vacinação

Juan Arias: Ninguém tem o direito de matar nossas esperanças

O Brasil grosseiro e violento capaz de zombar das leis e até da educação é minoria. A maioria é um povo que luta só para que seus direitos sejam respeitados

Nas festas de final de ano e na chegada do novo, nas redes sociais de todo o mundo, nos milhões de mensagens trocadas, a palavra mais usada em todas as línguas da Terra foi “esperança”. Foi um clamor mundial.

Esperança de que a pandemia acabe e a vacina chegue para que se possa começar a viver a normalidade e sentir a proximidade e o calor humano do outro. E se essa esperança de um ano melhor é universal, ninguém tem o direito agora de roubá-la de nós.

No Brasil, sobretudo, a esperança tem sido mais ameaçada ainda pelo negativismo e até pela zombaria de seu presidente pela dor alheia. Por suas portas e janelas sempre fechadas ao clamor de sua gente, que viu até seus mortos serem zombados.

Zombaram da dor dos mais necessitados, que sofreram duplamente com a pandemia em que foram os que mais perderam a vida e os que mais sentiram os efeitos econômicos, tão sobrecarregados já estavam de sofrimentos e esquecimento por parte do poder.

O Brasil se desejou, de ponta a ponta de seu vasto território, que neste novo ano a esperança se imponha sobre o crônico abandono de seus cidadãos. É possível que esse clamor pela busca da esperança perdida não tenha sido escutado pelo poder político e econômico surdo e mudo aos anseios mais profundos dos brasileiros, que não renunciaram ao seu direito de viver felizes e respeitados.

Se algo novo pode chegar aos milhões de brasileiros em 2021 é que os poderes favoreçam a convivência amorosa entre os diferentes, a justiça social, para que nenhum brasileiro passe necessidades e que se sinta seguro e defendido em vez de ser deixado à margem. E ainda pior, foram tratados como “covardes” por tentarem se defender da pandemia. Não, os brasileiros não são covardes nem submissos. Podem ainda sofrer de racismo, mas o que o poder fez para combatê-lo? Pode até tê-lo agravado.

Neste duro ano da pandemia que levou forçosamente ao distanciamento, os brasileiros foram exemplares na busca de refúgio na cultura, na arte e até na sátira. Nas redes sociais, milhares de músicos e artistas animaram com suas músicas e escritos em meio à dor da separação. Não, o Brasil grosseiro e violento capaz de zombar das leis e até da educação é minoria. A maioria é um povo que luta só para que seus direitos sejam respeitados.

A maioria é gente com sentimentos nobres e com o desejo de viver em paz. Portanto, se temos algo a desejar neste 2021 é que saibamos lutar para que os poderes que têm sobre nós o direito de vida ou de morte saiam de cena, que vão embora com sua carga de negatividade e desprezo pela vida.

Que todos nós, com as forças ainda sãs da política e da justiça, demos um basta ao poder que se sente dono de nossos sentimentos. Que seja um ano de esperança e também de resistência à barbárie a que um poder sem empatia diante da dor, da morte e da miséria submeteu o país.

Lutemos juntos aqueles de nós que não perderam a esperança de um mundo mais habitável, para que os bárbaros desapareçam e partam sozinhos para desfrutarem suas armas e o seu desprezo pela dor alheia. Que vão embora se deleitar sozinhos com a sua mala de sadismo.

O velho slogan dos revolucionários gritava que “o povo unido jamais será vencido”. Hoje, no Brasil vivemos uma situação de tirania que zomba da felicidade alheia. Por isso, as forças mais sãs do país precisam se sentir unidas contra a barbárie que nos aflige.

O Brasil que nos últimos dias escreveu e pronunciou milhões de vezes a palavra esperança permanece unido nessa utopia com seu amor pela vida contra os coveiros de nossas ilusões.

Hoje vivemos no Brasil uma revolução engendrada por um poder tirano. Que todos aqueles que defendem e reivindicam seus direitos a uma vida mais digna se unam e gritem nas redes e nas ruas e praças que não permitirão que continuem zombando de seu direito à felicidade.

Digam “não” com força e unidos para aqueles que parecem se deleitar com a dor dos outros.

Que os brasileiros com suas riquezas culturais e espirituais não permitam mais que lhes roubem essa palavra mágica de esperança em uma vida mais digna para todos.

O Brasil pode porque em suas veias correm o sangue e as riquezas de tantos povos e de tantas culturas, todas de vida e não de morte.

*Juan Arias é jornalista e escritor, com obras traduzidas em mais de 15 idiomas. É autor de livros como ‘Madalena’, ‘Jesus esse Grande Desconhecido’, ‘José Saramago: o Amor Possível’, entre muitos outros. Trabalha no EL PAÍS desde 1976. Foi correspondente deste jornal no Vaticano e na Itália por quase duas décadas e, desde 1999, vive e escreve no Brasil. É colunista do EL PAÍS no Brasil desde 2013, quando a edição brasileira foi lançada, onde escreve semanalmente.


Cristovam Buarque: A irresponsabilidade da divisão

Bolsonaro já provou seu despreparo técnico e psicológico para cuidar do presente

O presidente eleito em 2018 surpreende sempre para pior. Nesta semana, foi o deboche para se referir à tortura sofrida por sua antecessora, a presidente Dilma Rousseff, quando jovem militante contra a ditadura. Só este gesto demonstra sua psicologia política doentia. Mas na mesma semana, disse “estar nem aí” para a demora em aprovar e distribuir a vacina contra o corona vírus, debochando também do sofrimento de milhões e da morte de 200 mil pessoas, que o elegeram para gerenciar nossa saúde.

Bolsonaro já provou seu despreparo técnico e psicológico para cuidar do presente e conduzir ao futuro, mas também provou estar preparado para a politicagem que elege os populistas irresponsáveis. Devido a este preparo cínico, ele pode se reeleger apesar do péssimo desempenho de seu governo em todas setores, até mesmo com a possível volta da inflação, se as forças democráticas não se unirem com uma alternativa e um nome que não sofra maior rejeição que ele.

Com seu despreparo e maldade, Bolsonaro foi eleito sobretudo pelos democratas-progressistas que estiveram no poder por 26 anos. Por nossos erros, especialmente pelo PT, o eleitor queria “outro”, qualquer que fosse. Bolsonaro conseguiu usar uma máscara de “outro”. E por nossa divisão que permitiu colocar no segundo turno um nome que seria melhor presidente do que o eleito, mas que provocava rejeição no eleitor.

O Brasil e seus eleitores não merecem que as lideranças democráticas, de direita ou esquerda, repitam os erros da divisão que leve ao segundo turno um nome com rejeição maior do que o presidente com apesar de sua psicológica política doentia. Bolsonaro contará com um núcleo duro de simpatizantes que o colocarão no segundo turno.

Seria uma traição, que os democratas apresentem tantos nomes, que leve um núcleo duro de simpatizantes colocar no segundo turno um nome contrário ao Bolsonaro, mas que o elegerá na disputa entre os graus de rejeição e não de esperança. Não temos o direito de correr o risco de facilitar sua eleição pela rejeição ao seu concorrente. As lideranças democráticas lúcidas e responsáveis precisam se unir para construir uma alternativa capaz de chegar ao segundo turno e barrar a reeleição de Bolsonaro. Promover uma aliança com base em compromissos para um governo de transição que deixe as diferenças aflorar em 2026. Fizemos isto com Tancredo em 1985. Em 2022, temos a obrigação de repetir aquela unidade. Podemos exigir que o nome escolhido assuma o compromisso de não tentar a reeleição, que seu governo seja uma espécie de frente com compromissos básicos em comum.

Até aqui, a aliança para eleger o novo presidente da Câmara dos Deputados, a unidade na defesa do uso da ciência e a solidariedade à ex-presidente Dilma nos permitem esperança na possibilidade de uma unidade por uma presidência com sanidade mental e valores democráticos.

*Cristovam Buarque foi senador, ministro e governador


Pedro Fernando Nery: A vida de milhões de pessoas vai piorar em 2021

Com o fim do auxílio emergencial, expectativa é que pobreza e desigualdade vão aumentar no País

Mafalda caminha com Susanita pela rua. A amiga pergunta: “Como será o ano que vem?”. “Muy valiente” responde Mafalda. “Porque, como andam as coisas, se animar a vir...”

A tirinha de Quino, uma das vítimas de 2020, me veio à mente depois de ler coluna de Leandro Karnal no último domingo. Nela, Karnal provoca o leitor a imaginar 2020 como “um ano admirável, maravilhoso”. Entre suas reflexões, a de que de 2020 não se pode piorar. Afinal, estão no horizonte as vacinas, fruto do extraordinário avanço da ciência, e a própria recuperação econômica. O ano que se inicia seria um ano de potencial.

Como o título deste texto sugere, eu discordo. 2021 vai ser pior. Talvez não para o leitor, mas para muitos brasileiros. Até a semana passada, eles podiam contar com a ajuda do auxílio emergencial para pagar as contas. O auxílio não só segurou o aumento da pobreza e da desigualdade, como temporariamente fez com que diminuíssem. Mas ele acabou, e a vida de milhões de brasileiros vai piorar.

Com a pandemia, parte dos brasileiros foi para uma outra forma de trabalho: o teletrabalho. Parte dos brasileiros foi para uma outra forma de desemprego: o desemprego oculto. Oculto porque não aparece na estatística divulgada como taxa de desemprego. Eles não trabalham e gostariam de trabalhar, mas, como não procuraram ativamente um trabalho, não são considerados desempregados. A alta do desemprego oculto em 2020 é explicada pelo temor de contaminação do vírus e pelo recebimento do auxílio emergencial, que assegurou a quarentena.

Como se sabe, o auxílio foi generoso, pagando benefícios a quem normalmente não recebe nenhuma transferência de renda, e em valores muito maiores que o dos programas sociais permanentes. Isso fez até com que milhões de famílias mais pobres na verdade experimentassem ganhos de renda em 2020, pelo menos até setembro, quando o auxílio foi reduzido. 

Sem ele, muitas famílias brasileiras passarão a participar de uma grave crise que foi represada pelo auxílio. Milhões de informais, empregados ou trabalhadores por conta própria, terão uma vigorosa queda de renda. Como a pandemia não acabou – pior, parece mesmo entrar em uma segunda onda –, não conseguirão recuperar seus rendimentos mesmo que tentem voltar a trabalhar. É o ambulante na rua vazia, a atendente que fazia bicos em um restaurante. Para muitos, os primeiros meses de 2021 vão ser os com maior privação dos últimos anos.

O desemprego vai aumentar, um movimento de brasileiros saindo do tal desemprego oculto para o desemprego aberto, a taxa oficial. É bastante provável que a um nível ainda maior que o da última recessão de 2015 e 2016. Se as principais estimativas se realizarem, devemos ver em breve manchetes noticiando desemprego perto de 17% no Brasil.

Por conta do auxílio, não apenas o desemprego aberto não aumentou, como a taxa de pobreza caiu e os níveis de desigualdade de renda também. O inverso deve se observar com o seu fim: alta da pobreza e alta da desigualdade, para níveis maiores aos que aconteciam antes da crise. Esses números refletirão a realidade das famílias brasileiras para quem 2021 será pior.

A extrema pobreza, situação de potencial privação calórica, pode subir para uma taxa acima de 10% dos brasileiros – nas projeções da Daniel Duque (Ibre-FGV). Um retrocesso de uns 15 anos, e não é possível descartar que o aumento seja ainda maior. Duque projeta retrocesso semelhante para a taxa de pobreza, esperada em até 30%. 

O contraste com 2020 é marcante. Visualize a trajetória nos dados de Duque: a extrema pobreza de 7% antes da pandemia caiu a 2% com o auxílio em 2020, e poderá subir para mais de 10%. A pobreza caiu de 25% antes da pandemia para 18% durante 2020, e poderá subir a 30%. 

São trajetórias que lembram o V desejado para o crescimento econômico (queda rápida e forte do PIB em 2020, alta rápida e forte em 2021). Mas estes Vs não seriam nada auspiciosos: extrema pobreza em V, pobreza em V, desigualdade em V. Não seria surpreendente se outro V chamar atenção em 2021: em países como o nosso, o desemprego está associado à violência.

É evidente que o auxílio emergencial foi caro e que as condições de endividamento da União não são nada boas. Mas era, sim, possível adotar uma transição mais longa para o seu fim, especialmente diante da possível segunda onda. Mesmo nos países que já iniciaram a vacinação, a imunidade de rebanho demorará pelo menos bons meses a ser conquistada. Até que o vírus seja vencido, a economia não se recuperará. E, até lá, os mais pobres precisam de apoio. 

Um auxílio, ainda que menor e mais restritivo, poderia ser pago sem afetar a dívida se houvesse tido disposição de brigar com outros gastos diretos e indiretos, inclusive direcionados aos mais ricos, como gastos com funcionalismo e gastos tributários que beneficiam a elite do setor privado. Políticas de emprego, para ajudar o acesso ao mercado de trabalho formal, também seriam úteis e precisariam de recursos, mas absolutamente nada foi discutido nos últimos tempos. 

2021 começará com uma gigantesca recessão no PIB dos mais pobres. Se para várias famílias – talvez a do leitor – 2021 pareça mais auspicioso, a perspectiva certamente não é compartilhada por muitas outras. Neste primeiro domingo de 2021, podemos falar de uma nova desigualdade: a desigualdade de otimismo. 

* DOUTOR EM ECONOMIA

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Eurípides Alcântara: Cinco reflexões para 2021

Muita gente em 2020 elevou ao estado da arte a diabólica pretensão de achar que sabe o que outro está pensando

A pandemia nos colocou na defensiva. Tive mais tempo para refletir. Levo essa bagagem de ponderações para 2021. Fiz um apanhado delas. Algumas apareceram esparsamente nas colunas publicadas. Selecionei cinco.

Primeiro. Os conceitos ideológicos e econômicos de esquerda e direita continuarão existindo, mas seu poder de explicação das realidades será cada vez menor. Dois governos direitistas, na visão clássica, são Brasil e Estados Unidos. Pois foram esses os mais gastadores em 2020. A pandemia fez esses governos liderarem os mais generosos programas sociais do mundo, uma marca registrada da esquerda. O Brasil gastou com o auxílio emergencial mais do dobro da média dos países em desenvolvimento. Tolerância e intolerância são atualmente termos bem mais palpáveis para contrastar visões antagônicas do mundo. O tolerante é capaz de mudar de opinião quando confrontado com um fato verificável e incontrastável. O intolerante, aferrado a sua crença, desacredita dos próprios sentidos e, mesmo apresentado a uma realidade tridimensional tangível, corre a se esconder em seu abrigo de ilusões.

Segundo. Muita gente em 2020 elevou ao estado da arte a diabólica pretensão de achar que sabe o que outro está pensando, cedendo à tentação de rotulá-lo e defini-lo. Esse descaminho inclui atribuir aos outros palavras que não proferiram, pensamentos que não tiveram e, com base nessas premissas falsas, degradar a pessoa da maneira mais vil nas redes sociais, em especial no Twitter. Com toda sua ambição de ágora digital, a realidade das redes tem suas vielas de “cracolândia”. Vou continuar frequentando esse território, mas com o distanciamento e as precauções requeridas aos visitantes de regiões a desbravar.

Terceiro. A exemplo da Covid-19, as ideias também se propagam como os vírus. Ideias na cabeça são jabutis em cima de postes. Elas não chegam aos nossos cérebros sem ter antes infectado outros cérebros com que nos conectamos. Essa é a beleza da humanidade e também sua perdição, pois epidemias de más ideias podem se espalhar rapidamente antes de ser detectadas e combatidas. Infelizmente, como os vírus, ideias perniciosas se propagam mais facilmente do que as que suportam a pesada carga do bom senso. Se eu tivesse a missão de selecionar estudantes ou profissionais de empresas, minha provocação aos candidatos seria descobrir se saberiam dizer como determinada ideia chegou a sua cabeça e se fixou ali. Quem tem consciência de como uma ideia o infectou tem mais chances de cultivá-la ou, se for o caso, acionar seus mecanismos de defesa imunológica para tentar detê-la.

Quarto. Resisto. Não reajo, no sentido de ser reacionário, pois isso é, por definição, uma atitude reflexiva de alguém que se deixou instrumentalizar. Resistir tem outra dimensão. É o mecanismo exercido nas sociedades democráticas com o objetivo de legitimar decisões e dar peso específico às novas correntes de pensamento e comportamento. Um exemplo é o uso do pronome neutro como forma de ativismo e aceleração da inclusão social. A cada dia mais jovens dizem com crescente naturalidade estranhezas como “todes”, “amigues” ou “você é mi namorade”. Resisto. Aconselho a quem acha isso uma estupidez que também resista. Se perdermos, “axs vencedorxs es batates”.

Quinto. A releitura do ano para mim foi o “O quarteto de Alexandria”, do britânico Lawrence Durrell. Não tivesse “perdido” o Nobel de Literatura de 1962 para o óbvio John Steinbeck e sua invulgar “As vinhas da ira”, quem sabe a tetralogia de Durrell tivesse influenciado mais gente. Aprendi pouco na primeira leitura. Agora entendi que Justine, Balthazar, Mountolive e Clea nos ensinam um fato básico: viver é fácil, conviver é difícil, pois “toda interpretação da realidade é baseada num ponto de vista único. Dois passos para o Leste ou para o Oeste, e tudo muda radicalmente de figura”.


Ricardo Noblat: Bolsonaro reafirma seu desprezo pela vida dos outros

Não se lhe negue coerência

O desprezo pela vida alheia e o achincalhe à reputação dos seus adversários políticos marcaram o primeiro ato público do presidente Jair Bolsonaro à entrada de 2021.

Cercado por bons nadadores, ele se meteu no mar de Praia Grande, em São Paulo, provocou aglomerações e ouviu satisfeito o coro dos banhistas mandar o governador João Doria tomar no cu.

Que presidente da República do Brasil já fez algo semelhante? Não há registro. Bolsonaro, o boca podre, não só fez como postou nas redes sociais o vídeo com o insulto de baixo calão.

Sabe-se da fixação dele nas partes baixas do corpo humano por onde são expelidos os excrementos. E da sua perseguição ao governador de São Paulo a quem trata como inimigo.

Na véspera do Natal, Bolsonaro assim referiu-se a Doria: “Isso não é coisa de homem. Fecha São Paulo e vai passear em Miami. É coisa de quem tem calcinha apertada. Isso é um crime”.

Repetiu a dose em sua última live de 2020 no Facebook: “Tu não sabe o que é povo. Não sabe o que é sentir o cheiro do povo, nunca sabe o que é cheiro do povo. Eu sei”.

Seria pedir demais ao rudimentar ex-capitão que só se destacou como atleta enquanto serviu ao Exército que tivesse bons modos para não desonrar o cargo de presidente do Brasil?

A farda ele desonrou ao planejar atentados terroristas contra quartéis para reivindicar melhores salários, e por isso foi afastado do Exército e proibido de frequentar ambientes militares.

O derradeiro ato oficial de 2020 assinado por Bolsonaro foi também de desdém pela vida: vetou a blindagem que o Congresso tinha garantido aos gastos com vacinação contra a Covid-19.

A decisão foi publicada na calada da noite do dia 31 em edição extra do Diário Oficial da União. A proteção para gastos com o Ministério da Defesa foi mantida, naturalmente.

O texto da Lei de Diretrizes Orçamentárias aprovado pelo Congresso impedia que em 2021 detyerminados gastos fossem bloqueados no caso de o governo ter queda de arrecadação.

Ao sancionar o texto, entre os itens que por obra e graça de Bolsonaro acabaram perdendo a proteção, destacam-se:

+ saneamento;

+ prevenção, combate e controle do desmatamento, queimadas e incêndios florestais;

+ educação infantil;

+ combate à pobreza;

+ enfrentamento da violência contra as mulheres;

+ e despesas com ações vinculadas à produção e disponibilização de vacinas contra o coronavírus e a imunização da população brasileira.

O governo alega que impedir o corte desses gastos contribui para a elevação da rigidez do orçamento e para o não cumprimento das regras fiscais.

Ficaram de fora da lista dos vetos dez gastos da área militar – entre eles, a compra de blindados, de aviões de caça e o desenvolvimento de submarino nuclear que somam R$ 5 bilhões.

Prioridades são prioridades. Nem tudo pode ser. O que define um governo e o seu presidente são as prioridades que ele estabelece. A favor de Bolsonaro, pode-se dizer que ele não engana ninguém.


Míriam Leitão: Acertos iniciais dos prefeitos

Nas três maiores cidades do país, os prefeitos assumiram com discursos claros em defesa da diversidade, da democracia, e da saúde. Em São Paulo e Belo Horizonte, Bruno Covas e Alexandre Kalil já estavam no cargo, por isso a atenção ficou mais concentrada no Rio. Eduardo Paes quis marcar a mudança radical de estilo de gestão com sua chuva de decretos e medidas emergenciais. Das três cidades, a situação do Rio é a mais dramática em todos os sentidos, do colapso fiscal ao descalabro administrativo.

Nem todas as cidades estão em situação de penúria fiscal porque as transferências diretas do governo federal, para compensar a queda de arrecadação e a suspensão temporária do pagamento da dívida com o Tesouro permitiram a várias capitais chegar ao fim do ano passado com dinheiro em caixa e capacidade de investir. Não é o caso do Rio. As capitais em geral são menos endividadas do que os estados, e a cidade de São Paulo foi a mais beneficiada pela renegociação de dívida feita no governo Dilma, que permitiu a troca de indexador, inclusive com efeito retroativo. Isso reduziu fortemente a dívida da capital paulista. Foi possível trocar o IGP-M mais 6% por IPCA mais 4%, ou por Selic, o que fosse menor. Imagina se não tivesse havido essa troca? O IGP-M em 2020 deu 23%. As dívidas estão sendo corrigidas pela Selic de 2%.

O Rio tem anomalias de toda ordem. Uma delas foi a transição feita entre uma equipe acéfala que estava saindo e a que estava chegando. No dia em que o ex-prefeito Marcelo Crivella foi preso, muitas reuniões da transição foram canceladas. Os dados passados aos novos secretários estão incompletos e muitas equipes começaram a saber ontem que tudo é muito pior do que imaginavam. A saúde e a educação estão em situação dramática. O aumento de leitos para pacientes de coronavírus e a criação do Centro de Operações de Emergência, anunciados ontem, foram medidas extremamente necessárias. O Rio passa a ter agora um gestor que tem noção da emergência sanitária que a cidade vive.

Em Belo Horizonte, o prefeito Alexandre Kalil disse que a capital mineira é “uma cidade de todos, de LGBTs, cristãos, evangélicos, negros”. E agradeceu a oposição pela pluralidade. Em São Paulo, o prefeito Bruno Covas começou citando a vice-presidente eleita dos Estados Unidos, Kamala Harris, para falar da fragilidade da democracia. Atacou o negacionismo, “os intolerantes e os lacradores”. No Rio, Eduardo Paes disse que fará um governo antirracista, e prometeu combater “essa chaga brasileira”.

Um prefeito do Rio tem que, antes de tudo, entender isso, e tomara que Paes vá além das palavras. Aqui as marcas da exclusão são muitos visíveis. Milhares de africanos escravizados desembarcaram no Rio para viver longo martírio e, ao mesmo tempo, construir o país. Que faça sim uma administração antirracista, porque é a única que honra o Brasil e a sua identidade plural.

Tudo o que disseram os novos prefeitos afasta as administrações locais da intolerância ao diferente e à diversidade de opinião que é a marca do governo de extrema direita de Jair Bolsonaro. E houve na festa democrática de ontem simbologias importantes. Em São Paulo, a posse foi presidida por Eduardo Suplicy, do PT. Na cidade, a bancada da esquerda, somando-se PT e PSOL, cresceu bastante. No Rio, a posse dos vereadores foi comandada por Tarcísio Mota, do PSOL, o vereador mais votado, amigo de Marielle Franco. A viúva da vereadora assassinada, Monica Benício, também tomou posse.

Revigorados pelo voto, os prefeitos das capitais e principais cidades brasileiras estão mostrando que tomarão as decisões que o governo federal ignora no combate à pandemia. Foram posses cuidadosas, com pouco ou nenhum convidado, presencial com máscara, como no Rio, ou remota, como em Belo Horizonte. O cenário de precaução se repetiu nas outras capitais.

Bolsonaro, com sua atitude irresponsável de negar a doença, a ciência, espalhar mentiras sobre a vacina, promover aglomerações e atrasar decisões inadiáveis, chega ao meio de mandato com uma posse de prefeitos que dá mais um sinal do seu isolamento político. O que os eleitores disseram é que querem administradores que os protejam da pandemia. Por isso a pressão por um programa de imunização vai crescer nos próximos dias.


Folha de S. Paulo: Bolsonaro veta blindagem de gastos para vacina da Covid, mas preserva projetos de militares

Decisão do presidente consta em sanção da Lei de Diretrizes Orçamentárias

Ricardo Della Coletta, Folha de S. Paulo

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) vetou dispositivos da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) que blindariam gastos do governo federal com a aquisição e distribuição de vacinas contra a Covid-19, além de outros desembolsos com o enfrentamento da pandemia.

Por outro lado, Bolsonaro preservou na lei que serve como guia para a elaboração do Orçamento os principais projetos estratégicos defendidos pelo Ministério da Defesa —como a renovação da frota de caças da FAB (Força Aérea Brasileira) e o desenvolvimento de submarino com propulsão nuclear—, que com a decisão presidencial não poderão ser alvo de contingenciamento.

A LDO foi sancionada com vetos por Bolsonaro e publicada em edição extra do Diário Oficial da União na quinta-feira (31).

A Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece que o governo precisa ao longo do ano bloquear o empenho de determinadas despesas caso não esteja conseguindo cumprir a meta de superávit primário (que para 2021 é um rombo máximo de R$ 247,12 bilhões).

No entanto, a mesma redação elencava programas que deveriam ser protegidos desses congelamentos, sendo que Bolsonaro vetou parte da lista.

Entre os trechos vetados está "despesas com ações vinculadas à produção e disponibilização de vacinas contra o coronavírus (Covid-19) e a imunização da população brasileira". O presidente também removeu da lei agora sancionada "despesas relacionadas com o combate à pandemia da COVID-19 e o combate à pobreza".

Segundo técnicos ouvidos pela Folha, a ação do presidente deve ter pouco impacto imediato, em menos em ações diretas do Ministério da Saúde. Na pasta, a maioria dos gastos relacionados ao enfrentamento à pandemia tem sido feita via crédito extraordinário, que não é regido pelos itens vetados por Bolsonaro na LDO.

Em dezembro, por exemplo, Bolsonaro editou uma MP (Medida Provisória) que destina R$ 20 bilhões para a aquisição e distribuição de imunizantes contra o coronavírus.

O dinheiro deve abarcar a compra de doses, seringas, agulhas e toda a logística envolvida na campanha de vacinação. Segundo técnicos, por se tratar de crédito extraordinário, em tese o veto de Bolsonaro não atingiria o dinheiro já reservado.

Eles opinam que os vetos podem ser uma tentativa do Executivo de criar uma ferramenta de controle de despesas voltadas para a Covid-19 que eventualmente venham a ser incluídas por parlamentares na Lei Orçamentária, que ainda não foi aprovada.

A decisão do presidente, no entanto, pode abarcar programas que extrapolam o Ministério da Saúde, uma vez que a expressão "despesas relacionadas com o combate à pandemia da COVID-19" é ampla e a inclusão do termo "combate à pobreza" indica ações relacionadas à assistência social.

Outros itens foram barrados por Bolsonaro na LDO e, portanto, poderão ser alvo de contingenciamento em 2021.

Estão na lista: despesas com saneamento, execução de ações do programa de reforma agrária e de apoio à agricultura familiar, comunidades indígenas e quilombolas; ações de combate ao desmatamento e/ou queimada ilegais em imóveis rurais; despesas com as ações destinadas à implementação de programas voltados ao enfrentamento da violência contra as mulheres; demarcação de terras indígenas e de remanescentes de quilombos; e despesas relacionadas com o Programa Mudança do Clima, entre outros.

Para justificar o veto, o governo argumentou que a manutenção dos dispositivos vetados no rol de despesas blindadas de contingenciamento reduziria o espaço fiscal das despesas discricionárias e restringiria "a eficiência alocativa do Poder Executivo na implementação das políticas públicas". ​

Bolsonaro também justificou que despesas não passíveis de bloqueio aumentam a rigidez do Orçamento, o que prejudica o cumprimento da meta fiscal, do teto de gastos e da Regra de Ouro (mecanismos que impede o governo federal de se endividar para pagar despesas correntes, como Previdência Social e benefícios assistenciais.) O não cumprimento dessas regras fiscais —prossegue o governo— poderia provocar insegurança jurídica e impactos econômicos negativos, como endividamento, aumento de taxas de juros e inibição de investimentos.

"Nesse sentido, entende-se que ressalvar as despesas relacionadas, da limitação de empenho, contraria o interesse público", concluiu o governo nas razões do veto.

Bolsonaro no entanto teve entendimento diferente em relação aos projetos prioritários do Ministério da Defesa, que não foram retirados da lista de despesas blindadas de contingenciamento.

Foram preservados os projetos FX-2 (compra de caças da sueca Saab para a renovação da frota da FAB) e Prosub (programa de desenvolvimento do submarino nuclear brasileiro fruto de acordo com a França ); também estarão livres do bloqueio orçamentário despesas com aquisição do cargueiro militar KC-390 e gastos com a compra do blindado Guarani. Bolsonaro manteve ainda no anexo de despesas livres de contingenciamento a implementação do Sisfron (Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras) e do Sistema de Defesa Estratégico Astros 2020.


El País: Prefeitos assumem pressionados por bomba-relógio da pandemia e da crise econômica

Rio de Janeiro e Manaus enfrentam, de novo, falta de leitos. Sem caixa, novos governantes pelo país se fiam em recursos da emergência sanitária para atravessar os primeiros meses de 2021

Aiuri Rebello, El País

Uma pandemia em plena ascensão, com pressão crescente por leitos de UTI e sem uma data ou plano claro de vacinação para a população na maioria das cidades brasileiras. Comércio, escolas e serviços parcial ou totalmente fechados por causa da crise sanitária, fim do auxílio emergencial, desemprego crescente e pouco dinheiro em caixa para dar conta de tudo. Esse panorama de tempestade perfeita coloca uma verdadeira bomba-relógio no colo dos prefeitos eleitos que assumem ou dão início ao segundo mandato nos executivos municipais neste dia 1º. Sem tempo ou motivos para comemorar, boa parte deles terá de dar respostas rápidas a todas essas crises sem precedentes na história recente de suas cidades, já a partir de janeiro.

Um exemplo extremo da situação que os prefeitos vão encontrar em seus municípios neste ano é o Rio de Janeiro, onde aos fatores expostos acima ainda soma-se uma enorme crise política. O prefeito eleito, Eduardo Paes (DEM), pega o bastão do ex-prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) em prisão domiciliar, acusado pelo Ministério Público de ter montado uma organização criminosa dentro da prefeitura e desviado pelo menos 50 milhões de reais dos cofres públicos. Ele nega. Paes encontra no seu primeiro dia de trabalho uma cidade em que a ocupação dos leitos de UTI para pacientes com covid-19, doença causada pela pandemia do novo coronavírus, está acima de 90% há mais de dez dias, e deve subir nas duas primeiras semanas de janeiro após as festas de fim de ano.

Para tentar conter a explosão de casos e o colapso do sistema público de saúde na cidade, a prefeitura carioca proibiu até festas particulares de Ano Novo e restringiu o acesso à orla. Para “fechar o quadro”, como diz o jargão médico sobre pacientes em situação muito difícil, a prefeitura em dezembro atrasou o salário referente a novembro dos 16.000 servidores municipais da Saúde, que ainda não receberam o décimo terceiro. Funcionários terceirizados também reclamam de atrasos nos pagamentos, assim como as Organizações Sociais que gerem hospitais e outros aparelhos de saúde.

Os atrasos são reflexo de uma grave crise no caixa da prefeitura do Rio. A equipe de Paes calcula que o município não tem recursos para quitar o 13º nem o salário de dezembro. O déficit para conseguir pagar tudo, incluindo dívidas com fornecedores, seria na casa dos 10 bilhões de reais. Em notas à imprensa, a gestão que sai afirma que trabalha para fazer os pagamentos, sem dar datas. Na terça-feira, três dias antes de assumir, Paes falou a jornalistas e disse que vai reabrir leitos de UTI fechados e ampliar a testagem da população para tentar enfrentar a pandemia. “O Rio tem cerca de 1.800 leitos disponíveis na rede pública, municipal, estadual e federal. A cidade ficou perdendo tempo abrindo hospital de campanha”, afirmou o prefeito eleito. Ele prometeu não ampliar as restrições de circulação e funcionamento da cidade, mas pediu a colaboração da população. “A gente tem que trabalhar com a população no sentido de que as pessoas respeitem as regras mínimas. Não me parece viável propor medidas excessivamente restritivas, mas a população precisa colaborar.” Paes afirmou também que é uma prioridade abrir as escolas no início do ano letivo em 2021, mas não comprometeu-se com alguma data.

Em Manaus, uma das capitais que foi mais castigada pela covid-19 no começo da pandemia no país, vítimas do coronavírus já lotam 89% dos leitos disponíveis na rede pública 100% nos hospitais particulares. Mesmo assim no início a semana, após um protesto de comerciantes no centro da capital amazonense, prefeitura e governo do Estado decidiram manter toda a atividade econômica aberta, sem aglomerações. Representantes do Ministério Público, Defensoria, entidades e sindicatos de saúde entregaram na quarta-feira uma carta ao governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), pedindo mais restrições na capital. O novo prefeito, David Almeida (Avante), já fala em reabrir hospitais de campanha, o que deve anunciar no dia da posse.

Em São Paulo, cidade com maior número de casos e mortes pela pandemia no país, a lotação dos hospitais é menor mas não para de crescer. Desde o início de dezembro, as internações por covid-19 aumentaram 40%. Os hospitais públicos com mais pacientes são o Hospital das Clínicas, da rede estadual, e o Hospital Municipal da Brasilândia, da rede municipal. Segundo os dados do Sistema de Monitoramento Inteligente (Simi) do governo estadual, entre o início do mês e este domingo (27) o Hospital das Clínicas registrou um aumento de 23% no número de pacientes internados na UTI. Na quarta, a taxa de ocupação nos hospitais da cidade de SP era de 61%. O índice estava em 33% em outubro.

A situação é preocupante e 20 profissionais do Centro de Contingência do Coronavírus do Estado de São Paulo divulgaram nessa semana uma “carta pela vida” onde pede que as pessoas evitem festas e aglomerações em geral, além de reforçar a necessidade do uso de máscaras quando sair de casa. “Os números de casos, internações e óbitos por covid-19 no mês de dezembro apontam um crescimento da pandemia no Estado”, diz a missiva pública. “A transmissão da doença retornou com força. O total de novos casos de coronavírus registrado no mês já é seis vezes maior do que em comparação à soma dos três primeiros meses da pandemia. O número de mortes é 60% superior ao total de vítimas fatais entre março e maio”, explicam os profissionais.

Mudanças de última hora na classificação de risco do Estado e da capital aliadas à confusão e adiamentos na divulgação dos resultados de eficácia da Coronavac —aposta e promessa do governador João Doria (PSDB) para vacinar a população de SP a partir de 25 de janeiro — fazem com que o paulistano comece o ano sem saber ao certo se o comércio e as escolas estarão abertos e como. Em nota, a Prefeitura de São Paulo afirma que “o aumento de casos de internação em consequência da Covid-19 se deve principalmente ao relaxamento das medidas de isolamento social, que facilitam a propagação do vírus” e que está ampliando a oferta de leitos de enfermaria e UTI para o enfrentamento da pandemia. “A expectativa é que, com novas medidas de isolamento, esses números crescentes da doença não se mantenham e sejam novamente reduzidos”, diz a nota. De efetivo, a principal ação do prefeito reeleito Bruno Covas (PSDB) foi assinar embaixo de um aumento do próprio salário aprovado na Câmara. O salário do prefeito passara de 24 mil reais para 35,4 mil por mês a partir do ano que vem. “O teto está congelado desde 2013, quando tivemos o último reajuste. Durante esse período de 8 anos, a inflação foi algo em torno de 60 a 100%, dependendo do valor que é considerado. O salário mínimo aumentou nesse período 68%. O valor do salário dos professores na rede municipal aumentou 80%. Então hoje o teto está defasado”, afirmou o prefeito reeleito em entrevista à GloboNews ao defender o aumento e dizer que ele é necessário para poder aumentar o salário de outros funcionários que deixam a prefeitura por salários mais altos.

No plano fiscal, a margem de manobra da capital paulista é maior. Mesmo assim, a maior arrecadação entre os municípios do Brasil tem um orçamento para o ano que vem prevê cerca de 2% menos dinheiro. Ao todo, a prefeitura prevê gastar 67,5 bilhões de reais. Eleito como vice-prefeito de Covas, o vereador Ricardo Nunes afirmou em encontro virtual de eleitos que já foi promovido um ajuste fiscal na prefeitura, com a demissão de 30% dos funcionários comissionados, o que se por um lado gerou mais desemprego na cidade, por outro representa uma economia de caixa.

Cada um por si

Em meio a tudo isso, o Governo federal não consegue apresentar um plano nacional de imunização adequado —a única garantia e retorno à vida normal e retomada consistente da atividade econômica nas cidades. “A vacina é a única forma efetiva de resolver o problema. Só assim você consegue retomar a economia de forma contínua e não fica nesse abre e fecha das atividades, nessa incerteza, como estamos vivendo novamente com o aumento de casos”, explica Joelson Sampaio, coordenador do curso de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo em entrevista ao EL PAÍS. Dados divulgados na terça-feira pelo IBGE mostram que a taxa de desemprego ficou em 14,3% no trimestre encerrado em outubro.

Enquanto a imunização começa nos Estados Unidos e na Europa e outros países da América Latinam como a Argentina, já iniciaram a vacinação de profissionais de saúde e grupos de risco, nesta semana, fracassou um pregão promovido pelo Ministério da Saúde para comprar seringas e agulhas que serão utilizadas na vacinação. O Governo conseguiu comprar menos de 3% do previsto de 331 milhões de unidades e entra 2021 sem o estoque necessário do material para vacinar os brasileiros contra a covid-19.

No início de dezembro, 80 prefeitos eleitos e reeleitos assinaram uma carta da Frente Nacional de Prefeitos (FNP) que cobrava do Governo federal mais clareza em relação ao plano nacional de vacinação contra a covid-19. “Não é razoável que algumas cidades e Estados tenham que lançar mão de estratégias locais de aquisição de vacinas para proteger a população porque o governo federal procrastinou assunto tão importante”, disse na ocasião o prefeito de Campinas e presidente da FNP, Jonas Donizete. O detalhamento do plano do governo federal não veio e diversas prefeituras e governos estaduais organizam planos próprios de vacinação, a exemplo do que acontece em São Paulo.

A FNP assinou um acordo com o Instituto Butantã para facilitar a compra da Coronavac diretamente pelas prefeituras. “Estamos celebrando aqui um acordo em que dizemos sim, sim nós desejamos que o nosso povo brasileiro seja vacinado”, afirmou Donizete na assinatura do acordo. Segundo o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, pelo acordo será oferecido para a FNP dividir em um primeiro momento 4 milhões de doses. Covas voltou a falar em “plano B”, referindo-se à resistência do governo federal em comprar a vacina CoronaVac, desenvolvida em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac. “Queremos que essa vacina seja ofertada a todos os brasileiros, mas depois de alguns problemas, estamos agora com um plano B, para ofertá-la diretamente aos estados e municípios”, disse.

Alívio de caixa?

Com o decreto federal da pandemia em março, o Governo federal editou Medidas Provisórias destinando recursos para que Estados e municípios pudessem enfrentar a crise. No entanto, por definição legal, esse dinheiro deveria ser utilizado até o final de 2020. Foram pelo menos 60 bilhões de reais em repasses diretos a governos estaduais e municipais. No entanto, como a maior parte do dinheiro chegou de fato no início do segundo semestre, o Tribunal de Contas da União (TCU) autorizou sua utilização em 2021. “Boa parte dos recursos foi repassado no segundo semestre e isso dificultou a utilização dos municípios, então temos mais 12 meses para utilizá-los, até porque a pandemia não vai se encerrar na virada do ano”, afirma o secretário-executivo do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), Mauro Junqueira.

De acordo com dados do Ministério da Economia, as transferências de recursos da União para Estados e municípios superou a queda da arrecadação dos entes no primeiro semestre na maioria dos lugares. De acordo com a pasta, o valor arrecadado pelos governos regionais nos seis primeiros meses do ano foi 7,1 bilhões menor que no mesmo período do ano passado. A diferença representa uma queda de 3,5%. Por outro lado, entre março e junho, a União repasso 9,2 bilhões para estados e municípios, valor 2,1 bilhões superior a perda da arrecadação acumulada no primeiro semestre. Além do montante repassado, o Governo federal também suspendeu 6,1 bilhões em pagamentos de dívidas dos entes.

Os recursos extras e a pequena folga no caixa devem dar algum fôlego para pelo menos parte dos municípios no começo do ano, afirma a frente de prefeitos, mas não irão perdurar em 2021 e a demanda por serviços sociais e estímulo ao emprego e atividade econômica por parte da população em relação à prefeitura deve aumentar. Dentre os eleitos e reeleitos, destacam-se as propostas do novo prefeito de Belém, Edimilson Rodrigues (PSOL), propôs a criação de um programa de renda mínima na capital paraense. Em coletiva de imprensa após a vitória, ele reafirmou promessa de campanha de criar uma espécie de bolsa para a população de baixa renda de até 450 reais por família. Rodrigues também disse que pretende criar uma brigada de trabalho para limpeza de bueiros e de canais para gerar empregos, e que vai incentivar a criação de startups. Ele também disse que pretende discutir a separação de recursos orçamentários para garantir compra de vacinas contra a covid-19 para o município por conta própria.


Cora Rónai: Já não era sem tempo

Gente má faz mais barulho, mas precisamos aprender a apreciar os pequenos gestos de gentileza e a educação invisível

31 de dezembro de 2020: enfim, o último dia do ano mais longo que já vivemos, o ano que nos enganou no começo com a linda ressonância dos seus números dobrados, vinte-vinte, mas logo se revelou mais angustiante, divisivo e mortal do que qualquer outro na nossa memória recente. O que mais dói é que não precisava ter sido assim.

Em circunstância nenhuma teríamos escapado da Covid-19, mas não precisávamos ter enfrentado tantas epidemias ao mesmo tempo — de obscurantismo, de arrogância e de politicagem, de descaso e de deboche, de incompetência e de estupidez.

O ano leva a assinatura de Jair Messias Bolsonaro de ponta a ponta.

Teria sido bastante ruim enfrentar tantas mortes e tanta devastação em circunstâncias “normais”, se é que se pode falar em normalidade numa hora dessas, mas foi medonho viver tudo isso tendo no mais alto cargo da nação esse homem inculto e mau, esse ignorante absoluto da própria ignorância, incapaz de entender o pouco que se pedia dele diante da pandemia: calar a boca, seguir os especialistas, dar o exemplo.

Teria sido tão mais simples, tão menos devastador.

Nem precisava ser uma Jacinda Arden ou uma Angela Merkel. Bastava ter um mínimo de inteligência — um pouquinho, não muito, o suficiente apenas para perceber que vírus não tem ideologia e não se combate no grito.

Teria sido tão mais fácil atravessar o ano ouvindo palavras de consolo e de encorajamento; ou, pelo menos, não ouvindo nada.

Mas foram tantos absurdos, tantas ofensas e desaforos, que chegamos a esse fim de ano exaustos, sem energia sequer para manifestar indignação — a tal ponto que o capitão foi para a televisão fazer pronunciamento na noite de Natal e, salvo raras exceções, as panelas permaneceram mudas na cozinha.

Além da Covid-19, tivemos que nos proteger de idiotas negacionistas e de gente grosseira em geral que se sente respaldada por atitudes irresponsáveis vindas de cima. Se o presidente não tem compostura, por que o cidadão precisa ter? Se o presidente não usa máscara, por que o desembargador vai usar?

Ainda assim, amanhã vai ser outro dia, outro ano. Já estamos adultos, sabemos que nada muda de verdade — mas, se a gente não tiver alguma esperança no dia 31 de dezembro, quando vai ter?

Tenho repetido como um mantra que, ainda que haja muita gente má à nossa volta, a quantidade de gente boa continua sendo maior. Gente má faz mais barulho, se faz notar melhor, mas precisamos aprender a apreciar os pequenos gestos de gentileza e a educação invisível, que nos parecem apenas naturais.

Pois não são.

Eles brotaram ano a ano, século a século, milênio a milênio. São fruto de um longo processo civilizatório, foram cultivados, adubados, cuidados. Às vezes temos recaídas coletivas e regredimos, mas a tendência é nos tornarmos mais atentos e melhores com o passar do tempo. Percebemos o mal porque já conhecemos o bem, e isso faz diferença.

Você acredita mesmo nisso, Cora Rónai?

Acredito, muito. O problema é que nem sempre me lembro de que penso assim. Felicidade — ou, vá lá, fé na Humanidade — é, também, um exercício de memória.

Tenham um bom Ano Novo, pessoas queridas.


Eugênio Bucci: A propaganda, a ciência, o imbróglio e o ano novo

Fapesp corre o risco de perder 30% de sua verba e Bandeirantes aumenta a de publicidade em 70%

No gran finale de 2020, o governo paulista deu um jeito de aumentar os recursos para fazer propaganda de si mesmo e, na outra ponta, deu outro jeito para, em plena pandemia, ameaçar o orçamento da ciência. O ano que começou mal termina muito pior.

Nos derradeiros ajustes da Lei Orçamentária Anual (LOA), na Assembleia Legislativa, o Palácio dos Bandeirantes conseguiu incluir uma elevação de 69% na sua verba publicitária (como noticiou este jornal na primeira página, dia 20, com reportagem de Brenda Zacharias). O montante, que ficou na casa dos R$ 90,7 milhões em 2020, saltará para R$ 153,2 milhões no exercício de 2021.

Na mesma LOA aparece um corte de 30% na receita da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). A entidade tradicionalmente conta com 1% da receita tributária do Estado. Em 2021 poderá ficar com apenas 0,7%. Traduzindo em graúdos, estamos falando de meio bilhão de reais a menos.

Por enquanto, dinheiro ainda não foi retirado, de fato, mas a Fapesp corre o risco de perdê-lo. O corte aparece no texto final da LOA (publicado no Diário Oficial de ontem), com todos os números e vírgulas, mas talvez não venha a ser efetivado. Mas como assim?, há de se perguntar o improvável leitor. Se a lei manda cortar, como é que podemos ter a expectativa de que o corte talvez não se consume?

Para entender o capcioso imbróglio, pelo qual o malfeito se insinua enquanto finge não ser o que é, precisamos conhecer um pouco mais desse novo gênero artístico-orçamentário de dissimulação, tão em voga na política: a técnica legislativa de ordenar uma coisa e, ato contínuo, ordenar o seu contrário.

A mesma LOA que corta “descorta”. Numa das inumeráveis tabelas que a acompanham, consta um valor para o orçamento da Fapesp que equivale claramente à redução de 30% de suas receitas. Para isso a LOA se apoia lógica que prevaleceu nas emendas à Constituição federal que preveem a Desvinculação de Receitas da União (conhecida pela sigla de DRU) e a Desvinculação de Receitas de Estados e Municípios (Drem). Essas desvinculações constitucionais permitiram que as chamadas “receitas vinculadas”, tanto na União como nos Estados e nos municípios, fossem diminuídas. Logo, se a Drem valer para a Fapesp, ela perderá um terço do tamanho que tem hoje.

Acontece que o destino ainda não está selado, pois, como já foi dito, a mesma LOA que corta “descorta”. Em seu artigo 11, ela manda cumprir o que está escrito no artigo 271 da Constituição estadual de São Paulo – e esse artigo, o 271, determina de forma expressa, inequívoca, a destinação de 1% da receita tributária do Estado à Fapesp.

Em resumo, a LOA paulista para o ano de 2021 é uma contradição em termos, um oxímoro legislativo. Em suas previsões numéricas, impõe o corte da Fapesp. Em seu artigo 11, impede o corte da Fapesp.

O que vai acontecer? As apreensões estão lançadas. Há juristas que entendem que o orçamento da Fapesp não provém de uma receita “vinculada”, como as outras, e, portanto, a Drem não se aplica a ela. Mas há os que dizem que a Drem, um dispositivo da Constituição federal, deve prevalecer sobre as Constituições estaduais.

Não vai ser fácil. Só o que se sabe até agora, com segurança, é que o futuro da ciência paulista, que já era ruim, piorou um pouco mais. É a primeira vez que um ataque tão frontal contra os recursos da Fapesp ganha forma de lei. As forças tecnocráticas que, no curso de vários governos tucanos paulistas, vêm se articulando contra a pesquisa e contra a universidade pública marcaram seu tento, desfecharam sua pirraça e instalaram no horizonte próximo essa incerteza cabulosa.

A integridade da Fapesp nunca esteve tão vulnerável. Para o ano que vem, a manutenção de seu orçamento normal vai depender da assinatura do governador do Estado, a quem cabe expedir, por decreto, os termos da execução orçamentária. Quando for pagar as pesquisas que financia, muitas delas sobre tratamentos contra a covid-19, no Instituto Butantan e em outras instituições, precisará contar com a boa vontade do chefe do Executivo – que assegurou, publicamente, mais de uma vez, que não implementará corte algum.

Podemos acreditar nele? Em nota divulgada agora em dezembro, a instituição diz que sim: “A Drem não será aplicada à Fapesp em 2021 e há um compromisso claro do Governador João Doria e do Vice-governador Rodrigo Garcia, que também não será aplicada nos próximos anos”. Ao que se sabe, essa confiança na palavra do político em questão não tem bases científicas, mas é o que temos para o réveillon. Se cortes vierem, só vai restar aos dirigentes da Fapesp entrar na Justiça, o que trará mais desgastes e mais incertezas.

De sua parte, o mesmo Palácio dos Bandeirantes, que alega falta de recursos para fragilizar o financiamento da ciência e do conhecimento, não vê obstáculos para majorar em 70% a sua verba publicitária. É que estamos em tempos de pandemia e, você sabe, o poder acredita que a propaganda salvará vidas – de governantes.

Feliz ano novo.

*Jornalista, é professor da ECA-USP


Fernando Schüler: Esqueça um pouco a política e descubra as coisas interessantes que temos em comum

 Ninguém tem a chave para desligar a geringonça na qual estamos todos enredados

Goste ou não dela, vale a pena ler a entrevista de Bari Weissà Folha, dias atrás. É bom escutar alguém que destoa da multidão. Alguém que ri sozinho enquanto todos dançam a Macarena (já me aconteceu). Todos conhecem a sua história. Ela foi contratada como uma das editoras do The New York Times por destoar da linha de pensamento hegemônica da Redação e caiu fora pelo mesmo motivo.

A Redação do Times, diz ela, como a de muitos jornais, passou gradativamente a responder a um agenda política. E o fez a partir dessa cisão típica dos tempos atuais, entre a gente bacana e esclarecida, "cujo trabalho é informar os outros", e os caipirões, basicamente definidos por qualquer coisa que diz respeito a Donald Trump.

Daí aparece uma jornalista que recusa a dicotomia fácil. Que acha risível pautar o jornalismo, todo santo dia, pelo milésimo texto enfileirando palavrões contra o "diabo laranja". Seu problema, por óbvio, nunca foi Trump ou qualquer político. O problema era a conversão do jornalismo em um campo retórico fechado e avesso às "ideias inconvenientes".

Foi o caso do editor James Bennet, banido por publicar artigo controverso do senador Tom Cotton. Ele provavelmente discordasse do senador, mas acreditava "dever aos leitores a exposição de contra-argumentos". Ingenuidade. Contra-argumentos são aceitos, na lógica do ativismo, nos limites de quem tem a hegemonia e o poder de impor danos aos que saem da linha.

O que Bari Weiss diz vale para qualquer posição política e vai além do jornalismo. Demétrio Magnoli tratou disso em coluna recente. Há um modus operandi da política atual, dado pela lógica tribalista das redes. O jornalismo, ou parte relevante dele, apenas foi junto com a maré.

Intuo que se trata de caminho sem volta. O Twitter se tornou bem mais do que o "editor último" do Times, como diz Weiss em sua carta-renúncia. Se tornou, junto com as redes, o editor do debate público, e o faz de modo anárquico, numa constante guerra civil em que cada um imagina ganhar, a cada momento, e todos perdem, ao longo do tempo.

Weiss diz que nos tornamos um grande campus, ou um grande departamento de estudos de gênero. Prefiro outra formulação: tornamo-nos uma sociedade de militantes. Nas redes, nas universidades, no jornalismo e, mais recentemente, na vida das empresas e hábitos de consumo.

É evidente que muita gente se mantém serena em meio à tempestade, para o horror das hordas de qualquer lado. Mas o espírito do tempo é outro. É o "espírito de partido", como disse Madame de Stäelsobre o clima intelectual francês à época da revolução e de quem me lembrei por estes dias.

O ponto é que isso não irá mudar. Nos anos 1930, Ortega y Gasset vaticinou que o homem-massa havia ingressado de vez na cultura. Cem anos depois, graças à internet, quem domina o palco é o cidadão-pregador, o cidadão-dedo-em-riste. Seu destino ainda é incerto. Ele pode conduzir mudanças positivas, mas pode também agir como uma nuvem de "Black Mirror".

É positivo que as pessoas façam promessas de fim de ano e apostem que a pandemia vai mudar as coisas e que voltaremos a agir com mais empatia e sentido de comunidade.

Quem sabe a esperança de Gabeira, a quem sempre leio, apostando que a politica, depois de ter nos afastado, possa novamente nos aproximar. Ele lembra que já fomos mais gentis uns com os outros, mesmo divergindo, como na época das Diretas.

Minha hipótese é que a política continuará a nos separar. A lógica da tribo, da reação imediata e baixa empatia veio pra ficar. Ninguém tem a chave para desligar a geringonça na qual estamos todos enredados.

Nossa melhor chance é fugir da querela política. Podemos experimentar isso nos encontros de hoje à noite. Fugir da postura do sujeito que um dia me disse que iria "perdoar" seu irmão por apoiar o político que ele detestava. Presunção tola. Vale muito mais um abraço e a descoberta de coisas interessantes que todos temos em comum. E elas não são poucas, podem acreditar.

*Fernando Schüler, professor do Insper e curador do projeto Fronteiras do Pensamento. Foi diretor da Fundação Iberê Camargo.


Vinicius Torres Freire: Irmã da 'vacina do Doria' tem 79% de eficácia, mas faltam muitos dados

Irmã da Coronavac, a vacina do Doria, tem 79% de eficácia, mas falta informação

Uma das vacinas da estatal chinesa Sinopharm teria 79,34% de eficácia, segundo afirmou a empresa nesta quarta-feira (30) em uma nota de escassas e frustrantes vinte linhas. O produto é irmão da Coronavac, comprada pelo governo paulista e que já está sendo produzida pelo Instituto Butantan.

As vacinas são muito semelhantes; é possível esperar resultado similar da Coronavac, em uma especulação esperançosa, mas razoável, dizem dois imunologistas brasileiros ouvidos por este jornalista. As duas irmãs chinesas são feitas da mesma maneira, com vírus inativados.

O vírus é multiplicado em uma cultura de células, na mesma linhagem de células originadas do rim do macaco-verde africano e usadas faz quase 60 anos em pesquisa biotecnológica. O vírus depois é inativado (perde o poder de se replicar e causar doença) com a mesma substância, beta-propriolactona, mas mantém sua estrutura e, assim, ainda pode suscitar uma reação do sistema de defesa (imunológico). Os vírus inativados são misturados ao mesmo tipo de adjuvante, algum composto de alumínio, que facilita a ação da vacina. A diferença entre as duas pode ser a dosagem e o tempo entre as duas injeções necessárias.

Estudos sobre as fases 1 e 2 dessas duas chinesas foram publicados em duas revistas científicas de peso (“Jama” e “The Lancet”), mas nada que preste saiu sobre a fase 3.

Os Emirados Árabes Unidos disseram que seu teste fase 3 da Sinopharm deu 86% de eficácia. Aprovaram a vacina e começaram a aplicá-la no povo, assim como o Bahrain. Mas apenas nesta quarta-feira a Sinopharm pediu a aprovação da Anvisa deles, embora a China já tenha aplicado o imunizante em centenas de milhares de pessoas sob alto risco de infecção.

A Turquia abriu resultados preliminares e precários da fase 3 da Coronavac, que teria tido por lá eficácia de 91,75%. No Brasil, como soubemos pelo anúncio do governo paulista, a eficácia teria sido de mais de 50% e menos de 90%, uma distância amazônica. Por “eficácia” entenda-se por ora a capacidade de evitar doença sintomática. Não sabemos ainda se qualquer vacina para Covid-19 impede que um vacinado e doente assintomático transmita a doença.

A vacina americana da Moderna tem 94% de eficácia; a anglo-turco-alemã da Pfizer/BioNTech, 95%. São imunizantes feitos com tecnologia inédita. As chinesas usam técnicas testadas com sucesso faz pelo menos 70 anos, como na vacina da pólio, por exemplo.

Apesar de fabricadas da mesma maneira, faltam informações básicas sobre as duas chinesas. Por que os dados de eficácia da Coronavac e da vacina da Sinopharm são diferentes em cada país? Pode ser por causa do número de pessoas que participaram do teste, do tamanho da epidemia em cada país, do período de observação (duração) do experimento. Não sabemos.

Como os dados sobre a Coronavac e do produto da Sinopharm devem ser publicados em revistas científicas, não é razoável esperar mutreta no estudo técnico ou que os dados divulgados agora tenham sido turbinados. Mas vimos como foram bagunçados os dados da vacina da AstraZeneca/ Oxford. É o produto comprado pelo governo federal e aprovado também nesta quarta-feira pelo governo britânico, o que é bom sinal, embora até agora não saibamos também da eficácia precisa desse imunizante.

Isso quer dizer que as vacinas são ruins? Não. Quer dizer que ainda não temos os resultados finais. Quando tivermos os dados e as injeções, ainda teremos de enfrentar o governo e os generais da morte.