Day: julho 21, 2020

Bernard Appy: IBS ou CBS?

É difícil de entender por que o governo seria contra uma reforma ampla, que inclua o ICMS e o ISS

Segundo a imprensa, o governo deve enviar ao Congresso Nacional, ainda hoje (21 de julho), uma proposta prevendo a substituição de duas contribuições federais (PIS e Cofins) por uma Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Uma análise mais precisa da proposta do governo só poderá ser feita quando o projeto for conhecido, mas ainda assim é possível fazer alguns comentários sobre o que já foi divulgado.

Em particular, vale contrapor o projeto do governo às propostas de reforma tributária em análise no Congresso Nacional (PEC 45, da Câmara dos Deputados, e PEC 110, do Senado), que são mais amplas e propõem substituir cinco tributos federais, estaduais e municipais (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) por um único Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

Pelo que foi divulgado até agora, a CBS, que substituiria o PIS e a Cofins, teria as características de um bom imposto sobre o valor adicionado (IVA), com incidência não cumulativa – a uma alíquota uniforme – sobre uma base abrangente de bens e serviços, crédito amplo e garantia de ressarcimento de créditos acumulados. Se essa for de fato a proposta do governo, são características muito semelhantes às do IBS previsto na PEC 45.

A principal diferença parece estar no escopo da CBS e do IBS, que é mais amplo, pois substitui também o IPI, o ICMS e o ISS. Qual seria, nesse contexto, a melhor proposta? Tendo por base uma análise de custo-benefício, certamente o IBS é muito superior à CBS.

Do ponto de vista dos benefícios, a vantagem do IBS é gritante. Segundo estudo do economista Bráulio Borges, a aprovação da PEC 45 elevaria o PIB potencial do Brasil em cerca de 20 pontos porcentuais em 15 anos. Uma reforma apenas do PIS/Cofins teria um efeito muito mais restrito, no máximo de 10% ou 20% daquele esperado de uma reforma ampla que alcance o ICMS – que é o pior imposto do Brasil.

O argumento do governo é de que os custos políticos de uma reforma apenas do PIS/Cofins seriam muito menores, o que facilitaria sua aprovação. Será que isso é verdade? Por um lado, a oposição do setor de serviços (em larga medida infundada) se coloca tanto ao IBS quanto à CBS. De fato, o impacto para o setor de serviços pode até ser maior no caso da CBS, por causa de uma transição mais curta e porque esse é o setor que mais se beneficia do aumento do potencial de crescimento que advém da reforma ampla.

Por outro lado, alguns setores que defendem o IBS podem ser prejudicados pela CBS. Este é o caso, por exemplo, do setor de higiene pessoal, que hoje é beneficiado por um tratamento favorecido no PIS/Cofins, mas é prejudicado por alta tributação no ICMS.

Por fim, o argumento de que o IBS tende a gerar resistências federativas deve ser relativizado. Pela primeira vez, desde a Constituinte, todos os secretários estaduais de Fazenda, por intermédio de seu órgão representativo (Comsefaz), estão apoiando uma reforma ampla, que contempla a substituição do ICMS pelo IBS. Adicionalmente, há hoje um ambiente bastante favorável no Congresso Nacional para a discussão de uma reforma tributária abrangente.

É difícil de entender por que o governo seria contra uma reforma ampla, que inclua o ICMS e o ISS, até porque o impacto positivo da aprovação de tal reforma sobre o ambiente de negócios certamente contribuiria muito para a recuperação do País na saída da crise atual. Há, é verdade, a discussão sobre o financiamento de um Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR), que pode ter algum custo para a União, mas, desde que o valor do FDR seja razoável, esse custo tende a ser muito menor que os benefícios gerados pelo maior crescimento.

Na hipótese de as negociações sobre a reforma ampla chegarem a um impasse, até é compreensível que se opte por uma mudança mais restrita. Mas esse não parece ser o motivo definidor da posição do governo. A PEC 45 está sendo debatida desde abril do ano passado e até agora o governo não mostrou interesse em participar da discussão. No debate político nem sempre o que prevalece é a racionalidade.

*Diretor do Centro de Cidadania Fiscal


Míriam Leitão: A educação no meio do conflito

Depois de um dia de intensa negociação, o governo teve que ceder da proposta do Ministério da Economia. O novo Fundeb de ser votado hoje

O dia de ontem foi de fortes emoções para quem acompanha o debate da educação brasileira. Na reunião de líderes, pela manhã, o deputado Arthur Lira (PP-AL) levou recado do governo, queria adiar a votação da PEC do novo Fundeb. O deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) recusou e manteve o início da discussão com votação marcada para hoje. De tarde, no meio do debate em plenário, veio o pedido do Planalto para uma conversa. Suspensa a discussão. O ministro Luiz Eduardo Ramos, às 17h, estava na sala de Rodrigo Maia e a relatora, deputada Professora Dorinha (DEM-TO), foi chamada. Pouco depois das 18h, o governo cedeu e finalmente houve acordo. Mas por que toda essa aflição? Porque o executivo chegou na última hora na conversa e com uma proposta inaceitável.

A primeira ideia apresentada pelo Ministério da Economia, no fim da semana passada, era estranha pelo conteúdo, pela forma e pela hora. Era a reta final da negociação que começou em 2015. O Congresso quis discutir com tempo para evitar exatamente o atropelo, porque no final de 2020 o fundo expira. E ele é importante demais para a educação em milhares de municípios.

O Congresso passou o dia de ontem negociando. No acordo, os parlamentares aceitaram fazer pequenos ajustes e, no texto final, dar destaque à importância da educação infantil, o que já seria mesmo feito. De noite, a torcida era para que não houvesse novos sustos.

A proposta que o Congresso construiu — e que o Ministério da Economia tentou atropelar — foi resultado de uma lenta costura entre todas as correntes políticas. A imprensa acompanhou, os especialistas explicaram. Em 2018, a intervenção no Rio paralisou a tramitação de todas as emendas constitucionais. Em 2019, com o governo novo esperava-se algum interesse. Mas o Ministério da Educação se recusou a participar. O Ministério da Economia avisou que era inaceitável a ideia do Congresso que, naquela época, era de aumentar de 10% para 40% a participação da União. A elevação ficou então de 10% para 20%. E escalonada. Mas o governo seguiu ausente das discussões. Ontem negociava-se um pequeno aumento nesse percentual.

Em janeiro deste ano, o então ministro Abraham Weintraub, em entrevista, anunciou que o governo preparava um projeto inteiramente novo. A PEC estava para ser votada. Causou a maior confusão, e ele nunca mandou a tal proposta. Agora, de novo, em cima da hora de votar, o Ministério da Economia apresentou a ideia de tirar 5 pontos percentuais da elevação da participação do governo. Esse dinheiro iria para um programa de ajuda a famílias pobres com crianças em idade pré-escolar, através de um auxílio-creche.

É um erro técnico de gestão de contas públicas tirar dinheiro de um fundo de educação para um programa de transferência de renda. O Ministério da Economia faz isso porque o dinheiro do Fundeb não entra na conta do teto de gastos. A proposta era ruim, desrespeitava o processo legislativo e embutia um absurdo: não haveria Fundeb em 2021.

O fundo nasceu no governo Fernando Henrique como Fundef. A engenharia fiscal era de que todos os entes federados contribuíssem para uma distribuição melhor dos recursos de financiamento da educação. No governo Lula, foi ampliado para incluir o ensino médio e virou Fundeb.

O governo Bolsonaro quis fazer um gol de mão e depois do tempo regulamentar. Tirar parte do dinheiro que ele terá que colocar a mais no Fundeb e levar para um projeto com o qual pretende substituir o Bolsa Família. Projeto que ele ainda nem formulou. Alguns economistas acham que o Brasil precisa gerir melhor os gastos com educação e não aumentar os recursos. A educação precisa de mais recursos e melhor gestão. E também é preciso que haja um Ministério da Educação, o que neste governo nunca houve até agora. Tomara que o ministro Milton Ribeiro se recupere logo da Covid-19 e tenha uma atitude diferente dos seus antecessores.

O ano que vem será difícil. É o pós-pandemia. Mais do que nunca o Fundeb será necessário para compensar a queda de arrecadação, para as obras nas escolas, para recuperar a educação dos mais pobres e dos municípios mais pobres do país. Será fundamental o entendimento entre os entes federados para o investimento na educação das crianças e jovens do Brasil. O novo Fundeb será um passo importante na direção certa.


Pablo Ortellado: Reforma de Guedes racionaliza sistema tributário, mas deixa conta com os mais pobres

Reforma não altera distribuição do ônus fiscal entre ricos e pobres

O governo deve enviar ao Congresso nesta terça-feira (21) a primeira parte de uma ampla proposta de reforma tributária.

Ela busca simplificar e racionalizar a cobrança de impostos, mantendo a carga tributária global no nível atual. Além de não mexer com a carga total, não altera a distribuição do ônus tributário entre ricos e pobres, deixando o peso do Estado ainda apoiado sobre o ombro dos trabalhadores.

A primeira parte do projeto pretende unificar impostos federais como o PIS e a Cofins, uma abordagem muito menos ambiciosa que duas propostas que estão há mais tempo em discussão na Câmara e no Senado e que pretendem unificar até nove tributos (proposta do Senado).

A ideia de unificar tributos, desonerando a produção e simplificando a taxação, é antiga e, enquanto conceito, quase consensual. Mas uma possível elevação da tributação sobre o setor de serviços e disputas sobre a repartição do novo imposto com estados e municípios tornam a negociação difícil e demorada. A proposta minimalista do governo tenta escapar dessas dificuldades.

A segunda parte do projeto consiste em taxar lucros e dividendos, antiga reivindicação da esquerda, mas tendo como contrapartida uma redução do imposto de renda de pessoas jurídicas, de maneira a estimular investimentos.

O ministro Paulo Guedes pretende também acabar com deduções do imposto de renda de pessoas físicas (com gastos com saúde, por exemplo), mas compensar o fim de deduções com uma redução de alíquotas. De maneira geral, torna o sistema mais organizado e eficiente, mas num jogo de soma zero, aumentando de um lado, para tirar do outro.

A última parte da reforma traz a obsessão do governo com um imposto sobre pagamentos eletrônicos, uma proposta que por sua semelhança com a odiada CPMF é rejeitada pelo Congresso e pela sociedade, mas que o ministro Guedes gostaria que fosse introduzida para cobrir a desoneração da folha de pagamentos das empresas ou um Bolsa Família ampliado.

A proposta do governo não tem a menor preocupação com a abissal desigualdade brasileira. Se é verdade que precisamos simplificar o sistema e desonerar a produção e as folhas de pagamento, é muito mais urgente reduzir impostos sobre consumo, que pesam sobre os pobres, e ampliar a tributação sobre a renda e a propriedade, que incide sobre os ricos.

Depois de décadas de espera, inclusive durante os governos de esquerda, não é possível que façamos uma revisão ampla do nosso sistema tributário e deixemos que os mais pobres sigam pagando a conta, em um odioso sistema regressivo.

*Pablo Ortellado, Professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.


Hélio Schwartsman: E se não tomarem a vacina?

Numa conta básica, imunizar 60% da população asseguraria a proteção coletiva contra a Covid-19

Você pode levar o cavalo para a beira do rio, mas não forçá-lo a beber água. O brocardo da sabedoria popular se aplica à pandemia.

Estão em curso mais de cem programas de desenvolvimento de vacinas contra a Covid-19, dos quais 21 já se encontram em alguma das fases de testes com humanos. É provável que, até meados do próximo ano, já tenhamos mais de um produto disponível. Uma vacina eficaz é nossa melhor chance de retorno à normalidade. Não é por outra razão que governos de vários países estão investindo bilhões nessas iniciativas.

É claro que, para a vacina fazer sua mágica, é preciso que as pessoas a tomem, especialmente se quisermos obter a famosa imunidade de rebanho. Na conta mais básica, supondo um R0 de 2,5 e uma vacina 100% eficaz, seria preciso imunizar 60% da população para assegurar a proteção coletiva. É aí que entra o problema dos movimentos antivacinas, que não perderam fôlego na pandemia.

Pesquisa recente da rede ABC e do jornal Washington Post revelou que 27% dos americanos afirmam que ou não tomariam a vacina de jeito nenhum ou provavelmente não a tomariam. Entre os mais ilustrados alemães, são apenas 61% os que a tomariam com certeza. Um levantamento do Eurobarômetro mostrou que, embora 88% dos europeus pensem que vacinas são importantes, 48% atribuem a elas efeitos colaterais graves que já foram descartados pela ciência.

Esses números mostram a urgência de pôr sociólogos, psicólogos e outros para tentar entender melhor as razões por que cada vez mais gente rejeita vacinas ou, igualmente preocupante, apenas deixa de tomá-las e de dá-las a seus filhos. Embora existam entre os chamados anti-vaxxers malucos de carteirinha, também estão em ação problemas práticos e vieses cognitivos que podem ser compreendidos e atenuados.

A humanidade só é viável se conseguirmos manter a proporção dos idiotas militantes abaixo dos 20%.


Desafios do empreendedorismo feminino é tema de live da Biblioteca Salomão Malina

Evento online tem participação da jornalista Jordana Saldanha e mediação da bibliotecária Thalyta Jubé

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

A Biblioteca Salomão Malina realiza, no dia 29 de julho, das 19h às 20h30, a live sobre desafios do empreendedorismo feminino na crise, com participação da jornalista Jordana Saldanha e mediação da bibliotecária Thalyta Jubé. O evento online terá transmissão ao vivo na página da biblioteca no Facebook, com retransmissão, em tempo real, no site e na página da FAP (Fundação Astrojildo Pereira) na rede social.

Assista ao vídeo!

https://www.facebook.com/salomaomalina/videos/769699630442723

A live deve abordar como a equidade de gênero no mercado de trabalho é uma questão ainda não resolvida no contexto brasileiro. “A mulher sofre desvantagens no momento de conseguir emprego ou, quando está empregada, chega a receber menos que um homem que o ocupa o mesmo cargo”, ressalta Thalyta, que é coordenadora da biblioteca.

Essa situação pode piorar ainda mais no contexto pós-pandemia, considerando a grave crise econômica pela qual passa o país e que já a problemática agora se agrava diante da situação econômica do país pós-pandemia.

O Brasil registrou o nível mais baixo de ocupação da série histórica no trimestre encerrado em maio, quando a pandemia de coronavírus deixou 12,7 milhões de desempregados e fez a taxa de desemprego disparar. Os dados são da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

“O intuito do bate-papo com uma mulher empreendedora e multitarefas, como Jordana, é mostrar a internautas possíveis soluções e práticas para amenizar o desafio de muitas mulheres e mães que perderam seus empregos e que hoje têm dificuldade de encontrar uma opção viável para o sustento de suas famílias”, explica Thalyta.

Jordana Saldanha é jornalista, empreendedora, mãe, palestrante, professora e foi campeã mundial de kung fu. Recebeu o Prêmio MPE Sebrae (categoria gestão industrial) em 2015. É Prêmio de Competitividade para Micro e Pequenas Empresas.

Ela também foi campeã nacional do Prêmio Sebrae Mulher de Negócios - Sebrae, em 2016. Atua voluntariamente como coordenadora de comunicação do Grupo Mulheres do Brasil e, atualmente, é chefe da Assessoria de Comunicação Corporativa do Conselho Federal de Química.

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Joel Pinheiro da Fonseca: Fé e religião no governo Bolsonaro

Ministro Milton Ribeiro deve saber separar melhor igreja e Estado; oremos

A religião de um ministro não deveria importar para sua avaliação. A partir do momento, contudo, em que a religião é um dos critérios pelos quais foi escolhido, ela se torna relevante, para o bem ou para o mal.

Ainda em novembro de 2018, a equipe do presidente eleito Jair Bolsonaro sondava Mozart Neves Ramos, na época diretor do Instituto Ayrton Senna, para o Ministério da Educação.

Assim que a informação veio a público, contudo, gerou reação imediata da bancada da Bíblia, que vetou o nome. Bolsonaro acatou. Depois de um ano e meio perdidos, Bolsonaro finalmente nomeia um ministro da Educação evangélico.

O Estado laico é daquelas conquistas sociais que, quanto mais de perto examinamos, mais fica difícil de definir. Afinal de contas, o que difere um valor "religioso" de um valor "laico"? Todos nós partimos de certos pressupostos normativos —os fins que desejamos para nós e para a sociedade— que não têm embasamento racional.

Quando deixamos as sutilezas filosóficas de lado, contudo, e olhamos para o todo, é um avanço inestimável de nossa civilização ter não só separado a autoridade religiosa da autoridade secular (separação que, pode-se dizer, está já na origem do cristianismo) como também ter desobrigado esta de qualquer tipo de subordinação àquela.

Desde então, todas as religiões e igrejas têm a liberdade de existir, sem qualquer favorecimento ou obstáculo do Estado, desde que respeitem a lei.

Isso exigiu de todos, e especialmente de autoridades religiosas, o reconhecimento de que a pluralidade de visões de mundo, bem como a necessidade da convivência pacífica, exigem que se trate visões discordantes com respeito.

A Igreja Católica, hoje em dia —assim como os principais ramos das igrejas protestantes históricas (como a Igreja Presbiteriana, do ministro Milton Ribeiro)—, convive em paz e relativa harmonia com o Estado laico.

Foi uma guerra de séculos para que o aceitassem.

A convivência de diferentes perspectivas só pode funcionar se reconhecemos uma esfera de conhecimento e ação comum, na qual conflitos possam ser resolvidos por um critério anterior a qualquer fé específica: nossa razão (também ela falível e, portanto, sempre aberta ao contraditório). Assim, é possível avaliar um ministro por critérios técnicos que independem da fé.

Até a saída de Weintraub, o discurso do governo era de que não existe excelência técnica: existe apenas a guerra de narrativas, ideologias e fés.

Os grandes problemas da educação brasileira não eram a má gestão, a falta de recursos, o despreparo e desamparo de professores, a indicação política dos cargos de diretores de escolas, e sim a ideologia ensinada por professores comunistas em sala de aula. Ateísmo, socialismo, sexo.

Em vídeo em que prega a sua congregação, o pastor Milton Ribeiro aterroriza os fieis com o espectro da revolução sexual; as universidades estariam, sob a inspiração do existencialismo, ensinando aos jovens ("os nossos filhos") o sexo sem limites. (Como egresso da Faculdade de Filosofia, lamento ter passado batido por essa matéria.) A fala não o abona.

Ao mesmo tempo, contudo, tem um doutorado (real) em educação. É cedo para dizer que também fará um ministério ideológico. Como bom presbiteriano, apesar do conservadorismo, deve saber separar melhor igreja e Estado. Talvez seja o equilíbrio possível dentro deste governo. Oremos.

*Joel Pinheiro da Fonseca, economista, mestre em filosofia pela USP.


Bernardo Mello Franco: A festa da farda

Em troca de apoio, Bolsonaro promove a festa da farda. No governo do capitão, o número de militares em cargos civis mais que dobrou. Agora também há vagas para filha de general

No “Almanaque do Exército”, ele era o coronel Jonas Madureira da Silva Filho. Na intimidade matrimonial, apenas Madu. O personagem do livro de Marques Rebelo passava os dias de pijama, no conforto da reserva remunerada. Depois do golpe, foi convocado para uma tarefa patriótica: assumir um cargo de chefia no Segal, o Serviço Geral de Abastecimento e Lubrificantes.

“O simples coronel Madureira” se passa no início da ditadura de 1964, quando os militares se apinharam na burocracia federal. Junto com os postos, veio uma penca de diárias, gratificações e mordomias. A mulher de Madu ficou eufórica: sobraria dinheiro para comprar o sonhado faqueiro de prata.

A festa da farda se repete no governo de Jair Bolsonaro. Desde a posse do capitão, o número de militares em cargos civis mais que dobrou. Saltou de 2.765 para 6.157, segundo dados do Tribunal de Contas da União.

Além de estender o cabide, o presidente engordou os contracheques. Em dezembro, o oficialato se esbaldou numa reforma da Previdência bem particular. Enquanto os paisanos sofriam perdas, os fardados ganharam reajustes de até 73%, incluindo novos penduricalhos.

Os oficiais que vão para a reserva passaram a ganhar bônus de oito salários, o dobro da regra anterior. Um dos primeiros a receber o presente foi o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque. Em maio, ele pendurou o quepe de almirante com um mimo de R$ 300 mil.

Ontem o “Estadão” revelou que o governo pretende criar mais duas gratificações exclusivas para os militares. Quem já recebe extras de R$ 1,7 mil passaria a embolsar R$ 6,9 mil. Um fabuloso aumento de 303%.

A farra mostra que o apoio dos quartéis a Bolsonaro virou um negócio lucrativo. A generosidade é tanta que transborda para os herdeiros. A filha do general Villas Bôas, ex-comandante do Exército, já ganhou dois cargos no ministério da pastora Damares. Agora o general Braga Netto, chefe da Casa Civil, deve emplacar a filha na Agência Nacional de Saúde.

Formada em relações públicas, a moça substituirá um servidor de carreira. A vaga fica no Rio, não exige concurso e paga salário de R$ 13 mil. Com uma boquinha dessas, nem o coronel Madureira ousaria sonhar.


Andrea Jubé: A esquerda tromba, Bolsonaro avança

Governador do Maranhão diz que o debate sobre fusões deve ficar para 2021

O presidente do PSB, Carlos Siqueira, nega o debate sobre a fusão da legenda com o PCdoB. Igualmente, a presidente do PCdoB e vice-governadora de Pernambuco, Luciana Santos, refuta qualquer discussão sobre fusão ou incorporação de seu partido ao PSB.
Uma eventual fusão entre PSB e PCdoB, ventilada em entrevistas pelo governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), gerou constrangimento nas cúpulas partidárias e azedou o clima em setores da esquerda, aprofundando um quadro de fragmentação que fortalece a direita bolsonarista.

“Ninguém está participando de conversa sobre fusão com partido nenhum no PSB, nós estamos tratando de eleições municipais”, afirmou um Carlos Siqueira francamente contrariado à coluna. “Se essa discussão existisse, seria um debate interno; fazê-la pelos jornais é o começo do fracasso”.

Siqueira aborreceu-se ontem de manhã com a notícia trazida pelo jornal “O Globo” de que, nos bastidores, Dino estaria se referindo à possível nova legenda como o “MDB da esquerda”. “Ora, o MDB é uma sigla com uma bela história, mas se deteriorou ao longo do tempo e nem é bom tê-la como referência para nada”, diz o pessebista.

Logo cedo, o celular do presidente do PSB começou a tocar com ligações de dirigentes regionais e militantes atordoados com a notícia da possível fusão, avisando que se fosse verdade, deixariam a legenda. “Somos muito diferentes, nós somos esquerda democrática, eles [PCdoB] são esquerda tradicional”, explicou.

Protagonista do alarido, Dino colocou panos quentes. Ele confirma que não discutiu o assunto com o PSB, e concorda com Siqueira que o momento é inoportuno para esse diálogo. “Creio que o debate sobre federações partidárias ou algo similar pertence ao ano de 2021”, reconheceu Dino à coluna Mas o governador enfatiza que o debate sobre o novo desenho do sistema partidário é necessário e deverá alcançar todo o espectro político, e não apenas a esquerda.
Neste ponto, Siqueira e Dino convergem: todo o sistema político precisa de uma reformulação. Para o dirigente pessebista, o resultado da eleição presidencial em 2018 é a maior evidência de que o sistema político faliu.

“A vitória de [Jair] Bolsonaro não representou a derrota do PT, mas, sim, de todo o sistema porque partidos grandes, com governadores, senadores e deputados foram derrotados por um deputado do baixo clero, com um partido de aluguel e sem tempo de televisão”, argumentou Siqueira.

Assim como o pior cego é aquele que não quer enxergar, Siqueira afirma que somente a classe política tradicional resiste a admitir a falência do modelo atual. “Partidos que estavam com os governos de Lula e Dilma abandonaram Dilma a dois dias da votação do impeachment, depois migraram para a base de Temer e agora estão com Bolsonaro. Que partidos são esses?”, pergunta Siqueira, em provocação dirigida aos partidos do Centrão, que agora formam a base bolsonarista.

Mas o dirigente pessebista não se sensibiliza com o argumento de que a fragmentação da esquerda fortalece Bolsonaro, sobretudo se ele disputar a reeleição. Ele observa que a maioria da esquerda apoiou Fernando Haddad em 2018, e isso não foi suficiente para reverter o resultado eleitoral. (Na verdade, a esquerda se dividiu, e ao ficar em terceiro lugar, o pedetista Ciro Gomes recusou-se a declarar apoio a Haddad e voou para Paris).

Além disso, Siqueira afirma que tentar prever a conjuntura de 2022 em 2020 é um erro primário, porque “dois anos são uma eternidade em política”.

Enquanto a esquerda tromba, Bolsonaro avança duas casas no tabuleiro eleitoral. Ontem a rodada de julho da pesquisa XP/Ipespe trouxe vários indicadores de melhora na percepção da população sobre o governo Bolsonaro, apesar dos revezes das últimas semanas: a prisão de Fabrício Queiroz, as denúncias do ex-ministro Sergio Moro de tentativa de interferência na Polícia Federal, a condução negligente da pandemia, com a média de 1.055 mortos por dia.

O principal indicador confirma a tendência de alta, indo a 30% de ótimo e bom - dois pontos a mais que em junho. A reprovação voltou a oscilar negativamente, indo a 45%, três pontos a menos que na sondagem anterior.

Aqui, Siqueira e Dino voltam a convergir: ambos atribuem os 30% de avaliação positiva de Bolsonaro ao pagamento do auxílio emergencial de R$ 600 à população de baixa renda. “São os eleitores de Lula que migraram para Bolsonaro”, resume Siqueira.

Mas Dino acredita que quando cessar o pagamento do auxílio e o desemprego chegar com força aos lares mais pobres, a avaliação positiva vai cair. Mesmo com o lançamento do programa que substituirá o Bolsa Família, cujo benefício será de cerca de R$ 250, muito aquém dos atuais R$ 600.

"Fake news"
Autor da proposta no Senado, Alessandro Vieira (Cidadania-SE) acredita que o eixo principal do projeto de lei de combate às “fake news” será preservado na Câmara. Os deputados deverão acrescentar questões penais e de processo penal, com reflexos nas leis de Organizações Criminosas e de Lavagem de Dinheiro, e talvez mudem o trecho sobre rastreamento de mensageiros privados, onde há alguma resistência.

Pelo texto aprovado pelos senadores, há a obrigação de que o WhatsApp rastreie dados sobre mensagens encaminhadas para mais de mil pessoas em 15 dias, a chamada “rastreabilidade”. “O eixo principal é o combate a contas falsas e redes estruturadas de desinformação e a responsabilidade das plataformas”, diz o senador.

Se o presidente Jair Bolsonaro vetar o projeto, o senador acredita que até o Centrão, que se alinhou ao governo, ajudará a derrubar o ato presidencial. “Todo mundo entendeu que a ausência de uma legislação [que coíba “fake news” gera desequilíbrio e isso prejudica qualquer um, não é ferramenta ideológica. Se você tiver dinheiro, fará uma rede de ataque e a depender do momento e da proporção, vai gerar um impacto irreversível na candidatura do adversário”.

Se a legislação não entrar em vigor até o início da campanha, o senador lembra que o TSE regulamentará a matéria, criando travas e limites.


Carlos Andreazza: A eucaristia bolsonarista

‘Tomai, todos, e comei. Isto é o vosso corpo’. O corpo de milhares de mortos

A cena: Bolsonaro ergue a caixa de um medicamento; assim como se, capitão que é, igualmente ovacionado pelos espectadores, fosse Carlos Alberto levantando a Copa do Mundo. A embalagem de cloroquina então transformada na Jules Rimet — cujo destino de derretimento não deve ser possibilidade excluída ao porvir de um remédio apregoado como panaceia pelo presidente-milagreiro.

Derretem as vidas. No presente. Um fato.

Houve também quem comparasse o episódio a uma passagem do filme “Rei Leão”, em que o primata Rafiki ergue o recém-nascido Simba, filho do rei Mufasa. Um gesto para noticiar à comunidade que o reino tinha herdeiro — um ritual, pois, para informar sobre o futuro. Um movimento de segurança e esperança. De vida; para a vida.

A comparação com a liturgia de Bolsonaro é, portanto, descabida. Sim, o ato do presidente teve linguagem religiosa. Não me surpreenderia se alguém ali, diante daquela missa campal, esperasse o Messias andar sobre o espelho d’água. Bolsonaro emulava a comunhão. Na prática, porém, anticomunhão; porque aquela congregação esmagava, atraídos pelo egoísmo do pregador, vítimas potenciais do vírus traiçoeiro. Um gesto-ritual para noticiar à comunidade de crentes que o pastor, pura versão, negava-se aos fatos — um gesto, pois, para informar sobre o passado permanente. Um movimento de negação e temeridade. De doente; para a doença.

O presidente celebrava a eucaristia bolsonarista — a própria ação de graças, essencialmente personalista, do autocrata. Uma distorção do sacrifício. A terceirização do sacrifício por meio do culto ao negacionismo e à desinformação; um ritual de pretensão sagrada em cuja irresponsabilidade publicitária só havia morte — e nenhuma ressurreição.

A caixa do remédio glorificada pelo sacerdote Bolsonaro não era o corpo do mito Bolsonaro; corpo este que ali estava protegido, isolado, seguro. A embalagem de medicamento elevada pela crendice bolsonarista não era a carne daquele salvador eleito que se imolava por seus fiéis; povo este que ali estava espremido, exposto, vulnerável.

Não era o “Tomai, todos, e comei. Isto é o meu corpo”. Não. Mas o “Tomai, todos, e comei. Isto é o vosso corpo”. O corpo de milhares de mortos pela peste.

A esta antimissa se associaram as Forças Armadas. Gilmar Mendes tocou num nervo. Pode-se discutir o emprego de genocida para definir a responsabilidade de Bolsonaro sobre a morte de brasileiros. A responsabilidade, entretanto, existe. A negligência resulta. A crendice resulta. Influenciam — condicionam — e resultam.

Deve-se mesmo questionar que a pancada, ainda que correta, venha da boca de um ministro do Supremo, a quem não caberia se comportar como comentarista político porque, objetivamente, talvez venha a julgar algo relativo à omissão de Bolsonaro ante a pandemia.

Não é adequado. Não foi a isto, contudo, que reagiram os militares. Tampouco à afirmação de que teriam se associado a um genocídio. Mas à constatação — factual — de serem agentes já inseparáveis de um governo de cujo conjunto curandeiro decorrem mortes. O problema é a verdade.

As Forças Armadas não precisavam pontificar neste altar. Pouco tinham a ver com Bolsonaro, tipo condenado à baixa patente, um sindicalista agitador, conspirador de quartel, que propunha a quebra da hierarquia a bombas — do qual o Exército se livrara desde havia muito, mas de quem se reaproximaria deliberadamente, por cima, sobretudo a partir de gestões políticas do general Villas-Boas.

Para muito além dos limites impostos a instituições de Estado, as Forças trabalharam para estrelar o projeto de poder bolsonarista; e isto a ponto de um general da ativa — submetendo consigo o Exército — aceitar o papel de cavalo para que o presidente pudesse ser o ministro da Saúde. Aí está. Como aí está o ministro Ramos, general da ativa quando afirmou — atribuindo poder moderador à sua casta — a tese de que se poderia desrespeitar decisão de tribunal superior se considerada “não justa”.

As Forças podem agora desfiar o rosário. É falso que lhes cairia no colo — de qualquer maneira — um fracasso de Bolsonaro; que, por ser militar, levaria consigo a imagem das Armas. É falso. O sujeito deixara o Exército em 1987, defenestrado, reinventando-se em político defensor dos interesses corporativos de cabos e soldados, mais próximo das polícias que das Armas — às quais bastaria guardar a distância que a impessoalidade republicana demarca.

As Forças Armadas, no entanto, desejaram integrar o governo. E agora temem que suas fardas sejam manchadas — investigadas no Tribunal Penal Internacional — pela maneira como o governo a que dão (flexível) espinha lidou com a peste.

Bolsonaro jogou nos braços do Exército — na figura do vice Mourão — a Amazônia em chamas e a dizimação (o genocídio?) dos povos indígenas. E jogou na conta do Laboratório do Exército a fabricação milionária de cloroquina — o Exército, produtor do comprimido por meio do qual a morte é comungada, também pode erguer a taça. Amém.


Política Democrática Online: No Silêncio, Bolsonaro costura sua base parlamentar

Produzida e editada pela FAP, publicação mensal tem acesso gratuito no site da entidade

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Da incitação cotidiana ao confronto, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) passou para o silêncio e a costura paciente, nos bastidores, de sua base parlamentar, diz o editorial da revista mensal Política Democrática Online de julho. Produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), a publicação afirma que essa postura do chefe do Executivo federal “foi o bastante para provocar o congelamento, e até a reversão, dos movimentos iniciais de convergência das oposições em torno da bandeira do impeachment”.

Acesse aqui a revista Política Democrática Online de julho!

Todos os conteúdos da publicação podem ser acessados, gratuitamente, no site da FAP, que também faz divulgação de todas as análises da revista no Instagram, Twitter e na página da entidade no Facebook. De acordo com o editorial, “há uma premissa implícita no movimento da oposição: o afastamento, pelo menos temporário, da ameaça à democracia”.

Neste caso, segundo a revista Política Democrática Online, não seria absurdo responder à imobilidade aparente do governo com a paralisia real da oposição, especialmente no que toca aos seus movimentos de convergência e articulação. “Afinal, podemos todos esperar por 2022 sem a necessidade de enfrentar o peso da cooperação com adversários históricos de embates recentes”, afirma, em um trecho.

O texto diz, ainda, que, infelizmente, as hipóteses de conversão ou capitulação do presidente não são plausíveis. “O governo não foi derrotado pelas instituições, nem domesticado por seus novos aliados. Sequer é possível pensar uma situação de trégua implícita entre as partes”, diz, para continuar: “Houve recuo, mas recuo tático; na metáfora militar, o governo passou, de forma repentina, da guerra de movimento para a guerra de posição”.

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Ricardo Noblat: Às vésperas de nova derrota, o governo reforça a aposta no fisiologismo

Dinheiro do vírus para deputados amigos

Está marcado para logo mais o início da votação pela Câmara dos Deputados da prorrogação do Fundeb, o fundo que financia a educação básica no país. Ali, o assunto vem sendo discutido há pelo menos cinco anos e, finalmente, chegou-se a um acordo.

Mas apenas no último sábado, transcorrido um ano e quase 7 meses da tumultuada gestão de Jair Bolsonaro, e quatro ministros da Educação depois, foi o que o governo acordou e disse que amadureceu algumas ideias a respeito. Resultado?

Perdeu. Suas ideias, quase todas, foram rejeitadas pelos líderes dos partidos, e mais a relatora do projeto, e mais o presidente da Câmara. Para evitar, porém, que o governo arroste com uma derrota acachapante, pequenas concessões lhe serão feitas.

Educação nunca foi tema do agrado do presidente da República, basta ver os ministros escolhidos por ele para cuidar da área. O primeiro, o professor Ricardo Vélez, falava português com sotaque. O segundo, Abraham Weintraub, escrevia português errado.

O terceiro, Carlos Alberto Decotelli, que falava e escrevia português muito bem, não era pós-doutor, como apregoava em seu currículo, nem mesmo doutor. Sequer oficial da Marinha, como se dizia. O quarto, Milton Ribeiro, pastor, pegou o Covid-19.

Bolsonaro nada parece ter aprendido nos seus quase 30 anos na Câmara, nem esquecido tampouco. E agora que descobriu que sem o Congresso não governará, decidiu aplicar a única forma que conhece de atrair apoios: oferecer dinheiro em troca de votos.

No início deste mês, o Ministério da Saúde anunciou a liberação de 5,7 bilhões de reais em verbas de combate ao coronavírus para prefeituras indicadas por deputados aliados do governo, ou simpáticos a ele, ou suscetíveis de serem arrebanhados.

Como toda essa grana não chegou ainda ao seu destino e a confiança no governo é mínima, muitos deputados se sentiram enganados. Então, ontem, o general Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo, prometeu liberar mais 1 bilhão.

Os deputados querem ver antes de crer e de empenhar seus votos na defesa de projetos de interesse do governo. Tenebrosas transações como essas se davam antigamente às escondidas – e, se descobertas, se negava. No governo Bolsonaro está sendo às claras.

Deve ser prova de transparência ou do que ele chama de Nova Política. Usar dinheiro do combate ao vírus para contemplar prefeituras sob o controle de parlamentares é também uma maneira de tentar influenciar no resultado de eleições.

Sem partido, porque abandonou o que tinha e ainda não conseguiu montar outro, Bolsonaro diz que ficará de fora das eleições de novembro. Pura conversa fiada. Por debaixo do pano, age para beneficiar os que poderão vir a beneficiá-lo no futuro.

O general e seu inferno astral

Em disputa, a coordenação política do governo
O aniversário do general Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria do Governo, passou. Foi em 12 de junho último quando ele completou 64 anos. O que não passou foi seu inferno astral.

Depois de muito resistir, Ramos cedeu a pressões dos seus colegas de farda e pediu passagem para a reserva. Um general da ativa no governo daria impressão que os militares apoiam o governo.

E eles não apoiam, como estão roucos de dizer. Não é mesmo?

O problema de Ramos, agora, é outro, e novo não é. Por mais que o general adule e tente saciar seu apetite por cargos, dinheiro e demais sinecuras, o Centrão está insatisfeito com ele. Quer mais.

E como na política não existe espaço vago ou a vagar…

Quem se insinua para tomar do general a função de coordenador político do governo é o deputado Fábio Faria (PSD-RN), novo ministro das Comunicações e genro de Sílvio Santos, dono do SBT.

Militar não abandona outro em apuros. O ex-capitão Bolsonaro não abandonará o general. Os dois foram paraquedistas. Bolsonaro está cercado de generais paraquedistas.

Nem por isso, Ramos está a salvo de perder a coordenação política.


Eliane Cantanhêde: Salles e Araújo, peixes miúdos

Sem culpa na pandemia, militares têm tudo a ver com políticas para Amazônia e China

A pressão dos fundos de investimento contra o desmatamento e as ameaças às comunidades indígenas e quilombolas pôs o foco na política, na visão catastrófica e nos erros de execução para o meio ambiente, mas também jogou luzes numa outra ferida aberta no Brasil: a política externa do governo Jair Bolsonaro, que é pautada pela beligerância e oscila entre o incompreensível e o pernicioso.

A culpa, mais uma vez, é do mordomo, ops!, do ministro de plantão. Assim como o mundo desabou na cabeça do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, está desabando também na do chanceler Ernesto Araújo. Não que eles sejam santos nessa história, mas nenhum dos dois caiu de paraquedas no cargo e ambos executam a política que vem de cima, de Bolsonaro. Como o próprio general Eduardo Pazuello, da Saúde.

Salles nunca tinha pisado na Amazônia, Pazuello nunca tinha sido apresentado pessoalmente a uma curva epidemiológica e Ernesto Araújo, um embaixador júnior, jamais havia comandado uma embaixada antes de assumir o Itamaraty. Logo, a ascensão dos três tem algo em comum: eles não foram colocados lá por terem grande experiência e expertise nessas áreas, mas para fazer tudo o que seu mestre mandar.

Se, apesar do general Pazuello, os militares têm pouco a ver com as decisões na pandemia, eles têm tudo a ver com a avaliação do governo sobre Amazônia e China. Assim como Bolsonaro, mas com muito mais conhecimento, os generais também consideram um exagero, típica coisa de esquerda, manter praticamente intocadas a Amazônia e as imensas reservas indígenas. Se a Europa virou potência destruindo tudo, por que “essa frescura” no Brasil? Ricardo Salles é peixe miúdo nesse debate.

Quanto à China, a visão que Ernesto Araújo manifesta publicamente coincide com a que os generais defendem internamente: a estratégia de Pequim é não apenas desbancar os Estados Unidos e virar a maior potência econômica, mas dominar e impor o regime comunista ao mundo. Como os militares não se cansam de lembrar, o gigante asiático é liberal na economia, mas uma ditadura inquestionável.

A questão, tratada de forma primária e grotesca pelos filhos e aliados do presidente, merece reflexão mais qualificada nas áreas estratégicas. A China começou a “infiltração” pela via comercial, comprando matéria-prima e vendendo de quinquilharias a fortes manufaturados, enveredou pela área industrial, sofisticando ao máximo sua produção, e chegou à fase agressiva de aquisição despudorada de companhias e terras na África e na América Latina – o chamado “quintal” de Washington.

Como o governo Bolsonaro digere e reage? Pulando de corpo e alma no governo Trump, polêmico, condenável sob vários aspectos e agora sob risco de derrota. Ou seja: entra de gaiato numa guerra de gigantes, não ganha nada com isso e pode perder muito em caso de vitória dos democratas.

Aí, o peixe miúdo é Araújo. Quem decidiu e executou a aliança com o “amigão” Trump foi Bolsonaro, que foi também quem atacou França, Alemanha, Noruega, Argentina, Chile, mundo árabe… E está esfarelando a imagem do Brasil com suas crenças, idiossincrasias e erros grosseiros em áreas fundamentais.

Os generais, diplomatas e ministros alertas, porém, acertam num ponto: empurrar com a barriga a decisão sobre o 5-G. A chinesa Huawei tem a melhor tecnologia, mas é ilusão achar que seria viável para todos e ingenuidade pensar que se trata de puro negócio. Não é. A Huawei é estatal e tende a se transformar num poderoso instrumento chinês do que os generais brasileiros veem como dominação do mundo. Quem tem informação tem poder. Quem tiver os dados de todos os cidadãos de todos os continentes terá o controle do planeta.