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Vinicius Torres Freire: Bolsonarismo perde, Bolsonaro ganha

Militância é podada; auxílios e despiora econômica mantêm prestígio mínimo do governo

O Supremo tirou do ar contas de bolsonaristas nas redes sociais. Até a noite de sexta, o Planalto estava quieto. É outro indício de que, se o governo Jair Bolsonaro não está em transformação, faz recuo tático organizado. Retira-se sob pressão: da ameaça de cadeia para filhos, milícias digitais e patrocinadores, e de queixas dos donos do dinheiro (como na questão ambiental).

Mas a diminuição do alarido bárbaro e alguns dados da realidade por ora o favorecem.

No Congresso, Bolsonaro corta cabeças bolsonaristas. As lideranças do governo no Congresso e no Senado já são do MDB; a da Câmara deve passar para o PP, partido do centro do centrão, grupo que trocou cargos e boquinhas por votos contra um risco de impeachment.

No Senado, passou a lei de repressão às “fake news”. Será reescrita na Câmara, mas deve ter ameaças de cadeia para difusores e financiadores de campanhas sórdidas.

É um desestímulo para as milícias digitais e para empresários que bancam as contas mais sujas do bolsonarismo.

Bolsonaro se beneficia dos auxílios emergenciais, que chegam a 40% das casas do país, e da despiora da economia, que deve durar pelo menos mais três meses. Despiorar significa apenas sair do fundo do poço, mas que ainda se está no poço.

Mesmo no final de 2019, antes da calamidade, o PIB per capita era 7% menor que em fins de 2014; o consumo per capita, mais de 5% menor.

Com a Covid-19, o buraco foi mais para baixo. No final de 2020, o PIB per capita será 12% menor do que em 2014, empobrecimento recorde mesmo nesta pobreza de país.

Mas há despiora. Quando começaram os confinamentos, em março, as vendas com cartão caíram 52% em relação ao fevereiro. A queda agora é de 15%. Os dados são da Cielo, de despesas com cartão no varejo.

No total, o valor dessas compras equivale a cerca de 40% do que no PIB se chama de “consumo das famílias”. O índice diário de atividade criado pelos economistas do Itaú para medir o desastre com frequência indica que a economia ainda cai pouco mais de 10% em relação ao início de março. Mas já caiu 45%.

O que vai acontecer a partir de outubro é um mistério. Acabam os auxílios e complementações de salário, o que deve abrir um buraco de uns R$ 60 bilhões por mês no rendimento total das famílias.

Pode ser que exista dinheiro guardado na crise para compensar o rombo; haverá alguma recuperação da renda do trabalho. O saldo dessas perdas e ganhos é uma incógnita. Mas, até novembro, Bolsonaro terá alguma proteção no flanco da renda.

Em duas semanas, haverá oficialmente 100 mil mortos de Covid-19. Esse horror, porém, parece normalizado por parte relevante deste país habituado a estar entre os líderes mundiais de taxas de homicídio e de mortes no trânsito.

Bolsonaro se livrou do lavajatismo sem danos maiores. Alia-se ao centrão; nada de reação, até agora ou até que um centrista meta a mão no dinheiro.

A polícia mostrou que os Bolsonaros eram um empreendimento de fantasmas e rachadinhas. Houve pouca reação, até por falta de evidência “pop” da bandalheira, dificultada por arreglos no Judiciário, que facilitou a vida de Fabrício Queiroz.

Sim, o bolsonarismo está vivo no Itamaraty e no almoxarifado militar da Saúde, mas sob tutela no Ambiente e pode se disfarçar de reacionarismo discreto na Educação.

Há perspectiva de conflitos, claro, como a disputa por dinheiros na reforma tributária ou na renda mínima, se algum desses projetos for adiante. Mas, no meio deste desastre, Bolsonaro está muito vivo.


Vinicius Torres Freire: Guedes passeia no Congresso com CPMF fantasiada e tenta virar o jogo tributário

Guedes insiste no imposto; jogo no Congresso mudou e pode haver novidades tributárias

Uma CPMF não passa no Congresso, estamos cansados de ouvir. Mas deputados dizem que querem conhecer esse imposto sobre pagamentos digitais ou comércio eletrônico de Paulo Guedes. Dizem também que está mais complicado passar uma reforma tributária ampla, como quer Rodrigo Maia, sem negociações maiores com o governo, porque o “jogo político mudou um pouco”.

Jair Bolsonaro conta agora com um bloco de uns 180 deputados, gente do centrão e agregados. É um juntado sem grandes convicções de qualquer espécie, mas que deve cumprir em parte o acordo no qual levou cargos no governo.

Guedes tem cantado deputados do centrão, mais exatamente do PP e do PL, com promessas de trocar a aprovação do seu imposto digital por redução de tributos sobre folha de pagamento ou por um programa mais gordo de renda básica.

Essa promessa de engordar a renda básica com receita e despesa novas não faz sentido a não ser que: 1) se estoure o teto de gastos; 2) se reduza a despesa com servidores; 3) se reduza o investimento em obras a quase zero.

O governo pretende acabar com benefícios como o abono salarial, por exemplo, a fim de destinar mais dinheiro para o que chama de Renda Brasil. Para tanto, não precisa de mais imposto. Derrubar o teto de gastos está fora de cogitação.

Foi para a gaveta a emenda constitucional de redução “emergencial” de despesa com servidores e benefícios atrelados ao salário mínimo. A reforma administrativa foi adiada sine die e não deve bulir com funcionários já contratados, ordenou Bolsonaro.

Reduzir o investimento a quase zero é possível e compatível com o projeto de destruição do país, mas um terço dessa despesa é determinada por emendas parlamentares e outro tanto também atende a interesses políticos locais. Logo, desse mato não deve sair nem um cachorro magro.

Bolsonaro vetou a lei que prorrogava até o final de 2021 a redução de impostos sobre a folha de alguns setores, o que irritou a Câmara. Guedes pede a parlamentares que não derrubem o veto porque “vem aí” uma desoneração maior da folha, que seria compensada pelo imposto digital, caso Bolsonaro não vete a ideia assim que sair de seu catre.

Este jornalista ouviu 14 parlamentares dados a assuntos econômicos. Ninguém soube dizer o que seria o tal imposto digital. Aceitam ouvir a nova proposta de Guedes desde que não seja CPMF disfarçada.

Maia quer tocar a ampla reforma de unificação de tributos desde já. Mas tem problemas novos: 1) o Senado quer tratar do assunto apenas a partir de agosto e pode não engolir uma reforma da Câmara; 2) setembro é mês de convenções partidárias e início da campanha eleitoral; 3) há muito mais deputados no time do Planalto. Ainda não estreou, mas pode jogar na retranca de interesses de Bolsonaro.

Ou seja, o tempo para a reforma é curto e a resistência política pode ser maior.

A disputa entre empresas a respeito de quem paga a conta da mudança tributária pode ser mais renhida. O setor de serviços tenderia a pagar mais impostos na reforma “ampla”; arrebentou-se muito na crise do vírus. No Congresso, há conversas sobre impostos novos, sobre ricos, lucros, empresas “Big Tech”. Há mais ruído e grande interesse em criar uma renda básica mais ampla que o Bolsa Família.

A pelada está mais cadenciada, embora possa haver um revertério caso voltem as botinadas golpistas ou apareçam cartões vermelhos nas investigações judiciais. Mas o jogo mudou, nestes 33 minutos do primeiro tempo do governo Bolsonaro.


Vinicius Torres Freire: Mourão quer Brasil dentro da cerca do atraso eterno dos grileiros de Bolsonaro

Empresários criticam ruína ambiental; vice-presidente ignora mudança mundial

O Brasil está com o filme queimado também porque bota fogo na Amazônia, o que causa repulsa a alguns financistas e pode provocar boicotes aos produtos de exportação brasileiros, diz o chavão sobre o vexame do país. É muito pior do que isso, porém.

A catástrofe da pandemia deve acelerar mudanças tecnológicas, investimento na reconstrução “verde” das economias e exigências de padrões sociais mínimos. Há indícios de tal evolução na Europa, na China e deve ser o caso dos EUA, se acordarem do pesadelo Trump.

O Brasil está em autodestruição acelerada faz sete anos. Dificilmente se cura até 2022. As mudanças no mundo rico podem tornar o país tão obsoleto quanto a vela e o cavalo depois da luz elétrica e do motor a explosão.

Empresários e banqueiros civilizados notaram o tamanho do problema, embora se limitem a enviar ao governo cartas diplomáticas de protesto, “notas de repúdio” mais aguadas do que as emitidas pelas “instituições” (Congresso e Supremo) contra ameaças golpistas de Jair Bolsonaro e de generais do Exército.

Na semana passada, escreveram a Hamilton Mourão para pedir, grosso modo, que se dê um basta à destruição da Amazônia e à ruína da reputação brasileira; para sugerir investimentos e planos de reconstrução da economia baseados em princípios ambientais.

Por ora, a resposta do vice-presidente foi dizer, em uma entrevista, que o governo do seu capitão não destruiu nada e que existe uma conspiração internacional dos “incomodados” para impedir que o Brasil cumpra seu “destino manifesto” de ser “a maior potência agrícola do mundo”, para o que tem “potencial extraordinário” por causa do “nosso povo”, “água, luz, terra fértil, espaço para avançar”.

Antes de mais nada, é besteira dizer que a agropecuária eficiente é “destino”. Certas vantagens naturais do país foram aproveitadas graças a pesquisa, investimento e crédito subsidiados pelo Estado. Mas passemos.

O que Mourão disse é: 1) Geopolítica de general de pijama no uísque depois da peteca na praia, velha e bisonha já nos anos 1980; 2) Ufanismo de liberal gagá já nos anos 1930; 3) Ignorância do que se passa no mundo.

A União Europeia, por exemplo, elabora dois planos de reconstrução, por causa da pandemia e do “green deal”. Envolvem avanço tecnológico, “produção leve” (menos indústria pesada), descarbonização até 2050, economia digital e “bons empregos”. Esse programa de desenvolvimento social e econômico pretende no fundo evitar que o povo se bandeie de vez para partidos extremistas e promover investimentos, moribundos no continente. O Estado deve redirecionar o desenvolvimento europeu, mais por precisão do que por boniteza.

Isso altera consumo, produção e relações econômicas internacionais. Deve restringir negócios com países “fora dos padrões” socioambientais, tecnologicamente primitivos ou francamente bárbaros como o Brasil e também diminuir a demanda de seus produtos (combustível fóssil, ferro e carne, digamos).

O “Relatório Mundial da Riqueza” de 2020 da consultoria Capgemini indica que os donos do dinheiro grosso (mais de US$ 30 milhões para investir) querem colocar quase metade de seus investimentos em “ESG” (negócios orientados por preocupações ambientais, sociais e governança “correta”). Parte é douração de pílula; parte não é.

Para mudar esse governo de grileiros da Amazônia, da educação, da ciência etc., empresários teriam de descer da cerca e mandar mais que cartas a Mourão. É questão de sobrevivência.


Vinicius Torres Freire: Reforma social e econômica dos EUA dos anos 1930 inspira debate do pós-vírus

Discussão política e intelectual se inspira na mudança socioeconômica de Roosevelt

Franklin Roosevelt (1882-1945) está na moda entre as elites civilizadas do mundo rico ocidental. É assunto de editoriais, no debate parlamentar, nas eleições, no comando da União Europeia, nos governos europeus mais avançados e até de demagogos autoritários como Boris Johnson, o primeiro-ministro britânico.

Desde que a esquerda do Partido Democrata americano em parte ressuscitou, nas eleições de 2018, a ideia do “Green New Deal”, já antiga de uma década, se tornara mais pop. Como se sabe, trata-se de um plano de reformas e investimentos públicos com o objetivo de conter o desastre ambiental, reorganizar consumo e produção e reduzir a desigualdade econômica. O nome do projeto refere-se ao “New Deal”, o novo pacto social, econômico e político proposto e implementado por Roosevelt nos anos em que presidiu e refundou os Estados Unidos, de 1933, em meio ao horror social da Grande Depressão, até sua morte.

O grande presidente americano agora se torna uma inspiração ou um slogan não apenas para ambientalistas, mas para muita gente graúda que discute como reconstruir economia e sociedade depois da catástrofe do vírus.

Roosevelt criou o sistema de seguridade social e o salário mínimo, legalizou o direito de organização trabalhista, fundou a regulamentação financeira meritória que durou até os anos 1990, ajudou a difundir a ideia de que obras públicas podem atenuar recessões horrendas e inventou o moderno mercado imobiliário americano. São apenas algumas das providências de seu “experimentalismo pragmático”, como foram chamadas pelos economistas Stephen Cohen e Bradford DeLong em um livrinho-panfleto muito simpático sobre a história econômica americano (“Concrete Economics: The Hamilton Approach to Economic Growth and Policy”, de 2016).

Talvez tudo não passe de pensamento desejante, quem saberá dizer. Há indícios de que pode não ser assim. Opiniões relevantes no mundo intelectual seco e sombrio da economia e promessas e atos de lideranças políticas europeias indicam que está vencida a ideia de cortar gastos e voltar ao “business as usual” nas políticas públicas.

É uma atitude muito diferente daquela que se viu no mundo pós-colapso da Grande Recessão de 2008. Talhar despesa pública e elevar taxas de juros muito cedo podem retardar a retomada econômica, lê-se em um editorial do britânico “Financial Times” que, embora ressabiado com a moda rooseveltiana, sugere que os políticos aprovem e implementem um “novo contrato social”.

A coisa vai além das opiniões de um porta-voz da finança mais ilustrada. Pelo menos desde as eleições para o Parlamento Europeu, em 2019, os verdes ganham posições importantes, como acaba de acontecer outra vez na eleição municipal francesa.

No caso dos Estados Unidos, Joe Biden talvez jamais venha a ser um exemplo de audácia ou de presidente transformador, mas é plausível que mesmo sua figura pouco inspiradora derrote Donald Trump. Pode ser uma transição diferente, pois o sucesso relativo de Bernie Sanders, os novos democratas de 2018 e os protestos contra o racismo e a violência policial levaram o partido um tico mais para a esquerda.

O Brasil é um país distante, pobre, ignorante, bárbaro, atolado na pior crise da República e afogado em dívida. Nossas opções são mais restritas. Mas mudanças econômicas e intelectuais no mundo rico terão algum efeito prático inevitável por aqui. Também por outros motivos, não poderemos seguir no caminho de mais do mesmo. Teremos de inventar o nosso novo pacto.


Vinicius Torres Freire: Ladrão ameaça fama do Bolsonaro sincerão e o que resta de governo e reformas

Um resto do prestígio de Bolsonaro depende da imagem de honesto e do caso Queiroz

Dos tantos inquéritos em que estão enrolados os Bolsonaro e o bolsonarismo, o caso Queiroz é o mais “pop”. Ameaça a imagem de honesto e sincerão de Jair Bolsonaro, elementos centrais do mito que o levou à vitória em 2018 e motivo importante do que resta de sua popularidade, um dos seus seguros contra o risco de impeachment.

O prestígio de presidentes depende também da preservação de símbolos ou promessas que os ajudaram a chegar ao poder. Estelionatos eleitorais ou desmascaramentos de personalidade quebram a confiança de modo irremediável.

Bolsonaro pai não é investigado no inquérito que procura verificar se, entre outros crimes, o filho Flávio roubou dinheiro público com o auxílio de Fabrício Queiroz, faz-tudo da família, ligado a milícias. Mas é notório que Bolsonaro tenta tirar os filhos de rolos, bulindo com PF e Coaf; que fazia transações com o esquema, com dinheiro ou emprego de parentes e fantasmas em geral, como a filha de Queiroz. Queiroz, enfim, estava fugido em uma casa do advogado dos Bolsonaro.

Caso Flavio seja incriminado, vai ser difícil separar o joio do Jair, se por mais não fosse porque parte da opinião pública ou social midiática pensa na base do “aí tem mais coisa”, um motivo do sucesso de ideias conspiratórias e “fake news”. Pior ainda se Queiroz ou sua filha delatarem a coisa toda.

O mito ou pacto eleitoral de Bolsonaro se baseou na ideia de alternativa radical a tudo isso que está aí, no antipetismo, na segurança linha dura e em valores (família, honestidade, sinceridade), como registrou o Datafolha em outubro de 2018. No Datafolha de abril de 2019, a imagem mais notável de Bolsonaro era a de ser “sincero”, apontada por 60% dos entrevistados (84%, para seus eleitores).

Bolsonaro é “honesto, autêntico, sincero”, lê-se em estudo da cientista política Camila Rocha e da socióloga Esther Solano (“Bolsonarismo em crise?”, Fundação Friedrich Ebert).

Em entrevistas com pessoas das classes C e D da Grande São Paulo sobre pandemia e avaliação do governo, ouviram em maio que os filhos atrapalham o governo e são suspeitos de crime, o que não queima, porém, a imagem sincerona e renovadora linha-dura de Bolsonaro.

Até agora não queima. Haverá uma chacrinha “pop” com a prisão de Queiroz, personagem de programa humorístico que mete a mão em maços de dinheiro. É um escândalo que não tem comparação com as ações no STF e no TSE contra Bolsonaro e o bolsonarismo (financiamento ilegal de campanha na eleição; interferência na PF; “fake news” contra Supremo e Congresso; financiamento de comícios golpistas).

São inquéritos difíceis de entender ou por vezes percebidos como ações de má-fé, politizadas. De qualquer modo, a enxurrada de rolos, agora temperada por um caso de roubança típica, não vai pegar bem.

A aprovação de Bolsonaro não desceu dos 30% para os 20% porque quem o apoio de quem debandou foi substituído por aquele de pessoas de renda menor, talvez confortadas pelos R$ 600 do auxílio emergencial. Mas isso vai acabar, a partir de setembro; a crise socioeconômica e funérea da pandemia ainda vai piorar até o trimestre final do ano.

Agosto era a data marcada para a volta das “reformas”, segundo acordão que envolve lideranças do Congresso, cargos para o centrão, generais e Paulo Guedes. Pode até ser, desde que o país esqueça ou ignore Queiroz, fome, 100 mil mortos de Covid-19, rolos no STF e os golpeamentos de Bolsonaro. Eu não colocaria dinheiro nessa hipótese.


Vinicius Torres Freire: Sem auxílio emergencial e seguro-desemprego, buraco de 25% na renda do trabalho

Compensações chegam ao menos 25% do total da renda do trabalho, mas acabam em 3 meses

Os auxílios emergenciais de R$ 600 e o gasto estimado pelo governo com seguro-desemprego extra devem somar uma despesa de R$ 52,3 bilhões por mês, em uma hipótese conservadora. É o equivalente a 25% de toda a massa de rendimentos mensais do trabalho de março de 2020, segundo dados da Pnad, do IBGE.

Estão incluídos aí também os rendimentos de servidores públicos, que devem perder pouca renda, e de empregadores, muitos deles pequenos, muitos dos quais estão vendo seus rendimentos desaparecerem.

Na mera hipótese de que as perdas fossem exatamente de 25% da massa de rendimentos do trabalho, haveria uma compensação de um por um. As perdas se concentrariam, além do mais, nos indivíduos de renda mais alta (desconsidera-se aqui que os rendimentos dos mais ricos são subestimados).
E daí?

Primeiro, é razoável especular que haveria algum aumento relativo de despesas com bens essenciais, comida e remédio. As despesas com bens mais caros, bens duráveis (de eletrodomésticos a carros, por exemplo), sofreriam impacto relativo maior.

Segundo e mais importante, essa compensação de renda deve terminar em três meses. Mas daqui a três meses a crise ainda será pavorosa.

Dadas as mais recentes informações do morticínio da epidemia, na melhor, mais otimista e mais esperançosa das expectativas, apenas em duas semanas haveria uma estabilização do número de mortes diárias. As medidas de isolamento social e o grande medo ainda provocariam danos econômicos, fora o efeito defasado das demissões e falências que já ocorreram.

Terceiro, há a questão social e política. Como cancelar os benefícios, sem mais, daqui a três meses?

Note-se de passagem que não temos a menor ideia de quanto foi a perda de rendimentos nem mesmo em abril passado, que dirá nos três meses em que, por ora, vão valer os benefícios emergenciais e de seguro-desemprego extra. As perdas serão pavorosas, mas não há por enquanto nenhuma medida nem mesmo indireta do tamanho do desastre.

Pode ser que o pagamento de benefícios seja ainda maior. Este primeiro cenário se baseia no número de pessoas que já foi autorizada a receber o auxílio emergencial, cerca de 58,7 milhões.

Nas contas da Instituição Fiscal Independente (IFI), pode ser que quase 79,9 milhões de pessoas recebam o auxílio emergencial, uma despesa mensal média de R$ 51,5 bilhões. É o cenário-base da IFI, órgão independente de acompanhamento e análise das contas públicas, ligado ao Senado.

Somadas à despesa média com seguro-desemprego (na estimativa do governo), seriam R$ 68,5 bilhões. Equivale a mais de 32% da massa mensal de rendimentos de março.

Nesta terça-feira (19), o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, também disse que o auxílio pode chegar a 80 milhões de pessoas. Ele e outros integrantes do Ministério da Economia dizem que não será possível prorrogar o programa, nesses termos e valores, além de três meses.

Ressalte-se que não sabemos qual será a perda de renda, quem perderá mais ou qual o tamanho do seu impacto no consumo (que de resto depende de confiança do consumidor que ainda tenha renda e de crédito). Sabemos que ao fim de três meses podemos ter um buraco de renda equivalente a uns 25% da massa mensal de rendimentos do trabalho e que ainda não temos um plano geral de saída desta crise.

Para começar, não temos nem plano federal de lidar com a epidemia, só ideias lunáticas e perversas que a tornam ainda pior.


Vinicius Torres Freire: O centrão vê a economia na crise de Bolsonaro

Não há impulso para impeachment, mas economia vai mudar, diz um líder do bloco

O governo falou muito, mostrou “boa vontade”, mas entregou pouco até agora, dizia nesta terça-feira (12) um deputado líder do centrão que negocia aliança e cargos com o Planalto. O parlamentar falava no começo da noite de todos os rumores sobre o vídeo da reunião ministerial em que Jair Bolsonaro teria ficado, mais do que nu, em carne viva —ou morta, a depender do boato e do ânimo crítico do espectador.

E daí? Daí que o vídeo degradaria a situação política de Bolsonaro, óbvio. Ainda não parece “tiro na cara”, como diz o deputado, mas o presidente precisaria de mais gente firme na Câmara para se segurar na cadeira e “governar com estabilidade” (sic).

Continua não haver risco de processo de impeachment, por ora, na opinião do deputado, para quem, no entanto, que está muito difícil medir a temperatura do Congresso e do país em geral, por causa do distanciamento provocado pelo vírus.

Por enquanto, “sem uma bomba grande”, não haveria impulso grande para criar um movimento relevante para depor Bolsonaro. Nem as pesquisas de opinião mostram descalabro do prestígio presidencial nem “as bases” dele e de parlamentares próximos pressionam por alguma movimentação. Nem mesmo os governadores, diz.

Mas o governo piscou, porque está mais fraco. Ainda não sabe fazer o básico da articulação no Congresso, apesar da boa vontade dos generais do Planalto, diz o deputado.

E daí? A crise renovada a cada dia pode levar a mudança substancial de planos do Ministério da Economia, como se especula?

Não muda grande coisa, diz o deputado. Primeiro, porque o Congresso está mais devagar, com outras prioridades e daqui a pouco vai ter de pensar o que fazer da eleição (datas e campanhas). Segundo, porque o centrão ou pelo menos seu partido tem compromisso com “as reformas”, afirma. Mas o governo vai ter de mostrar mais “sensibilidade”.

O quer quer dizer “sensibilidade”? Não se trata apenas de cargos ou ministérios, diz o deputado. O governo teria de olhar mais para os pobres e para as empresas que estão quebrando, muito pequeno negócio. Apresentar um plano para o país ter esperança de sair da crise, ter uma relação mais estável com os deputados. Pensar um modo “inteligente” de lidar com a eleição do próximo presidente da Câmara. Tem de ajudar a formar a base, mas não pode querer decidir resultado.

Objetivamente, poderia vir mudança mais essencial, tal como mexer no teto de gastos, por exemplo? Ninguém fala disso, no sentido de que não é nem assunto de discussão grande. O teto não impediu o aumento de gasto extraordinário neste ano, argumenta. Não quer dizer que o gasto extraordinário vá continuar no ano que vem. Mas vai ser preciso rediscutir o caso a cada avaliação que houver da economia e da “crise social”.

Com uma queda grande da economia, a vida estará difícil também em 2021. Não será possível cortar a ajuda de uma hora para outra e não é possível ficar apenas na ajuda (como o auxílio emergencial). Vai ser preciso criar emprego, diz. Como fazer, é uma questão.

Essa história de que o centrão quer logo um plano de obras e gastança seria conversa. Ninguém sabe direito o que fazer nem tem ainda articulação para fazer uma mudança: “O pessoal está meio na muda, quieto, olha até o Rodrigo [Maia, presidente da Câmara]”. Mas a situação mudou, daqui a pouco vai aparecer uma ideia de mudar também alguma coisa da política econômica, como já mudou e não tem muita volta.


Vinicius Torres Freire: Juro real deve ir a zero até junho

Dúvida é saber se BC vai tomar alguma atitude com as taxas mais longas

O Banco Central disse na prática que a taxa real de juros básica vai a zero até junho, mês da próxima decisão sobre a Selic, afora a hipótese de novos choques dentro deste choque terrível da pandemia.

No atacadão do mercado de dinheiro, já está em 0,3% ao ano (taxa para negócios de um ano, descontada a inflação esperada nos próximos 12 meses). Ainda é muito.

Nesta quarta-feira (6), o BC reduziu a Selic de 3,75% para 3% ao ano. Afirmou em comunicado que, em junho, pode reduzi-la em outro tanto, no máximo, para até 2,25%, parando por aí, excetuada a hipótese de novos desastres.

E daí?

Nada disso vai mudar de modo notável a taxa de juros nos bancos. Não é disso que se trata, obviamente. A dúvida é saber se o BC vai enveredar pela grande novidade, no caso brasileiro, de comprar títulos do Tesouro a fim de achatar as taxas de juros de prazo mais longo, o que estará autorizado a fazer em breve, pelo Congresso.

Na teoria mais ou menos padrão, o BC poderia fazê-lo caso a Selic fosse a zero (em termos nominais, não a taxa real). Por ora, como visto, parece que não vai a zero. As taxas ditas longas, no entanto, deram um salto desde meados de março, com o pânico pandêmico.

Essas taxas balizam o custo de o governo financiar seus déficits e dívida. Definem também o piso do custo do dinheiro para negócios de prazo mais longo, o financiamento do investimento privado, por ainda vários meses um assunto congelado. Em suma, a dúvida é saber se o BC quis esses novos poderes apenas para ter uma arma na prateleira, em caso de ruína extra, ou se pretende tomar alguma atitude antes disso.

No mais, no curto prazo, a decisão do BC desta quarta-feira não era surpresa, ao menos para negociantes de dinheiro, embora seus colegas analistas ainda sugerissem queda de 0,5 ponto percentual, na maioria, em vez do 0,75. Francamente, é como discutir, dentro de um incêndio, se o fogo já torrou a carne ou se chegou no osso.

Muito analista argumentava que a redução adicional da diferença de juros entre o Brasil e os EUA provocaria ainda maior desvalorização do dólar. Mas a redução dessa diferença é quase nula. O dinheiro vai embora por puro medo, fuga de risco.

Essa discussão de décimos parece influenciada pelo fato de que a média dos ditos analistas parece otimista com a volta do crescimento em 2021 (e também da inflação).

Na mediana, esperam queda do PIB de 3,8% neste ano e alta de 3,2% em 2021 —tomara que estejam certos. Esperam inflação em 3,3% em 2021. Refizeram mesmo as contas ou simplesmente acreditam em IPCA perto da meta por inércia?

Economistas de bancões brasileiros acreditam que a taxa real de juros fica negativa até o fim de 2021, ao contrário da mediana dos seus colegas do mercado.

O comunicado do BC afirma também, como de costume, que a Selic baixa depende de reformas e de contenção da dívida pública: "A trajetória fiscal ao longo do próximo ano" e "a percepção sobre sua sustentabilidade", "serão decisivas para determinar o prolongamento do estímulo".

Hum. Não vamos saber quase nada das contas públicas antes do final do ano, excetuadas maluquices. Mal vamos saber do tamanho da recessão deste 2020 antes da primavera, sendo otimista de modo solar. Não temos ainda nem a menor ideia a respeito do controle do ritmo da epidemia.

O risco de esperar para ver, de modo convencional, é que a ação pode vir tarde demais. Não é o caso de agir à louca e às cegas, mas é preciso inventar maneiras novas para medir este desastre e seus efeitos.


Vinicius Torres Freire: Más notícias sobre o tamanho da crise

Indústria cai mais que previsto; ritmo ainda forte da epidemia trava mais o PIB

Aos poucos, as notícias da epidemia caem pelas tabelas. São substituídas pelo conta-gotas dos vazamentos do "caso Moro", pelas ameaças semanais de golpe presidencial e pelas evidências diárias de tutela militar. Sim, tutela, pois os generais soltam comunicados em que pressupõem seu poder moderador e afirmam em público e oficialmente o que entendem ser a justa medida das relações entre Executivo, Legislativo e Judiciário.

Parece até que a epidemia se tornou uma rotina inevitável de morte e destruição econômica. Foi para escanteio o debate das medidas extras para atenuar a crise. Foi para a lateral a conversa sobre a necessidade de mais UTIs, ventiladores, testes.

A economia afunda? Quanto? Não se sabe bem, e pouca gente parece querer saber. Em março, a produção da indústria caiu mais de 9% ante fevereiro. A estimativa média era de queda de uns 4%. Parece faltar informação sobre o tamanho da desgraça e, portanto, medida razoável da reação necessária para atenuá-la.

Abril deve ter sido pior na indústria, pois foi um mês inteiro de paradão da pandemia. Projeção preliminar de economistas do Bradesco indica uma baixa de outros 6%, sobre março. Despiora? Ressalte-se: é queda sobre queda, cava-se dentro de um buraco.

Os serviços são um setor muito maior na economia; pode ser que uma despiora salve abril de um desastre geral maior. Mas não sabemos.

Os economistas do departamento de pesquisa macroeconômica do Bradesco também fizeram um primeiro exercício sobre o que pode ser a queda da renda em meses de epidemia. Isto é, o que dá a soma dos rendimentos totais do trabalho, dos benefícios sociais habituais e os benefícios sociais específicos para os tempos de epidemia?

No exercício, é considerada a massa mensal dos rendimentos do trabalho (soma de todos os "salários"). Supõe-se que o rendimento médio dos trabalhadores formais caia 25%; o dos informais, 50%. Haverá compensação parcial dessa perda, com seguro-desemprego extra e o auxílio emergencial para os informais. Os benefícios sociais rotineiros continuam na mesma.

A perda total de massa de rendimentos seria então de pouco mais de 8% por mês, neste exercício ainda muito preliminar e pouco balizado por dados reais de salários, que tão cedo não vão existir, aliás. Caso essa situação se estendesse para o ano todo, o consumo das famílias cairia quase 6%. O PIB, mais de 6%.

Não é o cenário desses economistas, que ora preveem queda de 4%, pois imagina-se alguma recuperação na segunda metade do ano.

A gente só pode imaginar, porém. O ritmo da economia depende também do ritmo da epidemia, com ou sem isolamento social. Faz mais de dez dias que há dúvidas sobre o ritmo do espalhamento da doença e suas mortes. Não sabemos desde fins de abril se o ritmo da doença parou de fato de desacelerar (se a taxa de crescimento de mortes está caindo).

Caso a epidemia não desacelere de modo relevante, medidas de isolamento e o medo recessivo da doença vão durar por mais tempo: mais mortes por mais tempo, mais meses desespero nos hospitais, mais medo nas ruas e nos negócios, mais dificuldade de retomada de alguma vida normal. Mais do que a pior da história conhecida, a recessão seria convulsiva.

Como se diz faz dois meses, a desaceleração da epidemia depende de isolamento e outras políticas de contenção do espraiamento da doença, para qual não há plano do governo federal, que sabota de resto as medidas regionais e locais mais sensatas. Pouca gente ainda parece ligar.