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RPD || Zulu Araújo: Faremos Palmares de novo

Ações do governo Bolsonaro visam destruir a fundação que é símbolo histórico da luta e resistência pela igualdade racial no país, avalia Zulu Araújo

A criação da Fundação Palmares é parte indissociável da luta democrática ocorrida no Brasil pela derrubada da ditadura militar e retomada da Democracia. A Constituição Cidadã de 1988 é a consolidação dessas conquistas. Ou seja, a Fundação Palmares simboliza a um só tempo a luta pela igualdade racial, social e a defesa da diversidade cultural. Em seu primeiro artigo, está inscrito seu objetivo maior: “Promover a preservação dos valores culturais, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira.”, para “promover e apoiar a integração cultural, social, econômica e política dos afrodescendentes no contexto social do país.”.  

A Fundação Palmares não é, pois, uma instituição qualquer, criada a partir do bolso do colete de um político sagaz, um burocrata esperto ou um ministro sensível. É fruto de um movimento amplo, diverso, um momento histórico. A Palmares é filha dileta da grande mobilização nacional que empolgou o país em 1988, no qual as mulheres, os movimentos dos direitos humanos, da defesa das crianças e combate à intolerância religiosa se uniram aos partidos políticos, para defender o retorno da Democracia ao nosso país.  

Por isso mesmo, a Palmares é a vitória mais importante do movimento negro brasileiro, no século XX. Teve origem na sociedade, foi aprovada pelo Congresso Nacional, e é a primeira instituição do Estado brasileiro incumbida de elaborar políticas públicas de combate ao racismo e promoção da igualdade, a partir da valorização, preservação e difusão das manifestações culturais de origem negra no país. Isto não é pouca coisa. Essa vitória sem precedentes contou com a participação de muita gente, artistas, políticos, religiosos/as, militantes do movimento negro. Lá estavam pretos, brancos, mestiços, indígenas. Gente de esquerda, direita, tais como Ana Célia do (MNU), Embaixador Alberto Costa Silva, Carlos Moura (Comissão de Justiça e Paz), João Jorge (Olodum), Deputados/a Abdias Nascimento, Benedita da Silva e Paulo Paim, Clóvis Moura (sociólogo), Gilberto Gil (artista), Martinho da Vila (artista), Marcos Terena (indígena), Mãe Stela de Oxóssi (Yalorixá) e Zezé Mota (atriz), dentre tantos outros.  

Ao longo de 32 anos de existência, a Fundação Palmares passou por muita dificuldade, superou inúmeros desafios e se firmou como a grande representação política/cultural da comunidade negra brasileira. Conquistas importantes foram alcançadas: o Parque Memorial Quilombo dos Palmares em Alagoas, (10 mil metros quadrados de área construída) o Decreto 4887/03 (certificação e regularização dos territórios quilombolas, com mais de 4.000 reconhecidos), a Lei de Cotas raciais para o Ensino Superior,  ( mais de 1 milhão de estudantes negros, beneficiados), além de apoio a milhares  de projetos, grupos culturais, intercâmbios e trocas de experiências com comunidades negras de todo o mundo, em particular do continente africano.  

A Palmares realizou ações memoráveis como a participação na III Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, (Durban/África do Sul/2001), a II Conferência dos Intelectuais ada África e da Diáspora, realizada em Salvador em 2006 e que contou com a presença de mais de 3.000 intelectuais afrodescendentes do mundo inteiro, assim como a participação no III FESMAN (Festival Mundial de Artes Negras /Senegal/2010), no qual contou com a maior delegação de artistas negros (465). Em que pese as dificuldades orçamentárias, financeiras e de recursos humanos, a Palmares tem cumprido com sua missão.   

Portanto, o que está ocorrendo hoje na Fundação Palmares é algo muito mais profundo do que a maldade de um dirigente mal-intencionado. É a destruição de um símbolo de luta e resistência, dos nossos sonhos de igualdade, diversidade, fraternidade e de respeito ao outro, à religião do outro. Essa destruição está ocorrendo em todos os setores da cultura: patrimônio, memória, linguagens, produção de conhecimento, literatura, enfim, tudo aquilo que signifique inteligência, civilidade, cidadania.  Por isso mesmo, nossa luta precisa ter foco e precisão. Não devemos cair na armadilha da fulanização. O combate é contra um sistema, o governo. E, para tanto, temos de estar juntos para fortalecer a luta democrática e defender a diversidade. E, por fim, incluir na agenda política nacional a luta pela promoção da igualdade racial como algo de todos que são democratas e progressistas, visto que a promoção da igualdade, além de um avanço civilizatório é uma necessidade humana.  

Toca a zabumba que a terra é nossa! 


Zulu Araújo é diretor geral na Fundação Pedro Calmon. É arquiteto, produtor cultural e militante do movimento negro brasileiro, ex-diretor da Casa da Cultura da América Latina/UnB e ex-presidente da Fundação Cultural Palmares.


Zulu Araújo: Primeira prefeita negra de Cachoeira (BA) é ameaçada de morte

Considerada uma joia do Patrimônio Cultural Brasileiro, desde 1971, com belos casarões e igrejas e com bens tombados pelo IPHAN desde 1940, Cachoeira, cidade histórica do Recôncavo Baiano, vive hoje momentos de terror. A prefeita Eliana Gonzaga, primeira mulher e primeira negra eleita para governar a cidade está sendo ameaçada de morte por milicianos políticos. O caso é tão grave que o Governo do Estado da Bahia determinou que a mesma tivesse escolta militar dia e noite.

O drama da prefeita e da cidade começou no dia 15 de novembro de 2020, quando ela, juntamente com sua vice Cristina Pereira, venceram as eleições para a prefeitura com mais de 2.500 votos de vantagem, num universo de 18 mil votos, numa vitória histórica. O derrotado que concorria pela quarta vez a prefeitura foi um grande empresário da região e que continua inconformado. Por conta dessa vitória, Cachoeira não teve mais sossego desde então.

Para quem não sabe, a cidade tem uma importância histórica para a Bahia e o Brasil. Em 25 de junho de 1822, por meio da Câmara Municipal de Cachoeira foi declarada a verdadeira Independência do Brasil e o inicio das sangrentas batalhas que culminaram com a expulsão dos portugueses da Bahia e a declaração de sua independência no dia 2 de Julho de 1823. Por conta dessa atitude corajosa a Cachoeira é conhecida como “Cidade Heroica”.

Se não forem adotadas medidas urgentes e rigorosas contra esses milicianos, Cachoeira pode viver mais uma tragédia. Pois as ameaças não são de brincadeira. Dois dos apoiadores da campanha eleitoral da prefeita já foram assassinados em plena luz do dia sem que até o momento se tenha conhecimento dos autores. São eles, Ivan Passos (morto dois dias após as eleições e Gerolando Silva, assassinado com 10 tiros, em frente à delegacia local.).

Importante dizer que Cachoeira é uma cidade eminentemente negra, com mais de 80% da população de origem africana. Onde os terreiros de candomblés tem uma forte presença, assim como a famosa Irmandade da Boa Morte que é liderada por negras sexagenárias da cidade e encanta o mundo inteiro. Ainda assim, nunca uma mulher negra havia sido eleita para dirigi-la. Ao que parece o racismo e a misoginia se juntaram para impedir que a vontade da população seja respeitada.

“Eu não vou renunciar. Eu não tenho medo. Junto com os meus ancestrais, aqui também pulsa a veia sindical, e muito forte e não sou covarde. A veia do sindicalista não recua”, disse a prefeita, que já foi feirante, líder sindical e vereadora na cidade por dois mandatos. Ela também tem recebido apoios importantes, tanto de entidades do movimento negro baiano, a exemplo da Unegro, do Movimento de Mulheres e de parlamentares de todas as matizes, como a deputada federal Lidice da Mata, que denunciou as ameaças durante audiência na Procuradoria da Mulher da Câmara Federal. Enfim, essa luta também é nossa, afinal, não podemos permitir que uma nova Marielle Franco se materialize na nossa querida Cachoeira.


Desastre de Bolsonaro e incapacidade de governar são destaques da nova Política Democrática Online

Revista da FAP analisa o resultado das eleições em direção diferente a da polarização de 2018; acesso gratuito no site da entidade

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

O recado das urnas em direção oposta à da polarização de dois anos atrás, o desastre da gestão governamental de Bolsonaro que gerou retrocesso recorde na área ambiental e a incapacidade de o presidente exercer sua responsabilidade primária, a de governar, são destaques da revista Política Democrática Online de dezembro. A publicação mensal foi lançada, nesta quinta-feira (17), pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), que disponibiliza a íntegra dos conteúdos em seu site, gratuitamente.

Clique aqui e acesse a revista Política Democrática Online de dezembro!

No editorial, a publicação projeta o que chama de “horizonte sombrio”. “Na situação difícil que se desenhou em 2020, é preciso reconhecer que o governo obteve vitórias inesperadas. Conseguiu, de maneira surpreendente, eximir-se da responsabilidade pelas consequências devastadoras, em termos de número de casos e de óbitos, da progressão da pandemia em território nacional”, diz um trecho.

Em entrevista exclusiva concedida a Caetano Araújo e Vinicius Müller, o professor do Departamento de Ciência Política da USP (Universidade de São Paulo), José Álvaro Moisés, avalia que existe, no Brasil, um vácuo de lideranças democráticas e progressistas capazes de interpretar o momento e os desafios do país e que possam se opor com chances reais de vencer Bolsonaro nas eleições de 2022.

Moisés, que é coordenador do Grupo de Trabalho sobre a Qualidade da Democracia do IEA (Instituto de Estudos Avançados) da USP, o grande desafio da oposição para superar o Bolsonarismo é o de se constituir em uma força com reconhecimento da sociedade. Isso, segundo ele, para garantir a sobrevivência da democracia e, ao mesmo tempo, adotar estratégias adequadas para a retomada do desenvolvimento do País.

Outro destaque é para a análise do historiador e professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista) Alberto Aggio, que avalia que “o Ano 2 – como dizem os jovens – ‘deu mal’ para Bolsonaro”. Ao final de 2020, diz o autor do artigo, o destino o presidente é cada vez mais incerto, com popularidade declinante e problemas políticos de grande magnitude. “Com a derrota de Donald Trump nas eleições presidenciais norte-americanas, perdeu seu principal referente ideológico”, afirma Aggio.

“O isolamento internacional do País é sem precedentes, depois de desavenças com a China e a União Europeia. Sob pressão, Bolsonaro estará forçado a uma readequação na política externa. Não haverá futuro caso não se supere a redução do Brasil a ‘País pária’ na ordem mundial, admitido de bom grado pelo chanceler Ernesto Araujo”, acrescenta o professor da Unesp.

Ex-ministro da Reforma Agrária, Defesa Nacional e Segurança Pública e ex-deputado federal, Raul Jungmann analisa, em seu artigo, a necessidade de dialogar e liderar as Forças Armadas na definição de uma defesa nacional adequada ao Brasil. Isso, segundo ele, “é um imperativo da nossa existência enquanto nação soberana”.  “Construir essa relação, levar a sério nossa defesa e as FFAA, assumir as responsabilidades que cabem ao poder político e as nossas elites, é também uma questão democrática, incontornável e premente”, assevera.

O conselho editorial da revista Política Democrática Online é formado por Alberto Aggio, Caetano Araújo, Francisco Almeida, Luiz Sérgio Henriques e Maria Alice Resende de Carvalho.

Veja lista de todos os conteúdos da revista Política Democrática Online de dezembro:

  • José Álvaro Moisés: ‘O Bolsonarismo entrou em crise porque ele não tem conteúdo nenhum’
  • Cleomar Almeida: Vítimas enfrentam longa via-crúcis no combate ao estupro
  • Charge de JCaesar
  • Editorial: Horizonte sombrio
  • Rodrigo Augusto Prando: A politização da vacina e o Bolsonarismo
  • Paulo Ferraciolli: RCEP, o maior tratado de livre-comércio do mundo
  • Paulo Fábio Dantas Neto: Em busca de um centro – Uma eleição e dois scripts
  • Bazileu Margarido: Política ambiental liderando o atraso
  • Jorio Dauster: Do Catcher ao Apanhador, um percurso de acasos
  • Alberto Aggio: Bolsonaro, Ano 2
  • Zulu Araújo: Entre daltônicos, pessoas de cor e o racismo
  • Ciro Gondim Leichsenring: Adivinhando o futuro
  • Dora Kaufman: Transformação digital acelerada é desafio crucial
  • Henrique Brandão: Nelson Rodrigues – O mundo pelo buraco da fechadura
  • Hussein Kalout: A diplomacia do caos
  • João Trindade Cavalcante Filho: O STF e a democracia
  • Raul Jungmann: Militares e elites civis – Liderança e responsabilidade

Leia também:

Confira aqui todas as edições da revista Política Democrática Online


RPD || Zulu Araújo: Entre daltônicos, pessoas de cor e o racismo

Jovens representam 77% dos 33 mil negros mortos anualmente no Brasil. Cobranças de medidas efetivas para dar um basta na tragédia que é o racismo estrutural brasileiro ganham força em todo o país

A barbaridade da qual foi vítima o cidadão João Alberto Silveira Freitas, no estacionamento do supermercado Carrefour em Porto Alegre, que resultou na sua morte, foi um catalisador sem precedentes da indignação que paira no Brasil, de há muito, no tocante à violência racial e ao racismo contra a comunidade negra brasileira. Naquelas cenas brutais que o Brasil inteiro presenciou, estava simbolizado, em estado bruto, aquilo que os intelectuais chamam de Racismo Estrutural.  

As denúncias sobre o recrudescimento do racismo no país vêm de longe e têm funcionado quase como um mantra no movimento negro brasileiro, embora boa parte da sociedade faça ouvidos de mercador para essa tragédia. Até mesmo importantes setores do Executivo, Legislativo e Judiciário que deveriam combater essas mazelas terminam estimulando-as por omissão. Mas os fatos estão ficando tão escandalosos que não dá mais para esconder, nem deixar de se indignar.  

Até porque as causas do racismo e da discriminação no país não são episódicas, mas históricas. Ignorar os efeitos nefastos que mais de 350 anos de escravidão produziu não é uma opção política, é uma estupidez. Estupidez essa que não só possibilita a exclusão de milhões de pessoas do exercício da sua cidadania plena, bem como tem ceifado a vida de outros milhares.  

“No Brasil, não só existe racismo, como ele é estrutural; condiciona, e normatiza praticamente todas as relações no país, sejam elas de caráter interpessoal, econômica, social, política, cultural ou religiosa”
Zulu Araújo

Não surpreende mais ninguém que a juventude negra brasileira tem sido o alvo preferencial dos aparatos de segurança pública e privada, assim como de gangues e milícias que proliferam país afora. Os números do Atlas da Violência falam por si só: essa juventude representa 77% dos jovens assassinados no país, algo em torno de 33 mil jovens mortos anualmente. Até mesmo organismos internacionais, como Unesco, Anistia Internacional e Unicef têm-se mobilizado por meios de campanhas, alertando o governo brasileiro para a gravidade da situação.  

Autoridades, instituições públicas e privadas e até mesmo a imprensa, quase sempre complacente com estes episódios, se indignaram e estão cobrando medidas efetivas para que possamos dar um basta nessa tragédia que é o racismo estrutural brasileiro. O fato soou como um alerta, ou melhor, como um recado de que o ocorrido nos Estados Unidos com o afrodescendente americano George Floyd não era exclusividade de lá, como muitos por aqui tentam insinuar, e que por isto mesmo a sociedade brasileira precisava reagir.      

Mas, apesar de toda a comoção, as declarações de duas principais autoridades públicas do país foram decepcionantes. Uma afirmou que era daltônico e, portanto, não se manifestaria sobre o assunto; e a outra desconheceu a existência do racismo em nosso país, fazendo uso de uma expressão racista: “no Brasil, o que existe são pessoas de cor em situação de desigualdade”.  

Lamentavelmente, essas declarações terminam por funcionar quase como um passaporte para impunidade, tanto no que diz respeito à violência praticada no país, desde sempre, como para a reparação histórica, tão importante para nosso povo. E, em grande medida, são autoexplicativas para a gravidade do problema racial no Brasil.  

Afinal, um país que viveu um dos mais longos períodos escravistas da história da humanidade e que tem a maioria de sua população de origem africana vivendo em condições sub-humanas – submetidas a toda sorte de violência, nos mais baixos extratos sociais em quaisquer itens que são pesquisados, como educação, saúde, moradia, emprego e renda – não pode ter essa realidade desconhecida.  

Em verdade, no Brasil, não só existe racismo, como ele é estrutural, condiciona, e normatiza praticamente todas as relações no país, sejam elas de caráter interpessoal, econômica, social, política, cultural ou religiosa. E não obteremos sucesso na promoção da igualdade racial, nem a plenitude democrática, se não reconhecermos a existência do racismo e, daí, não gerarmos políticas públicas que tanto o combatam como promovam a igualdade.    

Ainda bem que parcela significativa da sociedade brasileira tem não só se manifestado de forma indignada ante o atual quadro de desigualdades no país, mas também começa a se mobilizar para sua superação. E, neste sentido, o movimento negro brasileiro precisa liderar este processo e estabelecer uma agenda política que, além da mobilização da comunidade negra, crie mecanismos de incorporação e participação dos não negros nessa luta, visto que o racismo constitui um prejuízo para toda a sociedade e não só para os negros.  

Toca a zabumba que a terra é nossa!

(*) Zulu Araújo é Arquiteto, Gestor Cultural, Mestre em Cultura e Sociedade, Ex-Presidente da Fundação Palmares, Diretor Geral da Fundação Pedro Calmon/Secult/Ba. e militante do Movimento Negro Brasileiro.


Zulu Araujo: Nu com a mão no bolso

Não poderia existir metáfora mais adequada para traduzir a grave situação do Brasil que o ditado popular que dá título a este artigo. O diversionismo estabelecido por setores da sociedade brasileira em um falso dilema – isolamento horizontal/isolamento vertical ou economia versus saúde, esconde em verdade um drama muito mais profundo que o país padece e que sua elite dirigente tenta esconder a todo custo.

Numa velocidade estonteante a pandemia do Coronavirus pôs a nu toda a farsa da pujança da nossa economia e deixou à mostra a dura realidade em que vive a maioria do povo: sem emprego, sem dinheiro, sem assistência social, sem saúde e sem futuro.

O chamado confinamento vertical para idosos, é nada mais nada menos que a Lei do Sexagenário rediviva, (Lei n.º 3.270, promulgada em 28 de setembro de 1885, garantindo liberdade aos escravos com 60 anos ou mais, com o pagamento de indenização. A indenização deveria ser paga pelo liberto, sendo obrigado a prestar serviços ao seu ex-senhor por mais três anos ou até completar 65 anos de idade). Parece brincadeira, mas não é. Nessa equação, vidas humanas não importam, ainda mais se forem de velhos, negros e pobres. Qualquer semelhança com o momento atual não é mera coincidência.

Em verdade, a pandemia expôs as vísceras do pensamento genocida e eugênico de parte da elite do país. Além disso, a pandemia está revelando, que apesar da precariedade do sistema público de saúde, a salvação da lavoura, está sendo o SUS, tão demonizado pelos empresários dos planos de saúde e que era alvo de um desmonte sem precedentes.

Do mesmo modo, a precariedade da informalidade no campo do trabalho, cantada em prosa e verso como “empreendedorismo” está deixando à mostra o seu lado mais cruel. São milhões de pessoas que ganham dinheiro agora para comer daqui a pouco, não tendo o direito sequer de cuidar da sua saúde. O desespero das pessoas na busca do auxilio emergencial, escancarados nas câmeras de tvs são sinais dolorosos dessa vulnerabilidade.

Enquanto isso o Banco Central anuncia um conjunto de medidas que deve disponibilizar para os bancos (setor mais lucrativo do país) algo em torno de  1 trilhão e 216 bilhões de reais  (dez vezes mais o apoio dado em 2008, quando da crise econômica), correspondendo a 16,7% do Produto Interno Brasileiro e para os 70 milhões de informais, 60 bilhões de reais, representando não mais do que 1% do PIB nacional, segundo a Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado da República. É assim que se manifesta a desigualdade no Brasil.

Não fosse a forte pressão do Poder Legislativo e do Judiciário, juntamente com Governadores e Prefeitos sobre o Executivo Federal, e nem essa migalha de 600 reais o povão teria direito, pois a tese no Executivo é de que pouco importa quantos morram, pois a economia não pode parar.

E por mais que nos incomode, a pandemia também está revelando a dimensão política da pobreza. Aproximadamente um terço da população tem apoiado as teses genocidas. A ignorância e desinformação, tem sido presa fácil dos obscurantistas de plantão. E nesse território de carências o povo tem sido facilmente manipulado, sendo terreno fértil para o florescimento do fascismo. Não por acaso a pregação aberta do racismo, da intolerância religiosa, da homofobia e da volta da ditadura tem obtido tanto apoio.  E as grandes vitimas dessa perversidade histórica são e serão os pretos e pobres da sociedade brasileira.

O momento é grave e não podemos vacilar. Temos que juntar as forças democráticas de todos os campos, (político, empresarial, religioso, cultural, popular, etc.), em especial o movimento negro e enfrentarmos o obscurantismo que nos ameaça, em todos em todos os espaços, pois para nós, além de combater o vírus, precisamos garantir a democracia, que ela é oxigênio vital para uma sociedade saudável.

Toca a zabumba que a terra é nossa!