voto

O Brasil tem a terceira maior população carcerária do planeta | Foto: Jefferson Botega/Agência RBS

Revista online | Eleições atrás das grades

João Marcos Buch*,especial para a revista Política Democrática online (47ª edição: setembro de 2022)

– Sim, se vocês votassem, provavelmente a condição degradante da prisão chamaria mais a atenção das autoridades!

Eu estava em inspeção na unidade prisional e, ao passar por uma galeria com presos sem acesso a trabalho e estudo, alguns me questionaram sobre reformas legislativas e políticas governamentais para o encarceramento. Respondi que, infelizmente, não havia política consistente na atualidade, já que a ótica é apenas a do encarceramento. Acrescentei, porém, que uma eleição se avizinhava e era importante saber o que os candidatos propunham. Um deles lembrou que os condenados não podem votar e que os presos provisórios até podem, mas não conseguem.

De fato, o artigo 15, inciso III, da Constituição Federal, estabelece que a perda ou suspensão dos direitos políticos se dá no caso de condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos.

Daí se retiram duas situações: (1ª) os condenados, com sentença transitada em julgado, têm seus direitos políticos suspensos – lembre-se de que há condenados por determinados crimes, como os de improbidade, que têm os direitos políticos suspensos por tempo maior, para além do cumprimento da pena –; e (2ª) os presos em caráter provisório, inclusive aqueles que recorreram das condenações, mas que já iniciaram o cumprimento provisório da pena, mantêm os direitos políticos, ou seja, o direito de votar.

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Quanto à primeira situação, do condenado em definitivo, o que se deve ter em conta é que a norma constitucional não pode ser interpretada de maneira literal. Em uma hermenêutica constitucional consistente, respeitados entendimentos contrários, o certo é que a suspensão dos direitos políticos não pode ser automática e genérica. Por isso, precisa seguir o princípio da culpabilidade, da individualização da pena. A questão não é nova, e até mesmo o Tribunal Europeu de Direitos Humanos, no caso Hirst c. Reino Unido, de 2005, entendeu que viola a Convenção Europeia de Direitos Humanos a restrição automática e genérica ao direito ao voto enquanto presentes os efeitos da condenação penal.  

Entretanto, como a matéria está longe de ser pacificada, passa-se à segunda situação. Esta, sim, sem conflito interpretativo. Efetivamente, o preso provisório tem direito de votar. Acontece que essa realidade ainda está distante. 

Tomem-se os dados do pleito de 2018, por exemplo. Naquele ano, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou que os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) disponibilizassem seções eleitorais nos estabelecimentos penais, a fim de que os presos pudessem exercer sua cidadania por meio do voto (Resolução TSE n.23.554/2018). Neste ano de 2022, a Resolução TSE n.23.669/2021, art.27, regulamenta a matéria. Entretanto, na época, pouquíssimos foram os presos que efetivamente conseguiram votar.

Não existem dados qualificados, mas, pelo que se extrai de indicativos do TSE, das mais de 1.400 unidades prisionais do país, pouco mais de 200 instalaram seções eleitorais, e, nestas, um percentual muito pequeno de presos votou.

Como dito alhures, os dados sobre a população prisional brasileira não são qualificados. Os números não equivalem. Enquanto os dados extraídos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontam para mais de 900.000 presos no país, os do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) indicam menos de 700.000. E, na separação entre condenados em definitivo e provisórios, os percentuais ficam ainda mais inconclusivos. Acredita-se que do total da população prisional, cerca de 1/3 é de presos provisórios.

Confira, abaixo, galeria de imagens:

Diálogo entre João Buch e presos | Foto: divulgação/acervo pessoal
Detentos enfileirados | Foto: Reprodução/Jornal da USP
João Buch conversa com detenta em sua cela | Foto: divulgação/acervo pessoal
Juiz João Marcos Buch durante visita a presídio | Foto: divulgação/acervo pessoal
Penitenciária masculina | Foto: Reprodução/Agência Brasil
Juiz João Marcos Buch fazendo inspeção em presídio | Foto: divulgação/acervo pessoal
Superlotação em presídios | Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
Juiz Marcos Buch e colaboradores em presídio | Foto: divulgação/acervo pessoal
Diálogo entre João Buch e presos | Foto: divulgação/acervo pessoal
Detentos enfileirados | Foto: Reprodução/Jornal da USP
João Buch conversa com detenta em sua cela | Foto: divulgação/acervo pessoal
Juiz João Marcos Buch durante visita a presídio | Foto: divulgação/acervo pessoal
Penitenciária masculina | Foto: Reprodução/Agência Brasil
Juiz João Marcos Buch fazendo inspeção em presídio | Foto: divulgação/acervo pessoal
Superlotação em presídios | Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
Juiz Marcos Buch e colaboradores em presídio | Foto: divulgação/acervo pessoal
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Diálogo entre João Buch e presos | Foto: divulgação/acervo pessoal
Detentos enfileirados | Foto: Reprodução/Jornal da USP
João Buch conversa com detenta em sua cela | Foto: divulgação/acervo pessoal
Juiz João Marcos Buch durante visita a presídio | Foto: divulgação/acervo pessoal
Penitenciária masculina | Foto: Reprodução/Agência Brasil
Juiz João Marcos Buch fazendo inspeção em presídio | Foto: divulgação/acervo pessoal
Superlotação em presídios | Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
Juiz Marcos Buch e colaboradores em presídio | Foto: divulgação/acervo pessoal
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Desta forma, descobrir o montante de presos aptos a votar e o número que efetivamente votará é algo muito difícil.

Para se ter uma ideia, o Presídio Regional de Joinville (SC) possui cerca de 1.200 presos. Destes, aproximadamente 500 ainda não foram julgados, e, talvez, cerca de 200 estão cumprindo provisoriamente suas penas, com recursos pendentes. Pois bem, apenas 70 presos foram considerados aptos a votar no pleito deste ano. 70 presos de 700: 10% do total.

Esse percentual, quer parecer, repete-se em todo o Brasil, e o motivo, em uma análise empírica, pode ser encontrado na precariedade das unidades prisionais. As prisões desta nação estão superlotadas, com pessoas amontoando-se em cubículos, sem acesso a direitos mínimos, que garantam alguma dignidade. Há locais até mesmo com falta de água corrente e energia elétrica, sem fornecimento de alimentação suficiente, sem acesso à saúde e a um colchão para dormir. As violações aos direitos humanos são tantas que não se torna leviano comparar as prisões com "navios negreiros".

Já quanto aos recursos humanos, estes são parcos, diminutos. Encontram-se unidades com mais de 1.000 mil encarcerados sendo cuidadas por cinco ou dez policiais penais.
Some-se a tudo isso a miserabilidade dos presos, selecionados que são para o encarceramento, a partir da necropolítica e necrojurisdição reinante neste país e que, portanto, já não gozavam de plena cidadania quando livres.

Então, falar em voto do preso, com regularização de seus documentos e estrutura para alocação de urna eletrônica – que, diga-se de passagem, é símbolo do avanço democrático, exemplo para o mundo, sendo de inquestionável segurança e fiscalização e à prova de fraudes, em uma nação impregnada de preconceitos e insuflada por discursos de ódio – soa irreal. Mas não deveria.

É plenamente factível garantir ao preso o direito ao voto. Basta, para isso, estabelecerem-se acordos de cooperação técnica entre os diversos protagonistas do estado e da sociedade civil organizada, começando por órgãos como Conselho Nacional de Justiça, Tribunal Superior Eleitoral, Tribunais Regionais Eleitorais, Ministério Público, Defensoria Pública, Ordem dos Advogados do Brasil, Conselhos da Comunidades, Ministério da Justiça, Departamento Penitenciário Nacional e Secretarias Estaduais de Administração Prisional.

 Se houver vontade política, os encarcerados regularizarão seus documentos, urnas eletrônicas serão colocadas em todas as unidades prisionais, e o preso votará. Quem sabe, assim, com o voto atrás das grades, a cidadania chegue junto com tudo que historicamente ela significa.

Ao menos foi isso que eu tentei transmitir aos presos, ao menos foi isso que os presos pediram para mim.

*João Marcos Buch é juiz de Direito da Vara de Execuções Penais da Comarca de Joinville (SC) e membro da Associação Juízes para a Democracia (AJD).

** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de maio de 2022 (47ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.

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Eleições 2022 | Crédito: Maurenilson Freire

Nas entrelinhas: Voto útil não leva ninguém a votar puxado pelo nariz

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

Um card petista em forma de versos destila veneno nas redes sociais. A primeira frase não tem nada demais numa campanha de voto útil: “Se você votar no Lula,/ Lula vence no primeiro turno”. Logo a seguir aparece um gráfico ilustrado com a foto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e uma barra vermelha, representando 52% dos votos. Ao lado, uma barra amarela, com as fotos, lado a lado, de Simone Tebet (MDB), Ciro Gomes (PDT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL), que corresponderiam a 48% dos votos. Essa é a meta da campanha de voto útil iniciada, nesta semana, pelo próprio Lula, com apoio de artistas e formadores de opinião engajados na sua campanha, para vencer no primeiro turno.

A colagem das fotos já é mal-intencionada, mas o veneno mesmo vem logo a seguir: “Mas se votar em Ciro ou em Simone Tebet, quem vai para o segundo turno é ele”, diz o texto, seguido da imagem de uma mão com o indicador apontando para Bolsonaro, com cara de buldogue e faixa presidencial. Como assim? Quem está votando em Ciro ou em Simone não está votando em Bolsonaro, tem uma preferência legítima numa eleição em dois turnos, que foi bandeira de Lula e do PT durante a votação da Constituição de 1988. Porque isso garantiria a possibilidade, como ocorreu, de que o partido de base operária surgido no ABC paulista se tornasse uma alternativa de poder.

O card é munição de baixo custo e alto impacto da campanha de Lula nas redes sociais, nas quais um vídeo do petista orienta seus apoiadores a intensificar a campanha, com aquele estilo inconfundível de líder sindical acostumado a agitar assembleia de trabalhadores com palavras de ordens e tiradas irônicas. “Quem gosta muito de telefone celular, quem fica agarrado o dia inteiro no celular, quem fica usando ‘zap’, fazendo tuíte, quem fica no Tik Tok, no Toc Toc, quem fica… sabe… é utilizar essa ferramenta para a gente conversar com as pessoas indecisas neste país, e pra gente mostrar a responsabilidade de mudar este país.”

Trecho de um discurso de palanque, o vídeo não é dos mais sedutores, mas funciona. A ordem é reproduzir cards, depoimentos, vídeos, tudo que possa de alguma forma esvaziar as candidaturas de Ciro e Simone. O problema é que o cidadão comum não vai votar levado pelo nariz por nenhum candidato. Não adianta terceirizar a responsabilidade. Não são as candidaturas de Ciro e Simone que vão inviabilizar uma vitória de Lula no primeiro turno.

Se o raciocínio for tão simples assim, Ciro e Simone também estão inviabilizando a vitória de Bolsonaro no primeiro turno, no pressuposto de que os eleitores da chamada terceira via não têm preferência pelo petista. Essa é uma matemática que simplifica, mas não resolve, o problema eleitoral.

Lula queimou os navios com Ciro e vice-versa. O resultado prático pode ser o deslocamento do eleitor não-ideológico do pedetista para os braços de Bolsonaro. Simone está mais ao centro e vem fazendo uma campanha claramente anti-Bolsonaro. Seus eleitores poderiam derivar por gravidade para Lula no segundo turno. Mas como reagirão a esse tipo de ataque petista?

Para vencer no primeiro turno, tanto Lula como Bolsonaro teriam que seduzir os eleitores de centro. O presidente começa a se movimentar nessa direção, empurrado pelo fracasso da estratégia de confrontação ideológica, pelo resultado das pesquisas, pela orientação de seus marqueteiros e pelas pressões do Centrão, cujos políticos não são de pular na cova com o caixão.

Compromissos

Lula não quer conversa antes do segundo turno. Acredita que vencerá no primeiro sem ter que assumir compromissos políticos com essas forças, nos mesmos termos que assumiu com o ex-governador Geraldo Alckmin, seu vice, e com Marina Silva. Qual a razão?

O Brasil é uma democracia de massas, com uma Constituição democrática de viés social liberal, e não social-democrata. Seu gesto em direção ao centro seria assumir compromisso com a democracia representativa e suas instituições de caráter liberal, não apenas abrir espaço para barganhas de natureza fisiológica, que serão inevitáveis quando precisar dos votos do Centrão, se for eleito.

Ciro tem um projeto neonacionalista, de viés desenvolvimentista, que estaria mais próximo do governo de Dilma Rousseff, que fracassou na política e na economia, do que do próprio governo Lula. A proposta mais populista de Ciro — renegociar as dívidas da população de baixa renda e “limpar” o nome no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) — foi encampada por Lula, antecipando-se a qualquer acordo que justificasse uma aliança entre ambos no segundo turno. Dificilmente haverá uma reaproximação entre ambos.

Simone tem um programa liberal social e um compromisso claro com o combate às desigualdades e à defesa dos direitos humanos. Sua agenda social é plenamente coincidente com a de Lula, mas a política econômica, não. O petista faz disso um mistério, mas todo mundo sabe que só há duas maneiras de enfrentar a crise fiscal: reduzindo gastos ou aumentando os impostos.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-voto-util-nao-leva-ninguem-a-votar-puxado-pelo-nariz/

Pesquisa eleitoral | Foto: Divulgação

Datafolha: Simone Tebet cresce acima da margem de erro e empata tecnicamente com Ciro

Cidadania23*

A candidata a presidente da República da coligação Brasil para Todos (MDB, Cidadania, PSDB e Podemos), Simone Tebet (MDB), oscilou de 2% para 5% na pesquisa de intenção de voto do instituto Datafolha divulgada nesta quinta-feira (01).

Simone teve crescimento acima da margem de erro e alcançou Ciro Gomes (PDT), que tem 9% (veja abaixo o desempenho dos demais candidatos). Segundo o levantamento, eles estão empatados tecnicamente dentro do limite da margem de erro, que é de dois pontos percentuais.

Foi a primeira pesquisa divulgada pelo Datafolha após o debate presidencial do último domingo (28) na Band. Simone teve a melhor avaliação no debate entre os indecisos, segundo a pesquisa qualitativa realizada pelo instituto em tempo real, desempenho que pode justificar o crescimento da candidata no levantamento.

A pesquisa mostra ainda que em São Paulo, o maior colégio eleitoral do País, Simone foi de 3% para 7% nas intenções de voto.

O Datafolha ouviu 5.734 pessoas em 285 municípios entre os dias 30 de agosto e 1º de setembro. A margem de erro é de 2% para mais ou para menos. O levantamento foi registrado no TSE sob o número BR-00433/2022.

Intenção de voto estimulada

Lula (PT): 45% (47% no Datafolha anterior, de 18 de agosto)
Jair Bolsonaro (PL): 32% (32% na pesquisa anterior)
Ciro Gomes (PDT): 9% (7% na pesquisa anterior)
Simone Tebet (MDB): 5% (2% na pesquisa anterior)
Soraya Thronicke (União Brasil): 1% (0% na pesquisa anterior)
Pablo Marçal (PROS): 1% (0% na pesquisa anterior)
Felipe d’Avila (NOVO): 1% (1% na pesquisa anterior)
Vera (PSTU): 0% (0% na pesquisa anterior)
Sofia Manzano (PCB): 0% (0% na pesquisa anterior)
Constituinte Eymael (DC): 0% (0% na pesquisa anterior)
Léo Péricles (UP): 0% (0% na pesquisa anterior)
Roberto Jefferson (PTB): 0% (0% na pesquisa anterior)
Em branco/nulo/nenhum: 4% (6% na pesquisa anterior)
Não sabe: 2% (2% na pesquisa anterior)

*Texto publicado originalmente no portal do Cidadania23.


Bolsonaro durante reunião com empresários no Rio de Janeiro | Foto: Antonio Scorza/ Shutterstock

Nas entrelinhas: Jair Bolsonaro está em rota de colisão com a Fiesp

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

Fracassaram os esforços da cúpula da Fiesp, que articula o manifesto dos empresários em defesa da democracia e das urnas eletrônicas, para que todos os candidatos à Presidência assinassem o documento, numa espécie de pacto de respeito mútuo ao resultado das eleições. Ontem, o Palácio do Planalto anunciou que Jair Bolsonaro não subscreverá o documento, assinado por entidades empresariais e federações sindicais de trabalhadores, e cancelou a ida do presidente da República ao lançamento do documento, no dia 11 de agosto, na sede da Fiesp. Também foi cancelado o jantar com empresários que estava programado.

A ida de Bolsonaro à Fiesp fora antecipada para 11 de agosto a pedido do Palácio do Planalto. Para evitar mais constrangimentos, o recolhimento de assinaturas de apoio ao manifesto da federação ficou restrito às entidades empresariais e sindicatos de trabalhadores, para que as assinaturas dos candidatos dos presidentes fossem recolhidas antes de as pessoas físicas aderirem o documento. Ocorre que Bolsonaro não digeriu as manifestações em defesa da urna eletrônica, da Justiça Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal (STF), e torpedeou as iniciativas.

Na terça-feira, Bolsonaro atacou o documento da Fiesp, que considerou uma “carta política”. Chamou de “cara de pau” e “sem caráter” os empresários que assinassem o documento, o que provocou o cancelamento do jantar que estava marcado com eles. Também houve muita discussão entre os que já haviam aderido ao manifesto, se os empresários deveriam assinar ou não o documento como pessoa física. O texto em nenhum momento cita o presidente da República. Os candidatos Felipe D’Ávila (Novo), Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB), que já estiveram na Fiesp, subscreveram o documento.

Sociedade civil

O episódio tende a aprofundar o confronto de Bolsonaro com a sociedade civil, a praticamente dois meses das eleições. Em termos gerais, esse é um espaço de organização e representação que não se confunde com o Estado, a família nem o mercado, que são os ambientes específicos e mais homogêneos onde Bolsonaro atua intensamente. A sociedade civil engloba instituições de caridade, grupos de autoajuda, associações profissionais, religiosas, sindicatos, entidades empresárias, movimentos sociais etc. É um universo complexo que, no Brasil, ganhou autonomia durante o regime militar, protagonizando movimentos de resistência em defesa da democracia e dos direitos humanos.

Os ataques de Bolsonaro às urnas eletrônicas, à Justiça Eleitoral e ao Supremo Tribunal Federal (STF), principalmente depois de seu encontro com diplomatas estrangeiros para levantar suspeitas sobre a segurança das urnas eletrônicas, despertaram forte e inédita reação da sociedade civil. A defesa das urnas eletrônicas até então estava sendo feita pelos ministros do Supremo, pela grande mídia e pela oposição. Esses ataques de Bolsonaro ao sistema eleitoral brasileiro, reconhecido internacionalmente por sua segurança e eficiência, funcionaram como um catalisador dessa reação.

Congresso

Ontem, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), na abertura da sessão do Plenário, reiterou sua confiança no sistema eleitoral. Disse que as urnas eletrônicas são motivo de “orgulho nacional”. Segundo ele, nestes 26 anos de uso no Brasil, trouxeram transparência, confiabilidade e velocidade na apuração do resultado das eleições. “Elas têm-se constituído em ferramenta poderosa contra vícios eleitorais muito frequentes na época do voto em papel. Representam, portanto, um verdadeiro aperfeiçoamento institucional”, enfatizou.

A fala de Pacheco coincidiu como a ida de militares do Ministério da Defesa ao Tribunal Superior Eleitoral (STF) para conferir a segurança dos códigos-fonte das urnas eletrônicas, um trabalho que poderia ter sido feito nos últimos 10 meses. O ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, vem reproduzindo à frente da pasta a narrativa de Bolsonaro sobre a segurança das urnas eletrônicas. Na verdade, a postura de Bolsonaro sinaliza temor de perder as eleições e suas intenções golpistas, o que acaba fortalecendo a oposição.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-jair-bolsonaro-esta-em-rota-de-colisao-com-a-fiesp/

Escadaria da rua Cristiano Viana zona oeste de São Paulo, amanheceu com lambe-lambe em homenagem à vereadora Marielle Franco, morta a tiros no Rio (Foto: Danilo Verpa/Folhapress)

O que é violência política de gênero e saiba como denunciá-la

Geledés*

O crime de violência política de gênero foi criado em agosto de 2021 na Lei 14.192, uma vitória da bancada feminina no Congresso. A legislação estabelece regras para prevenir, reprimir e combater a violência política contra mulheres, alterando o Código Eleitoral, a Lei dos Partidos Políticos e a das Eleições.

A eleição de outubro 2022 é a primeira em que é considerado crime assédio, constrangimento, humilhação, perseguição e ameaça de uma candidata ou a uma política já eleita. Ainda estabelece que é ilegal atuar com menosprezo ou discriminação à condição de mulher, sua cor, raça ou etnia.

A punição é de até quatro anos de prisão e multa. Se a violência ocorrer pela internet, a pena é mais dura, podendo chegar a seis anos.

O que é violência política de gênero? Qualquer candidato ou político pode ser vítima de violência política, um ato que tenta minar uma candidatura com ameaça e intimidação, de forma organizada ou não. A segmentação do gênero, entretanto, foi resultado dos debates sobre igualdade de gênero na política e os efeitos da violência em candidaturas femininas, bem como nas da população LGBTQIA+, de negros e indígenas.

A lei brasileira considera a violência política contra a mulher “toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos da mulher”.

Ela garante, também, que sejam cumpridos os direitos de participação política da mulher, “vedadas a discriminação e a desigualdade de tratamento em virtude de sexo ou de raça”.

A lei se enseja a movimentos internacionais como a Declaração sobre a Violência e o Assédio Político contra as Mulheres, assinada em 2015 pela Organização dos Estados Americanos.

Esse documento diz que a violência política contra as mulheres inclui ação, conduta ou omissão baseada em gênero que venha “minar, anular, impedir, dificultar ou restringir seus direitos políticos, violar o direito a uma vida livre de violência e de participar na vida política em condições de igualdade com os homens”.

Quais os tipos de violência política? Segundo o Observatório de Violência Política Contra a Mulher, que dispõe de cartilha sobre o tema, há a violência física e a não física, que pode ser simbólica, moral, econômica e psicológica.

Nesse caso, podem configurar atos que ameacem, amedrontem ou intimidem mulheres e seus familiares, e “que tenham por propósito ou resultado a anulação dos seus direitos políticos, incluindo a renúncia ao cargo ou função que exercem ou postulam”.

Também são considerados atos de violência crimes já previstos, como difamação, calúnia, injúria ou qualquer expressão “que rebaixe a mulher no exercício de suas funções políticas, com base no estereótipo de gênero, com o propósito ou o resultado de minar a sua imagem pública”.

A cartilha ainda cita casos específicos, como a “não destinação de recursos públicos destinados às campanhas femininas de acordo com o regramento em vigor, por parte do partido”, bem como “apresentação de candidaturas de mulheres somente para fins de preenchimento da cota prevista em lei, com o sem consentimento delas”.

O Ministério Público Eleitoral acrescenta que representam formas de violência política de gênero a ofensa da dignidade de mulheres “por meio de palavras, gestos ou outras formas, imputando-lhes crimes ou fatos que ofendam a sua reputação, bem como violar a sua intimidade, divulgando fotos íntimas ou dados pessoais, e questionar suas vidas privadas”.

A quem se aplica? Apesar de não estar explícito na lei, especialistas entendem que será levado em conta o gênero, não o sexo biológico, a fim de incluir mulheres trans, as mais ameaçadas e desqualificadas no debate público. A jurisprudência, nesse caso, deve seguir exemplo da determinação do STJ (Superior Tribunal de Justiça) em relação à aplicação da Lei Maria da Penha.

Qual a diferença entre o crime de violência política, também criado em 2021, e o de gênero? O crime de violência política, levado ao Código Penal pela Lei 14.197, em setembro do ano passado, é considerado um dos crimes contra o Estado Democrático de Direito —lei que revogou a antiga Lei de Segurança Nacional.

Ele considera violência política “restringir, impedir ou dificultar, com emprego de violência física, sexual ou psicológica, o exercício de direitos políticos a qualquer pessoa em razão de seu sexo, raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”.

A pena, assim como o crime ligado à Justiça Eleitoral, pode ser de reclusão de até seis anos.

A principal diferença é que o crime de gênero diz respeito à Justiça Eleitoral e o mais genérico, que também pode ser aplicado em casos de vítimas mulheres, na Justiça comum.

“Se uma mulher sofrer ataques que dificultem sua campanha será possível, eventualmente, inferir dois crimes ao agressor. Não temos como antever como a jurisprudência vai lidar com isso. Um crime será julgado pela Justiça Eleitoral e o outro pela justiça comum”, avalia o advogado Fernando Neisser, especialista em direito eleitoral.

COMO DENUNCIAR

  • É possível denunciar no site do Ministério Público Federal e nas páginas das Procuradorias Regionais Eleitorais
  • O Fale Conosco da Câmara dos Deputados é um canal para mulheres já eleitas. Outra alternativa é Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados
  • É mais importante que as vítimas coletem e guardem a URL da ofensa nas redes sociais, como prova, do que os prints (que são importantes em casos que ocorrem em aplicativos de mensagem)
  • As plataformas digitais também têm canais de denúncia contra racismo, preconceito e discurso de ódio

*Texto publicado originalmente no Geledés.


MDB e federação PSDB e Cidadania lançam oficialmente candidatura de Simone Tebet à Presidência

Em meio a disputas internas, MDB oficializa candidatura de Simone Tebet à Presidência

Luiz Felipe Barbiéri e Paloma Rodrigues*, G1 e TV Globo

Em convenção virtual, o MDB oficializou nesta quarta-feira (27) a candidatura da senadora Simone Tebet (MS) à Presidência da República nas eleições deste ano. O placar na votação interna do partido foi de 262 votos favoráveis e 9 contrários.

As convenções nacionais marcam a confirmação de um candidato. Conforme calendário fixado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o período vai de 20 de julho a 5 de agosto. Após a convenção, o partido fica apto a registrar a candidatura — o prazo é o dia 15 de agosto.

"A candidatura da futura Presidente da República do Brasil teve aprovação de 97% da nossa convenção. Hoje, anunciamos esse resultado, com muita alegria. Não percorremos o caminho mais fácil da velha política, do toma lá dá cá, das negociações não republicanas", afirmou o presidente nacional do partido, Baleia Rossi (SP).

"Apresentamos hoje ao povo brasileiro uma alternativa equilibrada, moderada, uma alternativa aos polos que são colocados e que infelizmente não dão respostas ao nosso país. A candidatura da Simone Tebet é uma candidatura da pacificação nacional. O povo brasileiro quer paz".

Delegados de Amazonas, Ceará, Piauí e Bahia, representantes de estados considerados “lulistas” , participaram da votação. Apenas Alagoas e Paraíba não registraram votos. No total, 182 dos 279 delegados aptos a votar participaram. O número de votos é maior do que os votantes porque alguns delegados têm direito a mais de um voto.

Também nesta quarta, em convenção em Brasília, a federação formada por PSDB e Cidadania formalizou o apoio à candidatura de Simone Tebet.

Pesquisa Datafolha divulgada em junho deste ano mostrou Simone Tebet em quinto lugar, com 1% das intenções de voto, atrás do ex-presidente Lula (PT), com 47%; do presidente Jair Bolsonaro (PL), com 28%; do ex-ministro Ciro Gomes (PDT), com 8%; e do deputado André Janones (Avante), com 2%.

Apesar de oficializar a candidatura de Simone Tebet, o MDB está dividido. Isso porque parte das lideranças do partido defende apoio a Lula (leia detalhes mais abaixo).

Simone Tebet, porém, conta com o apoio do presidente nacional do MDB, Baleia Rossi (SP). E após investidas de Lula sobre setores do MDB, o partido divulgou uma nota assinada por dirigentes em 19 estados reiterando o apoio à senadora.

*Texto publicado originalmente no g1


O diplomata americano Thomas Shannon, ex-embaixador no Brasil, durante entrevista em 2016 - Pedro Ladeira - 17.dez.2016/Folhapress

Bolsonaro estudou Trump e parece preparar caminho para questionar eleições, diz ex-embaixador

Ricardo Della Coletta*, Folha de São Paulo

Ex-embaixador no Brasil e referência nos Estados Unidos para temas da América Latina, o diplomata Thomas Shannon, 64, diz à Folha que Jair Bolsonaro (PL) parece preparar o caminho para questionar o resultado das eleições de outubro.

Segundo ele, o presidente brasileiro e sua equipe estudaram a estratégia adotada pelo ex-líder americano Donald Trump, que em 6 de janeiro de 2021 insuflou uma invasão do Capitólio para tentar reverter a derrota no pleito presidencial.

Hoje aposentado da diplomacia, Shannon argumenta que Washington não teria problema em trabalhar com um eventual novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), hoje líder nas pesquisas, e diz que o Brasil ficaria isolado no caso de uma ruptura institucional.

O que o sr. achou da reunião de Bolsonaro com embaixadores para propagar mentiras sobre o sistema eleitoral? 

Não entendo por que o presidente escolheu falar com o corpo diplomático sobre esse tema, mas acho que ele indicou um desejo de explicar para essa comunidade em Brasília —uma das maiores no hemisfério Ocidental, portanto ele falou para o mundo— por que não confia no sistema eleitoral.

Acho totalmente surpreendente que um presidente, eleito por esse sistema e que chefia um governo que representa a vontade popular, coloque em questão o sistema eleitoral do próprio país. E fazer essa argumentação para uma audiência diplomática transforma o surpreendente em perigoso. Ele parece estar preparando o caminho para não aceitar o resultado das eleições.

Acredita que isso confirma a análise de que Bolsonaro está imitando a estratégia de Trump? 

Acredito que Bolsonaro e sua equipe estudaram muito atentamente os eventos de 6 de Janeiro [de 2021] e chegaram a uma conclusão. Primeiro, que Trump fracassou porque dependia de uma multidão pouco disciplinada e não tinha apoio institucional —de lideranças partidárias, tribunais, Forças Armadas. Bolsonaro e sua equipe avaliaram que, na hipótese de tentar algo parecido, precisariam de apoio institucional.

No entanto, na eleição de Joe Biden, embora no voto popular tenha ocorrido uma diferença de 7 milhões de votos, no Colégio Eleitoral houve um resultado bem apertado, o que permitiu que Trump argumentasse que houve fraude. No Brasil as pesquisas indicam no momento que a disputa não está apertada. Então a pergunta a ser feita é: qual o plano do presidente Bolsonaro? Esperar a votação ocorrer e declará-la inválida? Ou impedir que a eleição ocorra ao desqualificar todo o processo agora?

O fato de Bolsonaro ter algum apoio institucional lhe dá mais chances de ser bem-sucedido numa eventual tentativa de ruptura? 

Depende muito das instituições brasileiras e como elas vão responder. Recai sobre elas a tarefa de deixar claro que têm confiança no sistema eleitoral brasileiro.

E o sr. vê essa reação institucional ocorrendo? 

Está ganhando corpo, à medida que as pessoas entendem a gravidade da situação. Eu não sou brasileiro, não vou votar. Cabe aos brasileiros e às instituições brasileiras decidir o caminho que o país vai tomar. O sistema eleitoral brasileiro guiou o país no período democrático desde a década de 1980, ajudou o país a atravessar eleições presidenciais, dois impeachments, foi capaz de garantir transições pacíficas.

É um sistema que ganhou o respeito do mundo, e é chocante que nesse momento não tenha o respeito do presidente. É um erro criticar o processo eleitoral brasileiro porque abre espaço para que as pessoas tentem questionar a eleição por meio da violência, não pelos canais normais e pelos tribunais. Isso não deveria ser aceito num líder político.

A embaixada americana publicou uma nota em que manifesta confiança no processo eleitoral brasileiro. Como interpreta esse texto? 

Os EUA têm grande respeito pelo Brasil e pela democracia do país e estão preparados para trabalhar com qualquer liderança que o povo brasileiro escolher.

O comunicado afirma que o relacionamento dos dois países tem como fundamento compromissos democráticos e valores comuns. Também coloca que os EUA respeitam as instituições brasileiras e o processo eleitoral e, nesse sentido, não concordam com as alegações de Bolsonaro.

Há no Brasil analistas que argumentam que a reação internacional seria suficiente para impedir uma ruptura institucional. O sr. concorda?

 Cabe aos brasileiros protegerem sua democracia, assim como cabe aos americanos protegerem a nossa. Não podemos depender de britânicos, franceses ou japoneses. Mas o que o mundo está dizendo é que é falso o argumento de que o sistema eleitoral brasileiro é fraudulento.

Quando você pensa no que poderia ocorrer no caso de ruptura, estamos falando sobre consequências contra ações que não são democráticas. O que a comunidade diplomática está tentando fazer é garantir que o Brasil não chegue a esse ponto.

Que tipo de consequências uma ruptura poderia gerar? Há no governo quem diga que o Brasil é grande demais para ser isolado do mundo? 

Na minha experiência, o Brasil não aceita ameaças. É um erro ameaçar o Brasil. É por isso que países não estão abordando o tema para falar de consequências em caso de ruptura. O que os países estão fazendo é dizer aos brasileiros: seu sistema eleitoral funciona bem e temos confiança nele. Estão oferecendo seu apoio.

Mas se a argumentação no governo Bolsonaro é que o Brasil é importante demais ao ponto de poder fazer o que quiser, isso simplesmente não é verdade. Veja o que está ocorrendo com a Rússia. É uma economia enorme, o maior território do mundo, um país em que os EUA gastaram 30 anos construindo uma relação econômica. E tudo acabou num instante devido ao comportamento [da Rússia, que invadiu a Ucrânia]. Se houver ruptura constitucional no Brasil, o colapso da ordem democrática, o Brasil ficaria isolado, ao menos no hemisfério Ocidental e na Europa. Sob muita pressão política e econômica.

No recente encontro entre Bolsonaro e Biden, a imprensa reportou que o líder brasileiro retratou Lula como uma ameaça aos interesses americanos. Esse tipo de mensagem é efetivo?

 Enquanto o líder brasileiro for escolhido livremente pelo sistema democrático, os EUA trabalharão com quem o povo brasileiro escolher. No caso de Lula, ele foi presidente por oito anos; sua sucessora [Dilma Rousseff] esteve no cargo por quase seis. São 14 anos de governo do PT. Os EUA conhecem bem e estão familiarizados com Lula e seu partido. Foi desenvolvida uma relação de trabalho muito boa, assim como com todos os presidentes eleitos democraticamente no Brasil. Até agora, claro.

O quão preocupado o governo Biden está com a instabilidade institucional causada por Bolsonaro? 

O fato de a embaixada ter divulgado um comunicado, seguido de manifestação do porta-voz do Departamento de Estado [Ned Price], significa que o governo dos EUA está muito preocupado.

Republicanos no Senado barraram a aprovação da embaixadora indicada para o Brasil, Elizabeth Bagley. Isso limita a capacidade do governo dos EUA de, nas eleições, manifestar suas posições?

 Temos uma excelente embaixada no Brasil, e nosso encarregado de negócios [Douglas Koneff] é um servidor muito bom. Ele tem relatado a situação a Washington e expressado as visões dos EUA [ao governo Bolsonaro]. Dito isso, num mundo definido pelo protocolo, um embaixador é melhor do que um encarregado de negócios. Elizabeth Bagley era uma boa escolha. O fato de o Comitê de Relações Exteriores não ter aprovado seu nome foi lamentável. E tem um impacto muito negativo em razão da importância da relação [dos dois países] e do momento. Os republicanos sabiam disso.

*Texto publicado originalmente na Folha de São Paulo.


Simone Tebet entrega manifesto pela paz nas eleições ao presidente do TSE

A pré-candidata à Presidência da República, senadora Simone Tebet (MDB), se reuniu nesta quarta-feira (13) com o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes. Na ocasião, ela entregou um Manifesto pela Paz nas Eleições, documento assinado também pelos presidentes do Cidadania, Roberto Freire, do MDB, Baleia Rossi, e do PSDB, Bruno Araújo.

Simone Tebet: “Fantasma da fome volta a nos atormentar”

O manifesto condena atos de violência política no processo eleitoral, que não se coadunam com o espírito da democracia e com os valores do povo brasileiro, e afirma que é dever das instituições garantir que a vontade popular expressa no voto possa se dar em clima de paz, harmonia e tranquilidade, com absoluta segurança.

Eles também propõem pacto de não agressão entre todas as campanhas, de todos os candidatos, de todos os partidos e coligações.

Confira abaixo a íntegra do documento:


José Casado: Acabou a moleza

Com voto facultativo na prática, candidatos terão de se virar para convencer o eleitor a sair de casa

Por lei, o voto continua obrigatório. Na vida real, está mais facultativo a cada eleição. Um em cada três eleitores decidiu não votar no domingo. A abstenção avançou na década e, agora, mais que dobrou em relação às eleições municipais de 2000. Na cidade do Rio, chegou a 35%. Somou 47% em Copacabana, o bairro de maior densidade demográfica.

A recusa voluntária de 1,7 milhão superou a determinação da escolha majoritária nas urnas: Eduardo Paes (DEM) se elegeu com 1,6 milhão de votos, 91 mil abaixo do volume de abstenção. Não ofusca sua vitória acachapante sobre o trêfego pastor-prefeito, desde ontem em súplica por vaga no Ministério de Jair Bolsonaro.

O vírus semeou medo. Foi real o temor da contaminação em Petrópolis. Há 15 dias, a cidade registrava a média de 100 infectados transmitindo para 110 pessoas. Na semana passada, a taxa saltou de 110 para 230. Resultado: abstenção de 35,6%, muito acima do primeiro turno (29,9%).

Mas a pandemia também disseminou empatia. Beneficiou quem ficou contra o pandemônio governamental, o negacionismo fomentado pelo Palácio do Planalto. Bruno Covas (PSDB) esgrimiu com o argumento da Ciência e acabou premiado em São Paulo com um milhão de votos de vantagem sobre o adversário e 400 mil acima do volume de abstenção.

Porém o mais notável efeito pandêmico foi deixar escancarado o desleixo pelo eleitor, que espertos chefes partidários embutem na lei eleitoral.

Há 33 partidos registrados — outros 77 em formação—, todos acomodados numa legislação que impõe bilionário financiamento anual dos partidos, o custeio extraordinário de cada eleição, a propaganda subsidiada em rádio e televisão, além da obrigatoriedade do voto. É dinheiro fácil do Erário e imposição do dever de votar ao cidadão.

Acabou a moleza. A pandemia motivou, e a tecnologia ajudou a facilitar a justificativa de ausência. Na prática, o voto obrigatório já é facultativo. Partidos e candidatos terão de se virar para convencer o eleitor a votar. Caso contrário, assumem o risco de declínio na representatividade eleitoral, fórmula certa para a crise permanente.


Vinicius Torres Freire: Boulos e como jovens e velhos decidem as eleições de São Paulo

Eleitor de mais de 60 é cada vez mais relevante e vota à direita; jovens são inconstantes

Em São Paulo, a disputa principal foi sempre entre esquerda e direita desde que a cidade voltou a eleger seu prefeito, em 1988. O voto dos mais velhos é sempre marcadamente mais direitista. Mas em poucas vezes a maioria dos mais jovens votou na esquerda; em poucas vezes o voto dos idosos teve um peso tão decisivo quanto deve ter no segundo turno deste ano, entre Bruno Covas (PSDB) e Guilherme Boulos (PSOL).

É entre os eleitores de 60 anos ou mais que Covas abre sua maior vantagem sobre Boulos, consideradas as categorias maiores e mais tradicionais em que as pesquisas dividem o eleitorado (sexo, idade, renda, instrução) e com dados comparáveis com os levantamentos mais antigos.

Na pesquisa Datafolha mais recente, de 24 e 25 de novembro, Boulos vence Covas entre os eleitores de 16 até 44 anos; entre o eleitorado de 16 até 59 anos, empatam. Entre aqueles de 60 anos ou mais, o tucano vence de longe, por 61% a 28% (ou 68% a 32%, nos votos válidos).

Além da diferença percentual grande, a diferença absoluta é importante. A população paulistana envelhece. No Censo de 1991, os paulistanos com 60 anos ou mais eram 11,6% do total da população com mais de 16 anos (agora apta a votar). Em 2010, eram 15,3%. Em 2019, eram 21,7%.

Há, claro, outras maneiras de entender as vantagens que Covas tinha sobre Boulos no início da semana. O tucano vence entre os que fizeram até o ensino fundamental (57% a 31% nos votos totais) e entre os mais pobres. Na conta total dos votos, porém, essas diferenças são inferiores àquela que Covas obtém entre os “idosos”.

A esquerda ganhou a eleição paulistana com folga ou endureceu o jogo quando ao menos dividiu com a direita os votos de mais pobres e menos escolarizados, é fácil de entender. Boulos disputa palmo a palmo o povo de renda mais baixa. Mas fica longe entre quem passou poucos anos na escola. Os mais jovens de qualquer classe não vão resolver o problema eleitoral do psolista, pois.

De 1988 até 2000, petistas enfrentaram os malufistas. De 2004 a 2016, foi o tempo de petistas vs. tucanos e agregados. Agora, é PSDB contra PSOL.

Houve tempo em que os malufistas venceram em todas as categorias relevantes, entre os mais jovens e os mais pobres inclusive, como quando Celso Pitta (PPB) bateu Luiza Erundina (PT), em 1996, ou na pesquisa de uma hipotética disputa final entre João Doria (PSDB) e Fernando Haddad (PT), em 2016, quando Doria levou no primeiro turno.

Os mais jovens estavam divididos quase igualmente entre o vitorioso Paulo Maluf (PDS) e Eduardo Suplicy (PT) em 1992, entre o vencedor, José Serra (PSDB), e Marta Suplicy (PT), em 2004, e entre o eleito Gilberto Kassab (DEM) e Marta, em 2008.

Os jovens votaram na esquerda mesmo apenas quando Marta ganhou em 2000 e Haddad em 2012. Na verdade, nessas eleições os petistas ganharam em quase todas as categorias, exceto entre os “idosos” (e, em Haddad vs. Serra, exceto entre os mais ricos).

Na eleição em que Erundina bateu Maluf, em 1988, as pesquisas de véspera davam quase empate entre os mais jovens. Mas não se sabe bem o que se passou. Erundina, agora vice de Boulos, virou a eleição nos últimos dias e não havia segundo turno.

Em suma, o peso crescente do “idosos” e sua preferência regular e marcada de votar à direita fazem desse eleitorado força decisiva especial. Note-se ainda que não conseguir falar com muitos dos eleitores que passaram menos anos na escola e sempre confundi-los com os mais pobres é outro problema para a esquerda.


Rosângela Bittar: Pandemia tem impacto no voto

O eleitor se distanciou de 2018, quando apostou numa nova política que caducou em menos de dois anos

O impacto da pandemia do coronavírus sobre o eleitor municipal foi amplo, sem limites. Longe de impor seu peso apenas sobre a esperada abstenção dos mais velhos, o efeito maior se deu sobre a definição dos critérios do voto.

O eleitor se distanciou de 2018, quando apostou numa nova política que caducou em menos de dois anos. Também se mostrou alheio a 2022, indiferente à sucessão de Jair Bolsonaro. Pensou no aqui e agora. Valorizou a experiência, a política convencional. Quis escolher as lideranças que, com paixão, compreendessem o drama principal. Menos ideologia, mais emoção.

Ao longo do ano, o eleitor municipal veio informando sobre a prioridade que atribuía à pandemia. Os que negaram a crise sanitária sentiram agora sua presença eleitoral.

A pandemia já fizera vítimas eleitorais derrubando, inclusive, o projeto de reeleição do presidente americano Donald Trump. Se estivesse disputando a sua sorte agora, Bolsonaro teria sucumbido. Restam-lhe dois anos para rever sua teimosia. Como este quadro evoluirá no segundo turno das duas maiores cidades do País é a nova dúvida.

Nesta fase, surge com peso decisivo o voto plebiscitário. No caso do Rio, a questão se concentra nos efeitos do uso da religião e da força do apoio de Bolsonaro. O fanatismo da campanha de Marcelo Crivella prevalecerá contra o patrimônio político de Eduardo Paes?

Em São Paulo, foi surpreendente o desempenho da esquerda, com Guilherme Boulos (PSOL) e Jilmar Tatto (PT). Os dois somados levam Boulos ao segundo turno com índice próximo ao do líder Bruno Covas (PSDB).

Os votos de Márcio França (PSB), de centro-esquerda, podem ser decisivos. Mas não devem ir em bloco para um dos dois finalistas. Pessoalmente, França relutaria em aplicar sua força eleitoral para favorecer um candidato de João Doria.

Mas o seu eleitorado, moderado, pode ter mais afinidades ao centro do que à esquerda.

Em São Paulo, a campanha será influenciada por uma desconstrução recíproca. De um lado, Covas identificado ao desgaste de Doria; e de outro, Boulos identificado às invasões e depredações.


Hélio Schwartsman: Voto febril

Quem não quiser votar neste ano nem morrer com os poucos reais da multa por ausência só precisa dizer que teve febre no dia do pleito

O próprio TSE já deu a senha. Está no Plano de Segurança Sanitária para as eleições municipais. Quem não quiser votar neste ano nem morrer com os poucos reais da multa por ausência só precisa dizer que teve febre no dia do pleito. Os juizados eleitorais aceitarão a declaração como justificativa.

Eu já me acostumei com quase todas as disfuncionalidades do sistema político brasileiro, que não são poucas, mas confesso que violações à lógica inscritas na legislação ainda me incomodam. E uma das que mais me causa revolta é o voto obrigatório.

Não ignoro os argumentos sociológicos em favor do instituto. Os números mostram que, quando o sufrágio é facultativo, são os mais pobres os que mais deixam de votar, adicionando mais uma camadinha de plutocracia a um processo que já é essencialmente favorável ao "statu quo".

Esse tipo de raciocínio, porém, não me convence. Nem sei se é bom para os pobres haver mais pobres votando. O papel dos grotões em eleições têm sido o de uma força conservadora, servindo de último bastião para todos os governos, desde a Arena até o PT. E agora já se voltam para Bolsonaro.

Por gosto, tendo a dar mais peso a questões filosóficas e lógicas, e, sob esses critérios, a obrigatoriedade do voto é uma excrescência. É absurda a ideia de que o eleitor esteja apto a escolher o dirigente máximo da nação e a selecionar as pessoas que escreverão as leis do país, mas seja considerado incapaz de tomar por conta própria a decisão sobre comparecer ou não à seção eleitoral. A liberdade de decidir em quem votar tem como pré-requisito a liberdade para decidir se vai votar, como, aliás, é a regra na esmagadora maioria das democracias do planeta.

É difícil explicar por que esse fóssil autoritário segue intacto entre as instituições do país. Minha aposta é uma combinação de paternalismo difuso com o oportunismo dos políticos que se saem bem no sistema.