Weiller Diniz

Weiller Diniz: À sombra mortal da suástica

Entre os métodos recorrentes de Jair Bolsonaro para conspirar contra a democracia representativa, avacalhando as instituições, muitos têm inspiração nefasta no nazismo: hostilizar a liberdade de imprensa diariamente, atribuir todos os malogros aos comunistas (esquerda e o PT), incensar a mitomania ignorante, reforçar o ideário de reiteração de mentiras, apostar na propaganda maciça de falsidades alienantes, o culto à morte, o belicismo, a militarização dos cargos públicos civis e a disseminação do ódio contra todas as minorias, adversários, pensadores, escritores e a academia. O que o capitão diz, pensa e faz tem similitudes despudoradas com o nazismo. Ele trama sua própria noite dos cristais, uma ruptura já vocalizada em várias oportunidades, ora pelo próprio capitão, ora pelos filhos, ora por aliados e intentada por seu preceptor diabólico, Donald Trump, após ser repelido pelo eleitor.

A selvageria assassina no capitólio dos EUA, perpetrada por ogros simpatizantes de Trump, assombrou o mundo, escancarou a barbárie do extremismo de direita e, óbvio, obteve o endosso tosco do capitão. “O pessoal tem que analisar o que aconteceu nas eleições americanas agora, basicamente qual foi o problema, a causa dessa crise toda: falta de confiança no voto. Lá, o pessoal votou e potencializaram o voto pelos Correios por causa da tal da pandemia e teve gente que votou três, quatro vezes. Mortos votaram, foi uma festa lá. Ninguém pode negar isso daí, então a falta de confiança levou a esse problema que está acontecendo lá. E aqui no Brasil se tivermos o voto eletrônico em 22 vai ser a mesma coisa, a fraude existe”. As ativações golpistas da sua base desmiolada são rotineiras e majoritariamente inverídicas, como as delirantes fraudes eleitorais aqui e nos EUA.

Mais uma vez sem provas, o capitão investiu para deslegitimar as instituições, sabotou a democracia, espancou a Justiça Eleitoral e atentou contra o livre exercício dos poderes. Os pedidos de impeachment por crime de responsabilidade se acumulam quase na mesma proporção das estéreis notas de repúdio de autoridades a cada coice autoritário vindo da estrebaria presidencial. O STF toca 3 inquéritos sensíveis (fake news, atos golpistas e uso político da Polícia Federal). O TSE tem ainda processos sobre possíveis fraudes eleitorais para julgar. Ou seja, os poderes Legislativo e Judiciário, cumprindo seu papel institucional, têm mecanismos democráticos para, além dos protestos burocráticos, abortar a índole despótica e impedir os retrocessos que estão envenenando a democracia brasileira.

Em outra manifestação de inclinação nazista o capitão opinou por segregar o que ele qualificou de alunos “atrasados”. “O que acontece na sala de aula: você tem um garoto muito bom, você pode colocar na sala com melhores. Você tem um garoto muito atrasado, você faz a mesma coisa. O pessoal acha que juntando tudo, vai dar certo. Não vai dar certo. A tendência é todo mundo ir na esteira daquele com menor inteligência. Nivela por baixo. É esse o espírito que existe no Brasil”, pontificou o falso pedagogo Bolsonaro com a mesma desfaçatez de um charlatão que prescreve medicamentos inúteis para Covid 19.

Adolf Hitler e seus facínoras deportavam e encarceravam em campos de concentração pessoas com deficiência, judeus, gays, comunistas e dissidentes. A eugenia, sinônimo de barbárie, foi a base do terror nazista e deve ser lembrada para que não se repita. “Menor inteligência” é mesmo um campo fértil e vasto para os “atrasados” bolsonaristas.

Otto Adolf Eichmann foi o carrasco da sanguinária SS que comandou a política de segregação em guetos e o extermínio na Segunda Guerra. À exemplo de Eduardo Pazuello, o coronel hitlerista também era especializado em logística, a logística do holocausto e da morte no confinamento. Eichmann fugiu após a derrota alemã, mas foi capturado pelo serviço secreto de Israel, o Mossad, em 1960 na Argentina. Levado a Israel foi julgado, condenado e enforcado em 1962 por 15 crimes. Além de Augusto Pinochet, Jorge Videla e Slobodan Milosevic, Eichmann é outro exemplo de que crimes contra a humanidade, morticínios e genocídios não ficam impunes. O “dia D e a hora H” de Pazuello, o pesadelo, trarão o castigo para o escárnio diante dos milhares de mortos. O dia D (desembarque na Normandia) na Segunda Guerra Mundial foi também o começo do fim do terror hitlerista.

Há mais sombras nazistas no governo. A Secretaria de Comunicação da Presidência, chefiada por Fábio Wajngarten, produziu uma peça publicitária em maio de 2020, em plena ascensão da pandemia contra o isolamento social. Ela foi compartilhada pelo capitão e, em determinado trecho afirma: “O trabalho, a união e a verdade nos libertará”. Há dois erros grosseiros. O de concordância e a inconcebível correspondência fúnebre à famosa inscrição nazista na entrada do campo de concentração de Auschwitz, na Polônia: “Arbeit macht frei” (o trabalho liberta). A incorreção gramatical foi corrigida posteriormente. O conteúdo e as semelhanças da peça com nazismo são eternas como as câmaras de gás. Um dos terroristas no vandalismo na sede do Congresso norte-americano usava uma camiseta propagandeando Auschwitz. O chefe da diplomacia isolacionista e servil aos EUA, Ernesto Araújo, também foi pressionado a se retratar por comparar erroneamente o isolamento social imposto por uma pandemia aos campos de concentração.

Em janeiro de 2020, ao som de Richard Wagner (compositor predileto de Adolf Hitler), o secretário de Cultura de Bolsonaro, Roberto Alvim, plagiou trechos de um pronunciamento do ministro da propaganda nazista, Joseph Goebbels: “A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional. Será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional e será igualmente imperativa, posto que profundamente vinculada às aspirações urgentes de nosso povo, ou então não será nada”, afirmou Alvim em vídeo. Goebbels havia dito: “A arte alemã da próxima década será heroica, será ferrenhamente romântica, será desprovida de sentimentalismo e objetiva, será nacional com um grande pathos e será ao mesmo tempo imperativa e vinculante – ou não será nada”, disse Goebbels em seu discurso. A fala de Alvim resgata a grande queima de livros em 1933 na Alemanha, quando Hitler já era chanceler, em nome de uma “limpeza” cultural.

A convergência de valores revela muito da índole dos integrantes do governo. A sucessora de Alvim, Regina Duarte, também demonstrou um repulsivo desprezo pelas vidas subtraídas por governos autoritários e minimizou os métodos nazistas: “Bom, mas sempre houve tortura. Meu Deus do céu… Stalin, quantas mortes? Hitler, quantas mortes? Se a gente for ficar arrastando essas mortes, trazendo esse cemitério… Não quero arrastar um cemitério de mortos nas minhas costas e não desejo isso pra ninguém. Eu sou leve, sabe, eu tô viva, estamos vivos, vamos ficar vivos. Por que olhar pra trás? Não vive quem fica arrastando cordéis de caixões”. Regina Duarte foi usada e, depois, expelida pelo governo que arrasta um cemitério de mortos nas costas e, até aqui, mais de 200 mil caixões pela inépcia no enfrentamento da Covid 19.

As excreções purulentas do nazismo não passaram despercebidas pelo ex-ministro Celso de Mello do STF. Em junho de 2020, anotou com a justificável ênfase maiúscula: “GUARDADAS as devidas proporções, O “OVO DA SERPENTE”, à semelhança do que ocorreu na República de Weimar (1919-1933), PARECE estar prestes a eclodir NO BRASIL! É PRECISO RESISTIR À DESTRUIÇÃO DA ORDEM DEMOCRÁTICA, PARA EVITAR O QUE OCORREU NA REPÚBLICA DE WEIMAR QUANDO HITLER, após eleito por voto popular e posteriormente nomeado pelo Presidente Paul von Hindenburg, em 30/01/1933, COMO CHANCELER (Primeiro Ministro) DA ALEMANHA (“REICHSKANZLER”), NÃO HESITOU EM ROMPER E EM NULIFICAR A PROGRESSISTA, DEMOCRÁTICA E INOVADORA CONSTITUIÇÃO DE WEIMAR, de 11/08/1919 , impondo ao País um sistema totalitário de poder viabilizado pela edição , em março de 1933 , da LEI (nazista) DE CONCESSÃO DE PLENOS PODERES (ou LEI HABILITANTE) que lhe permitiu legislar SEM a intervenção do Parlamento germânico!!!! “INTERVENÇÃO MILITAR”, como pretendida por bolsonaristas e outras lideranças autocráticas que desprezam a liberdade e odeiam a democracia, NADA MAIS SIGNIFICA, na NOVILÍNGUA bolsonarista, SENÃO A INSTAURAÇÃO, no Brasil, DE UMA DESPREZÍVEL E ABJETA DITADURA MILITAR !!!!”

Mello tem razão. Eles rastejam entre nós chocando um novo ovo da serpente, maquinando uma noite dos cristais, como no ataque contra o STF em junho de 2020. Oportuna a lembrança dos versos do pastor Friedrich Gustav Emil Martin Niemöller: “Quando os nazistas vieram buscar os comunistas, eu fiquei em silêncio; eu não era comunista. Quando eles prenderam os sociais-democratas, eu fiquei em silêncio; eu não era um social-democrata.

Quando eles vieram buscar os sindicalistas, eu não protestei; eu não era um sindicalista. Quando eles buscaram os judeus, eu fiquei em silêncio; eu não era um judeu. Quando eles me vieram buscar, já não havia mais ninguém para protestar.” Os versos sintetizam a infame perseguição de Adolf Hitler a comunistas, demais esquerdistas (inclusive os moderados), judeus, sindicalistas, homossexuais, oponentes, ciganos entre outros. O que atalhou esse período de terror e da banalização da vileza foi a derrota na segunda guerra simbolizada pela invasão ao bunker de Hitler em Berlin em 30 de abril de 1945. A operação das tropas soviéticas que encontrou Hitler morto foi batizada de “Mito”.


Weiller Diniz: A maldição do capitão

A nostalgia é o insondável sentimento da recusa ou negação do tempo, do espaço ou de ambos. É o sempre querer estar alhures, desejar retroagir. A república brasileira do século XXI é uma sentença esmaecida da nossa ancestralidade. Depois de 5 séculos, ao menos 5 cruéis e pesadas heranças nos agrilhoam ao passado colonial: a inexperiência de administradores, a descontinuidade de projetos, pandemias, a autonomia das capitanias em relação ao poder central, além de um desonroso e obscuro sebastianismo.

Após o ‘achamento’, em 1500, o Brasil amargou 30 anos de completo abandono pela coroa portuguesa. A ambição e entusiasmos concentravam-se nas Índias de Vasco da Gama. Durante 3 décadas de descaso, o país esteve entregue a saqueadores, mercenários, náufragos, traficantes, contrabandistas de pau-brasil e malfeitores de toda ordem. São os nossos primórdios. Terra de ninguém e reles ilha do desdém. A mais pesada das heranças lusitanas, o acaso, mais uma vez, nos pariu.

A embarcação francesa “Peregrina” foi, casualmente, pilhada em um entreposto comercial com toneladas de pau brasil, peles de animais, algodão e aves silvestres. Féria de meses de pirataria francesa em domínios portugueses, o Brasil. Rapinagem e tratados diplomáticos desprezados pela França, coagiram Portugal a colonizar o Brasil para abortar o dreno das riquezas. “Era o prenúncio de tempos sombrios”, pontuou o escritor Eduardo Bueno em “Capitães do Brasil”.

Em meio ao surto de uma pandemia dizimadora – a peste negra que matou D. Manuel, o Venturoso – inaugurou-se o arrendamento brasileiro, a leste de Tordesilhas e, com ele, iniciou-se nossa desventura. Foram rabiscadas 15 donatarias ou capitanias. Os aquinhoados – começo do compadrio e pioneiros do nepotismo – foram escolhidos em conchavos e lobbies junto aos amigos do rei, D. João III. A nobreza, infantes, condes e duques desdenharam a cortesia ultramarina. Aqui desembarcaram, majoritariamente, aqueles de mais baixa patente. Das 15 extensas faixas de terra, 12 foram dadas a capitães e parentes. Alguns jamais pisaram em suas posses.

O colapso do modelo expropriatório não tardou. O fracasso das capitanias foi outro pesado legado. Os capitães não tinham aptidão ou vocação para administrar. Eram íntimos das armas, do conflito, da beligerância e da morte. Administrativamente eram inexperientes, despreparados, desinteressados e sem projetos para desenvolver as propriedades. À exceção de duas capitanias, os capitães naufragaram em terra firme. Uma das heranças mais perversas – as sesmarias – nos amaldiçoaram para a eternidade. É o DNA do modelo latifundiário, da escravidão, monocultura e estratificação social.

Os capitães tinham poderes absolutistas em suas posses. Administrativamente podiam explorar as riquezas, doar as sesmarias e cobrar impostos; politicamente faziam as próprias leis com poder de escravizar; judicialmente tinham o poder de prender, arrebentar e matar. As leis eram circunscritas aos limites geográficos das capitanias. Cada estado forjava sua lei. A Coroa – ávida pelos 10% dos capitães e o quinto de 20% das riquezas minerais – desprezava o barril de pólvora na iminência de explodir em razão dos conflitos internos. A alternativa ao descalabro foi o centralismo da administração em 1548, com o 1 governo-geral.

A anarquia colonizadora ocorreu em meio ao sebastianismo ou mito sebástico. Um fenômeno de tola crendice popular envolvendo o falecimento de rei português, D. Sebastião, “O Desejado”. Morto em uma batalha na África e sem localização do corpo, disseminou-se um movimento messiânico de salvação através do renascimento do rei. A espera do ressurgimento do mito salvador se espalharia pelo mundo.

Jair Bolsonaro é o atual capitão da donataria. É um peregrino que gosta de predicações golpistas, sabota a ciência e tem desvarios monárquicos absolutistas. É a síntese do Brasil colônia: atrasado, belicoso, primitivo, desprezado pelo mundo e condenado a ruína. A estreiteza para gerir o Brasil é notória e antecede a pandemia. Não apresentou projetos ao país e troça com o diversionismo incensado por abjetas criaturas do rei e o gabinete do ódio. O esvaziamento político, derivado da inépcia, levou o capitão ao isolamento, como no período pré-colonial.

A federação vem sendo redesenhada por travas do Supremo Tribunal Federal. Os estados – como no Brasil colônia – tocam autonomamente a proteção sanitária a despeito do charlatanismo presidencial. As comichões autocráticas, típicas dos capitães de outrora, são democraticamente rechaçadas pelas instituições e o isolamento vai se transformando em confinamento. O débil sebastianismo também é indesejado e será exorcizado. Tampouco conseguirá restaurar os poderes absolutistas dos seus antepassados capitães.