercado de capitais.

A política de preços da Petrobras não pode sofrer interferência do governo. Toda vez que existe essa ameaça, a empresa sofre as consequências no mercado financeiro. Bolsonaro vem tentando interferir na política de preços da empresa desde o começo de seu governo. A saída de Roberto Castello Branco do comando da estatal foi consequência dessas tentativas. Sua substituição pelo general Joaquim Silva e Luna, atual presidente da Petrobras, tinha por objetivo controlar os preços dos combustíveis; o militar, porém, seguiu as regras da legislação vigente e a política de preços estabelecida em razão do mercado de combustíveis, que é dolarizado.

Deu errado

Diante da necessidade de melhorar seus índices de aprovação popular, mirando a própria reeleição, Bolsonaro resolveu trocar o comando da empresa, indicando para presidente do Conselho de Administração o atual presidente do Flamengo, Rodolfo Landim, e para a presidência da diretoria da empresa, Adriano Pires, conhecido consultor da área de energia. Landim, que já foi funcionário de carreira da empresa, obviamente, seria um aporte político importante para o governo, principalmente no Rio de Janeiro. Pires havia encantado o presidente da República com a proposta de criar um fundo especial para subsidiar o diesel e o gás de cozinha e, com isso, mitigar a alta dos combustíveis provocada pela guerra da Ucrânia.

Deu errado. Não porque o mercado tenha reagido negativamente, mas porque os dois nomes não atendiam às exigências de compliance. Ao se despedir do cargo, no qual permanece apenas para abandonar o posto em meio à batalha, o general Silva e Luna havia advertido que a direção da empresa não comporta a presença de aventureiros; sabia bem o que estava falando. Tanto Landim como Pires desistiram da indicação devido a conflitos de interesses. Ambos têm negócios com fornecedores e prestadores de serviços da estatal.

Ontem, Bolsonaro foi ao Rio de Janeiro para tentar convencer Pires a aceitar o cargo. Como sempre acontece, atribuiu aos “inimigos internos” as dificuldades enfrentadas pelo executivo, que está há mais de 20 anos à frente do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), consultoria especializada em inteligência, regulação e assuntos estratégicos para o setor de energia. Não é um neófito, se desistiu do cargo é porque sabe das dificuldades que enfrentaria.

A demissão de Silva e Luna por si só não muda a política de preços da estatal, que fez um forte reajuste em março, com aumento de 25% do diesel, 19% da gasolina e 16% do gás de botijão, a causa de sua saída. A demissão de Roberto Castello Branco, em fevereiro de 2021, também ocorreu após um reajuste de combustíveis, da ordem de 14,7% no diesel e 10% na gasolina pela estatal naquele mês. Esses aumentos decorreram do aumento do preço do petróleo, induzido pelos principais países produtores — Opep, Rússia e Venezuela, principalmente —, e da alta do dólar, que agora está caindo. São variáveis que não podem ser neutralizadas artificialmente.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-trapalhada-de-bolsonaro-deixa-petrobras-a-deriva/

FAP prepara documento com sugestões de políticas públicas para o Brasil

Cleomar Almeida, coordenador de Publicações da FAP

A Fundação Astrojildo Pereira (FAP) planeja realizar, até o mês de julho, um encontro para sistematizar um documento com sugestões de premissas e diretrizes que devem ser priorizadas pelos governantes para nortear políticas públicas no Brasil nas próximas décadas. A atividade integra o planejamento da entidade, que vai celebrar o bicentenário da Independência no mês de setembro.

Abaixo, veja vídeo da reunião:

https://youtu.be/sPsghllqX-s

O diretor-geral da FAP, o sociólogo Caetano Araújo, e o diretor financeiro da entidade, Raimundo Benoni, destacaram a proposta do documento, na última quinta-feira (30/3), durante reunião do Conselho Curador, como parte do planejamento da fundação. Na ocasião, o colegiado também aprovou, por unanimidade, a prestação de contas referente ao ano de 2021.

Caetano sugeriu, ainda, que o documento propositivo seja entregue ao Cidadania, partido político ao qual a fundação é vinculada. “Todas as intervenções sobre esse assunto foram convergentes, e agora vamos operacionalizar e informar, periodicamente, o conselho como a proposta está se encaminhando. É um ponto do nosso planejamento”, afirmou ele.

Trabalho continuado

De acordo com o diretor-geral, a FAP continuará, ao longo dos próximos meses, o trabalho centrado na comemoração das três grandes celebrações deste ano: o centenário do Partido Comunista Brasileiro (PCB), o centenário da Semana de Arte Moderna e o bicentenário da Independência, que ocorrerá em setembro deste ano.

“Será um momento para discutirmos não só o que aconteceu em dois séculos, mas que tipo de país nós queremos ser, quais são as tarefas do momento para a nação brasileira. Isso tem tudo a ver com momento político eleitoral que vamos viver. Queremos prosseguir na comemoração do bicentenário dessa forma, voltada para o futuro”, destacou Araújo, que também é consultor do Senado.

O diretor financeiro, por sua vez, disse que a ideia é começar a desenvolver essas atividades ainda neste mês de abril. “Vamos fazer processo de escuta ativa, ligar para os conselheiros, para trocar ideias e sugestões”, disse ele, que também participou da reunião do Conselho Curador da FAP.

Conselheiro da fundação, o Luiz Carlos Azedo disse que o país passa por um período de definição de rumos com um significado histórico. “O embate que vai ter agora com Bolsonaro nas eleições, qualquer que seja o resultado, vai definir rumo para o país que pode balizar e condicionar seu futuro por décadas”, ressaltou.

De acordo com Azedo, é essencial que instituições como a fundação continuem se mobilizando pelo país. “Precisamos debater o que nós queremos, as premissas e as diretrizes que achamos que o país deve seguir pelas próximas décadas. Para isso, elaborar um documento propositivo é algo importante”, afirmou.

"Interessante"

Durante a reunião do Conselho Curador da FAP, o diretor-geral da entidade também lembrou a importância do centenário da Semana de Arte Moderna e do PCB, que foi celebrado durante seminário internacional online, realizado de 8 a 10 de março, e em evento presencial, em Niterói (RJ), no dia 25 do mesmo mês.

“Quem esteve presente em Niterói viu que o evento foi muito interessante, emocionante e rico, porque discutimos um pouco o passado, a validade das nossas premissas anteriores e o que perdeu validade, a permanência e atualidade dos valores que inspiram a trajetória do PCB e reconhecemos a necessidade de fazer mudança para que esses valores, projetos e lutas sejam feitos de forma efetiva”, disse Caetano.

Segundo o sociólogo, o seminário internacional e a comemoração em Niterói foram duas atividades da FAP que “atingiram seu objetivo de comemorar, rememorar e projetar as perspectivas do PCB e do PPS para o nosso futuro e para este século que a gente vive hoje”, com a nova identidade política da sigla protagonizada pelo Cidadania.

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