Day: abril 20, 2020

Jose Goldemberg: Ciência em tempos de crise

Grandes líderes do século 20 sempre se cercaram de cientistas do mais alto nível

A crise mundial causada pelo coronavírus está fazendo muitas vítimas, mas provavelmente vai passar à História como uma crise que contribuiu para a recuperação da credibilidade da ciência.

A ascensão de governos populistas nas últimas décadas em vários países, sobretudo no Brasil e nos Estados Unidos, estava nos levando para um novo “período de trevas”, como na Idade Média, em que a evidência científica era aceita ou negada dependendo do interesse de grupos sociais, religiosos ou políticos, em prejuízo do conjunto da sociedade.

Foram necessários cientistas como Nicolau Copérnico e Galileu Galilei, há cinco séculos, para comprovar que a Terra não é plana e também não é o centro do universo, o que abalou profundamente o poder da Igreja Católica e abriu caminho para o descobrimento da América.

Foi preciso, também, um Charles Darwin, no século 19, para demonstrar, de maneira clara, que os seres vivos evoluem e não foram criados todos ao mesmo tempo, há 5 mil anos.

A descoberta da existência do código genético, por James Watson e Francis Crick, abriu caminho para a “revolução verde” na agricultura, que eliminou a fome no mundo.

Os trabalhos de Louis Pasteur e o desenvolvimento de vacinas praticamente eliminaram o sarampo, a poliomielite e diversas outras doenças devastadoras.

Ainda assim, existem políticos e grupos religiosos que negam a realidade desses avanços, inventando teorias conspiratórias ou fazendo uma leitura incorreta das Escrituras, que foram escritas há milhares de anos, refletindo uma realidade social que não é a realidade de hoje numa sociedade altamente tecnológica.

Nestas sociedades é indispensável uma divisão de tarefas e de respeito pelo conhecimento técnico de especialistas baseada na melhor ciência disponível em todas as áreas. Líderes populistas sistematicamente desprezam a evidência apresentada por esses especialistas quando ela se choca com seus interesses ou suas próprias visões, já que muitos deles vivem num “universo paralelo”.

Foi o que aconteceu no caso da pandemia de covid-19, que enfrentamos hoje.

As recomendações dos especialistas eram claras: na ausência de uma vacina que nos proteja do vírus, a única defesa é evitar que ele nos contamine, por meio do “distanciamento social” e da quarentena. Essa orientação, todavia, conflita com interesses econômicos e pode levar ao desemprego. Como era previsível, líderes populistas tentaram negar as evidências da gravidade da crise até que a realidade se impusesse brutalmente, com milhares de mortos por dia.

Felizmente, porém, existe a Organização Mundial da Saúde (OMS), uma agência da ONU criada em 1948 para coordenar os esforços internacionais destinados a controlar e erradicar doenças como a malária, a tuberculose, a varíola e agora a covid-19. Em consequência, todos os países – alguns relutantemente, como os Estados Unidos, a Inglaterra e o Brasil – estão seguindo as recomendações da OMS, aceitando sua autoridade científica incontestável na área da saúde.

A proposta original de criação da OMS partiu de diplomatas brasileiros, em 1946, e seu diretor-geral durante 20 anos (de 1953 a 1973) foi o médico brasileiro Marcolino Candau.

Participam dos comitês técnicos da OMS os melhores cientistas provenientes dos países-membros e suas recomendações e seus protocolos são usados como base das ações de todos os órgãos ligados à saúde no mundo todo.

Recentemente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, tentou desqualificar a OMS e seu atual diretor-geral, Tedros Adhanom, ao argumentar que ele não foi eleito pelo povo brasileiro, o que é verdade. Sucede que nem o secretário-geral da Organização das Nações Unidas nem o papa são eleitos pelo povo, o que não significa que não tenham legitimidade e autoridade nas suas áreas de atuação. Pilotos de aviões comerciais também não são eleitos pelos passageiros. No caso da OMS, é a competência técnica e científica da instituição, criada há mais de 70 anos, que lhe dá autoridade e credibilidade.

Recuperar a credibilidade, aliás, é a expressão correta, porque os grandes líderes do século 20 sempre se cercaram de cientistas do mais alto nível, o que foi particularmente importante durante a 2.ª Guerra Mundial.

O presidente Franklin Delano Roosevelt, dos Estados Unidos, recebeu até a colaboração de Albert Einstein. E Winston Churchill, primeiro-ministro do Reino Unido, tinha um assessor científico permanente. Depois da guerra, o Congresso americano criou o Gabinete de Política Científica e Tecnológica na própria Casa Branca. O titular desse gabinete é um cientista escolhido pelo presidente, mas o nome tem de ser aprovado pelo Senado americano, o que mostra a importância do cargo.

Esse seria um bom exemplo a ser seguido em nosso país.

*Professor emérito e ex-Reitor da Universidade de São Paulo (USP), foi ministro de Ciência e Tecnologia


Carlos Pereira: Isolamento social é coisa de rico?

O 'medo da morte' relativiza as preocupações com as potenciais perdas econômicas

Tem ganhado força a interpretação de que a política de isolamento social, preconizada pela Organização Mundial da Saúde e implementada pelos governadores dos estados, estaria sendo primordialmente apoiada por aquelas pessoas que teriam recursos financeiros para se manter confortavelmente em quarentena. A pressuposição, inclusive reverberada pelo presidente Bolsonaro, é a de que seria mais fácil para o grupo social de maior renda priorizar os cuidados com a saúde e relegar os problemas econômicos gerados pela pandemia para segundo plano.

Por outro lado, as famílias com rendimentos mais baixos, que dependem de rendas do trabalho e/ou de transferências governamentais, seriam mais vulneráveis e, portanto, necessitariam voltar mais cedo às suas atividades profissionais e apresentariam assim maior resistência a manutenção do isolamento social. Na realidade, as famílias menos abastadas já estariam sendo atingidas pela crise.

Muitos não teriam recursos para alimentação, aluguel, remédios etc. Sabem que seus empregos, casas, negócios, estariam em risco iminente, especialmente o setor de serviços, onde as famílias mais pobres e de menor qualificação estão mais empregadas. Por isso, prefeririam enfrentar o risco de serem contaminados pelo vírus e voltar ao trabalho.

Será que este aparente antagonismo em relação ao isolamento social é realmente baseado nas diferenças de renda ou risco de prejuízo econômico? Para responder essas perguntas, eu e meus colegas Amanda Medeiros e Frederico Bertholini fizemos uma pesquisa de opinião, com o apoio do Estado. O questionário foi divulgado nas redes sociais, em especial pelo WhatsApp, entre os dias 28 de março a 04 de abril. A amostra total foi de 7848 respostas válidas.

A grande maioria dos respondentes que se auto identificam como de esquerda, centro-esquerda e centro discordaram da atuação de Bolsonaro durante a pandemia e aprovaram o isolamento social. Resolvemos, portanto, concentrar a análise apenas no segmento onde observamos variância de opiniões, entre os respondentes que se auto identificam como centro-direita e direita. Será que o nível de renda ajuda a explicar as diferenças de opinião?

A Figura 1 mostra que, ao contrário da expectativa de que as pessoas com diferentes faixas de renda deveriam exibir distintos padrões de apoio a política de isolamento social, a diferença entre as médias das distintas faixas de renda não é estatisticamente diferente. Ou seja, pelo menos até a semana que os dados foram coletados, a sociedade não está cindida pela renda. Os mais pobres e os mais ricos ainda estão no mesmo barco, apoiando majoritariamente o isolamento social e se opondo a recomendação do presidente de volta ao trabalho.

O que dizer dos potenciais prejuízos econômicos gerados pela política de isolamento social? A Figura 2 mostra a distribuição dos distintos níveis de prejuízo econômico em função do apoio à flexibilização do isolamento social pelo presidente, correlacionada com o conhecimento de pessoas infectadas pela Covid-19 e seus respectivos graus de gravidade.

Distribuição do nível de prejuízo econômico em função do apoio à flexibilização do isolamento social pelo presidente, correlacionada com o conhecimento de pessoas infectadas pela Covid-19 e seus respectivos graus de gravidade.

Enquanto os que não conhecem pessoas contaminadas (linha escura) chegam a apoiar a política do presidente e identificam risco de grande prejuízo econômico como consequência isolamento social, os que conhecem pessoas que se contaminaram e que vieram a falecer (linha amarela) não apresentam variação em relação aos níveis de prejuízo econômico. Em outras palavras, a gravidade da contaminação que eventualmente venha a gerar óbito, leva as pessoas a minimizar as potencias perdas econômicas que o isolamento social possa vir a lhes proporcionar.


Penúria castiga refugiados no Brasil, mostra reportagem da Política Democrática Online

Haitianos estão no grupo de estrangeiros que mais sofrem em busca de emprego e renda

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Em busca de melhor qualidade de vida, centenas de imigrantes encantam-se ao encontrar uma oportunidade de trabalho no Brasil, mas, com o passar dos dias, vivem o pavor de serem explorados. Em Minas Gerais, por exemplo, trabalham até as 21 horas. Em média, são 17 horas por dia, com intervalo apertado para engolir refeição rápida. De segunda a sábado. A equipe de reportagem da revista Política Democrática Online viajou para cidades do Estado e verificou as dificuldades enfrentadas por pessoas oriundas de outros países para sobreviverem no Brasil.

Além das histórias de exploração de mão de obra, a reportagem mostra a história de duas irmãs do Congo que se mudaram para o Brasil para não serem vendidas por "dotes" no país africano.

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“Não gosto de trabalhar aqui. Já pensei muito em desistir e voltar para meu país, mas, por enquanto, não tenho outra opção e também não consigo ter permissão para trazer minha família”, conta Sonel, perto de um dos balcões da Ceasa. Ele perdeu a mãe no terremoto que matou 300 mil no Haiti há 10 anos e ainda tenta reconstruir a vida. Todo mês, envia para a mulher e dois filhos pequenos ajuda de R$ 500, metade do que recebe sem carteira assinada. No mercado nacional, há quase 12 milhões de brasileiros desempregados.

Administradores de duas empresas instaladas na Ceasa de Contagem, onde também trabalham brasileiros que não conseguem emprego melhor, tentaram impedir a equipe da revista de conversar com haitianos e tirar fotos. Não houve explicação. A suspeita é de exploração de mão-de-obra. Um deles ligou para a segurança terceirizada, que, em seguida, enviou quatro homens e pediu aos profissionais da reportagem para cessarem os trabalhos. Ninguém da administração da central compareceu ao local no momento.

O governo brasileiro registrou 774,2 mil migrantes em território nacional, de 2010 a 2018, conforme dados mais recentes do Relatório Anual do OBMigra (Observatório das Migrações Internacionais), vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, divulgado no ano passado. Haitianos, venezuelanos e colombianos, segundo informações oficiais, são os que mais migram para o Brasil, o sexto país que mais recebe refugiados no mundo, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU)

Assim como Sonel, Roberson (36) é outro haitiano que trabalha o dia todo na Ceasa. “É muito complicado aqui”, reclama. “Meu sonho é trazer minha família, minha mulher e meus dois filhos, para viver aqui no país, mas é tudo muito penoso porque as autoridades dificilmente liberam. Ficar longe da família é muito ruim. Quero voltar para meu país”, afirma, com forte sotaque francês e um pouco de dificuldade de falar a língua portuguesa.

O Conselho Nacional para os Refugiados (Conare), ao qual estão vinculados cinco ministérios e a Polícia Federal, concedeu refúgio a 21.541 pessoas, em 2019, o que representa 82,6% do total de casos analisados pelo colegiado. Em relação ao total de refúgios, porém, apenas 181 (0,84%) pessoas beneficiadas tiveram autorização para estender esse direito a algum familiar. Outros 3.883 (14,9%) processos foram encerrados por desistência, e 606 (2,3%), indeferidos.

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Fernando Gabeira: Viver na incerteza

O que nos favorece é a grande capacidade humana de se adaptar

Simone de Beauvoir escreveu no célebre livro “O segundo sexo” que era difícil se sentir uma princesa, em tempos de menstruação, com um incômodo pano entre as pernas.

É difícil se sentir o rei da cocada preta fechado em casa, com um medo de uma invisível partícula proteica que mata as pessoas e devasta a economia planetária. Sobretudo, é difícil sentir-se dono de grandes certezas, num mundo em que a normalidade foi para o espaço.

Edgard Morin merece admiração por isso. É quase centenário, e seu pensamento ao longo dos anos evoluiu para enfatizar a complexidade e a incerteza.

Apesar de ter escrito muitas vezes sobre segurança biológica e ter detectado o impacto desse vírus nos seus primórdios, confesso que, como quase todos os outros, o subestimei.

Ao sair de Fernando de Noronha, em 16 de março, ainda tinha esperanças de seguir viajando pelo Brasil, na presunção de que o vírus não chegaria aos lugares onde vou.

De fato, tenho tido contato permanente com pontos remotos do Brasil e, à exceção de Fernando de Noronha e grandes cidades, o vírus ainda não chegou lá.

Esqueci-me das estradas, dos postos de gasolina, dos restaurantes e hotéis no caminho, dos perigosos aeroportos e aviões. E esqueci que estava bem próximo dos 80 anos.

Interessante nesse mundo de grandes incertezas como as pequenas certezas nos mobilizam. As redes estão cheias de conselhos sobre o que ler, como se exercitar, rezar, o que comer, a que filmes assistir, como organizar toda a rotina.

Essa enxurrada de conselhos às vezes confunde. Por isso, achei engraçado um áudio que caiu na rede. Era de um homem que lamentava com a amiga: todos dizem que tenho de lavar as mãos, lavar as mãos, não se esqueça de lavar as mãos, mas eu queria também tomar um banho, será que pode?

Da mesma forma, achei interessante o desabafo de uma jovem diante de um certo otimismo exagerado, do gênero “o coronavírus veio para melhorar nossos sentimentos, aumentar a solidariedade, mudar o mundo”.

O vírus veio para nos destruir e devastar a economia. Essa é a verdade inicial. Ele não é revolucionário. Tudo vai depender de nossas escolhas daqui para a frente.

Sem dúvida, bons sentimentos afloraram, milhares de profissionais de saúde arriscam suas vidas pelas nossas, mas houve também quem tentasse aplicar golpe nas pessoas que precisam dos R$ 600 emergenciais, gente que hostilizou enfermeiros em transporte público, países que confiscam carregamento de máscaras ou especulam com o preço de equipamentos médicos.

O mundo continua um espaço onde bem e mal coexistem, assim como a grandeza e a miséria dos seres humanos não desapareceram com o vírus.

Certamente, ficaremos materialmente mais pobres, com movimentos mais limitados e sempre sujeitos a um novo recolhimento forçado, enquanto não aparecer uma vacina.

Certamente, sairemos mais humildes e não pronunciaremos o termo civilização com arrogância. Mas o que nos favorece é a grande capacidade humana de se adaptar às novas situações, e encontrar uma centelha de felicidade mesmo nos lugares e momentos mais difíceis.

Às vezes, à noite, depois de uma torrente de notícias pesadas, acordo sobressaltado, qualquer tosse noturna traz sempre a pergunta: será ele, o vírus, será essa a hora?

Tomei todas as precauções. Se ele entrou pelo vão da porta, se veio navegando pelo suave vento que entra pela janela, o que fazer?

Nessas horas, respira-se fundo e se reafirma o compromisso com a vida. No mais é como dizem nos países hispânicos: que vengan los toros, let it be, na linguagem dos 60.

Assim como as viagens, segundo o poeta, nos lembram que estamos sós ao nascer, o vírus pelo menos tem a utilidade de nos lembrar que somos mortais. Com ou sem ele, temos de usar bem esse tesouro: o tempo que nos resta.

Não quero adicionar mais uma avalanche de conselhos que nos soterra desde o início da crise.

Mas já parou para sentir como é bom respirar?


Igor Gielow: Bolsonaro faz apelo golpista e coloca Forças Armadas em saia justa

Governadores veem ensaio de golpe sem apoio pelo presidente, isolado na crise do coronavírus

SÃO PAULO - A demonstração de apoio do presidente Jair Bolsonaro a uma manifestação que pedia intervenção militar e "um AI-5" na frente do quartel-general do Exército fez a crise política inserida na pandemia do coronavírus subir de patamar.

Como se isso fosse possível, notou um governador de populoso estado ainda no princípio do embate com a Covid-19. A agressividade estava na conta, mas Bolsonaro ainda consegue chocar alguns, a começar por integrantes da cúpula militar da ativa que trocaram mensagens durante o domingo (19).

A escolha minuciosa do local e da data, o Dia do Exército, colocou as Forças Armadas ante um impasse que juravam querer evitar desde que pactuaram apoio tácito ao pleito presidencial de Bolsonaro no segundo turno de 2018. Agora, os fardados terão de se posicionar sobre as intenções de seu comandante nominal.

Bolsonaro foi claro em sua fala: quer uma ruptura ao estilo Hugo Chávez, de "povo no poder", desde que, claro, o poder seja exercido por ele. Olimpicamente isolado dos outros Poderes, seus instrumentos para tal missão são parcos.

Congresso, apesar dos planos mirabolantes de atração do centrão decantados, está fora de alcance. O Supremo Tribunal Federal, que não engole a família Bolsonaro direito desde que o filho Eduardo chutou a necessidade de um "cabo e um soldado" para fechá-lo, idem.

Fritar de forma desastrada Luiz Henrique Mandetta no Ministério da Saúde só levou a outros titulares da Esplanada a certeza de que o próximo poderá ser um deles ou delas.

Logo, nada mais natural que dobrar seu apelo aos militares que, aos poucos, aceitaram serem abduzidos para dentro de seu governo na crença de que poderiam ditar os rumos de um capitão que saiu pelas portas dos fundos do Exército no fim dos anos 1980, insubordinado nato que era.

Para um general ouvido, o presidente apenas quis tensionar o ambiente em um momento de fragilidade, conforme seu estilo. Para o oficial, da cúpula da ativa, as Forças Armadas não farão nada que fira seu papel constitucional.

Outro oficial, de um setor Marinha mais afastado do governo, preferiu a comparação com a tentativa frustrada de autogolpe de Jânio Quadros em 1961, que redundou na renúncia do presidente.

Tal sentimento é compartilhado por governadores de estado, que passaram a tarde trocando impressões sobre o insólito acontecimento deste domingo. Dois deles afirmaram categoricamente que Bolsonaro quer dar um golpe, embora duvidem das condições objetivas para tal.

A união da classe é, como já foi dito, inédita. No sábado, o Fórum Nacional dos Governadores divulgou carta defendendo os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), dos ataques recebidos durante a semana de Bolsonaro.

Os sinais da tibieza bolsonarista são claros. As carreatas em favor das ideias intervencionistas foram mínimas, em termos de adesão. Não houve uma mobilização popular comparável, digamos, à Marcha da Família com Deus pela Liberdade de 1964, para ficar num exemplo extremo.

A família do presidente, essa novidade na vida política nacional, ajudou, postando ao longo do dia em redes sociais apoios dos mais bizarros e ameaçadores: a cereja foi dada pelo vereador Carlos, replicando um vídeo de pessoas atirando em apoio a Bolsonaro. Não é preciso nem semiótica para entender a mensagem.

Se a frustração popular com as limitações da quarentena é compreensível, não havia uma multidão na rua. Havia, sim, as mesmas franjas que pediam "SOS Forças Armadas" nos atos pelo impeachment de Dilma Rousseff em 2016.

São pessoas que acham correto buzinar na frente de hospitais com pessoas morrendo da mesma doença que eles negam a gravidade, sob inspiração de Bolsonaro. Mesmo quem quer encerrar as limitações, sem necessariamente fazer parte do grupo, são só 22% da população, mostrou o Datafolha.

Assim como não há empresariado em massa a favor do governo central. Novamente, a pergunta fica: e os militares?

Não há uma ordem unida entre as Forças, para começar. Não se vê um integrante da Força Aérea com destaque no governo, até porque o "homem do vermífugo", o astronauta-ministro Marcos Pontes, não é considerado da cota fardada apesar de ser militar.

A ativa, após angaraiar prestígio ao governo cedendo quadros, tenta ao longo da crise do coronavírus se distanciar da politização fomentada por Bolsonaro contra governadores, João Doria (PSDB-SP) à frente.

E as manifestações, públicas ou não, têm sido no sentido de que a Constituição será soberana. Bom, em 1964 isso também era argumento, mas os tempos são outros.

A classe política está se sentindo empoderada, para usar o clichê. Depois de ter sido escorraçada pelas urnas em 2018, a instabilidade de um presidente acuado a colocou em evidência. Pesquisas internas de partidos mostram, contudo, que Congresso e Judiciário continuam com suas imagens no chão.

É com isso e com o fato de que as Forças Armadas são ainda vistas com respeito que Bolsonaro conta. A ala militar dentro do governo, o líder Fernando Azevedo (Defesa) à frente, acreditava que seria possível moderar o chefe e conduzir o manejo da emergência sanitária.

Este domingo provou, pela enésima vez, que isso é impossível. Pior, Bolsonaro colocou os fardados em xeque no tabuleiro da política. Isso adensa a crise a um novo nível, e a perspectiva não é das melhores para o isolado mandatário.


transfyxtion: a tale of internal desires

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The doorway shut. gently... and I awoke. The light of sunshine conspired fact of the day...Read more


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The doorway shut. gently... and I awoke. The light of sunshine conspired fact of the day...Read more