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Vinicius Torres Freire: 'Segunda onda' ainda não está nos números, mas onda de relaxamento está na cara

Pela estatística, é difícil afirmar que há repique, mas é fácil saber o que fazer para evitá-lo

Depois de semanas de despreocupação e, em muitos casos, de negligência com as medidas de segurança sanitária, subitamente o país volta a se ocupar da epidemia. A onda é falar de “segunda onda”, repique de infecções e mortes que estaria ocorrendo no Brasil.

Segundo alguns, seria algo parecido com os Estados Unidos, onde jamais houve controle do espalhamento da infecção, mas apenas uma redução do ritmo do número de mortes, que, no entanto, voltou a acelerar já por duas vezes.

Já se pode dizer que há “segunda onda” no Brasil? O que isso significa? Os dados são suficientes e persistentes para dizer que há um aumento do crescimento do número de internações, casos e mortes?

Francamente, a estatística não diz muito. Entre epidemiologistas com os quais este jornalista costuma conversar, uma meia dúzia, quase todos dizem que não é possível afirmar grande coisa, mas “evidências anedóticas” (histórias, relatos parciais) “preocupam”, tais como alertas de médicos e de administradores de grandes hospitais.

Seja como for: 1) todas as medidas de precaução continuam valendo; o relaxamento era um perigo terrível, com ou sem “segunda onda”; devem ser levadas a sério; 2) não parece haver dados suficientes para que se tome medida mais drástica alguma, o que, de resto, poderia ser contraproducente.

Hospitais particulares dizem faz mais de semana que internaram mais doentes. Alguns poucos especialistas afirmam peremptoriamente que há “segunda onda”, sem especificar bem do que se trata, porém.

As estatísticas de casos suspeitos, internações, doentes na UTI ou sob ventilação mecânica de fato apontam alguma alta na cidade de São Paulo. A média móvel de sete dias de internações no estado de São Paulo, que vinha em queda fazia tempo, deu um salto notável no dia 17, em particular na Grande São Paulo, o que não se via fazia muitas semanas.

Os dados recentes de doença e morte têm ainda mais ruídos do que de costume. Como se sabe, de 6 a 11 de novembro, ocorreram problemas no sistema nacional de registros de Covid-19, o que embananou a série de dados.

Além do mais, houve mudança de critério de confirmação de casos e mortes, diz o governo de São Paulo. Casos que ocorreram durante a epidemia foram agregados agora às estatísticas (221 mortes extras, segundo o governo paulista). Assim, os dados de casos (sempre imprecisos e variáveis em excesso) e de mortes parecem difíceis de interpretar desde o dia 5 e assim devem permanecer por mais alguns dias.

Ressalte-se que não é bem assim com o aumento recente de internações, dados de hospitais privados e da prefeitura paulista. Os dados dos hospitais parecem indicar pelo menos uma marola paulista.

Como não sabemos bem do que se trata, o aparente repique dos números serve de alerta renovado: não se pode relaxar no uso de máscaras e na limpeza, não se pode fazer aglomeração, festa ou maluquice pior.

Uma “segunda onda” ou mesmo apenas “marola forte” seriam um desastre humano e econômico. Não seria preciso decretar mais isolamentos, fechamentos etc. para que a atividade econômica desandasse. O medo já basta para causar estrago. Basta ver o movimento de restaurantes ou, pior ainda, a tentativa de reabrir cinemas.

É possível fazer o essencial para segurar essa, por ora, ameaça sinistra de repique. É preciso um pouco mais de persistência. Pode ser que o começo do fim da calamidade esteja próximo, com a esperança de vacinas. Mas, até lá, o relaxamento pode provocar um desastre evitável.


Vinicius Torres Freire: Eleição municipal abafa polarização e dificulta frente ampla contra Bolsonaro

Resultado das urnas torna ainda mais difícil a ideia de criar 'frente ampla' contra Bolsonaro

Quem ganhou a eleição municipal? A mera massa de números de conquistas locais de cada partido não diz grande coisa.

Além do mais, as reviravoltas de Junho de 2013 e a vitória de Jair Bolsonaro em 2018 deveriam incentivar alguma modéstia na especulação e dos politólogos. Mas os resultados das municipais já motivam rearticulações, reavaliação de estratégias e reivindicações de poder.

O que parece menos incerto?

Em termos de prefeituras conquistadas, a esquerda se tornou nanica e mais fragmentada. PT, PC do B e PSB (esquerda rosa-chá) perderam muitas prefeituras; nesse quesito, o PSOL ainda praticamente inexiste. O PDT se manteve mal e mal.

A esquerda teve e pode ter outras vitórias simbólicas relevantes, abrindo uma fresta para respirar na tumba em que está metida. Terá disputas duras em Recife, Porto Alegre, Belém e Vitória e uma quase impossível, em São Paulo.

Ainda assim: 1) ficou evidente que o eleitorado de grandes cidades está disposto a caminhar no “campo progressista”; 2) partidos como o PSOL voltaram a fazer o papel da esquerda, que é levar o povo miúdo para o governo, como o PT já fez de modo extensivo um dia.

Faz década se fala em coletivos de periferias e movimentos renovados de minorias. Essas pessoas começaram a chegar ao poder, como na Câmara de São Paulo. É pouco, mas faz barulho e será uma inspiração.

As derrotas da esquerda encorparam a onda cinza. Partidos de centro, sublegendas do centrão, centro-direita e direita dominam ainda mais prefeituras. Nesse bloco, o poder também está mais disperso com a ascensão do PSD e a ressurreição do DEM.Diz-se que o MDB continua o partido majoritário, com mais cadeiras de prefeito. É verdade, na aritmética.

O partido perdeu muitas prefeituras. Nas maiores cidades, é medalha de bronze. Trata-se aqui dos 204 municípios que abrigam metade da população brasileira. Neles, o PSDB contou 32 vitórias (eleitos ou em primeiro lugar no primeiro turno), seguido de PSD (28), MDB (27) e DEM (19).Somadas essas 204 cidades ao bloco intermediário (as maiores de 20 mil habitantes), tem-se 85% da população.

Aí, os partidos líderes em prefeituras ou vitórias parciais são quase os mesmos. Pela ordem: MDB (244), PSD (211), PP (202), PSDB (195) e DEM (151).O sucesso do DEM foi o grande crescimento; na política parlamentar, ora lidera o conservadorismo tradicional.

O sucesso do PSD é o crescimento contínuo, agora firme também nas grandes cidades. Gilberto Kassab, líder e organizador dessa “start-up” do centrismo-centrão, diz que o PSD pensa em lançar candidatos a presidente e que Bolsonaro perdeu. Em suma, avisa ao governo e aos partidos com ambições para 2022 que o PSD tem de ser considerado no jogo, pois é time grande.

O PSDB também perdeu prefeituras. Mas está forte em grandes cidades e, para variar, no tucanistão (o estado de São Paulo, segundo a esquerda). PSDB, DEM e MDB vinham fazia um tempo com uma conversa meio mole de serem aliados em 2022; a depender do futuro de Bolsonaro, podem juntar também o PSD. Falta apenas ter o que dizer ao povo e arrumar um candidato (quem tem muitos, não tem nenhum).

Mas há ainda mais incentivo para que formem um bloco distinto do centrão e com força para disputar o governo federal —se organizar direitinho, todo mundo terá um carguinho.O que ficou ainda mais difícil, dadas as derrotas da esquerda e a baixa da “polarização”, foi a ideia de criar uma frente ampla contra Bolsonaro: ele perdeu agora, mas pode, quem sabe, se beneficiar dessa divisão.


Vinicius Torres Freire: A onda cinza da eleição municipal e os meteoros vermelhos

Eleição terá vitórias das sublegendas do centrão, de PSDB-DEM e traços rubros no céu

Quem olhasse a eleição pelo binóculo embaçado das pesquisas veria uma onda cinza cobrindo as maiores cidades. O grosso das vitórias ficaria com aquela massa indistinta de conservadorismo ou de reacionarismo moderado que são as sublegendas do centrão. Não é novidade. Esse pequeno establishment costuma governar os interiores do Brasil.

Quem se ocupasse de pensar em vitórias simbólicas ou na conquista de massas de eleitores veria o sucesso da velha dupla dos anos FHC, PSDB e DEM, a interiorização maior do PT e raros meteoros vermelhos, o PCdoB e o PSOL.

Como não tem partido, Jair Bolsonaro poderia ter ficado ausente da eleição sem se chamuscar, mesmo que seus adeptos anônimos não ganhem quase nada de relevante. Mas deve levar na testa a marca da derrota em São Paulo e no Rio.

Trata-se aqui das eleições em 95 das maiores cidades do país. A ideia era verificar a situação de 95 municípios em que, por lei, pode haver segundo turno. Como em 13 deles não havia pesquisas ou não era nada prudente acreditar nelas, escolheram-se outros a fim de completar os 95. Juntos, têm mais de 80 milhões de habitantes, 38% da população brasileira.

Como São Paulo é sobrerrepresentado nesse grupo, o PSDB parece ter chances de levar 15 prefeituras. O PSD de Gilberto Kassab ficaria com umas 12, em seu avanço seguro e gradual de empreendimento bem projetado do centrismo-centrão. O MDB, campeão histórico das municipais, com 11. DEM, com 9. PT e PP, com 8. Pode ser mais ou menos (“margem de erro” de 3, digamos).

A dupla PSDB e DEM levaria 42% da população das 95 cidades. Ao menos pelo ranking das pesquisas, os tucanos ganhariam, entre outras cidades, São Paulo; o DEM ficaria com Rio, Salvador, Curitiba e Florianópolis, por exemplo.

Não quer dizer que tais partidos vão necessariamente ganhar mais força na política do país. Se por mais não fosse, as grandes cidades são trituradoras políticas. Não garantem projeção nacional e causam sequelas em seus governantes.

Em São Paulo, ninguém se reelege (Bruno Covas, PSDB, é o caso de vice que assume e ganharia a recondução, como foi o caso de Gilberto Kassab). Ainda assim, seria vitória ao menos simbólica da dupla dos tempos fernandinos, PSDB e DEM.

A seguir, o balaio mais cheio seria o do PSD, que levaria Belo Horizonte no primeiro turno, reelegendo Alexandre Kalil, que então se torna uma figura mais nacional. Logo depois, viria o MDB.

Afora o desastre paulistano, em números gerais o PT não faria tão feio. Menos ainda se levasse Recife. Mas Marília Arraes, a candidata petista, tenta chegar ao segundo turno. Chegando, terá contra si o ora líder João Campos (PSB) e a direita. No mais, o PT deve levar cidades médio-grandes e talvez Vitória.

Manuela d’Ávila (PCdoB) pode levar Porto Alegre. Guilherme Boulos (PSOL) pode não levar nada, mas por ora é a cara ou a moda da esquerda na cidade natal do PT; o PSOL ainda pode levar Belém e disputa outras três cidades.

Esses dois nanicos da esquerda correm risco de desaparecimento no Congresso, por causa da cláusula de barreiras. Mas vão parecer a luz vermelha no fim do túnel da esquerda nesta eleição. Assim, devem ficar ainda mais escancarados os problemas do envelhecimento e da liderança do PT no “campo progressista”, embora o partido não tenha substituto à altura, mesmo nessa decadência.

Haverá ainda a conta bruta do número de vitórias de cada partido nas demais 5.473 prefeituras, ainda incógnita, que ajudará a pintar também o quadro da eleição. No mais, é uma onda cinza, com trovoadas de PSDB-DEM e meteoros vermelhos.


Vinicius Torres Freire: A nova temporada de festas do corona

Negligência festeira e governo incapaz criam risco de verão sufocante: a Europa avisa

Parte da gente remediada, bem de vida ou rica que frequenta as praias do litoral norte de São Paulo marca grandes festas de fim de ano, noticia esta Folha. Aparecem relatos aqui e ali de hospitais privados cuidando de mais doentes de Covid-19, embora os dados não sejam bastantes nem para esboçar um chute de estimativa das internações recentes.

O governo paulista, que teria o mapa completo do problema, diz que não há tendência de aumento da ocupação de leitos por causa da epidemia.

As notícias da agenda animada de festas, no entanto, fazem lembrar da negligência do início da calamidade, das festas de casamento e outras aglomerações que ajudaram a espalhar o vírus como bombas sujas, radioativas.

Não há fatos que indiquem um repique da epidemia em São Paulo, na maior parte dos estados ou na média nacional. Mas, como se escrevia faz duas semanas nestas colunas, a Europa outra vez nos dá um alerta. Foi assim em fevereiro e março, para o que muita gente aqui ligou pouco.

Para resumir um assunto complicado, a situação em muitos países da Europa está por ora fora de controle, a julgar pelo número de mortes. Como as novas restrições e distanciamentos foram impostos no início do mês, ainda não dá para saber se tiveram resultado. Mas o espalhamento da doença, com ou sem restrições, vai danar a atividade econômica europeia em novembro.

O repique de casos, mesmo sem restrições, já prejudicara outubro. A retomada em dezembro, se houver, será entre cautelosa e lenta, para ser otimista.

Na Europa, o número relativo de novas mortes é o triplo do brasileiro (medido pela média móvel de mortes em sete dias, por milhão). Na França, 5 vezes o do Brasil. Na Itália, 4,4 vezes. Na Espanha, 3,5 vezes. No Reino Unido, 3,2. Mesmo na disciplinada e organizada Alemanha, o número relativo de novas mortes agora é praticamente igual ao daqui.

A taxa de infecção geral acumulada nos maiores países europeus, menos a Alemanha, não deve ser muito diferente da brasileira, embora estejamos de novo no escuro a respeito disso.

De qualquer modo, o Brasil poderia entrar em temporada menos triste na saúde e na economia. O número diário de mortes rondou a casa de 5 por milhão, em julho; é de 1,7 agora, ainda o horror de 365 mortes por dia, mas diminuindo.

Os auxílios emergenciais vários evitaram recessão convulsiva. As taxas de juros estão em níveis historicamente baixos. Comércio e indústria vinham despiorando em ritmo melhor do que o esperado. Se o controle da epidemia fosse melhor, haveria menos mortes, menos medo, e o setor de serviços estaria andando mais rápido também.

Se houvesse governo federal, haveria um plano sanitário. Haveria ao menos um plano econômico, um programa para lidar com o fim dos auxílios, em dezembro, e um projeto qualquer de diretriz econômica que fosse apenas sensato, “arroz com feijão”. Ou seja, um plano ao menos para satisfazer os donos do dinheiro e não causar tumulto financeiro, um plano básico para cuidar do orçamento. Não há nada disso.

O verão pode ser muito abafado. Que não seja sufocante. As festas da negligência alegre podem ser mortíferas. A paralisia da administração econômica pode largar de novo muita gente em miséria ainda maior, no mínimo. O governo de Jair Bolsonaro continua o seu culto da morte, a campanha de desmoralização das vacinas e a nomeação de terraplanistas militares para cargos técnicos da saúde. Vai ser por sorte ou andanças desconhecidas do vírus que poderemos escapar de uma segunda onda de desgraça.


Vinicius Torres Freire: Guedes e as privatizações de Nostradamus

Ministro prevê hiperinflação, que seria culpa sua, e tem nova visão sobre venda de estatais

O “Brasil pode ir para a hiperinflação muito rápido, se não rolar a dívida satisfatoriamente”, disse Paulo Guedes na terça-feira, dia do jorro de abjeções de Jair Bolsonaro. Em uma jornada que teve saudação da morte, culto antivacina, “maricas” e “pólvora”, pouca gente além dos observadores da economia notou a contribuição do ministro para o aumento do desespero amargo das pessoas sensatas do país.

Ainda assim, convém dar o mérito a Guedes. Se por mais não fosse, na mesma terça-feira o ministro escreveu mais uma página de seu livro das “Privatizações de Nostradamus”, aquelas que, não se sabe bem quais, acontecerão em algum dia, não se sabe bem de qual século.

Em julho, Guedes dissera que o Brasil iria “surpreender o mundo” e que “vamos fazer quatro grandes privatizações nos próximos 30, 60, 90 dias”. Como a mente e a conversa de Guedes são confusos, não se sabia se mais uma vez o ministro prometia anúncios ou privatizações. Passados uns 120 dias, nesta semana, Guedes anunciou que “estamos propondo isso para o Congresso nos próximos 30 a 60 dias”, referindo-se à privatização de Eletrobrás, Correios, PPSA (a estatal da gerência dos contratos da partilha do petróleo) e do Porto de Santos, que seriam feitas até 2021. “Estamos propondo”? Em meados de dezembro? Em janeiro, nas férias do Congresso?

Não há projeto de privatização dos Correios. O caso da Eletrobras está parado com o pessoal do centrão. Não há nem estudos iniciais para o Porto de Santos, que tem privatização prevista para 2022, pelo próprio governo, por ora um chute.

O Brasil de fato pode ir para a hiperinflação se o governo federal não rolar a dívida “satisfatoriamente". Não quer dizer nada. Do mesmo modo, se chover pode ficar molhado, quando chover. No entanto, mesmo levando em conta a incompetência econômica do governo, não há risco de hiperinflação no horizonte, embora outros desastres estejam ao alcance da mão ou das patadas bolsonaristas.

Mesmo para causar uma convulsão maior e imediata, o Congresso precisaria, por exemplo, derrubar sem mais o teto de gastos, uma mudança constitucional. Uma hiperinflação “fast food” dependeria ainda de, por exemplo, da revogação da Lei de Responsabilidade Fiscal e da proibição constitucional de o Banco Central financiar o governo.

No mais, uma derrocada, fulminante ou não, depende fundamentalmente do governo, em termos técnicos e políticos. Se a administração da política econômica continuar essa mixórdia, se não houver projeto fiscal, se continuar a incompetência na negociação política de “reformas”, há risco de interrupção da despiora da economia, de a receita federal minguar, de o déficit crescer, de o dólar ultrapassar a estratosfera e de as taxas de juros longas viajarem além das nuvens poluídas onde foram parar por causa do desgoverno.

Em princípio, poderia haver estagnação no fundo do poço ou até uma recaída na recessão. Neste caso, é possível que até os cúmplices de Bolsonaro o ponham para fora do governo.

Ainda assim, pode ser que essa espiral ruinosa continue. Então, a expectativa de crescimento sem limite da dívida criaria um descontrole grave: a inflação daria uma desgarrada além da meta (não precisa ser hiper) e o BC elevaria a taxa de juros até certo ponto, quando então a conta de juros faria a dívida crescer ainda mais rápido, com o que a política do BC viria a se tornar contraproducente. Então, bau, bau.

Paulo “Nostradamus” Guedes estaria fazendo uma previsão das consequências de sua própria inépcia?


Vinicius Torres Freire: Bolsonaro, um dia de fúrias e de crimes contra o país

Presidente cometeu tantos crimes de responsabilidade que a lei do impeachment se tornou letra morta

Jair Bolsonaro já violou impunemente tantos artigos da lei dos crimes de responsabilidade que essa norma que pretendia enquadrar e conter o comportamento do Presidente da República tornou-se letra morta. As instituições e boa parte da elite lhe dão carta de corso para barbarizar o Estado, a decência e a ordem. Isto é, enquanto reparta o butim.

Como ficou ainda mais claro desde o tempo da subversão dos comícios golpistas (não faz nem seis meses), o poder mortal de Bolsonaro não será ameaçado desde que não cause mais danos financeiros do que custaria um processo de impeachment. Ou seja, desde que não provoque um tumulto econômico, derrubando o teto de gastos, que não aumente impostos de modo significativo e que pague os serviços que comprou no Congresso.

Esta terça-feira foi um dia pleno de bolsonarismo. Logo pela manhã, houve a saudação fúnebre. Bolsonaro jactou-se de derrotar João Doria porque uma morte prejudicou o andamento dos testes da vacina encomendada pelo governo de São Paulo. Mas passemos, porque “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”, como está escrito no artigo 9º da lei dos crimes de responsabilidade, do impeachment, é o comportamento esperado de Jair Bolsonaro.

Na tarde de um dia especialmente abjeto até para os padrões bolsonaristas, o capitão da extrema direita ameaçou os Estados Unidos com “pólvora”. As frases são as seguintes: "Assistimos há pouco um grande candidato à chefia de Estado dizer que, se não apagar o fogo da Amazônia, vai levantar barreira comercial contra o Brasil… Apenas diplomacia não dá. Quando acabar a saliva, tem que ter pólvora”.

E daí? Bolsonaro subiu um tom apenas na sua irresponsabilidade de iletrado desvairado, pode se dizer. É aceitável para seus cúmplices e colaboracionistas em geral, que fizeram por isso o país se tornar esta casa de tolerância. É um “surto” dizem. Talvez porque um de seus filhos tenha sido acusado formalmente de roubar dinheiro público. Talvez porque um ministro do Supremo tenha mandado para a Procuradoria-Geral da República uma notícia-crime, pois Bolsonaro manipula as instituições para evitar que seus filhos e amigos milicianos terminem na cadeia.

Mas é crime. Como está escrito no artigo 5º da lei do impeachment, um dos crimes de responsabilidade contra a existência política da União é “cometer ato de hostilidade contra nação estrangeira, expondo a República ao perigo da guerra, ou comprometendo-lhe a neutralidade”. Parece piada, porque Bolsonaro será, em parte, ignorado na sua insignificância lunática. Em parte.

Em parte, não. Pelo menos tentar qualquer dos crimes de responsabilidade mencionados na lei pode motivar processo de impeachment. Mais relevante, de prático, Bolsonaro e seus cúmplices também no governo, vários deles oficiais-generais, atentam contra a segurança nacional e contra os interesses econômicos do país porque ameaçam as relações diplomáticas, comerciais e financeiras com alguns dos maiores países do mundo e tantos de nossos vizinhos, países amigos.

Bolsonaro ainda zombou dos mortos, dos brasileiros que cuidam de si e de seus compatriotas evitando espalhar a doença e a morte, disse que as eleições no Brasil são passíveis de fraude e muito mais. Pareceu apenas um pot-pourri, um show de sucessos de sua sordidez habitual. Mas não. Bolsonaro demonstrou mais uma vez que é uma ameaça; quem tolera seus crimes, no Congresso ou no mundo do dinheiro grosso, é seu cúmplice maior.


Vinicius Torres Freire: Bolsonaro vai enfrentar furacão de problemas quando voltar das férias

Eleições nos EUA e aqui permitem que governo ignore o furacão de problemas que virá

Faz semanas, Jair Bolsonaro está em férias do seu desgoverno. Quer dizer, não tem sido nem ao menos obrigado a deixar de tomar decisões sobre assuntos cruciais ou ignorá-los, que é o seu padrão habitual de conduta.

O mundo está distraído pela situação horrorosa dos Estados Unidos e os parlamentares brasileiros estão ocupados com eleições municipais e de conchavos para a escolha do comando do Congresso em 2021 e de novos ministros. Nas votações que ainda acontecem, deputados e senadores fazem mais ou menos o que querem.

A folga vai acabar. A distração maior pode passar, caso os Estados Unidos não entrem em convulsão. Daqui a dois domingos, no dia 15, acaba a eleição municipal na maior parte do país, embora restem algumas segundas rodadas.

Então, haverá problemas a resolver, como o Orçamento de 2021; como manter (ou não) o teto de gastos, o auxílio para os muitos pobres extras que a calamidade econômica e sanitária deixará, para nem falar de uma política racional de vacinação, se houver vacina (mais improvável ainda é que haja razão). Há mais, mas passemos, por ora.

Nesta semana, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), disse o seguinte: “Neste momento pós-pandemia, o que vai ficar: uma dívida muito alta, uma pressão muito grande, um desemprego batendo recorde, a inflação voltando com força, o Orçamento público uma incógnita para todos nós. A gente não sabe o que o governo quer, o que o governo vai propor”.

Certo ou não, é o que Maia pensa e ouve de economistas e empresários maiores e mais preocupados com a desordem do governo.

Enquanto isso, Bolsonaro viaja, como de costume. No interior de Alagoas, elogiou Fernando Collor, outra amizade presidencial que agrega ao seu círculo, depois de Michel Temer. Do que tratou nesse minicomício? De paranoias e mistificações. Diz que vai apoiar uma emenda constitucional para obrigar a impressão de votos nas eleições; insinua que há uma conspiração no mundo com o objetivo de roubar as terras do Brasil.

No mais tardar a partir de dezembro, e já será muito tarde, Bolsonaro teria de tomar decisões duras: auxílio emergencial ou renda básica; algum meio de manter o teto de gastos e ao mesmo tempo arrumar recursos para que o governo ainda funcione, o que vai exigir algum conflito com servidores, por exemplo.

Pode também deixar o teto de gastos cair, sem mais, e partir para a ignorância, com tumulto financeiro e ruína progressiva. Pode ainda simplesmente fazer o arrocho mais cru, apaziguar os ânimos nos mercados, não fazer mais nada e tentar manter a popularidade restante no gogó e no delírio, com votos de papel e outras sandices e conversas lunáticas. Como se vê, as alternativas não soam bem.

Supondo que saia das suas férias eternas e tome alguma decisão mínima de governo, teria ainda de lidar com “reformas”. Nos subterrâneos, a tributária está se tornando uma disputa cada vez mais amarga entre setores empresariais, por exemplo, e o governo não tem plano algum por ora a não ser o imposto morto-vivo, a CPMF, segundo seu próprio criador, Paulo Guedes.

A política internacional (eleição nos EUA) pode causar ainda mais problema, assim como a polícia nacional (acusação de roubança contra Flávio Bolsonaro). Por ruins que sejam, a curto prazo são questões menores perto daquelas que Bolsonaro precisará, em tese, enfrentar e que envolvem economia, gasto público, a fome de milhões e seu prestígio. Mesmo que fizer o melhor possível (hum), vai sair queimado.


Vinicius Torres Freire: Impasse, presidente fraco e alucinógenos animam donos do dinheiro nos EUA

Congresso e país divididos animaram os negócios nos mercados financeiros dos EUA

No estado do Oregon, aquele logo ao norte da Califórnia, ter pequenas quantidades de ecstasy, cocaína, LSD, metanfetamina e cogumelos alucinógenos ou seus derivados deixa de ser crime, decidiram os eleitores na terça-feira (4) de eleições e de outras votações americanas. Mais quatro estados legalizaram a maconha –agora são 15.

Na Flórida, aumentaram o valor do salário mínimo. Na Califórnia, o lobby das empresas de aplicativos de transporte e entregas convenceu o eleitorado a derrubar a decisão da Suprema Corte estadual que obrigava essas firmas a tratar motoristas e entregadores como empregados, não como terceirizados sem vínculo e direitos trabalhistas.

Mas o decisivo mesmo, como vai se vendo, é que os Estados Unidos continuam divididos até a medula, que o presidente não terá maioria no Congresso e que políticas públicas fundamentais podem não avançar por causa de impasses e desacordo partidário incontornável.

Os donos do dinheiro grosso tomaram conhecimento dessas fissuras fundas e acharam isso bom.

Até o momento em que se escreviam estas linhas, noite de quarta-feira, não se sabia quem fora eleito presidente dos Estados Unidos. Aparentemente o Partido Democrata não seria majoritário no Senado, mantendo a Câmara por maioria pequena. A possibilidade de “onda azul” (ampla vitória dos democratas) morreu na praia como marolinha, se tanto.

E daí?

Pelos “votos” nos ativos financeiros nos mercados e nas opiniões que os ilustravam pela mídia econômica, dá para ter uma ideia do que o povo do dinheiro estava pensando. Joe Biden, caso eleito, não terá votos para passar aumentos de impostos sobre empresas; talvez nem mesmo sobre cidadãos mais ricos.

Será improvável regulação mais pesada sobre as firmas, as “Big Techs” em particular, ou sobre setores como saúde. O Partido Republicado no Senado teria capacidade de barrar ou enrolar tais iniciativas.

Seria menos provável a aprovação de um plano amplo de despesas do governo federal com o objetivo de tirar a economia da recessão, de resto por meio de um programa de “obras verdes”. A contenção do aumento do gasto implica menos emissão de dívida pública, juros mais baixos e (é a mesma coisa) desvalorização menor dos títulos da dívida pública americana). O povo do dinheiro então comprou títulos da dívida.

A perspectiva de um governo em certo aspecto (econômico) fraco animou os donos do dinheiro e orientou decisões de investimento. Esses movimentos podem durar menos que dias, por vezes horas. Mas era assim que investidores “votavam” no mercado, olhando os resultados parciais da eleição para o Congresso e Casa Branca.

Sem um pacote de gastos federais gordo, não haveria risco de a economia americana perder fôlego, ao menos no curto prazo? Talvez. Os donos do dinheiro acham então que o Banco Central dos Estados Unidos, o Fed, vai dar conta do problema, embora o próprio comando do Fed diga que mais estímulo fiscal (gasto do governo) seja necessário. Os donos do dinheiro acham que haverá mais intervenções monetárias (em última análise, crédito de graça) e juros baixos por mais tempo. O Fed, como tanto Banco Central do mundo rico, teria ainda de fazer também o papel de banco comercial muito mal disfarçado.

Paralisia decisória e risco de polarização política ainda mais acentuada, talvez entrincheirada, não eram aflições. Na quarta-feira, os donos do dinheiro se animavam com o impasse político mais geral nos Estados Unidos.


Vinicius Torres Freire: O extremismo odiento, com ou sem Trump

Polarizações socioeconômicas e ódios diversos não vão passar tão cedo nos EUA

Donald Trump é uma doença ou sintoma de um mal pior? Derrotado ou vitorioso, já terá deixado sequelas, de qualquer modo. Trump inspirou, incentivou ou legitimou supremacistas brancos, a xenofobia, a desconfiança na razão, em instituições que promovem o debate público esclarecido e que arbitram conflitos de modo democrático, promoveu a mentira sistemática e a disseminação da paranoia. Avacalhou tudo isso que faz parte do pacote básico da democracia liberal.

Há surtos de paranoia ou ressentimento reacionários que causam comoção e sofrimento, mas passam. Ao menos, acabam não tendo força bastante para abalar pilares dessas democracias liberais.

Não foi o caso nem com o macarthismo dos Estados Unidos dos anos 1950, por exemplo. Deixou marcas, destruiu vidas e inoculou para sempre na política americana a rejeição mesmo a ideias sociais-democratas e o delírio anticomunista, mas não produziu instituições autoritárias.

Um movimento contemporâneo, na França, o poujadismo, agregou o ressentimento da pequena burguesia reacionária, corporativista, revoltada com a modernização do país e com instituições da democracia francesa da época, que funcionavam muito mal, aliás, tanto que acabaram em um golpe militar disfarçado, em 1958. Mas a democracia francesa progrediu e o poujadismo é uma nota de rodapé, embora uma de suas crias, Jean-Marie Le Pen, tenha dado brotos depois de quatro décadas dormente.

Trump muita vez é explicado pelo ressentimento dos trabalhadores largados nas regiões decadentes da indústria, pela revolta das comunidades do interior, dos desconfiados da civilização dos costumes e dos direitos de minorias ou discriminados quaisquer, contra as “elites” ilustradas e a indiferença dos tecnocratas econômicos.

A desigualdade de renda e de educação teria sido um fator também, assim como, contraditoriamente, o ressentimento contra programas sociais que justamente atenuam tais iniquidades (de modo diminuto, nos EUA).

Mas mesmo tais ressentimentos não bastam para explicar a força renovada do racismo, das milícias armadas ou o descaramento neonazista. Um grande, embora controverso, sociólogo americano, Richard Sennett escreveu nesta semana no jornal britânico “The Guardian” que o ressentimento seria mais profundo. Reflete uma degradação civilizacional mais séria e que seria a atitude de uns 30% dos americanos.

Trata-se de pessoas para quem a vida socioeconômica é um jogo de soma zero: reconhecer direitos de outros por si só implica a perda dos próprios direitos; rebaixar outrem é um progresso para si. Seria assim parte dos brancos americanos, diz Sennett, um pessimista a respeito da vida pública, do sentimento do propósito da vida ou da situação do trabalho contemporâneo.

Parte da base trumpista de 2016 desertou o presidente agora, acredita Sennett (aposentados, trabalhadores da indústria, pequenos empresários, classe média alta dos subúrbios e parte dos evangélicos). Restaria um núcleo fanático, mas imenso, que tende se tornar ainda mais extremista em caso de Trump: viriam a se sentir mais abandonados e, agora, traídos por outros eleitores e pelo “sistema” em geral.

As feridas americanas não serão curadas tão cedo, conclui Sennett. É difícil captar de modo mais preciso esse ressentimento branco entranhado. Mas decerto tão cedo, no mínimo, não vai se dar um jeito nas polarizações de cor, renda, educação, poder e da falta de entendimento básico do que sejam razão e terreno comum de diálogo.


Vinicius Torres Freire: Carta sobre a vacina brasileira para o leitor cansado do coronavírus

O que o SUS, a Alemanha e a recaída europeia dizem sobre a doença no Brasil

A Alemanha acha que é difícil vacinar seus 83 milhões de habitantes até o final de 2021. Sim, vacinar contra a Covid. Sim, a eficiente, organizada e disciplinada Alemanha. Aplicar 100 mil doses por dia seria “um desafio”, disse na semana passada Thomas Mertens, o chefe do Comitê Permanente de Vacinação do Instituto Robert Koch, agência alemã de controle e prevenção de doenças.

No Brasil, o SUS chega a atender 1 milhão de pessoas por dia nas campanhas de vacinação contra a gripe. Em alguns anos, esteve preparado para vacinar quase 1,5 milhão de pessoas por dia, em cerca de 65 mil postos.

Isso dá o que pensar nas burrices que o governo diz sobre vacina e sobre as nossas possibilidades de conter a doença, muitas desperdiçadas de modo criminoso até agora.

Sim, de um modo ou de outro, estamos fartos de ouvir, falar ou saber de coronavírus. Mas ainda podemos fazer um esforço para atenuar a situação e reagir contra a ignorância homicida. Se por mais não fosse, a Europa nos dá outro alerta de perigo, como em março.

Ainda não há vacina. Alguns países, Alemanha, Estados Unidos, Indonésia ou Brasil, se preparam para distribuí-las a partir de dezembro, mas apenas isso: preparam-se para o melhor. Cientistas discutem ainda a possibilidade de, a princípio, usar as vacinas apenas de modo comedido, limitado, experimental mesmo. Há quem diga que a vacinação precoce pode até atrapalhar a continuidade dos testes de eficácia e segurança, que ainda prosseguirão por meses ou anos.

Anthony Fauci disse nesta semana que talvez em dezembro apareçam dados suficientes para que uma ou duas das vacinas que estão sendo testadas nos Estados Unidos possam ser submetidas à aprovação das autoridades sanitárias. A vacinação ficaria então para o início do ano que vem, se tudo der certo. Fauci é chefe do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas e a autoridade oficial americana em matéria de Covid.

Isto posto, é um crime contra a humanidade enxovalhar a vacinação em geral, como faz Jair Bolsonaro, ou uma possível vacina contra a Covid, seja anglo-sueca, chinesa, americana, alemã ou russa. Devemos nos preparar para oferecer vacinas e não esquecer que a epidemia está longe de terminar.

Os mortos por Covid no Brasil ainda são o triplo do número de assassinados no país, na média por dia. A Covid mata 15 vezes mais que o HIV, ainda pela média diária. Quatro vezes mais que os acidentes de trânsito.

Na União Europeia, o número diário de mortes baixara muito até julho, quando chegou a 0,2 por milhão de habitantes. Agora está em 2,9 por milhão, por dia, e crescendo rápido. No Brasil, estamos com 2 mortes por milhão, por dia. Mas há indícios que a taxa geral de infecção por aqui não seja lá muito diferente da espanhola, por exemplo –haveria muita gente que pode ser infectada ainda. Assim, em tese, é possível um repique da doença. Não sabemos, mas o risco é sério.

Os maiores países da Europa voltaram a fechar as portas de muito negócio e atividade. Mesmo antes disso, em outubro, a economia já balançava de novo, se é que a recaída na recessão já não estava ocorrendo. Não é o “lockdown” que derruba os negócios, mas a doença. Mesmo quase sem restrições oficiais, o movimento nos trens e metrôs de São Paulo ainda é a metade do que se via no ano passado.

Há esperanças: uma vacina, o nosso SUS e que a maioria de nós não seja infectada pela desumanidade presidencial. Enquanto esperamos, nós que aqui estamos temos de tomar cuidado ainda. A Europa está nos avisando.


Vinicius Torres Freire: Governo Bolsonaro faz molecagem enquanto país tenta sair da ruína

Parte da economia volta ao azul, mas está ameaçada por fofoca e inépcia gerencial

Há um Brasil que se recupera da calamidade econômica, no comércio e na construção civil, movido a auxílios emergenciais e juros baixos. Há estados em que o nível de emprego formal já é maior ou pelo menos igual ao do final do ano passado, caso de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Tocantins, Maranhão, Paraná e Santa Catarina tocados também pelos bons resultados do agronegócio.

Mas essa recuperação relevante está longe de segura. Um dos motivos é que há um outro país, aquele que se dedica à molecagem em redes sociais, caso de ministros de Jair Bolsonaro ocupados de criar crises com fofoca juvenil idiótica. O capitão, por sua vez, trabalha para sabotar até uma hipótese de melhoria nacional, a existência de uma vacina contra a Covid.

Um ministro principal, Paulo Guedes, entre outras incapacidades gerenciais, não consegue dizer se vai propor uma nova CPMF ou se o imposto está morto, isso durante uma algaravia em que chegou ao ponto desvairado de acusar bancos de financiar inimigos do teto de gastos, provocando nova crise intestina no governo. Sim, os bancos seriam inimigos do arrocho fiscal.

Ministros e os novos amigos de Bolsonaro, as cabeças do centrão, se ocupam de artimanhas para sentar nas cadeiras vazias ou novas da reforma ministerial que virá, se especula. Misturada nesse rolo está a disputa pelo comando da Câmara no ano que vem.

O país que se levanta da ruína deste ano de calamidade pode ser abatido por uma piora das condições financeiras: o dólar nas alturas e uma taxa de juros em alta no atacadão de dinheiro, que pode solapar investimentos ou coisa pior. A tensão é grande e pode explodir, com o recrudescimento da epidemia pelo mundo ou com decisões amalucadas ou incompetentes do que fazer com o Orçamento federal do ano que vem. Tais decisões foram adiadas por Bolsonaro e pela elite política para depois das eleições municipais, como se houvesse tempo para esperar até amanhã. Em parte, dependem de arranjos políticos, que por sua vez esperam o resultado de eleições, no Brasil e nos Estados Unidos.

Tais demoras e a longa duração da epidemia atrasam ainda mais a recuperação do setor de serviços, com faturamento 30% abaixo do que se via no ano passado. O Rio de Janeiro padece especialmente dessa ruína, sem contar a desordem política e administrativa local. É o estado mais atrasado na recuperação do emprego formal, por exemplo.

A confiança do consumidor e do comércio deu uma fraquejada em outubro, talvez um primeiro alerta de que a redução dos auxílios emergenciais deve diminuir também a velocidade da retomada. A ainda baixa circulação de pessoas em metrópoles como São Paulo indica que persistem o medo da doença e o distanciamento social por decisão voluntária de empresas, que há menos gente a andar pela cidade por falta de trabalho ou por causa das escolas ainda quase fechadas.

É fácil perceber que há tanto a fazer, no controle da epidemia e na apresentação de um projeto racional de saída da lama econômica, para nem mencionar que não se toca nem a rotina básica de governo. A cada dia, a uma fofoca se segue uma ideia demente ou inepta, que cai na Justiça, no Congresso ou por pressão de redes sociais.

É uma queixa ingênua, decerto. A desordem político-administrativa, fora o risco de golpeamento autoritário, era previsível e prevista desde 2018. A variação continua do desvario, nem tanto: boa parte do governo e do comando do país, em vários Poderes, agora se dedica a promover tumulto com mexerico e molecagem.


Vinicius Torres Freire: A segunda onda na europeia no Brasil

Segunda onda na Europa é um alerta para a epidemia e economia do Brasil

Números gerais não permitem descartar um recrudescimento da epidemia por aqui

A segunda onda da epidemia nos grandes países da Europa ficou evidente na mesma data: começo de setembro. É quando acabam as férias de verão. Foi então que o número de mortes começou a aumentar de modo inegável. Em meados de outubro houve a disparada. Em países como Alemanha, Espanha, França, Itália e Reino Unido, as taxas mínimas de morte haviam ocorrido em julho, mais ou menos.

O número diário de novas mortes por milhão anda entre 2,5 e 3,5 nesses países, com exceção da Alemanha, onde está por volta de 0,5 por milhão (média móvel de sete dias). No Brasil, o morticínio agora está perto de pouco mais 2 novas mortes por milhão, em queda lenta, faz algum tempo. No pico da mortandade nesses países europeus, a taxa diária de mortes por milhão ficou em torno de 15 (com exceção, outra vez, da Alemanha (que chegou perto de 3).

É um alerta para o Brasil? Sempre é. Aprendeu-se que a epidemia é, até certo ponto e tempo, regional, o que é um aspecto muito significativo em um país do tamanho e população como o nosso. Ainda assim, convém dar uma olhada em estatísticas mais gerais, ao menos para dar a escola de grandeza do problema.

O número de mortes pode ser um indicador aproximado do tamanho da epidemia, do número total de infectados. Sim, existe grande controvérsia sobre a letalidade da doença. Isto é, quantas pessoas morrem entre aquelas que foram infectadas. Como se tornou evidente, as pesquisas na população têm dificuldade de estimar o número total de infectados. Logo, a taxa de letalidade da doença é motivo de polêmica.

Suponha-se que ela seja aproximadamente igual e que se leve em conta as diferenças demográficas (a Covid mata mais os idosos. Tudo mais constante, países com mais idosos terão mais mortes). A taxa de mortes por milhão no Brasil é maior do que a da Espanha, o país grande da Europa mais afetado. A do estado de São Paulo é ainda maior. Levando em conta a idade da população, a diferença aumenta.

A taxa de mortes do estado de São Paulo, sem qualquer ajuste, é de 866 por milhão. A da Espanha, 755. A julgar apenas pelo número de mortes e pela hipótese de que certo número de mortes esteja associado a uma taxa de infecção, seria possível especular que um recrudescimento da epidemia não pode ser descartado por aqui. O estado de São Paulo ainda conta 2 mortes diárias por milhão. A Espanha da segunda onda conta 3,3.

Nem de longe, claro, é prognóstico. Em meses de conversas com excelentes epidemiologistas do Brasil, muito cientista dedicado observou que levou dribles e outros bailes da epidemia. O que todos dizem é que não dá para relaxar, que cada medida de alívio das restrições tem de ser muito bem fundamentada, que aglomerações são insanidades, que se deve usar máscara, que é preciso fazer mais testes e tentar encurralar a doença.

A nova onda europeia ainda está longe de ser tão mortífera quanto em abril. Mas a mortandade afeta o mundo inteiro pela economia, é preciso e horroroso dizer. A percepção de riscos aumentados e a incerteza vão ecoar pelo mundo, como se viu nos mercados financeiros desta quarta-feira, e a segunda onda vai atingir a atividade econômica em alguma medida. Alemanha e França vão ter isolamentos duros durante novembro inteiro.

Os alertas estão aí. O controle da epidemia no Brasil foi vergonhoso; o governo federal não se ocupa nem ao menos do manual básico da economia. Estamos sem imunidade na política sanitária e na econômica.