Day: outubro 13, 2019

Elio Gaspari: A banca viciou-se nos juros altos

Bancos lucram tanto com quem paga que isso compensa calotes que tomam

O economista-chefe da Febraban, Rubens Sardenberg, fez uma estranha associação entre os juros altos da banca e a situação da economia: “O aumento da inadimplência, a queda lenta do desemprego e o baixo crescimento da renda criam alguma cautela do ponto de vista de quem está concedendo o crédito”.

A cautela poderia levar a uma menor oferta de crédito, não a uma subida nas taxas de alguns empréstimos. A Selic está em 5,5% ao ano, algumas taxas caíram, mas a mordida anual dos juros do cartão de crédito parcelado foi de 163,1% para 177,3%.

Indo-se ao livro “Uma Chance de Lutar”, a autobiografia da senadora Elizabeth Warren, candidata a presidente dos Estados Unidos pelo Partido Democrata, vê-se a seguinte cena:

Pouco antes da crise de 2007 ela deu uma palestra para executivos do Citibank e disse que eles poderiam conter as inadimplências (e as bancarrotas familiares) parando de emprestar a quem estava em dificuldade.

Ao que um dos caciques presentes tomou a palavra: “Professora Warren, gostamos muito de sua exposição, mas não temos a intenção de parar de emprestar a essas pessoas. São eles quem garantem a maior parte de nossos lucros”.

Cobrando juros altos para quem parcela as dívidas do cartão de crédito a banca lucra tanto com quem paga que isso compensa os calotes que toma.

O Citi continuou apostando e nunca mais convidou a professora Warren. Em 2008 o banco foi às cordas, salvou-se com um socorro de US$ 20 bilhões da Viúva e hoje é uma sombra do que foi. Já a professora elegeu-se senadora e lidera (por pouco) algumas pesquisas de preferências entre os candidatos do Partido Democrata.

Vargas Llosa mente, mas pesquisa

Nobel de Literatura, escritor peruano acaba de publicar seu 19º romance

Mario Vargas Llosa acaba de publicar seu 19º romance, “Tiempos Recios”, (“Tempos Difíceis”). Conta os caminhos de Marta, a “Miss Guatemala”, uma bonita mulher que atravessa a história da América Latina na segunda metade do século passado.

Prêmio Nobel de Literatura em 2010 e candidato derrotado à Presidência do Peru em 1990, Vargas Llosa conhece a política e a escrita. Ele sustenta que seu livro “é um romance e não um livro de história, mas digamos que pesquiso para mentir com conhecimento de causa”.

Assim como fez com Canudos em “A Guerra do Fim do Mundo” e com a ditadura da República Dominicana do Generalíssimo Rafael Trujillo em “A Festa do Bode”, Vargas Llosa move seus personagens dentro de uma moldura histórica.

Ele sustenta que se o governo dos Estados Unidos não tivesse manipulado o fantasma do comunismo em 1954 para derrubar o presidente reformista Jacobo Arbenz, da Guatemala, Fidel Castro não teria sido o que foi. Por coincidência, quando Arbenz caiu, um jovem médico argentino estava na Cidade da Guatemala. Chamava-se Ernesto Guevara.

Vargas Llosa mente, mas pesquisa, pois identifica um homem da CIA, “El Invisible”, no golpe da Guatemala e quando vai-se ver, o cidadão passou pelo Brasil em 1970 e chefiou as operações clandestinas na América Latina até o golpe chileno de 1973.

“Miss Guatemala” havia sido amante do coronel que a Central Intelligence Agency empreitou para derrubar Arbenz. Passou-se para a vida do chefe da polícia de Trujillo e, em todos os casos, foge espetacularmente quando seus protetores são assassinados ou caem em desgraça. Nisso, sempre tem a ajuda da CIA. Na velhice, persistia na obsessão anticomunista.

À primeira vista, os “Tempos Difíceis” tomaram conta da segunda metade do século passado, mas, olhando-se bem, continuam. O anticomunismo era apenas o disfarce de algo mais velho, duradouro e profundo.


Bernardo Mello Franco: O capitão quer guerra

Jair Bolsonaro quer guerra. Na sexta-feira, o capitão participou de uma solenidade no Complexo Naval de Itaguaí. Diante de operários e oficiais da Marinha, fez mais um discurso em tom de combate. “Temos inimigos dentro e fora do Brasil. O de dentro são os mais terríveis. O de fora nós venceremos com tecnologia e disposição, e meios de dissuasão”, afirmou.

O Brasil já teve um presidente que se sentia perseguido por “forças terríveis”. Agora é comandado por um ex-militar que vê perigos em toda parte.

A retórica de Bolsonaro expõe uma personalidade viciada em confronto. No último dia 2, no Planalto, ele falou em “dar a vida pela pátria”. “Não nos esqueçamos que o inimigo está aí do lado, o inimigo não dorme”, advertiu.

Em agosto, no QG do Exército, jurou “lealdade ao povo” e conclamou o povo a “marchar para o sucesso”. “Não nos faltam é inimigos como os de sempre, que teimam em ganhar a guerra de informação contra a verdade”, afirmou.

Na ausência de guerras reais, o presidente se dedica a fabricar inimigos imaginários. No início do governo, a ameaça viria dos comunistas, que estão em extinção desde a queda do Muro de Berlim. Em seguida, foi a vez de estudantes, professores, artistas e jornalistas.

Com a onda de queimadas na Amazônia, entraram na mira cientistas e ambientalistas que alertam para os riscos de destruir a floresta. Depois a fúria se voltou contra líderes da centro-direita europeia, como Angela Merkel e Emmanuel Macron.

A pregação contra “inimigos internos” é usadapor todo regime autoritário. Na ditadura brasileira, o conceito fazia parte da doutrina de segurança nacional. Servia para simular um ataque iminente e justificar a repressão feroz aos opositores.

No caso de Bolsonaro, a estratégia se mistura a uma tendência à paranoia. Nos últimos tempos, o capitão passou a enxergar inimigos até nas próprias bases. Personagens como o cantor Lobão e o deputado Alexandre Frota, que o apoiaram com fervor, viraram desafetos do governo. Agora o alvo é o PSL, o partido do clã presidencial. Aliados que resistem à nova cruzada, como o senador Major Olímpio, estão prestes a entrar na lista dos proscritos.


Míriam Leitão: A estupidez da censura

A censura é terrível. Ela entrega um poder arbitrário ao burocrata que sempre toma decisões estúpidas. Ela assedia as mentes de produtores culturais, escritores, artistas e vai construindo a teia dos impossíveis — cheia de “melhor não” ou “isso eles não aceitarão” — que definimos como autocensura. A Constituição que o Brasil escreveu no pacto social da democracia não a tolera. “Cala a boca já morreu”, sentenciou a ministra Cármen Lúcia. Contudo, ela está de volta.

A censura se infiltra em atos como o veto à propaganda com jovens negros e descolados porque o presidente da República viu neles algo que ofendia as famílias. Avança quando se entrega o assunto cultura a um ministro capaz de qualquer volteio nas leis para bajular o novo chefe, como, por exemplo, banir temas em edital público. Ela se espalha quando o Estado vai criando bloqueios à liberdade de expressão usando subterfúgios como a defesa de supostos valores morais. Ela fica escancarada quando o presidente de um banco público, como a Caixa, diz que não aceita “posicionamento político” em espetáculos que patrocina. Será preciso voltar mais de dois mil anos e censurar os autores gregos que se atreveram a usar as tragédias para expor seus “posicionamentos políticos” sobre dilemas eternos como os limites ao poder despótico.

No Brasil de hoje, essa é a tragédia. Governantes de ocasião pensam que podem reprimir tudo o que não lhes agrada. O presidente usa sua métrica medíocre para classificar o que pode ser permitido ou o que é proibido com o dinheiro público. Como se fosse dele, o dinheiro. Os impostos são pagos por todos os brasileiros. O prefeito vira as costas para as festas da cidade. A professora Silvia Finguerut, coordenadora de projetos da Fundação Getúlio Vargas, diz que o estudo “Rio de Janeiro a Janeiro”, organizado pelo Ministério da Cultura no governo Temer com apoio técnico da FGV, deixou claro que as festas populares têm grande retorno econômico. Só no turismo, o carnaval do Rio teve um impacto de R$ 2,8 bilhões na economia. Ao todo, o evento levou aos cofres públicos tributos no valor de R$ 179 milhões.

— Quando o prefeito deixa de apoiar o carnaval, isso terá reflexo na estrutura necessária para o evento. E a festa tem grande efeito sobre o turismo, movimenta vários setores da economia. Petrobras, Caixa, Banco do Brasil sempre tiveram muita presença na área cultural. Desde que o Brasil se libertou da ditadura este é o momento mais ameaçador para a área cultural — diz a professora Silvia.

Nos vários estudos que o ex-ministro e deputado Marcelo Calero (Cidadania-RJ) coleciona, feitos entre outros pela FGV e a Firjan, a conclusão é sempre que o retorno de cada real investido na área cultural é muito grande. Em 27 anos de Lei Rouanet em cada R$ 1 de renúncia fiscal retornaram para a sociedade R$ 1,59. Mesmo quando se separa o núcleo cultural das outras atividades da economia criativa se vê que a cadeia produtiva é intensa e a criação de emprego é alta. Portanto, não é por perda fiscal que se persegue a cultura. É por autoritarismo.

— Temos tido censura às obras culturais com uma visão personalista, autoritária. Tudo está associado ao ataque às outras instituições que estamos vendo desde o início do governo. Bolsonaro quer assegurar que seu capricho prevaleça — diz Calero.

Há uma mistura explosiva: a censura ameaça a democracia, o ataque à cultura mina um setor econômico, os limites postos por este governo à arte fazem com que a sociedade não possa se ver de forma completa. O economista Leandro Valiati, professor visitante de economia da cultura nas universidades de Sorbonne e Queen Mary, explica que é um erro econômico banir segmentos da sociedade das manifestações culturais, como se tenta fazer com o grupo LGBT.

— A diversidade é um valor fundamental, você só estrutura mercados com diversidade. Não faz o menor sentido o controle governamental sobre o conteúdo, nem econômico nem politicamente. O Estado como regulador tem que fazer o oposto: garantir a diversidade e multiplicidade dos mercados — diz Valiati.

Nas colunas de ontem e de hoje trouxe o pensamento de quem tem estudado o assunto para mostrar que é burrice econômica querer encurralar a cultura. Ela tem um valor tangível e que tem sido estudado e medido. Para além disso, há o valor intangível das manifestações artísticas na vida de qualquer sociedade. A censura nós a conhecemos na ditadura. Ela é estéril e estúpida.


Merval Pereira: Retrocesso à vista

A anunciada mudança de posição do ministro Gilmar Mendes, que votou a favor da prisão em segunda instância e mostrava-se disposto a aceitar a proposta do presidente do STF Dias Toffoli de permitir a prisão somente a partir da terceira instância, pode involuir (ou evoluir, depende do ponto de vista) para o apoio à prisão só após o trânsito em julgado do processo. “Eu estou avaliando essa posição. Mas na verdade talvez reavalie de maneira plena para reconhecer (a possibilidade de prisão apenas depois de) o trânsito em julgado.”, disse ele à BBC.

Com essa guinada, se confirmada, ele acompanhará os votos dos ministros Celso de Melo, Marco Aurelio Mello, Ricardo Lewandowski, e pode provocar uma maioria nova no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). A ministra Rosa Weber sempre se declarou a favor do trânsito em julgado, mas vinha acompanhando a maioria a favor da prisão em segunda instância por entender que o tribunal deveria manter coerência em suas decisões.

Mas mostra-se disposta a voltar à posição original caso o tema venha a ser colocado para julgamento por ações declaratórias de constitucionalidade (ADCs), o que deve acontecer ainda este ano. Para ela, “o postulado do estado de inocência repele suposições ou juízos prematuros de culpabilidade até que sobrevenha, como o exige a Constituição brasileira, o trânsito em julgado da condenação penal”.

Também o ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo, pode ser levado a apoiar o trânsito em julgado se sua proposta de permitir a prisão a partir da terceira instância (STJ) não for aceita. A nova maioria, que já se sabe ser contra a prisão em segunda instância, poderia, assim, decidir voltar à exigência de trânsito em julgado, encerrando a discussão sobre interpretações do espírito da Constituição.

Foi o que levou ao entendimento majoritário de que prisão após segunda instância se justifica porque nela se obtém a certeza de culpa do condenado. Nas instâncias superiores (Superior Tribunal de Justiça e STF), se avaliam questões jurídicas, sobre se houve aplicação correta da lei e da Constituição no processo, não havendo inclusão de novas provas.

Para derrotar a nova tendência, seria preciso que os cinco ministros que se colocaram a favor da prisão em segunda instância - Alexandre de Moraes, Luis Roberto Barroso, Luis Fux, Edson Fachin e Carmem Lucia - apoiassem a proposta de Toffoli, que assim derrotaria seus próprios aliados.

De qualquer maneira, a maioria do STF decidindo pelo trânsito em julgado, ou pela prisão após a terceira instância, todos os condenados em segunda instância que estão na cadeia, e não apenas os da Operação Lava Jato, serão libertados. E voltaremos ao tempo em que quase ninguém com dinheiro para contratar um bom advogado ia preso, devido aos inúmeros recursos até chegar ao final do processo.

Essa decisão pode ter ainda uma consequência eleitoral. Mesmo que o plenário decida pelo trânsito em julgado, Lula continuaria sem poder se candidatar, pois pela Lei de Ficha Limpa um condenado em segunda instância está inelegível por oito anos após o cumprimento da pena.

Se a Segunda Turma do STF não anular o julgamento que o condenou por corrupção no caso do triplex, só restará à defesa do ex-presidente tentar retomar uma estratégia jurídica para deslegitimar a própria lei. A defesa de Lula alegará que, se a condenação em segunda instância deixou de ser o final de um processo penal, não pode ser decisiva para uma candidatura eleitoral.

Vai ser outra disputa jurídica que se desenvolverá nos tribunais superiores, e acabará no STF. A exigência de não ter condenação em segunda instância para um candidato é igual à exigência da idade mínima ou ao domicílio eleitoral, não tem nada a ver com a legislação penal. Mesmo porque essa exigência foi aprovada em 1990, quando ainda vigia a exigência do STF do trânsito em julgado para a prisão de um condenado, o que foi substituído pela prisão em segunda instância somente em 2016.

Nunca é demais lembrar, porém, que o ministro Gilmar Mendes faz criticas severas à Lei da Ficha Limpa, e chegou a afirmar certa vez que ela parece ter sido escrita por um bêbado.


Bruno Boghossian: Governo ignora alertas e manipula debate sobre pacote de Moro

Ministro contaminou projeto de combate ao crime com lei mais frouxa para policiais

Sergio Moro disse que vai buscar “denominadores comuns” para aprovar seu pacote de projetos de combate ao crime. O anúncio conciliatório, depois de uma série de choques com a Câmara, foi seguido de um argumento traiçoeiro. O ministro afirmou que as propostas recebem críticas de pessoas que “se dão bem dentro desse sistema”.

O governo aposta na manipulação de uma sociedade polarizada para aplicar suas vontades. Ao insinuar que a resistência serve a corruptos e criminosos, Moro passa o recado de que a lei pode ignorar muita gente que vive o dia a dia da violência.

Na terça (8), Bruna Silva estendeu um uniforme escolar manchado de sangue na mesa do presidente da Câmara. Em junho do ano passado, Marcos Vinícius, de 14 anos, morreu com um tiro nas costas durante uma operação na favela da Maré, no Rio.

“Eu mandei meu filho impecável para a escola, e o Estado me devolveu ele assim”, disse a mãe. Ela diz que o disparo partiu da arma de um policial e pediu que os deputados não aprovem a proposta de imunidade para agentes que matam em serviço. “Vai ser muito sangue derramado.”

O projeto traz avanços que podem ajudar na elucidação de crimes, como a ampliação da coleta de DNA de criminosos, e que podem sufocar facções que controlam o tráfico de drogas, como o endurecimento de regimes de segurança máxima.

Moro, no entanto, abraçou uma obsessão de Jair Bolsonaro e contaminou o próprio pacote. Embora o ministro diga que não instituirá uma “licença para matar”, os itens que afrouxam punições nas mortes provocadas por policiais são um risco.

Na última semana, uma nota produzida pela Comissão Arns afirmou que esses tópicos deixam uma “porta aberta para que o agente, mesmo em legítima defesa, se exceda dolosamente”. Para o grupo de defesa dos direitos humanos, essas normas seriam uma ameaça para os cidadãos.

“Estamos diante de um arcabouço legislativo que, ao contrário de proteger a vida, estimula a sua destruição”, diz o texto.


Ricardo Noblat: A direita expõe a sua divisão

Bolsonaro passa recibo

O apelo de Onyx Lorenzonni, chefe da Casa Civil da presidência da República, para que a direita permaneça unida só faz sentido como admissão velada de que ela está partida ou prestes a se partir. Ao formular o apelo durante encontro de conservadores promovido no fim de semana em São Paulo, Lorenzoni chegou a chorar.

Ou o ministro é muito emotivo ou a situação da direita brasileira inspira cuidados com menos de 10 meses de governo Bolsonaro. Podem ser as duas coisas. O descolamento do presidente da República da defesa candente que sempre fez do combate à corrupção provocou fissuras em sua base de apoio.

Ao nomear o ex-juiz Sérgio Moro ministro da Justiça e da Segurança Pública, Bolsonaro teve a intenção de reforçar seu compromisso com a luta contra a roubalheira de qualquer natureza e o crime organizado que catapultou o Brasil para a cabeceira da lista dos países mais violentos do mundo. Dela tão cedo sairá.

O Caso Queiroz obrigou Bolsonaro a dar meia volta. Por envolver seu filho Flávio, eleito senador, e as ligações entre a família e milicianos do Rio de Janeiro. Foi um golpe forte nas pretensões do presidente. Embora a investigação do caso esteja suspensa por decisão do ministro Dias Toffoli, ela poderá ser retomada em breve.

Bolsonaro tornou-se cedo demais refém da mais alta Corte de Justiça, pois é isso o que ele é e será até o fim do seu mandato. E o Supremo Tribunal Federal, por meio do seu presidente, conseguiu equilibrar o jogo disputado com um presidente recém-eleito que imaginava ter condições de subjugar os demais poderes.

A maioria dos devotos de Bolsonaro pode ainda não ter entendido o que se passa, mas a parcela menor e mais influente entendeu e não gostou. Daí a aflição de gente do tipo Lorenzoni, os garotos Carlos e Eduardo e o autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho. Daí a euforia dos que abandonaram a nau dos Bolsonaros a tempo.

Aspirante a candidato a presidente em 2022, Wilson Witzel, o alucinado governador do Rio, é desde já uma pedra no sapato de Bolsonaro, que disso não cansa de passar recibo. Flerta com o PSL que Bolsonaro fustiga interessado em controlar seu caixa. E tenta tomar dele a bandeira da guerra ao crime.

Pela direita, com o cuidado de distanciar-se de sua ala extremista, trafegam João Doria (PSDB), governador de São Paulo, e o apresentador de televisão Luciano Huck. Moro a tudo observa como se não tivesse interessado. A sucessão de Bolsonaro foi precipitada por ele mesmo à falta de planos para governar.


Vera Magalhães: Pastiche de direita

Bolsonarismo imita alt right americana com dinheiro público e métodos do PT

A foto de Eduardo Bolsonaro abraçado a um mastro com a Bandeira do Brasil, copiando até o semblante “enternecido” de Donald Trump na mesma pose com a bandeira dos Estados Unidos, é o resumo do que é a direita bolsonarista hoje: um pastiche cafona da alt-right norte-americana, sem consistência filosófica e ideológica nenhuma, que se utiliza de dinheiro público do Fundo Partidário e dos métodos do PT para se financiar e se comunicar e envolta em brigas intestinas justamente pela falta de coesão política.

A semana foi tomada por uma crise provocada pelo presidente da República, que decidiu atirar contra seu partido, o PSL, ao tirar uma selfie com um admirador. A partir daí, ameaçou deixar a legenda, os parlamentares que o seguem ficaram que nem barata tonta sem saber para onde iam, mas, por enquanto, fica todo mundo onde está. E por quê?

Porque o PSL enriqueceu na esteira da febre bolsonarista. É ele, por meio da Fundação Índigo, que financia eventos como a versão brazuca da CPAC, feita sob medida para o filho do presidente e candidato a embaixador posar de especialista em relações internacionais e a plateia saudar Trump a plenos pulmões.

Portanto, a “nova direita” brasileira faz o que a velha política sempre fez: se financia com dinheiro público injetado em partidos sem nenhuma identidade programática, por pura conveniência. Também na semana que passou veio à tona em mais detalhes, por meio de reportagem da revista Crusoé, a conexão entre o comando bolsonarista e uma rede de blogueiros, youtubers, sites de propaganda e milicianos digitais, alguns com polpudos salários em cargos públicos e gabinetes, para fritar ministros, tutelar o presidente, assassinar reputações e plantar fake news.

Também nisso a direita bolsonarista bebe dos métodos da alt-right representada por Steve Bannon, que, a despeito de ter sido afastado pelo papai Trump pelo seu potencial tóxico, é idolatrado pela família e pelos assessores do presidente do Brasil.

Mas Bannon não é a única fonte de inspiração: afinal, foi o odiado PT que inaugurou a engenharia de financiar blogs e sites “alternativos” contra o “PIG”, então chamado por Lula e asseclas de Partido da Imprensa Golpista. Os extremos sempre se encontram num ponto: a demonização da imprensa como forma de banir o contraditório e tentar espalhar seu populismo, seja de direita ou de esquerda.

E o que o Brasil colhe em termos de política externa com sua casta dirigente fazendo cosplay do trumpismo para ficar bem na fita com os Estados Unidos? Na semana que passou o saldo foi um mico monumental. A expectativa de que tanta adulação fosse valer um fast track para a entrada brasileira na OCDE, o clube dos países ricos, sucumbiu diante da realidade pragmática: os Estados Unidos continuarão usando a retórica da boa vizinhança com o Brasil, mas na hora do “vamos ver” vão cuidar dos próprios interesses, sobretudo na pauta econômica e comercial.

Bolsonaro e os filhos vivem a ilusão de que sua chegada ao poder representa uma transformação súbita do Brasil – um País desigual social, econômica, cultural e regionalmente – numa pátria de direitistas empunhando a Bíblia e lendo Olavo de Carvalho.


El País: Audácia de invasores na Amazônia divide territórios e mantém rotina de assassinatos na floresta

Pará lidera onda de destruição da mata, onde homicídios fazem parte do dia a dia de cidades como Altamira. Agricultores são ameaçados por grileiros e indígenas assistem a madeireiros desmatarem suas terras sem reação do poder público

A destruição da Amazônia segue a pleno vapor, apesar dos holofotes nacionais e internacionais em torno do tema, incluindo os do Vaticano, que promove até o fim do mês um encontro sobre o bioma. As áreas com alerta de destruição já somam 7.853,91 quilômetros quadrados, 92% a mais que no mesmo período do ano passado, segundo dados do Deter, o sistema de alertas diário do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Em setembro, 1.447 quilômetros quadrados foram destruídos, 96% a mais em relação ao mesmo mês de 2018, ainda segundo o Deter. Em junho, o aumento foi de 90%; em julho, 278%; em agosto, 222%. Ainda que o ritmo do aumento dos alertas tenha diminuído em setembro, 2019 já registrou mais desmatamento que os três anos anteriores, mesmo faltando mais de dois meses e meio para o fim do ano.

Os maiores índices de desmatamento estão no Pará, que abriga imensas áreas de reservas naturais e indígenas cobiçadas por grileiros, garimpeiros e madeireiros. Uma dessas áreas na mira é o território dos Arara, conhecidos por serem guerreiros. Suas terras estão na bacia do rio Xingu e abrangem mais de 274.000 hectares da Amazônia e quatro municípios. Demarcadas em 1991, até hoje invasores colocam em xeque a sobrevivência da selva e dos próprios indígenas que nela habitam. Em fevereiro de 2018, quatro famílias dessa etnia deixaram a aldeia Laranjal, uma das cinco instaladas no interior da floresta, para se estabelecerem na fronteira do território com a rodovia Transamazônica. O cacique Turu, que levou consigo sua esposa, duas enteadas e seus pais, tinha um único objetivo: tentar coibir, até agora sem armas, apenas com sua presença, a ação de invasores que roubam madeiras valiosas. Quase todas as noites saem com caminhões carregados com jatobá, ipê, massaranduba ou angelim. "Já fizemos denúncias, mas até agora não tomaram providências", acusa o homem, de 37 anos.

A terra indígena dos Arara faz fronteira com 35 quilômetros da Transamazônica, entre os municípios de Uruará e Medicilândia – a cidade tem esse nome em homenagem ao ditador Emílio Garrastazu Médici, que governou o país de 1969 a 74. Da rodovia é possível ver dezenas de ramais na mata por onde entram e saem os caminhões e máquinas que, pouco a pouco, vão carcomendo o interior da floresta. "É triste", repete Turu a cada minuto, enquanto pisa nas marcas de pneu e pacotes de cigarro, o rastro dos invasores. Por fora, a mata parece intacta. Dentro há pedaços de tronco e árvores caídas por todas as partes. Muita destruição já foi feita. "É indignante ver que estão roubando algo que é nosso e não poder fazer nada. Nós sobrevivemos da mata, da caça de macacos, jabutis... A nossa briga é para que os brancos não desmatem tudo", explica o cacique, que já trabalhou em fazendas e, agora, pretende plantar cacau na floresta para ter uma fonte de renda. Para isso, precisa de segurança.

Viajar pela rodovia Transamazônica significa viajar no tempo. Enormes trechos permanecem com terra batida e esburacados desde que a ditadura militar decidiu abrir essa imensa rodovia transversal para o unir o Brasil de leste a oeste e colonizar a Amazônia. Pequenas motos ocupadas por até cinco pessoas — adultos e crianças — sem capacetes trafegam pela noite amazonense de faróis desligados em um acostamento que sequer existe. Enormes caminhões levantam a poeira da estrada. O perigo é constante. A impressão que se tem é que tanto a autopista como a população estão abandonadas há 50 anos. Uma constatação que não deixa de ser verdadeira: nessa região do Pará, o Estado peca por sua ausência e os conflitos por terra, ouro e madeira são sangrentos. Povos indígenas como os Arara estão entre os grupos mais vulneráveis. Além da própria floresta amazônica, que vai sendo destruída por serras elétricas e incêndios.

Família trafega pela Transamazônica em uma motocicleta.
Família trafega pela Transamazônica em uma motocicleta. LILO CLARETO

A tensão aumentou desde a eleição de Jair Bolsonaro. O atual presidente brasileiro vem dizendo desde a época da campanha eleitoral ser contra a demarcação de terras indígenas e promete liberar atividades econômicas, sobretudo mineração, nos territórios protegidos pelo Estado brasileiro. De acordo com a Rede Xingu +, formada por aldeias e comunidades da região do Xingu, somente no mês de julho 5.895 hectares de terras indígenas foram desmatadas, um aumento de 213% com relação a junho deste ano e 436% a mais que em julho de 2018. "Assim que o presidente ganhou, entraram nas terras e fizeram uma bagunça", recorda Turu. Os madeireiros já ameaçaram matar um de seus primos. Armados, muitas vezes disparam para o alto para assustar. A audácia desses invasores vem aumentando: da Transamazônica é possível ver estacas de madeira recém colocadas para dividir o território e ocupá-lo de vez.

Saindo da aldeia de Turu e seguindo 270 quilômetros pela Transamazônica está o município de Anapu. O centro urbano em si é pequeno, pobre e pacato. Em uma tarde de domingo de agosto há poucas almas vivas transitando pelas ruas, que abrigam casas humildes e pessoas que trabalham nos comércios ou fazendas da região. Em uma dessas vias está, quase escondido, um enorme depósito da prefeitura com imensas toras de madeiras, todas elas apreendidas pelo IBAMA duas semanas antes em uma das comunidades agricultores assentados pelo INCRA em Anapu. São muitas, centenas. Empilhadas uma sobre a outra, é preciso um breve exercício de escalada para caminhar sobre elas. Naquele mesmo domingo, a Polícia Civil havia encontrado três homens mortos perto de um trator. Pela característica do veículo, tudo indicava que trabalhavam com extração ilegal de madeira, mas as causas da morte ou a identidade dos rapazes não foram esclarecidas. As fotos dos cadáveres ensanguentados perto do veículo rodavam os celulares da população. Era apenas mais um dia normal em Anapu. O Pará se mantém como o quarto estado mais violento do país, com 54,5 mortes por 100.000 habitantes, contra 9,5 de São Paulo, segundo dados de 2018 divulgados recentemente pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Três pessoas foram encontradas mortas pela polícia em Anapu no dia 1 de setembro. As fotos circularam pelos celulares da população.
Três pessoas foram encontradas mortas pela polícia em Anapu no dia 1 de setembro. As fotos circularam pelos celulares da população.

O município, vizinho a Altamira, abriga grandes propriedades de terra e é palco dos mais sangrentos conflitos dessa região do Xingu. Foi lá que a irmã Dorothy Stang, missionária norte-americana da Igreja Católica, desenvolveu os Projetos de Desenvolvimento Sustentável (PDS), comunidades que abrigam centenas de famílias de agricultores que buscam conciliar o cultivo com a preservação da floresta. No início dos anos 2000, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) chancelou a criação dos assentamentos, contrariando os interesses de grandes fazendeiros. A líder religiosa acabou assassinada em 12 de fevereiro de 2005.

As suspeitas recaem para um consórcio maior de latifundiários. O então prefeito de Anapu, Luiz dos Reis Carvalho, e o fazendeiro Laudelino Délio Fernandes — assassinado no ano passado — chegaram a ser apontados como mandantes, mas a participação de ambos nunca foi provada. No final, dois fazendeiros próximos a ele — um deles se escondeu na casa de Délio depois da execução — foram condenados pela execução a tiros de Stang, que tinha 73 anos na época e militava na Comissão Pastoral da Terra (CPT). "Continuamos seu trabalho. Mas, desde sua morte, outras 17 pessoas foram assassinadas na região defendendo suas terras, que são públicas, da União", conta o padre José Amaro Lopes de Sousa, sucessor de Dorothy na CPT de Anapu. Os grandes proprietários da região nunca aceitaram a criação dos PDS, que abarcam áreas que eles dizem ser suas. A família Fernandes, que desembarcou em Altamira no final dos anos 70, adquiriu terras da União ocupadas por colonos que tinham uma espécie de título provisório, o qual deveria ser efetivado caso as terras se tornassem produtivas. Uma prática comum dos grileiros da época era vender essas terras improdutivas no momento em que o Governo retomava a posse dos terrenos. Os imbróglios judiciais com a União permanecem até hoje.

O padre Amaro, em seu quarto durante a conversa com o EL PAÍS.
O padre Amaro, em seu quarto durante a conversa com o EL PAÍS.LILO CLARETO

Desde que o INCRA decidiu assentar famílias nessas terras que a União considera que são suas, entre elas as de Délio Fernandes e seus irmãos, os conflito agrários se acirraram e os assentamentos vêm sofrendo invasões. As famílias vivem sob constante ameaça. Algo que parece ser tendência em todo o Pará, líder em assassinatos ligados a conflitos por terra: cerca de 20 pessoas morreram desde 2015, ainda segundo a CPT. Irmão de Délio, o todo-poderoso Silvério Fernandes, fazendeiro e pecuarista da região — ele diz que a família tem quatro propriedades que somam 12.000 hectares —, acusa a irmã Dorothy e o padre Amaro de estimular invasões ilegais. O sacerdote passou mais de 90 dias preso na penitenciária de Altamira, denunciado pelo fazendeiro por delitos como associação criminosa, ameaça, esbulho possessório (crime contra a propriedade), extorsão, lavagem de dinheiro, entre outros. Foi solto no final de junho e, desde então, reside na vizinha Altamira à espera da conclusão dos processos penais — uma das denúncias, de assédio sexual, já foi arquivada pelo Ministério Público.

Afastado de Anapu, diz ser vítima de uma perseguição política e judicial patrocinada por Silvério Fernandes — que preside dois sindicatos de produtores, foi vice-prefeito de Altamira por oito anos e tentou se eleger deputado estadual em 2018 — e outros latifundiários. "Quem grilou a região de Anapu foram eles, que venderam essa terra onde Dorothy foi morta. Eles vão pegando terras e vendendo. Precisam provar na Justiça que essas terras da União são deles mesmo", acusa o padre. No fim dos anos 90, Silvério e Délio Fernandes foram investigados no caso Sudam, esquema de desvios milionários do organismo responsável por apoiar o desenvolvimento Amazônia. Além disso, a família foi condenada por crimes ambientais que somam quase 30 milhões de reais em multas.

A grilagem à qual o sacerdote se refere é uma das principais atividades ilegais da região de Altamira e seus arredores. Mais de 80% dos produtores e agricultores não possuem os títulos definitivos de suas terras, algo que os próprios sindicatos do setor reconhecem, devido à falta de uma regulamentação fundiária que se arrasta desde que o regime militar começou a colonizar a região. Muitas compras de terra pública estão emperradas na Justiça. Os especialistas explicam que esse limbo legal estimula as invasões e vendas ilegais de terra. Um processo perverso, geralmente patrocinado por endinheirados e executado por trabalhadores pobres que buscam sua sobrevivência, que consiste em invadir áreas de conservação, territórios indígenas, comunidades tradicionais ou assentamentos de pequenos agricultores; desmatar grandes áreas de selva amazônica; incendiar os escombros da floresta; e, por fim, plantar capim e colocar cabeças de gado no lugar. O território passa a ter novos donos. E, com a expectativa de que um dia a situação seja regularizada pelo poder público, como vem sinalizando o Governo Bolsonaro, poderá ser vendido a um preço alto. A especulação imobiliária é, junto com a pecuária e o cacau, um dos principais negócios da região do Xingu.

O casal Edinaldo e Zelma Silva Campos, de 57 e 50 anos, respectivamente, contam estar sofrendo ameaças de grileiros e milícias armadas que há anos invadiram a comunidade onde vivem. "Homens armados encapuzados já invadiram barracos e colocaram famílias para fora. Somos todos ameaçados de morte", conta o homem, indignado com o grupo de cinco grileiros que "roubam madeira, jogam capim e vendem e revendem a terra" do local. Por ser o presidente da associação que reúne as 150 famílias — cerca de 750 pessoas — que tradicionalmente ocupam o lugar, diz ser alvo das ameaças mais graves. A última delas foi a de sequestrar o único filho do casal, de 15 anos. "Eles acham que só assim vão parar nossa luta", afirma a mulher.

Madeira apreendida pelo IBAMA que se encontra no depósito da prefeitura de Anapu.
Madeira apreendida pelo IBAMA que se encontra no depósito da prefeitura de Anapu.LILO CLARETO

Edinaldo pertence a uma família tradicional. Conta que seus pais e avós, que viviam da borracha e da pesca, migraram no começo dos anos de 1970, junto com outras sete famílias, para um território entre os rios Bacajaí e Xingu, no município de Senador José Porfírio. "É uma terra muito boa e muito fértil, com muita água, muita madeira, muito ouro, muita diversidade florestal... E muito cobiçada", explica. Devido à pressão de invasores, formou no começo dos anos 2000, depois que deixou o Exército, a associação de famílias. O Estado do Pará, dono daquele território de 28.000 hectares, reconheceu então que a ocupação e posse daquelas pessoas no lugar era legítima.

Tudo indicava que, ao final de todo o processo burocrático, concederia um título de propriedade coletivo aos associados e seus futuros herdeiros. "Foi a solução que encontramos para vivermos em paz. Mas ainda não nos deram o título", afirma o Edinaldo, enquanto mostra dezenas de documentos públicos e Boletins de Ocorrência que provam seu relato. Acredita que pressões políticas nos organismos públicos vêm impedindo a regularização final do lugar. Enquanto isso não acontece, a pressão da grilagem aumenta. "Eles já derrubaram 6.000 hectares, segundo os dados de 2018. Das 150 famílias, restaram 40 espremidas no cantinho. A maioria foi mandada embora. Estão aqui na cidade esperando para voltar", conta o homem, que vive em Altamira e não pisa em sua comunidade há seis meses.

Crianças brincam na aldeia dos indígenas Arara, no Pará. CLIQUE PARA VER A FOTOGALERIA.
Crianças brincam na aldeia dos indígenas Arara, no Pará. CLIQUE PARA VER A FOTOGALERIA.LILO CLARETO

Seu objetivo final é implantar um ambicioso projeto agroextrativista, desenvolver a agricultura familiar e formar uma cooperativa para conseguir crédito junto a bancos e vender os produtos ali desenvolvidos. Tudo isso conservando a floresta sob a promessa de seguir uma exploração sustentável. "A luta está emperrada por causa de uma morosidade tremenda do poder público. A cada verão a pressão aumenta e exaure o recurso natural para fazer dinheiro fácil. Podemos organizar pesquisas e viabilizar descobertas para a humanidade no território, que pode acabar virando um grande deserto com toda essa pressão", argumenta Zelma. "Esse projeto é minha vida. Já foram na minha casa me oferecer dinheiro, mas eu quero a terra. Temos que acreditar, mas não é fácil", encerra o marido.

É POSSÍVEL UM MODELO MAIS SUSTENTÁVEL?

Marcelo Salazar coordena o Instituto Socioambiental (ISA) em Altamira, uma ONG que promove o desenvolvimento de uma nova economia na região. Apesar de trabalhar principalmente com comunidades indígenas e extrativistas, fala da importância de que médios e grandes agricultores estejam envolvidos. "Há grandes fazendeiros que não apostam na predação a qualquer custo ou na especulação imobiliária. Muitos vêm investindo em consórcios florestais numa linha de diversificação da produção, conciliando com a preservação da floresta", explica. Ele cita o cacau como exemplo. Seu crescente cultivo fez com que a região de Altamira superasse Ilhéus, na Bahia, como produtora. "E as pessoas estão descobrindo que não precisava ter desmatado para plantar cacau. O produto mais valorizado é o cacau sombreado, plantado no meio da floresta. Os produtores mais modernos vão nessa direção, fazendo intervenções cirúrgicas na mata".

O grande problema, acrescenta, é a necessidade de mais tecnologia e canais de comercialização. "São coisas que faltam muito na região. Não necessariamente é algo caro, mas precisa de um ambiente favorável a isso. Seria o papel do Governo, algo que buscamos desempenhar aqui".

Mesmo tentando criar um ambiente de promoção de negócios da floresta, Salazar afirma que há obstáculos como a legislação e a grande quantidade de isenções e incentivos econômicos para a pecuária e a monocultura. "Os compradores estão distantes, então é preciso trazer incentivos para atrair indústrias cosméticas, alimentícias, da borracha, farmacêuticas...", afirma. Com a usina de Belo Monte veio a promessa de uma nova economia na região. "Mas a obra acabou reforçando o que já existia", opina Salazar. Mesmo quem trabalha no agronegócio tem dificuldades de se modernizar na região de Altamira. "Na Amazônia, apenas 13% das terras desmatadas possuem alta produtividade, incluindo as cidades amazônicas. O resto é área de baixa produtividade ou abandonada. É estarrecedor. Cai o discurso de que é preciso desmatar para produzir. É o velho discurso de quem, na verdade, quer ganhar dinheiro com a especulação, o grande mercado da região".


‘Desenvolvimento é um processo complexo’, diz Sérgio C. Buarque à Política Democrática online

Economista defende eficiência econômica e igualdade de oportunidades

Até os anos 1930, o Estado detinha, na média dos países, apenas 6% do PIB. Atualmente, essa fatia passa de 30% na maioria das nações desenvolvidas e flutua entre 35% e 45% nas social-democracias da Europa. A análise é do economista Sérgio C. Buarque, em artigo publicado na 11ª edição da revista Política Democrática online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), vinculada ao partido político Cidadania 23.

» Acesse aqui a 11ª edição da revista Política Democrática online

De acordo com o artigo, o desenvolvimento é um processo complexo e resultado de múltiplos fatores, circunstâncias históricas e escolhas políticas. “Mas não seria exagero afirmar que o desenvolvimento depende, antes de tudo, da relação entre o Estado e o mercado e da forma como ambos atuam, com suas diferentes e complementares contribuições para a geração e a distribuição da riqueza”, afirma ele.

O mercado, segundo o economista, é o espaço de concorrência que favorece a eficiência econômica e estimula a inovação, fator decisivo para o aumento da produtividade do trabalho. “A promoção da justiça social e da igualdade de oportunidades são responsabilidades do Estado, com o provimento dos serviços públicos à sociedade”, diz.

Mas, para isso, o Estado depende da eficiência do mercado e de sua contribuição para o aumento da produtividade, conforme analisa Buarque. “A crise e o atraso econômico e social do Brasil decorrem, em grande medida, da combinação perversa entre um Estado pesado, falido e incompetente, socialmente injusto e apropriado por corporações e grupos de interesses, e um mercado ineficiente e travado pelo protecionismo, pelos elevados encargos sociais e pelo caótico sistema de incentivos e subsídios que distorcem a concorrência”, destaca.

Na avaliação do economista, o Estado brasileiro foi se apropriando, nas últimas décadas, de parcelas crescentes da economia apesar da quase estagnação da produtividade de trabalho e, portanto, dos excedentes econômicos. “Com cerca de 35% do PIB, o Estado brasileiro tem um peso muito próximo aos de países altamente desenvolvidos como a Alemanha, com 36,7% do PIB”, aponta.

A Coreia do Sul, com uma produtividade do trabalho três vezes superior à do Brasil, tem carga tributária de apenas 24,3% do PIB. De acordo com o analista econômico, mesmo assim, o Índice de Desenvolvimento Econômico (IDH) sul-coreano alcançou 0,891, muito superior ao do Brasil (0,744), evidenciando a ineficiência do Estado brasileiro.

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Eliane Cantanhêde: Laranjal e rachadinha

Quadro partidário desolador: o velho caducou, o novo ainda não nasceu

Na “velha política”, o governo de José Sarney alçou o MDB à condição de “maior partido do Ocidente” e os de Fernando Henrique, Lula e Dilma inflaram o PSDB e o PT, que, aliás, se digladiam por décadas. Mas, na “nova política”, ocorre o contrário: já no primeiro ano do governo Jair Bolsonaro, o PSL está às turras e sob risco de voltar a ser nanico, como antes de 2018.

A única comparação possível é com o governo Fernando Collor, que inventou o meteórico PRN de triste memória e ambos afundaram juntos, rapidamente. A diferença é que Bolsonaro e PSL se desvencilham um do outro, mas à tona. O presidente tem o governo, a popularidade e atrai para São Paulo a CPAC, o maior evento da direita internacional, um “Foro de São Paulo” do lado oposto. Mas, na partilha, o PSL fica com a grana.
O quadro partidário é desolador. Com o recorde (talvez mundial) de 32 siglas registradas no TSE, o Brasil não tem partidos reais, programáticos, com líderes fortes. Quantidade não é qualidade. O gigante MDB está à míngua, o PSDB e o PT não são nem sombra do que já foram, o PSL não dá para o gasto.
Se o “velho” caducou, o “novo” ainda não nasceu. Bolsonaro precisava de um partido, o PSL precisava de um candidato. Foi um casamento de conveniência. O divórcio é só uma questão de tempo. Bolsonaro, que pula de galho em galho, já foi do PDC, PPR, PPB, PTB, PFL, PP, PSC e, só “por enquanto”, está no PSL, onde entrou de última hora, abandonando o Patriotas (PEN) na porta da igreja.
O presidente até já recebeu ostensivamente seu consultor para assuntos de partidos – ou melhor, de troca de partidos – e, aparentemente, tem pouco a perder. Já o PSL vai perder quadros, bancada e pode voltar à insignificância, mas tem algo literalmente precioso: muitos milhões do Fundo Partidário e do fundo eleitoral. Já seria ótimo, mas com uma eleição municipal bem aí, em 2020, é excelente.
Agora é saber o que o presidente pretende criar: uma sigla para chamar de sua ou juntar duas já existentes, como o PEN a outro “nanico”. O PSL tem 53 deputados federais e quem sai de um partido fora da “janela partidária” pode perder o mandato, a não ser que saia por “justa causa”. Por isso, Bolsonaro pede auditoria interna: para descobrir corrupção e criar a tal “justa causa”. Até lá, só 20 dos 53 (ou seja, menos da metade) assinaram uma nota meio tortuosa, criticando a cúpula do PSL e exigindo “novas práticas”. Logo, assumindo o lado de Bolsonaro contra Luciano Bivar.
Enquanto isso, a líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann, namora o DEM; o líder do partido no Senado, Major Olímpio, dispara contra os filhos do presidente; Alexandre Frota troca desaforos impublicáveis com eles; e Janaina Paschoal defende “candidaturas avulsas”. Isso só em São Paulo, onde, aliás, João Doria está pronto para acolher o espólio. Mas tem o laranjal de Minas, de Pernambuco e do Rio, onde Wilson Witzel quer ser o novo Bolsonaro do PSL em 2022. Aliás, Bolsonaro tenta a versão heroica de que quer distância de laranjas, mas e das “rachadinhas”, outra praga típica da “velha política” muito ativa na “nova”? Lembram do Queiroz?
A popularidade de Bolsonaro está nos ricos e a de Lula e do PT, no lado oposto, nos pobres. O Data Popular, especializado na classe C, ou média baixa, muito importante para consumo e eleições, acaba de fechar uma pesquisa mostrando que a percepção sobre corrupção é acachapante: 97% acreditam que há corrupção no Legislativo; 96%, nos empresários; 94%, no Executivo e no Judiciário. Ou seja: governos vêm, governos vão, partidos sobem, partidos descem e o “povo” continua com a certeza de que a corrupção é incurável. Bolsonaro está perdendo a marca do combate à corrupção.

Bolívar Lamounier: A boa tartaruga e a lebre malvada

Se estamos patinando numa questão simples, a defesa da democracia, que futuro nos aguarda?

Se é verdade que a democracia brasileira está à beira da morte, precisamos saber quem a está matando e quem, em tese, poderá salvá-la.

Ninguém em sã consciência suporá que a democracia esteja morrendo de morte morrida, sob o efeito de algum fator genérico, ou por causa das queimadas na Amazônia. Democracia é um sistema político, um conjunto de instituições dirigidas por elites investidas em funções de autoridade. Ou seja, por seres de carne e osso. Mesmo uma crise econômica prolongada só lhe é fatal se as referidas elites, ou parte delas, em conluio ou não com grupos situados fora do Estado, conspirarem para liquidá-la. Outra hipótese seria se uma contraelite, vale dizer, um movimento social de grande porte – por definição, desprovido da legitimidade estatal, mas decidido e armado –, quisesse pô-la abaixo.

Ora, no Brasil do tsunami causado por Dilma Rousseff e seu fiel escudeiro Guido Mantega, a ação de massas mais contundente foi a de 2013, um protesto contra o custo do transporte humano e contra os gastos com estádios para a Copa do Mundo de 2014. Em seguida vieram manifestações de apoio à Operação Lava Jato, de caráter inteiramente pacífico. Por exclusão, portanto, o potencial assassino da democracia tem de ser procurado entre as elites estatais, vale dizer, entre as autoridades públicas, num dos três Poderes ou na ação (ou inação) conjunta dos três. Penso que esta proposição expressa de maneira exata o sentimento médio da sociedade neste momento.

Saudável e robusta, convenhamos, a democracia não está. Mas passar ao extremo oposto e dizer que está moribunda é um patente exagero. O que podemos afirmar sem temor de errar é que ela está vulnerável, muito vulnerável, a desacertos de comportamento entre elites institucionais – o Supremo Tribunal Federal (STF) vem logo à mente. Aqui chegamos à nossa segunda indagação. Se existe uma percepção, mesmo exagerada, de que a democracia está fragilizada e de que uma parcela da elite estatal trabalha contra ela, quem terá ânimo e capacidade de organização para impedir a consumação de tal intento?

Não creio que se possa esperar muito do que se convencionou chamar de “sociedade civil”. Com o tempo, caímos na real e entendemos que essa expressão, se não é de todo vazia, diz o contrário do que antes imaginávamos. Faz referência à miríade de grupos aferrados à defesa de interesses estreitos – grupos corporativos –, com a agravante de que não temos atualmente partidos políticos capazes de agregar tais interesses e, assim, neutralizar uma parte do poder que caiu sob o controle deles na estrutura do Estado. Sim, porque partidos políticos, numa acepção rigorosa da expressão, são organizações capazes de agregar interesses, transcendendo a força isolada dos grupos corporativos. A Câmara dos Deputados conta hoje com 28 partidos (siglas), nenhum dos quais controla sequer 20% das cadeiras. Nesse sentido, tanto faz dizer que a Câmara conta com 28 ou com nenhum partido, uma vez que aquele conjunto amorfo não é capaz de deter o processo de corporativização do Estado.

É plausível supor que alguma contraelite – um movimento social de grande porte – encherá os pulmões e sairá às ruas, assumindo diretamente a incumbência de barrar uma derrocada mais séria das instituições. Hipótese, a meu juízo, improvável, desde logo em vista do sentimento de impotência (ou de desânimo ou de indiferença) que se alastrou pelo País à medida que a sociedade percebeu que as elites estatais seriam capazes de frustrar o combate à corrupção. Àquelas altas expectativas se seguiu o referido sentimento de impotência. Alto o galho, duro o tombo.

Penso que a ideia exposta no parágrafo anterior requer dois complementos. O primeiro tem que ver com o que os economistas denominam “teoria da ação coletiva”. Num movimento social de grande porte, cada indivíduo tende a se sentir como um grão de areia numa extensa praia. Sente – e vejam que esse sentimento é profundamente racional – que seu esforço individual pouco acrescenta à força do conjunto. Se o objetivo for alcançado, ele será parte da “vitória”, recebendo uma parcela quase imperceptível do benefício coletivo. Se não o for, ele não será o culpado; aliás ninguém, individualmente, terá de arcar com o sentimento de culpa.

Acrescente-se que a maioria dos cidadãos comuns tem dificuldade de entender o que “defender a democracia” significa como tese abstrata. Não a compreende no diáfano plano das ideologias. Pensemos num simples “panelaço”. Num clima de desânimo generalizado, relativamente poucos empunharão seus utensílios domésticos e irão à janela manifestar sua indignação. Um panelaço não mobiliza ideologias longamente consolidadas. Mobiliza uma atitude recentemente formada, talvez efêmera: a ideia de um “nós” que, aqui e agora, precisa se contrapor a um “eles”. Claro, a indignação contra o STF e o retrocesso no combate à corrupção podem turbinar tal mobilização. Existem, entretanto, divisões também recentes, feridas abertas, que tenderão a dificultar mesmo essa singela ação conjunta.

A conclusão desta fábula é preocupante. Se nós, brasileiros, estamos patinando em cima de uma questão teoricamente simples, a defesa da democracia, que futuro nos aguarda daqui a dez ou 15 anos? Nossa renda anual per capita anda aí pela casa dos US$ 12 mil: metade da de Portugal, igual à de Porto Rico, um quarto da do Mississippi, o mais pobre dos Estados da parte continental dos Estados Unidos. Aumentando 3% ao ano, precisaremos de 25 anos para alcançar Portugal. Essa é a realidade. Fincamos as patas nesse buraco e dele não conseguimos sair. E a lebre malvada (educação, criminalidade, saneamento...) ficará sentada esperando a boa tartaruga? É claro que não.

* Cientista político, sócio-diretor da Augurium Consultoria, é membro das Academias Paulista de Letras e Brasileira de Ciências


Alon Feuerwerker: Uma ideia para os partidos: mais democracia. E o direito do analista a uma ingenuidade anual

Eis que Jair Bolsonaro está às voltas com o problema costumeiro dos presidentes da República. Para consolidar e ampliar a dominância sobre o cenário político, precisa de um, ou mais de um, partido para chamar de seu, e precisa que este(s) lutem por capilaridade nos processos eleitorais.

E tudo começa pela eleição municipal. É nela que se elegem os cabos eleitorais dos deputados federais, sem quem o presidente da República, aí sim, está arriscado a virar rainha da Inglaterra, ou a sofrer coisas ainda piores.

A política brasileira é peculiar. Aqui o sujeito não chega ao poder por ter um partido forte, mas precisa usar o poder para construir um partido forte, sem o que fica ainda mais sujeito a instabilidades, dada a entropia do sistema.

Nenhum presidente eleito desde a democratização contava com, ou conseguiu eleger junto, uma legenda hegemônica, e todos usaram o poder da caneta para alavancar, depois, gente para lhes dar sustentação. Aliás foi, e é, a fonte dos grandes escândalos nacionais.

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Administrações partidárias são complicadas sempre, ainda mais com a massa de recursos proporcionada no Brasil pelo financiamento público. É muito poder. Todo mundo depende do proprietário, ou proprietários, de partido.

Proprietários regra geral eternos, pois inexiste na legislação mecanismo que os obrigue a praticar democracia interna. Eis um motivo, talvez o principal, para tantos partidos: a única garantia de quem tem projeto próprio é ser dono de legenda. Assim é a vida de quem faz política no Brasil.

O sintomático na guerra interna do PSL é inexistir qualquer proposta de resolver a disputa no voto. Nos Estados Unidos seria assim. Ali todas as candidaturas são decididas em primárias.

Ali foi possível Barack Obama derrotar no voto Hillary Clinton. Ali foi possível Donald Trump tratorar todo o establishment republicano.

É curioso que apesar de toda a conversa no Brasil sobre reforma política ninguém proponha uma lei que obrigue os partidos a praticar democracia interna. Curioso e compreensível. Essa mudança não virá nem do Executivo nem do Legislativo.

Já que o Judiciário está curtindo legislar, talvez ele pudesse dar um empurrão. E há argumentos. Se os partidos se financiassem apenas com dinheiro privado seria razoável ninguém meter o bedelho no funcionamento. Mas não é o caso, principalmente depois que passaram a receber montanhas de dinheiro público.

O partido só deveria poder lançar candidato nos municípios onde tivesse diretório eleito em convenção com voto direto e secreto. De preferência eletrônico. Comissão provisória não deveria ser suficiente. E todos os candidatos deveriam ser escolhidos em primárias.

É uma maneira simples de resolver imbroglios como este do PSL. Uma ideia simples e ingênua. Analistas políticos também deveriam ter o direito a, digamos, pelo menos uma ingenuidade anual.

*

O bom de ser considerado "do bem" é poder fazer tudo que faz quem é "do mal", sem entretanto deixar de ser considerado alguém "de bem". Quem duvida deve comparar os vieses da abordagem nas crises venezuelana, equatoriana e de Hong Kong.

 

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação