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Ana Paula Xongani: "Coded Bias" - O que acontece quando os algoritmos reproduzem o racismo?

Recentemente, alguns criadores de conteúdo na internet colocaram fotos de pessoas brancas em seus perfis e, a partir do resultado de engajamento das postagens, sinalizaram um possível comportamento racista dos algoritmos. Desde então, cresce meu interesse pelo tema. Afinal, além de ser uma mulher negra, sou uma mulher negra que produz conteúdo para a internet.

Não é de hoje que o resultado de qualquer pesquisa nas ferramentas de busca violenta pessoas negras. Mesmo com ações e manifestações de diversas entidades, ainda é recorrente, por exemplo, que você precise adicionar a palavra "negra" para aparecer a imagem de uma família negra quando você busca pela palavra "família". Ora, uma família negra não é uma "família"?

No campo da estética e da moda não é diferente. A busca por referências do que é belo, do que é tendência, certamente nos entregará uma maioria de produções brancas, vindas de países europeus ou dos Estados Unidos. Por que isso acontece? Se a tecnologia é tão "inteligente", por que se comporta desta forma?

Bem, a pergunta que a gente precisa fazer é: quem desenvolve a tecnologia? Quem a programa? Quem desenvolve os algoritmos que respondem quando a gente pergunta algo para as plataformas digitais?

Nos últimos dias, o assunto me impactou novamente, desta vez pelo lançamento do documentário "Coded Bias", da Netflix, e pelo e-mail da minha seguidora Dayana Morais da Cruz, que propôs a pauta desta coluna. Ela é pós-graduanda em Legislativo, Território e Gestão de Cidades e trabalha numa empresa de RH com foco em diversidade e inclusão.

A área em que ela atua é um bom exemplo para ilustrar uma linha de raciocínio. Por exemplo, é conhecido que existem processos enviesados nas práticas de recrutamento e contratação de empresas. Eles já começam quando filtram currículos por universidades específicas, deixando de fora milhares de candidatos talentosíssimos; continuam quando selecionam pela fluência em outras línguas, quando vivemos em um país que apenas 5% da população fala inglês... E por aí vai.

Os "filtros" que, numa perspectiva offline, há tanto tempo organizam o raciocínio corporativo, também estão refletidos nos softwares que crivam perfis de profissionais a serem contratados pelas empresas. Tá, mas o que eu tenho a ver com isso, Xongani? Você deve estar se perguntando.

Posso começar a responder sua pergunta com a mesma palavra: filtros. Você que, assim como eu, usa as redes sociais toda hora, já deve ter aplicado um filtro em alguma foto ou usado aqueles aplicativos que "melhoram a pele", "envelhecem", "rejuvenescem". A partir disso, faço duas perguntas. Primeira: o que significou "melhorar"? Tem a ver com "afinar traços"? Mudar características que são suas para colocá-las dentro de um padrão de beleza? Segunda: para onde vai essa quantidade de imagens que estamos produzindo? Para onde vai a foto do meu rosto?

"Para se cadastrar no aplicativo Meu Gov, do Governo Federal, por exemplo, é preciso cadastrar uma foto para ter o selo de validação facial. Para onde vão tais informações e como elas são usadas, a gente não tem certeza", comenta Dayana.

Ela traz ainda referências de vários profissionais, brasileiros e gringos, que estão apontando todos os problemas das tecnologias, como Tarcízio Silva, pesquisador e mestre em Comunicação e Cultura; Sil Bahia, coordenadora da Pretalab; e Joy Buolamwini, do MIT, cujas pesquisas são a base do documentário da Netflix e também responsáveis por provocar revisões na legislação que regula as práticas de reconhecimento facial.

A questão é a seguinte: os algoritmos trabalham a partir do que aprendem com os seres humanos que os desenvolvem. "É comum que os algoritmos tenham sido treinados com uma massa de dados muito maior de pessoas brancas do que pessoas negras. Isso faz com que os sistemas tenham falhas em reconhecer características relevantes em pessoas negras", escreveu o cientista de dados Lucas Santana.

Com a ausência de profissionais, sobretudo de profissionais negros, que estejam realmente trabalhando para transformar os vieses no aprendizado das "máquinas", elas continuarão sendo criadas a partir de modelos que não correspondem à realidade. E, como explica o Lucas, isso gera um número elevado de erros.

Dayana complementa ainda que há um papel importante desses algoritmos na organização do comportamento das redes, uma vez que afunilam o acesso a partir de interesses e, assim, acentuam as bolhas e polarizações.

São muitas informações e eu sei que o tema é complexo, mas precisamos nos aproximar dele, porque compartilhamos informações pessoais nas redes e passamos horas por lá diariamente. É necessário entender o que está acontecendo para que elas não mais reproduzam ou potencializem desigualdades. Recomendo, como começo de conversa, uma olhada no conteúdo da galera toda que eu mencionei aqui.


Jamil Chade: Sem controle, Brasil caminha para superar EUA e gera preocupação mundial

O crescimento no número de casos no Brasil, a incapacidade de o governo de implementar medidas para frear o vírus e os temores de que a variante brasileira comece a se espalhar acendem um alerta global.

Em reuniões fechadas da OMS (Organização Mundial da Saúde), a situação brasileira é tida como "preocupante" e projeções já apontam que, se não houver uma mudança profunda na forma de o Brasil lidar com a crise, o mês de março poderá terminar com o país superando os EUA em número de novas infecções e, eventualmente, em termos de mortes diárias.

No que se refere aos números totais desde o início da crise há um ano, o território americano continua sendo o mais atingido, com 28,2 milhões de casos de pessoas infectadas, seguido por 11,1 milhões na Índia e 10,5 milhões no Brasil.

Depois de seis semanas de queda no número de novos casos globais, a OMS indicou que a semana passada viu um novo aumento nas infecções em quatro das seis regiões do mundo. Mas a curva começa a sofrer uma transformação e o Brasil surge como um dos focos de maior alerta, não apenas pelo comportamento do vírus, mas também pela insistência das autoridades em negar a necessidade romper as cadeias de transmissão.

Em meados de dezembro, os americanos registravam 1,6 milhão de novos casos por semana, contra 326 mil no Brasil. Nos últimos sete dias, de acordo com as contas da OMS, foram 471 mil novos casos nos EUA, contra 378 mil no Brasil. Nesse ritmo, as cidades brasileiras poderão ocupar o primeiro lugar em poucas semanas. Hoje, a população americana supera a marca de 331 milhões de pessoas, contra 211 milhões no Brasil.

Em termos de mortes, os americanos superavam a média de 18 mil novos mortes por semana em dezembro de 2020, contra 5.200 no Brasil. Nos últimos sete dias, os dados mostraram uma tendência inversa. Nos EUA, foram 14 mil novos óbitos, contra 8.200 no Brasil.

As disparidades em termos de vacinação também contribuem para uma virada nesses números. Nos EUA, já são mais de 50 milhões de pessoas que se beneficiaram da campanha de imunização, contra menos de 7 milhões no Brasil. Para as próximas semanas, o acesso a novas vacinas também é delicado.

Em negociações, farmacêuticas têm alertado que o governo que fizer um pedido de fornecimento neste momento receberá doses apenas no segundo semestre do ano, na melhor das hipóteses. Quanto às vacinas da Covax, a aliança mundial, o Brasil receberá 9,1 milhões de doses até junho, bem abaixo dos 14 milhões que o Ministério da Saúde havia anunciado em fevereiro.

Na última sexta-feira, o chefe de operações da OMS, Mike Ryan, abandonou sua tradicional diplomacia para alertar que o Brasil vivia uma "tragédia" e que a situação deveria servir de lição ao mundo de que não há como relaxar medidas de controle.

Mas sua fala também evidenciou uma crítica velada ao governo federal. Ao destacar os esforços feitos no Brasil, ele aplaudiu os cientistas do país e os governadores de estados, sem qualquer referência ao Ministério da Saúde ou ao Palácio do Planalto.

Os comentários geraram um mal-estar entre membros do governo brasileiro. No passado, falas da OMS levaram as autoridades nacionais a disparar cartas ao organismo para se defender.

Diplomacia esgotada?

Por meses, a ordem interna na OMS era a de evitar qualquer crítica contra o governo brasileiro, já que o objetivo principal era ajudar o país a superar a crise, oferecendo auxílio técnico, orientação e mesmo materiais.

A coluna apurou que, no auge das críticas de Bolsonaro contra a OMS no primeiro semestre de 2020, a agência mantinha um trabalho no país, sem fazer qualquer tipo de declarações ou alarde. Em troca de um acesso às cidades brasileiras, a opção da agência era a de manter silêncio e não rebater os ataques do presidente.

Bolsonaro, o louco

Dentro das agências internacionais, porém, uma parcela dos técnicos começa a alertar que a estratégia não tem dado resultados. Bolsonaro passou a ser tratado como "louco", enquanto se multiplicam cartas e denúncias da sociedade civil, parlamentares, indígenas, religioso e ex-ministros pedindo uma reação internacional.

A resposta brasileira também está sendo alvo de uma investigação por parte de um grupo independente, montado pela OMS para avaliar como diferentes governos e ela mesmo deram resposta para a crise. O resultado do inquérito deve ser publicado em maio.

O Ministério da Saúde recebeu um questionário sobre a estratégia adotada no Brasil e tudo o que foi feito, desde janeiro de 2020. Todos os governos membros da OMS foram consultados. Mas, segundo a coluna apurou, as respostas dos países como o maior número de casos vão servir para que o comitê avalie por qual motivo alguns governos conseguiram frear a crise, enquanto outros não tiveram o mesmo sucesso.

Variante brasileira preocupa

Enquanto os resultados da enquete não são publicados, em reuniões técnicas com cientistas e pesquisadores de diferentes partes do mundo, a situação brasileira passou a ser incontornável, principalmente quando o assunto é o fortalecimento da circulação de variantes do vírus no país.</p><p>A constatação é de que existe um "apagão" de dados do Brasil sobre a circulação de novas variantes pelo território nacional e uma forte suspeita de que não há controle sobre quem sai do país infectado ou não.

A situação gerou um temor ainda maior depois que estudos indicaram que a variante predominante em Manaus mantinha uma carga viral várias vezes superior à cepa original.

Denominada oficialmente como variante P1, a mutação foi primeiro identificada no Japão, em viajantes brasileiros. Hoje, ela já está presente em quase 30 países e o número cresce a cada semana.

Em seu último informe semanal, a OMS deixou claro que o vírus é predominante em Manaus e em parte da região norte do brasileiro. "Podemos estar no início do caos", afirmou uma delas, na condição de anonimato.

Na Europa, a situação brasileira também é alvo de uma atenção total, com autoridades em capitais como Paris e Madri instruídas a reforçar o controle sobre qualquer passageiro que tenha passado pelo Brasil.

Neste fim de semana, o governo britânico confirmou a existência da variante brasileira em pelo menos seis pessoas diferentes. Mas a crise para a imagem do país ficou ainda mais aguda depois que as autoridades sanitárias em Londres lançaram uma "caçada" para localizar o indivíduo que não preencheu um formulário de registro de teste ou que não recebeu seu resultado.

Uma das suspeitas pode ser uma pessoa que estava no voo LX318, da companhia Swiss e que deixou São Paulo para Zurique, no dia 10 de fevereiro. Depois de passar pela Suíça, a pessoa embarcou em um segundo voo para Londres.

Se a falta de informação sobre o passageiro levou a oposição britânica a criticar o governo em Londres, ela também despertou um segundo aspecto: a incapacidade do Brasil de saber onde está o vírus e quem está embarcando em seus aeroportos em direção a outras partes do mundo.

"Isso pode significar que a desconfiança em relação ao Brasil vai se aprofundar", alertou um representante britânico, que pediu para não ser identificado.


Splash: Alê Youssef diz que cultura segue sob ataque e projeta calendário de 2022

Guilherme Lucio da Rocha, Splash

O secretário municipal de Cultura de São Paulo, Alê Youssef, acredita que o setor "entrou em 2021 levando porrada e sofrendo ataques". Ele vê muita ideologização em relação à cultura por parte do governo federal, sob a gestão do presidente Jair Bolsonaro  (sem partido).

Acumulando duas passagens na pasta da maior cidade do país desde 2019, Youssef recebeu Splash com exclusividade em seu gabinete para conversar sobre suas ações e as dificuldades neste período de pandemia, em que o setor cultural foi o primeiro a sentir os impactos das medidas restritivas e deve ser o último a conseguir voltar à normalidade em 100%.

"Eu vejo 2021 como um período com os desafios que vêm desse processo pandêmico permanente, desse início de esperança [por conta da vacinação], mas de incerteza. A cultura foi a primeira a entrar e será a última a sair."

O secretário da gestão Bruno Covas (PSDB) já foi filiado ao PT e ao PV e mantém boas relações com diversas frentes políticas. Ele se diz preocupado com o "imbróglio ideológico" promovido pelo governo federal. A melhor maneira de explicar isso é citando o post do deputado preso Daniel Silveira e do Mário Frias [secretário de Cultura do governo Bolsonaro] falando sobre a estratégia para defenestrar a cultura e misturando-a com a esquerda. O vídeo em questão, postado por Silveira (PSL-RJ) em seu Instagram e já excluído, falava sobre um controle de verbas da pasta federal para "financiar projetos nefastos" desse "câncer chamado esquerda".

Contraponto
A maior cidade do país acabou se tornando uma espécie de contraponto às medidas do governo federal em relação à cultura. Um dos principais exemplos disso foi o festival "Verão Sem Censura", realizado no início de 2020 (época pré-pandemia). O evento reuniu peças teatrais, intervenções e shows musicais de artistas que sofreram com censura ou tiveram seus trabalhos rejeitados pela União. O secretário afirma que a atuação do governo federal é de "ataque", e que São Paulo deve ser uma voz de resistência.

Quando você tem pilhas de projetos da Ancine e da Lei Rouanet parados, é quase que uma censura prévia. Você desliga o motor que faz a engrenagem girar. Além disso, tem a exclusão das pessoas e personalidades da Fundação Palmares. Como alguém, por pura arbitrariedade, exclui pessoas tão emblemáticas, históricas, de uma hora para outra? A cultura é fundamental no processo antirracista.

Um dos pontos de possível diálogo entre governo federal e secretaria de Cultura de São Paulo é a Cinemateca. O local, que fica em São Paulo, mas é de responsabilidade do governo federal, não recebeu repasse de verbas em 2019 nem em 2020, colocando em risco parte de seu acervo histórico.

"Estamos tentando [um diálogo]. Precisamos achar uma solução. Para nós, além de ser uma responsabilidade em relação ao acervo nacional, tem a ver com um espaço emblemático da cidade."

Carnaval na pandemia
A trajetória de Alê Youssef está muito ligada ao bloco Acadêmicos do Baixo Augusta, do qual o secretário é um dos fundadores. Por conta da pandemia, não houve comemoração oficial neste ano, e o prejuízo vai além da questão afetiva: em 2020, o  Carnaval movimentou quase R$ 3 bilhões na cidade. A gente estava numa crescente e, em 2021, teria um número ainda maior do que em 2020. Óbvio também que existiram as festas clandestinas, mas acho que demos uma demonstração de maturidade. Os grandes protagonistas do Carnaval [blocos de rua e escolas de samba] respeitaram o momento.

Sobre o Carnaval de 2020, o Ministério Público de São Paulo ofereceu denúncia  contra Youssef, a SPTuris e seu presidente, Osvaldo Arvate Junior, além de outros funcionários da administração pública e a Ambev. Segundo o MP-SP, o contrato firmado entre prefeitura e a empresa para o patrocínio da festa de rua foi "extremamente vago".

"Recebi a denúncia perplexo, mas fiquei também tranquilo quando li os argumentos. Estamos preparando a defesa. Tenho muita consciência dos ritos que tomamos, acho que faz parte do exercício da atividade pública esse tipo de questionamentos. E temos o dever de responder no tempo certo."

Periferia modernista
Tentando manter a cultura viva em 2021, com políticas de resgate e apoio aos profissionais da área, a esperança é que 2022, pós vacinação, seja histórico. O ano marca o centenário da Semana de Arte Moderna, que marcou a era modernista no Brasil e foi um marco para a cidade de São Paulo.

Youssef revela que o prefeito Bruno Covas deve anunciar detalhes das celebrações mais para a frente, mas já adianta que o grande destaque será a valorização da cultura periférica. "Nós encaramos o centenário de 2022 como um grande reencontro da cidade consigo mesma. E ele se dá a partir da percepção de que o novo modernismo é concentrado na cultura da periferia. Ela é a protagonista."

O discurso encontra reflexo em seu gabinete. Desde janeiro, a secretária-adjunta da pasta é a produtora cultural Ingrid Soares, articuladora que tem ligações com as periferias da cidade. "Precisamos ter um olhar estratégico de valorização da cultura periférica. É o olhar para a formação cultural, o quanto a cultura tem que estar próxima das nossas crianças".

Se o assunto é cultura periférica de São Paulo, é preciso falar de funk e dos bailes de rua, que arrastam multidões pelos extremos da cidade. As medidas relacionadas a esses eventos costumam estar mais ligadas à pasta de Segurança Pública. No entanto, Youssef destaca o programa Funk da Hora, que visa levar infraestrutura para a realização desses eventos de forma organizada, com o aval do Estado.

Em 2015, a gestão de Fernando Haddad tentou instituir um programa similar, o Funk SP. No entanto, a medida adotada pelo petista durou cerca de um ano e recebia criticas sobre o "engessamento" das festas. Youssef argumenta que o Funk da Hora é diferente do projeto da gestão anterior e busca manter diálogo com produtores e artistas locais.

"Nossa ideia era estruturar festas públicas nas comunidades, para fazer com que a juventude e os artistas locais pudessem estar presentes nos palcos. Realizamos alguns eventos antes da pandemia, entramos em 2020 com essa agenda, era algo que levaríamos durante todo ano. Tratamos o funk como uma das principais expressões culturais da cidade."


Reinaldo Azevedo: STJ e STF inaugurarão a execução sumária na política? Fascistoides ganham!

Sob o pretexto de se combater a corrupção a ferro e fogo, o Brasil foi se tornando um país arreganhadamente despudorado.

Ficamos sabendo — e é fato — que o governo Bolsonaro intensifica seu lobby junto ao Superior Tribunal de Justiça para que a Corte Especial que vai avaliar o recurso da defesa de Wilson Witzel endosse o seu afastamento cautelar, imposto, monocraticamente, pelo ministro Benedito Gonçalves.

Atentem para uma questão importante: o problema não está apenas no fato de a decisão ser monocrática. Se o STF decidiu, em 2017, que um governador pode ser afastado sem prévia autorização da Assembleia — o que é um erro —, está mantida, no entanto, a exigência de que haja ao menos a aceitação da denúncia — o que tornaria o governador réu. E ele ainda não é réu porque nem sequer foi ouvido.

Não se constrói democracia sólida assim. O que se tem é bagunça.

A defesa recorreu, claro!, à Corte Especial do STJ contra a decisão. A coisa deve ser votada na quarta-feira. Até onde se sabe, vai endossar a decisão de Gonçalves. "Ah, aí a coisa não será mais monocrática, então!" Não resolve nada, minhas caras, meus caros! Um governador eleito diretamente está sendo retirado do cargo sem nem ainda ser réu; sem que o próprio STJ tenha apreciado a denúncia. E não se pode tomar o endosso a uma liminar como sinônimo de denúncia aceita.

Há algo de errado num país em que é mais fácil tirar do cargo um governador do que um deputado estadual.

Sim, um deputado estadual está submetido à jurisprudência do Supremo que vale para parlamentares federais: enquanto conservar o mandato, não pode ser submetido a medidas cautelares que impeçam o livre exercício do mandato sem a concordância da Assembleia. Que sentido faz impor a um governador uma sanção antecipada como essa?

A defesa também recorreu ao STF para derrubar a liminar. A decisão cabe ao presidente da Corte, Dias Toffoli. Ele deu 24 horas para o STJ se manifestar e depois igual prazo para a PGR — cuja resposta já sabemos. Vale dizer: só vai decidir depois da votação da Corte Especial, cujo resultado é conhecido de antemão.

Vamos ver o que fará Toffoli se a Corte Especial endossar a decisão de Benedito. Um caminho é considerar o recurso prejudicado porque o que se pedia era a derrubada de decisão monocrática, que monocrática não será mais. Nesse caso, a defesa de Witzel deverá voltar ao Supremo com outro recurso, cuja natureza precisa ser estudada.

Insista-se: o governador Wilson Witzel nem sequer foi denunciado. "E por que não se denuncia logo?" Porque se está ainda na fase da investigação. Não houve tempo.

Deixo aqui uma questão para reflexão: se, do concerto entre STJ e STF resultar uma decisão em que um governador de Estado pode ser afastado do cargo com base em declarações de um delator, sem nem ao menos ter sido ouvido e antes que tenha se tornado réu — já que não existe a denúncia —, então teremos as cortes superiores investindo no baguncismo.

Tanto pior quando se sabe que uma dessas cortes, o STJ, está sob o cerrado assédio do Poder Executivo.

Os dois tribunais vão inaugurar a fase da execução sumária para políticos?

Quem ganha?

Os fascistoides.


Jamil Chade: Em carta ao G-20, ONU fala em risco de pandemia "apocalíptica"

Numa carta enviada ao presidente Jair Bolsonaro e aos demais líderes do G-20 na segunda-feira (23), o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, apela para que as maiores economias do mundo se unam para dar uma resposta à crise gerada pelo coronavírus e que saiam ao resgate dos países mais pobres do mundo.

Caso contrário, o documento obtido pela coluna alerta para o risco de que o mundo seja atingido por uma "pandemia de proporções apocalípticas".

O G-20 irá manter uma reunião extraordinária nesta semana, ainda que encontros entre ministros tenham demonstrado a dificuldade do grupo em achar um plano comum.

Segundo Guterres, o mundo espera do G-20 "uma ação decisiva". Em sua avaliação, mesmo os países ricos enfrentam desafios e o impacto sócio-econômica será profundo.

O chefe da ONU também fala abertamente em uma recessão e indica que o Covid 19 vai exigir uma "resposta como nunca antes". "Um plano de guerra em termos de crise humana", disse na carta.

Para ele, o G-20 tem a oportunidade de demonstrar "solidariedade" com o mundo, especialmente com os mais vulneráveis.

Guterres divide a resposta em diferentes etapas. A primeira delas é de saúde, com uma cooperação capaz de "suprimir o vírus". Mas, para que isso ocorra, o vírus precisara derrotado em todas as partes do mundo.

Nos últimos dias, o governo americano tem usado o vírus para atacar a China, aprofundando a crise internacional. Para Guterres, o momento é de união e de cooperação para testar pessoas com sintomas e isola-los, fazer avançar a ciência e lidar com restrições de movimentos.

A ONU também pede coordenação para garantir que suprimentos médicos possam continuar a circular pelo mundo, que os governos se comprometam a não barrar a exportação de equipamentos e remédios e que os locais mais necessitados sejam auxiliados. Guterres também defende que países em desenvolvimento tenham acesso a recursos para dar uma resposta aos bilhões de habitantes nessa região do mundo.

"Qualquer coisa que não atenda esse compromisso poderia levar a uma pandemia de proporções apocalípticas afetando a todos nós", escreveu o secretário-geral.

Ele também pede que as sanções impostas sobre países sejam suspensas para permitir o acesso a alimentos e remédios.

Estímulo
Guterres também pede que governos adotem planos de estímulo para minimizar os impactos sociais. Segundo ele, a crise vai ser medida em "trilhões de dólares" e o G-20 terá de injectar recursos de mais de 10% do PIB mundial.

Ele também pede que regras fiscais sejam ignoradas. "Estamos em um período sem precedentes", disse.

Para ele, não há uma crise bancária e, portanto, a ajuda terá de ser focada em pessoas e famílias. Algumas ações neste sentido têm sido adotadas. Mas ele aponta que não são suficientes.

"Peço aos líderes do G-20 que considerem um pacote urgente de grande escala de trilhões de dólares", disse. O dinheiro precisa chegar às pequenas empresas, trabalhadores e famílias. Isso inclui perdão de dívidas, incentivos fiscais, queda de taxa de juros, crédito e apoio a salários.

Em sua avaliação, o G-20 também precisa estabelecer um pacote para ajudar os países mais pobres, inclusive para que possa se proteger. Sua tese é de que se o vírus se proliferar nas áreas mais pobres do mundo, a possibilidade de o erradicar fica afastada.

Nesta quarta-feira, Guterres ainda lançará um apelo global para que um resgate humanitário seja estabelecido.

Outro apelo do chefe da ONU aos líderes do G-20 se refere ao modelo de recuperação a ser adotado. Para ele, a economia mundial precisa criar uma estratégia de desenvolvimento mais inclusiva e sustentável.

"A crise atual é um lembrete do destino comum da humanidade e da necessidade de investimentos para reduzir os riscos catastróficos de uma pandemia", disse. Para ele, uma resposta devem envolver investimentos em saúde pública e redes de proteção.

"A crise financeira de 2008 demonstrou que os países com sistemas de proteção social robustos foram os que menos sofreram e se recuperaram mais rapidamente de seu impacto", disse.

"Estou convencido de que só a coordenação internacional pode evitar o pior cenário possível. Uma mensagem unificada de ação concertada dos líderes do G-20 é agora mais do que nunca necessária", completou.


UOL: Ex-governador Fernando Pimentel é condenado a 10 anos de prisão

Petista foi condenado por tráfico de influência e lavagem de dinheiro por práticas no período em que foi ministro, entre 2011 e 2014

A Justiça Eleitoral condenou o ex-governador Fernando Pimentel (PT) a 10 anos e seis meses de prisão em regime fechado por tráfico de influência e lavagem de dinheiro nesta quarta-feira (21). O inquérito apurou irregularidades de caixa 2 no período em que o petista foi ministro do Desenvolvimento no governo Dilma, entre 2011 e 2014.

O ex-governador, entretanto, poderá recorrer em liberdade da decisão. Caso transitada em julgada– ou seja, quando não couber mais recurso, a sentença da juíza Luzia Divina Peixoto, da 32ª Zona Eleitoral de Belo Horizonte, também cassa os direitos políticos de Pimentel.

A investigação, referente à Operação Acrônimo, foi originalmente conduzida pelo Ministério Público Federal, que o repassou ao Ministério Público Eleitoral. Eugênio Pacelli, advogado de Pimentel, afirmou que a condenação "ultrapassou qualquer limite do razoável" e que a sentença, "de fragilidade surpreendente, será inteiramente revista em recurso."

"Nunca vi nada tão despropositado e tão contrário à prova dos autos. Colaboradores mudando versões, fatos claramente inventados na polícia e em juízo, e desvendados em audiência. E acolhidos como verdade", afirmou a defesa. O advogado afirmou ainda que "essa sentença, de fragilidade surpreendente, será inteiramente revista em recurso.", diz Pacelli.

No processo, a defesa de Pimentel já havia se posicionado, afirmando que ele jamais pediu vantagem ou prometeu apoio para a campanha eleitoral de 2014. O ex-governador também nega crime de lavagem de dinheiro. "Se houve fraude em notas fiscais com a finalidade de encobertar gastos com a campanha eleitoral, o réu sequer teve ciência muito menos anuência disso", argumentou a defesa, aponta.

Condenação
Pimentel foi condenado com o agravante de abuso de poder, por ter usado o cargo de ministro para cometer os crimes. De acordo com o processo do Ministério Público Eleitoral, enquanto ele exercia o cargo de Ministro de Estado do Desenvolvimento Indústria e Comércio entre 2011 e 2014, o ex-governador afirmou a empresários que poderia contar com o seu "prestígio" no âmbito do Governo e sua proteção nos processos relacionados a aprovação de um projeto de aeroporto junto a Secretaria de Aviação Civil.

"Valendo-se de uma das atribuições da pasta, teve acesso a discussões sobre investimentos privados realizados no país. Nessa condição, juntamente com Benedito Rodrigues de Oliveira Neto, praticou o tráfico de influência, conduta incursionada no artigo 332, caput, do CP. Para tanto, conforme a denúncia, em agosto de 2011 o então Ministro recebeu o empresário do ramo imobiliário José Auriemo Neto, interessado na operação de aeroportos regionais no país. Embora não fosse esse um assunto diretamente relacionado às atribuições do MDCI, Fernando Damata Pimentel indicou que levantaria informações junto às instâncias decisórias do Governo sobre a temática", diz trecho do processo.

Ainda conforme descrito na denúncia, o empresário Benedito Rodrigues de Oliveira, conhecido como “Bené”, dono de uma gráfica, solicitou a pedido do petista R$ 200 mil em espécie para José Auriemo Neto, sócio da JHSF Incorporações.

O valor seria correspondente ao "prestígio empenhado" para a autorização de construção e exploração do aeroporto Catarina, em São Roque, na Região Metropolitana de São Paulo. O caso aconteceu tem 2012. A previsão é que esse aeroporto seja inaugurado em dezembro deste ano.

Em acordo de delação premiada, "Bené" admitiu ter usado a gráfica para pagar vantagens indevidas a Pimentel. O empresário também disse que o governador de Minas ainda cobrou R$ 4,25 milhões em propina do grupo JHSF, responsável pelo aeroporto. Em troca, Pimentel fez repasses ao PT durante a campanha eleitoral de 2014, quando ele disputou o governo de Minas Gerais e venceu.

"No dia 22/09/2012, essa quantia foi entregue a um portador na cidade de São Paulo, num pequeno volume acondicionado numa bolsa. Em 27 de junho de 2013, o Departamento de Outorgas da Secretaria de Aviação Civil apresentou nota técnica favorável ao pedido formulado pela JHSF, e a portaria de aprovação do plano de outorga da operação do aeroporto foi firmada em 13/08/2013. Narra, ainda a inicial acusatória, que no mês de janeiro de 2014, após visita realizada à sede do grupo JHSF na qual foi apresentada a maquete do futuro aeroporto Catarina a Fernando Pimentel e Benedito Rodrigues, esse denunciado cobrou outros R$ 5 milhões de José Auriemo para Pimentel, a pretexto da influência deste na aprovação do pedido de outorga do aeroporto pela Secretaria de Aviação Civil", apontou o Ministério Público Eleitoral.

“Bené”, que prestou serviços para a campanha de Pimentel ao governo de Minas em 2014, também foi condenado pela Justiça Eleitoral a 8 anos de prisão.

Outras duas pessoas envolvidas no caso, Marcos Coimbra, sócio da Vox Populi, e o empresário Marcos Hiran Novaes também foram condenados. A pena foi substituída por prestação de serviços comunitários (1 hora por dia de condenação), além de pagamento de 30 salários mínimos.


UOL: Luciano Huck não é um noviço na política, diz presidente do Cidadania

O apresentador de TV e empresário Luciano Huck flertou com a ideia de concorrer à Presidência da República em 2018 e surge entre os cotados a ser candidato em 2022. No que depender de Roberto Freire, 77, presidente do Cidadania (novo nome do antigo PPS), o nome de Huck estará na urna

Wellington Ramalhoso, do UOL, em São Paulo

"Nós do Cidadania estamos de porta aberta [para Huck]. Quando chegar o momento e se esse momento chegar [de] uma procura dele de um partido para se filiar, o Cidadania estará lá na primeira fila", diz Freire.

Político experiente, Freire exerceu sete mandatos como deputado federal e foi senador, além de ministro da Cultura no governo Michel Temer (MDB). Ele tem sido um dos principais interlocutores do apresentador da Rede Globo entre os líderes partidários.

Em sua opinião, Huck já não pode mais ser considerado como uma figura de fora da política. "Desta vez ele também está muito mais enfronhado na política. Ele não pode dizer que é um noviço."

A decisão de rebatizar o partido como Cidadania foi oficializada neste ano. A história da legenda remonta ao antigo PCB (Partido Comunista Brasileiro). Criado em 1992, o PPS (Partido Popular Socialista) representou a revisão política feita por antigos comunistas depois do esfacelamento da União Soviética e da queda dos regimes apoiados por ela no fim da década de 1980.

Confira abaixo os principais trechos da entrevista concedida pelo presidente da sigla.

UOL - O Cidadania é citado como um partido com o qual o apresentador Luciano Huck dialoga para se filiar.

Roberto Freire - Se filiar, não. Ele em momento algum disse que iria se filiar e ser candidato. A conversa, já há muito tempo, desde o ano passado, é uma conversa de que ele tem participação na política junto aos movimentos cívicos e sociais que existem na sociedade brasileira, que estão fazendo política, participando, formando quadros políticos. E muitos desses movimentos têm um diálogo muito intenso conosco. E outros são filiados ao nosso partido.

Então, essa relação com ele é uma relação que há algum tempo existe, que é de intenso debate, participação política nas discussões dos problemas nacionais. Existe a possibilidade de que ele venha a disputar alguma eleição. Isso está no horizonte. Agora não tem nada definido sobre isso.

Ele nunca se declarou candidato, mas o Cidadania admite que isso possa vir a ocorrer. Até porque ele é um homem político, participa da política, não disse que é candidato, ainda não definiu militância ou filiação partidária. Mas de qualquer maneira está participando e quem sabe amanhã se pode vir a discutir essa hipótese. O Cidadania não exclui [a possibilidade], mas não tem nada definido sobre isso.

O senhor já o convidou a se filiar ao Cidadania?

Olha, no ano passado, teve um determinado momento em que a gente imaginou que ele poderia ser candidato. E para ser candidato tem que se filiar. Mas ali ele não aceitou. E agora ainda está muito distante a eleição presidencial.

O que a gente tem conversado com ele é a participação dele junto a alguns quadros jovens que estão entrando no Cidadania, inclusive alguns deles como prováveis candidatos nessas eleições municipais de 2020. Tenho contato com ele. Ele tem tido contato com várias forças políticas, ele tem participado da política, mas ainda com nenhuma definição para candidatura.

Quais são as afinidades entre Huck e o Cidadania?

Muitas.

Ele tem uma formação política de um social-democrata.

O combate à corrupção deve existir, é fundamental fazer isso, mas o Brasil tem outros problemas que não foram resolvidos e alguns até se agravaram, que é da nossa justiça, da nossa desigualdade. Nesse encontro público que ele teve [em agosto] em Vila Velha, no Espírito Santo, ele tocou nesse ponto. Poucos políticos estão discutindo isso. E ele toca porque esse é o problema brasileiro. Isso precisa ser enfrentado e resolvido. Ele tem essa compreensão.

E ao mesmo tempo ele é um um empresário de sucesso, um homem muito antenado com essa nova realidade no mundo, esse novo mundo que aí está, das inovações tecnológicas, da inteligência artificial. Ele é um homem vinculado a isso, inclusive à indústria do futuro, da indústria cultural, do entretenimento. Isso é o que vai ser muito forte em qualquer economia do futuro. Ele tem muita compreensão disso.

Estou lhe dizendo isso porque até muitas vezes as pessoas imaginam que ele é apenas um excelente apresentador de televisão, um grande comunicador. Não é só isso. Ele é profissionalmente muito bem-sucedido, mas ele tem uma boa visão de mundo.

O que o país ganharia com Huck na política?

Não será Luciano Huck, mas é a nova geração que ele representa que está chegando à política, e esse processo de renovação é da vida e é bom quando acontece na política. Não é ruim, não. Já fiz parte de uma juventude que renovou lá atrás no século passado. Sei como isso é importante.

Então ele representa isso: novos quadros, nova geração na política brasileira, que tem esse compromisso com o futuro mais até fácil do que nós. Já não temos até expectativa de vida.

Luciano Huck evita falar sobre candidatura, mas mantém contatos e agenda na política - Divulgação

Luciano Huck evita falar sobre candidatura, mas mantém contatos e agenda na políticaImagem: Divulgação

Falou-se muito em nova política na eleição do ano passado e no começo deste ano.

Não gosto muito desse negócio da nova e da velha política, não. Sou muito mais afeto à boa política, à política com "p" maiúsculo. Não é um problema de novos e velhos até porque tem alguns novos aí que são muito velhos até.

É a renovação da vida, é nova geração que está chegando. Não precisa forçar nada, não. Isso acontece naturalmente. E mais: está acontecendo porque também as pessoas que são jovens estão muito mais antenadas com esse mundo disruptivo, de mudança.

A própria vida provoca essa mudança, essa renovação. Essa nova geração tem que assumir a sua responsabilidade. O que nós mais experientes, mais idosos, mais antigos da política, temos que fazer é abrir as portas para isso e contribuir, se for necessário, com a nossa experiência porque a experiência ajuda que as pessoas entendam e não cometam erros que lá atrás cometemos ou vimos cometer.

Quando o senhor conheceu Huck e desde quando conversam?

Eu conhecia Huck muito pouco. Conheci ele ano passado quando começamos a discutir sobre movimentos sociais que estavam procurando participar da política entrando em partidos, alguns para disputar a eleição e tudo mais. Foi quando o conheci. Através do movimento Agora!, que era muito ligado a ele, [e de] alguns que participavam do Renova [movimento RenovaBR], que é de formação de quadros, e que entraram no partido. Então, passamos a conversar. Porque o Huck era ativo participante desses movimentos. Tiveram os primeiros encontros, e hoje tenho permanentemente contato, converso [com ele].

Se ele se decidir por uma filiação, o senhor acredita que ele optará pelo Cidadania ou poderá se filiar a outro partido?

Tem que perguntar a ele.

O que posso dizer é que nós, do Cidadania, estamos de porta aberta [para Huck]. Quando chegar o momento e se esse momento chegar [de] uma procura dele de um partido para se filiar, o Cidadania estará lá na primeira fila

E se ele quiser ser candidato a presidente? O Cidadania também está de portas abertas para isso?

Também. Pode ser uma boa alternativa.

Desta vez ele está mais inclinado a isso?

Difícil dizer, mas desta vez ele está muito mais enfronhado na política. Naquela vez [em 2018], ele estava começando ali, era o primeiro momento. Ele era total um outsider. Hoje já é menos [outsider]. Porque a sua participação já vem de algum tempo. Ele não pode dizer que é um noviço

Presidente do Cidadania não descarta fusão com a Rede, partido da ex-senadora Marina Silva - Mateus Bonomi/Folhapress

Presidente do Cidadania não descarta fusão com a Rede, partido da ex-senadora Marina SilvaImagem: Mateus Bonomi/Folhapress

O que é o Cidadania hoje? É um partido de centro?

Hoje é um partido em que convivem liberais e sociais-democratas. São as duas vertentes de pensamento político contemporâneas que você está vendo como forças vitoriosas no mundo mais desenvolvido. Na Europa foi essa aliança a fundamental para dar a vitória às forças que sustentam a União Europeia. Acrescente aí algo que tem também a ver com a origem do Cidadania no PPS: a questão da sustentabilidade.

São essas as forças políticas que estão, eu diria, na vanguarda do processo desse novo mundo que aí está: as grandes transformações da inteligência artificial, o mundo da rede, da internet, da robotização da economia. O Cidadania é uma etapa desse mundo moderno, etapa superior aos partidos que estão muito prisioneiros do que significava a sociedade industrial, que está sendo superada.

Não dá para imaginar hoje um partido como um partido de uma esquerda da sociedade industrial, até porque o mundo do futuro está caminhando para que você não tenha mais, por exemplo, classe operária. O chão de fábrica hoje é de robô, não é mais de classe operária. Se quiser usar a terminologia, você pode botar centro-esquerda. O Cidadania é um partido de centro-esquerda

Para a eleição presidencial de 2022, é possível o Cidadania fazer aliança com PSDB e o DEM?

Você pode dizer: por que não uma candidatura de centro-esquerda? Estamos abertos a isso, claro. De centro, centro-esquerda e até de centro-direita. Não apoiarei, provavelmente, um candidato de centro-direita, mas se fizer parte desse grande polo democrático... Porque a gente precisa evitar que se tenha novamente uma disjuntiva entre lulopetismo e bolsonarismo. Isso é um desastre para o país, na minha avaliação.

Como romper essa polarização?

Não tínhamos essa polarização em 2018. Ela se cristalizou por uma série de circunstâncias. Não acredito que ela vá ser a polarização em 2022. De qualquer forma, temos que nos preparar para construir uma alternativa que seja um dos polos e seja um polo democrático.

No fim do ano passado, comentou-se que o Cidadania poderia fazer uma fusão com a Rede, partido de Marina Silva. Por que essas conversas não foram à frente?

Foram [conversas] até muito intensas. Teve um determinado momento que eu imaginei que iria ser possível essa integração entre Rede e PPS formando o Cidadania. Conversamos bastante, tenho muito bom diálogo com Marina. Há uma relação muito respeitosa entre nós. Apoiamos ela em 2014.

Mas não deu. Havia um certo casuísmo na legislação e só pode fazer fusão o partido que tiver cinco anos de registro. E na oportunidade, a Rede ainda não tinha cinco anos de registro. Então não podia fazer fusão.

Houve internamente uma discussão de que o partido [a Rede] deveria continuar para tentar ver se se consegue superar a cláusula de barreira [em 2022]. E nessa oportunidade discutir a possibilidade de fusão porque já terá cinco anos de registro. O diálogo continua e se isso voltar a surgir, o partido [Cidadania] evidentemente não tem nenhum obstáculo. Da mesma forma que o PV. Somos todos adeptos desse mundo moderno. O importante é construir a alternativa democrática, humanista. Nesse sentido, [há] essa possibilidade de junção com Rede, com PV. Podemos ter nossas divergências, mas no sentido mais profundo da luta política, temos muitas semelhanças.

Freire diz que Bolsonaro é inepto e que Weintraub não tem compostura para o cargo de ministro da Educação - Pedro Ladeira/Folhapress

Freire diz que Bolsonaro é inepto e que Weintraub não tem compostura para o cargo de ministro da EducaçãoImagem: Pedro Ladeira/Folhapress

Que avaliação o senhor faz do governo Jair Bolsonaro (PSL)?

É um governo que muito rapidamente perdeu, em termos de opinião pública, sua base de apoio. Reduziu-se muito. Talvez tenha sido o presidente que, com menos de um ano, teve uma maior redução na sua base de sustentação em termos de opinião pública.

É um governo que teve até uns ganhos apesar do presidente. Muito provavelmente, até o fim do mês, você terá aprovada a reforma da Previdência. Todos os governos lutaram por ela e com tremendas dificuldades aprovaram algo mais ou menos assemelhado a uma reforma. E essa é uma reforma mais completa do que a da Dilma [Rousseff, PT], do que foi a do Lula [PT] e do que foi a apresentada por Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Ou seja, esse governo foi beneficiado por isso, mas o presidente é tão inepto que consegue não transformar isso numa grande vitória do próprio governo. E atrapalha. Comete tantas bobagens e equívocos que até faz oposição ao seu próprio governo. Cria adversários, inimigos. Todo dia tem uma polêmica, todo dia cria problema ao governo e para o país em alguns momentos, como por exemplo, na questão da Amazônia, na questão das suas relações internacionais com alguns países. Nesse sentido, é um governo que considero inepto.

O governo é completamente desastrado na questão da reforma tributária. Ele não tem um projeto de reforma tributária. Ele tinha um projeto de aumentar a arrecadação dos impostos, aumentar a carga tributária do país com a criação da CPMF.

No caso do Ministério da Justiça, são dois pontos que mais se sobressaíram. Ele deu continuidade a algumas políticas positivas, corretas no campo da segurança pública, sistema penitenciário e combate ao crime organizado, que começaram a dar frutos no governo Michel Temer (MDB) e na administração do ministério, com Raul Jungmann. Por outro lado continua, de forma muito equivocada, admitindo propostas no combate ao crime e na questão da segurança pública, como esse absurdo que é o excludente de ilicitude. É um absurdo, é uma licença para matar.

[O governo é] desastroso na educação, [com] um ministro [Abraham Weintraub] que mais parece um animador de vídeo. Não é um ministro que se dê ao respeito. Não tem a compostura devida para o cargo. Ali é um setor muito negativo do governo, mas eu prefiro analisar no geral. O governo deixa muito a desejar. Eu também não tinha uma expectativa, não, viu? Convivi com ele [Jair Bolsonaro] como parlamentar e sabia da sua incapacidade de ser um gestor.

A oposição tem cumprido seu papel?

Eu diria a você que a oposição não tem cumprido necessariamente seu papel porque, como eu disse, o governo faz oposição a sim mesmo. E na oposição você tem, por exemplo, uma oposição que parece que continua prisioneira de Curitiba, especialmente hegemonizada pelo PT, e um pouco alheia aos reais problemas brasileiros, que evidentemente não é Lula na cadeia ou solto. Isso é algo irrelevante, mas eles continuam muito prisioneiros disso.

Então, essa oposição deixa muito a desejar também. Mas também existe uma outra oposição, que não é ao país, apoia a reforma, mas ao mesmo tempo [está] atenta a todos esses desmantelos praticados pelo governo. Taí atuando inclusive com muita eficiência nas tentativas do governo das censuras, de tentar governar por decreto, certos autoritarismos, submissão a fundamentalismos religiosos. Toda essa pauta de costumes e culturais [está sendo bem enfrentada pela oposição brasileira. Está tendo um papel positivo a oposição. Está conseguindo deter esses arroubos antidemocráticos e de retrocesso e obscurantistas.

O senhor é um crítico dos governos do Partido dos Trabalhadores. Para o sr., é impossível dialogar com o PT?

Consigo [dialogar]. Temos inclusive um bom dia diálogo com o governador do Ceará [Camilo Santana]. O governador da Bahia [Rui Costa] tem tido algumas posições interessantes em análises sobre o que deve presidir a ação política da esquerda, falando inclusive do PT.

São setores do PT que facilitam o diálogo sem nenhuma dúvida e podem ajudar muito no combate a essas posturas antidemocráticas da parte do próprio governo. Esses setores do PT estão começando a entender que este é um problema brasileiro e que tem que ser enfrentado.


UOL: STF teria que fechar se considerasse popularidade de Moro ao julgá-lo, diz Gilmar

Para ministro, cúpula da Operação Lava Jato violou o Estado democrático de Direito e deveria assumir seus erros e sair de cena

Thais Arbex, da Folha |Tales Faria, do UOL

BRASÍLIA - Prestes a liberar para julgamento o pedido de suspeição do ex-juiz Sergio Moro, o ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), afirmou que a corte não pode se curvar à popularidade do hoje ministro da Justiça para tomar suas decisões.

“Se um tribunal passar a considerar esse fator, ele que tem que fechar”, disse o magistrado em entrevista à Folha e ao UOL.

Gilmar Mendes foi o primeiro convidado de um programa de entrevistas de Folha e UOL que estreia neste domingo (15). O programa faz parte da inauguração de um estúdio compartilhado pelas duas Redações em Brasília.

Crítico ferrenho da Lava Jato, o ministro afirmou que as mensagens reveladas pelo site The Intercept Brasil e por outros órgãos de imprensa, como a Folha, mostram um “jogo de promiscuidade”.

“O conúbio entre juiz, promotor, delegado, gente de Receita Federal é conúbio espúrio. Isso não se enquadra no nosso modelo de Estado de Direito.”

Sem citar o nome de Moro nem do coordenador da Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, Gilmar disse que o Brasil precisa “encerrar o ciclo dos falsos heróis” e defendeu que a cúpula da força-tarefa assuma que cometeu erros e “saia de cena”.
“Simplesmente dizer: nós erramos, fomos de fato crápulas, cometemos crimes. Queríamos combater o crime, mas cometemos erros crassos, graves, violamos o Estado de Direito.”

Popularidade de Moro
Se um tribunal passar a considerar esse fator, ele que tem que fechar, porque ele perde o seu grau de legitimidade. A população aplaude linchamento. E a nossa missão, qual é? É dizer que o linchamento é legal porque a população aplaude? A volúpia, a irracionalidade leva a desastres.

No caso do juiz, isso é mais grave porque ele tem que aplicar a lei. Do contrário, a nossa missão falece. Se é para sermos assim legitimados, entregamos, na verdade, a função ao Ibope.

O processo penal, em geral, não envolve Madre Teresa de Calcutá. Envolve pessoas que podem ter cometido crimes. Ainda assim, elas têm direitos e esses direitos precisam ser respeitados.

Moro e Deltan Dallagnol
As pessoas percebem que esse promotor não está atuando de maneira devida. Esse juiz não está atuando de maneira devida. Se nós viermos a anular ou não esses julgamentos, o juízo que está se formando é o de que não é assim que a Justiça deve funcionar. Que isso é errado, que essas pessoas estavam usando as funções para outra coisa. Isso ficou cada vez mais evidente.

Supremo sob ataque
O país entrou, de uns tempos para cá, isso não é de agora, num processo de acendrada polarização, no final do primeiro governo Dilma [Rousseff] e no início do segundo governo Dilma.

O tribunal, em geral, ficou isolado. A mídia fez esse tipo de eco. O Supremo foi muito vilipendiado nesse contexto, embora o tribunal tivesse um ativo consigo. Foi o tribunal que condenou os mensaleiros, foi o tribunal que levou a cabo sem produzir diatribes processuais, sem produzir violações. Só mandou prender depois do trânsito em julgado.

Ameaças à democracia
Considerando os nossos antecedentes históricos, devemos sempre ter cuidado. Comemoramos no ano passado 30 anos de normalidade institucional, 30 anos de democracia sob a Constituição de 1988, e acho que devemos prosseguir nesse trabalho de construção e reconstrução institucional.

Temos que fortalecer a democracia. E devemos, de fato, criticar fortemente aqueles que, de alguma forma, por discurso, por prática, a ameaçam. Devemos estar atentos e, a cada sinal, especialmente partindo de pessoas com responsabilidade institucional, devemos criticar ou mesmo reprimir. Clamar pela restauração do regime militar é um crime contra a democracia, contra a segurança nacional.

Lava Jato x democracia
Quando alguma autoridade se investe de um poder incontrastável ou soberano, ela de fato ameaça a democracia. Quando se diz que não se pode contrariar a Lava Jato, que não se pode contrariar o espírito da Lava Jato —e muitos de vocês na mídia dão um eco a isso—, nós estamos dizendo que há um poder soberano. Onde? Em Curitiba.

Que poder incontrastável é esse? Aprendemos, vendo esse submundo, o que eles faziam: delações submetidas a contingência, ironizavam as pessoas, perseguiram os familiares para obter o resultado em relação ao investigado. Tudo isso que nada tem a ver com o Estado de Direito.

Vamos imaginar que essa gente estivesse no Executivo. O que eles fariam? Certamente fechariam o Congresso, fechariam o Supremo. Esse fenômeno de violação institucional não teria ocorrido de forma sistêmica não fosse o apoio da mídia. Portanto, são coautores dos malfeitos.

Mensagens da Lava Jato
Por sorte e a despeito de vir de uma fonte ilegal, houve essa revelação. E parece que os colegas hoje percebem a gravidade, que na verdade se estava gerando o ovo da serpente. Pessoas inexperientes que se deslumbraram, sem controle, porque não havia controle sequer dos órgãos correcionais. Eles começaram a delirar no sentido literal do termo.

Uso de provas ilícitas
A gente já tem precedentes, talvez tópicos aqui e acolá, [sobre] o uso da prova ilícita em benefício do réu. Quando você, por exemplo, tem uma informação que isenta alguém de responsabilidade por um homicídio, ainda que tenha sido obtido ilicitamente, deve ser de alguma forma reconhecida.

Esse é um debate que certamente vamos ter na turma, se chegarmos a esse ponto da questão, sobre o uso das informações vindas do The Intercept.

Mas aí uma curiosidade e uma observação: quem defendia o uso de prova ilícita até ontem eram os lavajatistas. Nas dez medidas [de combate à corrupção], estava lá que a prova ilícita de boa-fé deveria ser utilizada.

Augusto Aras e lista tríplice
É uma pessoa experiente. A lista [tríplice, da associação nacional dos procuradores] é uma coisa inventada. Ela não tem base jurídica e não tem nada de democrática. Na verdade aquilo é um partido de sindicatos.

Um dos grandes erros institucionais do PT foi o de assegurar que nomearia o primeiro da lista, porque isso significava que o presidente se demitia do poder de nomear e de estabelecer qualquer critério. E quem seria o primeiro da lista? O presidente da associação, o dono da associação, o dono do sindicato. É importante a mudança e que o presidente tenha escolhido de forma livre.

Evangélico no STF
Primeiro precisa saber ler a Constituição. É fundamental que tenha a reputação ilibada e notável saber jurídico. O critério religioso não faz parte do texto constitucional. As pessoas podem ter as mais diversas convicções. Poderá vir um ministro evangélico que seja um notável juiz, mas não deve ser escolhido por isso. Deve ser escolhido por saber aplicar bem a Constituição.

Moro no Supremo
Isso terá que ser considerado no seu tempo. Começamos com o Moro quase como primeiro-ministro, agora já não se sabe mais nem se ele será ministro amanhã, se continua [no governo] ou em que condições continua.

Em suma, esse processo é muito dinâmico, e a política é um pouco assim. Nós estamos vivendo tempos de vertigem, de mudanças. Precisamos esperar, mas certamente não será uma indicação muito simples. O Senado terá algo a dizer sobre qualquer nome que vier a ser colocado.

CPI da Lava Toga
É notório que uma CPI para investigar o Supremo ou um dado ministro, pela própria jurisprudência da Casa, é flagrantemente inconstitucional. Acho que os próprios signatários, os principais líderes, sabem disso.

Se essa CPI fosse instalada, produziria nenhum resultado. Certamente, o próprio Supremo mandaria trancá-la. A independência dos Poderes não permite esse tipo de investigação, está dentro das cláusulas pétreas.

Mas, se ela não fosse trancada, também não produziria resultado. É mais uma mensagem desse populismo aí.


Vinicius Torres Freire: O grande acordão do governo Bolsonaro

No tumulto aparente, se ajeitam interesse de família, de elites econômicas e dos Poderes

A gritaria ultrajante do bolsonarismo e as crises de governo criadas pelo próprio governo produzem queimadas e fumaças políticas que obscurecem acontecimentos da selva brasileira. Os casos da Amazônia, do teto de gastos e da CPMF são sintomáticos. Mas, desde a aprovação da reforma da Previdência, faz dois meses, há certa ordem notável sob o tumulto que é o Brasil sob Jair Bolsonaro. Por exemplo:

1) quase no mesmo instante da votação favorável da Previdência, Bolsonaro passou a radicalizar no ultraje, no mandonismo, na aproximação com os neopentecostais, no elogio da ditadura e deixou ainda mais claro que está em campanha eleitoral;

2) parte pequena da elite econômica, de resto quase toda acomodatícia e tolerante das barbaridades, passou a insinuar que o presidente é um risco também para a economia. O projeto da "centro-direita" para 2022 reapareceu. Ainda assim, a maioria se cala, por colaboracionismo, gosto, cinismo ou interesse cru. Bolsonaro ainda seria preço razoável a pagar por "reformas";

3) mas as reformas são tocadas pelo Congresso. Ainda resiste o parlamentarismo branco, acerto definido em março por Rodrigo Maia e o miolão do Parlamento. Na economia, o governo quase se limita a conter gastos, a animar a torcida e a prometer planos para "breve". No mais, o governo se dá tiros no pé (teto, CPMF), até porque a administração econômica e social do país desinteressa a Bolsonaro;

4) o Congresso parece quieto, mas continua a aprovar mudanças enormes. Por exemplo, revisou a velha Lei Geral de Telecomunicacões (de 1997). Desregulamentou um tanto do setor e, além de melhorias para o público e doutros benefícios privados, ajudou empresas a evitar falência ou a se associar ao capital externo. Outras mudanças virão (a seguir, o setor elétrico). Em outubro, começa para valer o debate da reforma tributária;

5) vexames como o sururu da CPMF, além do "parlamentarismo branco", fazem com que o governo continue sem protagonismo na economia, como na reforma tributária; são prejudicados grandes projetos do Ministério da Economia (capitalização, alívio tributário para em- presas, CPMF, desmonte da lei trabalhista);

6) agosto foi o mês de implementação de um grande programa bolsonarista, um programa de família. Como se sabe, Bolsonaro tenta proteger Flávio da polícia e nomear Eduardo para a embaixada. Para tanto, Bolsonaro tenta ou consegue intervir no Coaf, na Polícia Federal, na Receita e na Procuradoria-Geral, por exemplo;

7) essas intervenções de Bolsonaro são na prática toleradas na cúpula político-judicial. Esse o verdadeiro pacto entre os Poderes ou entre alguns de seus líderes (e não aquela conversa fiada de Dias Toffoli e Bolsonaro, de fins de maio). Em nome do programa de família e do acordão, Bolsolnaro se arrisca a perder apoio entre sua milícia virtual e entre os pares da extrema direita;

8) o objetivo do acordão tácito é limitar a força das instituições de controle e polícia (PF, Receita, PGR etc.) e contra-atacar o Partido da Lava Jato. Abafa-se a CPI da Lava Toga (dos juízes e Supremo), com a ajuda de Flávio 01; aprova-se a lei de abuso de autoridade, com veto para inglês ver de Bolsonaro, que também não chia contra os dinheiros e facilidades que o Congresso deu aos políticos para a eleição de 2020, mas não apenas.

Não é uma conspiração, claro. Mas os grandes blocos de pedra do poder vão se encaixando no terremoto constante.


UOL: STF tolerou abusos cometidos pela Lava Jato, diz ex-presidente do Supremo

Nelson Jobim é uma figura raríssima no país. Conhece por dentro os Três Poderes porque teve passagens expressivas por todos eles. Indicado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), ficou nove anos no STF (Supremo Tribunal Federal) e chegou a presidi-lo. Em sua opinião a corte máxima da justiça brasileira falhou ao não conter excessos da Lava Jato no início da operação.

Wellington Ramalhoso, do UOL, em São Paulo

Os diálogos revelados pelo "The Intercept Brasil" comprovam, na avaliação de Jobim, que a operação cometeu abusos e que o ministro da Justiça, Sergio Moro, teve uma conduta inadequada como juiz federal no Paraná.

Antes de chegar ao Supremo, Jobim, que é advogado, teve participação relevante como deputado federal pelo PMDB (hoje MDB) na elaboração da Constituição de 1988 e foi ministro da Justiça no governo FHC. Depois da passagem pelo Judiciário, foi ministro da Defesa nos governos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff (PT).

Para ele, os processos da Lava Jato contra Lula "são controversos em termos de prova". O ex-presidente do STF diz acreditar na inocência do petista. Por outro lado, seu trânsito nas Forças Armadas o faz dizer que os militares ficaram ressentidos com setores do PT por causa do trabalho da Comissão da Verdade durante o governo Dilma.

Aos 73 anos, o gaúcho de Santa Maria vem de uma família de políticos conservadores e é homem de diálogo. Continua filiado ao MDB, mas diz que não volta à política. Atualmente, é sócio do banco BTG Pactual, onde entrou como diretor para reorganizar a área de compliance -- ferramenta de governança corporativa para que uma empresa cumpra regras internas e a legislação -- da instituição financeira.

Confira abaixo os principais trechos de sua entrevista ao UOL em que ele também comenta o governo Jair Bolsonaro (PSL).

UOL - Onde o ex-presidente Lula errou para ser alvo de tantos processos e ser condenado?
Nelson Jobim - Os processos dele são controversos em termos de prova. Eu, particularmente, não creio que ele tenha participado efetivamente dessas coisas [casos de corrupção]. Houve uma onda em relação ao problema do PT. E mudou o quadro. Hoje caminhamos para uma posição de centro-direita, de direita.

Eles [o PT] tinham que ter reconhecido os problemas que foram criados. Não reconheceram e acabaram entrando numa fase difícil. Agora tem esses processos todos e essa decisão que tem que ser tomada pelo Supremo Tribunal no segundo semestre, quer em relação ao habeas corpus [em que a defesa pede a anulação do julgamento no caso do apartamento de Guarujá alegando que Sergio Moro atuou com parcialidade] quer em relação ao problema da prisão em segunda instância ou prisão em trânsito em julgado. É possível que ele [Lula] venha a ser beneficiado com isso. Além do mais, ele já tem aquela redução da pena.

O fato é que se introduziu na política, no final do governo Dilma, uma variável nova que foi o ódio. A capacidade de diálogo, de entendimento, de construção de soluções acabou sendo inviabilizada por essa situação de ódio e rancor. Você não constrói o futuro retaliando o passado.

O resultado final foi a eleição do presidente Bolsonaro dentro desse vendaval contra a atividade política, a criminalização da política que veio do discurso básico da Lava Jato.

O sr. entende que Sergio Moro foi imparcial ao julgar Lula?
É difícil afirmar. Examinando isto que aparece nessas notícias do Intercept, que ao que tudo indica são corretas e verdadeiras, ele teve uma conduta não adequada para um juiz de direito. Em hipótese alguma, poderia um juiz de direito ter contatos com o Ministério Público ou mesmo com a defesa para orientar procedimentos. Isso não é nada bom.

Seja qual for a solução que se dê para o processo judicial, fica a pecha do envolvimento do juiz no sentido de orientar e comandar a acusação. O que vem a ratificar aquilo que havia interiormente, ou seja, a suspeita de que havia uma grande interação entre o juiz de direito comandando o processo e o Ministério Público, coisa que os advogados de defesa afirmavam há muito tempo.

O habeas corpus que a defesa levou ao STF alegando a parcialidade de Moro vem de antes da revelação dos diálogos do ex-juiz.

Como você prova a parcialidade? Se fica demonstrado claramente de que na base de tudo isso tiveram contatos e relações do juiz julgador com o agente acusador, discutindo estratégias de condução do processo, evidentemente que é parcialidade.

Essas mensagens reveladas podem ser usadas contra Sergio Moro e os procuradores da força-tarefa da Lava Jato?
Acho difícil que elas tenham efeitos para trás no sentido de anular processo, mas isto mostra claramente a inconveniência de você criar grupos específicos para operar determinadas áreas porque esses grupos querem se manter sempre. Acaba criando uma necessidade da sobrevivência ou a reprodução da força-tarefa.

Essas notícias do Intercept levam a uma mudança de conduta. Vai levar a um posicionamento das autoridades públicas, principalmente desse pessoal ligado à Lava Jato no sentido de ter uma contenção de conduta, porque havia uma retroalimentação da conduta produzida pela atividade investigadora através do aplauso popular decorrente da notícia que se via na mídia.

O sr. acha que o STF cometeu algum erro em relação à Lava Jato?
No início, foi leniente. Ou seja, tolerou os exageros, os abusos que foram cometidos e agora estão ficando muito claros com essa história do Intercept. Houve casos de erros crassos, que depois acabaram se resolvendo. Agora o tribunal está começando a ter uma posição, digamos, mais garantista.

Todo mundo acha que as correntes garantistas são conservadoras. Todo mundo é contrário ao garantismo desde que a decisão lhe convenha. O dia em que estoura o raio nos pés ele vai adorar um garantista. E a posição do tribunal é ser garantista, garantir os direitos que estão na Constituição.

Lembro, por exemplo, daqueles casos que eram aplaudidos e que eram, digamos, coisa de mídia, das conduções coercitivas. É uma invenção. O sujeito queria ouvir a parte, então mandava conduzir para ser ouvido. E o sujeito não tinha sido intimado nem se negado a ir. Mas aquilo criava um ambiente de pressão psicológica contra o depoente. Porque as conduções coercitivas se davam às 6h, estava toda mídia lá, assistindo àquilo e criando aquele ambiente.

O fato também de o Ministério Público ter aquelas exposições com Power Point das acusações, como se aquilo já estivesse definido, criou um ambiente muito ruim, que agora aos poucos vai se compondo.

O sr. entrou no BTG Pactual depois da Lava Jato [André Esteves, fundador do banco, chegou a ser preso na operação sob a suspeita de comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, mas o Ministério Público não encontrou provas para incriminá-lo]? O que o sr. tem feito no banco?
O convite que recebi foi integrar o conselho do banco e ao mesmo tempo fazer uma montagem da questão de compliance do banco. O compliance já existia no banco e funcionava bem. Só que a estrutura era diferente. Alterei a estrutura. O compliance era um braço do departamento jurídico do banco. Então, criei uma diretoria de compliance no mesmo nível da diretoria jurídica e com contato direto com o conselho.

Qual sua avaliação sobre o governo Bolsonaro?
Falta rumo. O governo Bolsonaro tem uma certa de disfuncionalidade.

Tem o núcleo econômico, cujo personagem é o Paulo Guedes. Alguns podem concordar ou discordar, mas é questão de mérito. O fato é que tem uma agenda econômica consistente e tem gente competente junto a ele.

Tem o núcleo militar, que sofreu algumas avarias agora em relação a um personagem que era o Santos Cruz, mas é um grupo consistente, disciplinado. Embora fiquei muito surpreso quando vi a presença do general Heleno nesses movimentos de rua, fazendo discurso, que não é um modelo próprio tendo em vista a origem militar.

O terceiro núcleo é o político, que estava sendo comandando pelo [ministro-chefe da Casa Civil] Onyx Lorenzoni, mas sem organização, sem articulação visível competente. Tanto que agora transfere-se essa função para o general [Luiz Eduardo] Ramos [novo secretário de Governo].

Há um discurso antipolítica, que é vocalizado pelo próprio presidente, com altos e baixos nesse sentido, e que leva a um certo tipo de conflito com o Congresso. O processo de reforma da Previdência está sendo mais conduzido pelo presidente da Câmara e do Senado do que pelo próprio governo.

E por último tem ainda o núcleo da família. Esse é complicado. Principalmente um deles [referência ao vereador do Rio Carlos Bolsonaro] cria o conflito. Então, não há necessidade, por enquanto, de oposição. A oposição está dentro da própria desestruturação do governo.

Sem o general Santos Cruz, há espaço para mais radicalização e extremismo no governo?
Creio que não. O próprio Ramos tem condição de manter essa coisa mais estável. Mais radicalizado do que está é impossível. O problema é a eficácia dessa radicalização, o que isso tem de discurso e o que tem de realidade. Algumas das posturas dos ministros da Educação e das Relações Exteriores são caricatas.

O que o sr. espera do governo na economia?
As pessoas podem não gostar do presidente, mas Bolsonaro foi eleito. Em política tem uma regra: você não escolhe interlocutor. O interlocutor é o que está aí. E o país precisa enfrentar as suas questões com esse governo que está aí e com os governos estaduais que estão aí.

Creio que a reforma da Previdência acaba sendo aprovada, mas o problema é que ela é uma solução de longo prazo. É um sinal de que a situação fiscal vai melhorar. Não significa que você tenha um deslanche da economia desde logo.

É preciso que o governo, junto com a Câmara e o Senado, possa montar uma agenda econômica de curto e médio prazo. Fala-se que o ministro da Economia, Paulo Guedes, tem lá algumas coisas para o pós-Previdência. Precisa ter algo depois da Previdência.

Precisa ter algumas medidas de curto prazo que resolvam o crescimento econômico para resolver o problema do desemprego. Você não pode ficar muito tempo com 13 milhões de pessoas por muito tempo desempregadas. Isso é um vulcão.

Seria necessário que houvesse uma lucidez política, não só dentro do governo, mas também no Congresso porque o partido do governo é muito errático, o apoio do governo no Congresso é errático.

Militares dizem que ficaram insatisfeitos com a forma como o governo da ex-presidente Dilma conduziu a Comissão de Verdade [que tratou de crimes cometidos durante a ditadura militar]. Qual foi erro de Dilma?
O grande conflito que tinha, e participei disso fortemente porque era ministro da Defesa do Lula, era que o grande discurso para alguns setores do governo era a revisão da lei da Anistia [de 1979]. Eu disse o seguinte: "essa lei não tem como mexer mais, esse assunto é encerrado". Teve um pacto político na época com o governo [do general João] Figueiredo. O PMDB, na época, participou desse pacto. Acertaram isso de que a anistia era bilateral, ou seja, abrangia os militares e todos.

Como a eventual revisão da lei da Anistia foi tentada no Supremo -- entraram com ação para julgar a inconstitucionalidade da lei da Anistia e perderam --, aí tentou-se a revisão da lei da Anistia de forma indireta, via a criação da Comissão da Verdade.

Resolveu-se fazer a Comissão da Verdade para tentar trazer notícias em relação aos militares, mas não trazer notícias em relação aos atos que teriam sido praticados pela oposição à época.

Começou a parcialidade. E essa parcialidade ficou mais clara ainda quando houve o relatório final da Comissão da Verdade. Aí exageraram, entrou um delírio. Eles resolveram colocar o brigadeiro Eduardo Gomes como torturador. O argumento era: "ele era o ministro da Aeronáutica, a Aeronáutica praticou torturas, logo ele era torturador".

Curiosamente, é o mesmo discurso que foi feito no caso do Lula: "houve corrupção na Petrobras, Lula era o presidente, logo ele também estava anuindo com a corrupção". O raciocínio é o mesmo.

Que sentimento as Forças Armadas passaram a ter em relação ao PT?
O sentimento é que eles estavam tentando fazer uma retaliação do passado. O Lula era contra, não queria saber com essa história de mexer com lei de Anistia. Ela achava que coçar ferida não cicatriza. Era inclusive a linguagem que ele usava.

Na época, segurei esses ímpetos que vinham do setor de direitos humanos do governo Lula, com o apoio do presidente, mas ficava aquela desconfiança. Os militares sabiam que houve um acordo político com a lei da Anistia, que o assunto estava encerrado. Aí vinham exemplos internacionais, criou-se um discurso de direito de transição política.

Isso criou um ressentimento. Mas não um ressentimento em relação ao presidente Lula, se respeitava muito o presidente, mas [em relação] àqueles setores específicos que estavam tentando fazer esse discurso. Coisa que ficou superada depois. Hoje não tem mais nada.

Foi superado?
Foi superado.

O sr. continua filiado ao MDB. Pretende voltar à política?
Não, estou com 73 anos. Passou.

Como partidos mais antigos poderiam recuperar a credibilidade junto à população?
Só alterando o sistema eleitoral porque os partidos antigos estão mortos. Partidos mais novos vão ter que se consolidar. O PSL não é um partido no sentido de ter um programa.

Em uma reforma política mais profunda, que mudança o sr. considera importante?
Sou favorável ao sistema distrital misto [em eleições proporcionais, como as de deputados federais, parte das vagas fica com os mais votados em cada região, a outra parte é preenchida pelos partidos mais votados] porque no modelo atual quem pode me prejudicar numa eleição não é o candidato do outro partido, é o candidato do meu partido. Eu disputo a vaga com o candidato do meu partido. Então você não tem consistência partidária nenhuma, você tem individualidades.

Com isso você atende um problema que é a redução do custo da campanha eleitoral. Se você reduzir o distrito eleitoral, você dá maior proximidade desses candidatos aos eleitores e reduz o ímpeto da despesa.

O sr. teve participação reconhecida na elaboração da Constituição de 1988, mas ela é alvo de críticas, principalmente por parte da direita, que fala em excesso de direitos. O que o sr. pensa sobre essas críticas?
A Constituição é correta. Ali tu tens um rol de direitos e garantias individuais, absolutamente moderno, que funciona. Você tem um desenho institucional importante. O que você não tinha em 1988 era a capacidade da construção de uma modernidade econômica. Tu estavas em um período com desconfiança do Poder Executivo. Com isso, se fortaleceu o Congresso. O problema na ordem econômica é que quando se votou a Constituição ainda havia aquela visão antiga. Então, acabou sendo um modelo estatizante, claramente estatizante, o que veio a ser reformado com o Fernando Henrique em 1995 [com as privatizações].


UOL: Com torpedos e mísseis, novo submarino do país vai patrulhar pré-sal

Por Luis Kawaguti, do UOL

A Marinha lançou ao mar nesta sexta-feira (14) em Itaguaí, região metropolitana do Rio de Janeiro, o primeiro de uma série de cinco submarinos construídos com tecnologia francesa - um deles será movido a energia nuclear. Com 72 m de comprimento e pesando 1.870 toneladas, o S-40 Riachuelo transportará 35 marinheiros em viagens que podem durar até mais de 70 dias seguidos. O submarino também comporta torpedos e mísseis e pode espalhar minas navais no caminho de embarcações.

Os submarinos fazem parte dos programas de maior importância estratégica das Forças Armadas, que inclui também a construção de uma base naval de grandes proporções e estruturas de enriquecimento de urânio.

O principal responsável pela gestão do programa Prosub e do Programa Nuclear da Marinha, o almirante Bento Costa Lima Leite de Albuquerque, deve deixar a Marinha no fim do ano para integrar o governo de Jair Bolsonaro como ministro de Minas e Energia. O almirante Bento, como é conhecido, verá o submarino S-40 Riachuelo ser colocado no mar por um elevador gigante.

O Brasil já possui outros cinco submarinos, das classes Tupi e Tikuna, que usam tecnologia de origem alemã. Eles são mais leves e cerca de 10 m menores que a classe Riachuelo, o que lhes dá menor autonomia no mar (cerca de 50 dias). A Marinha não divulga porém informações estratégicas como a profundidade máxima que o Riachuelo conseguirá mergulhar assim como sua velocidade máxima exata --a embarcação atinge, segundo a Marinha, mais de 37 km/h.

O UOL visitou as instalações industriais e a futura base de submarinos de Itaguaí e conversou com membros da Marinha e da equipe de transição de Bolsonaro para responder perguntas sobre o programa. Veja a seguir:

Marinha do Brasil

Submarino S-40 Riachuelo é levado para elevador para lançamento ao mar

Por que o Brasil precisa de submarinos?
O submarino é uma arma usada em eventuais guerras contra outros países. Ele serve essencialmente para defender a costa brasileira e as instalações petrolíferas do pré-sal em alto mar contra eventuais ataques de embarcações militares de grande porte.

Segundo o comandante do Riachuelo, o capitão-de-corveta Edson do Vale, a presença de submarinos defendendo o mar territorial do Brasil tem "efeito dissuasório", pois aumenta exponencialmente os custos de um ataque naval por parte de um país com maior poder militar que o Brasil. Isso porque o invasor teria que usar mais navios ou tecnologia superior para defender suas embarcações de ataques furtivos dos submarinos.

Em caso de ataque, a principal tática é parar o submarino no fundo do mar e esperar pela passagem de navios inimigos na superfície. Quando os alvos se aproximam eles podem disparar torpedos e mísseis ou espalhar minas navais no caminho das embarcações.

Porém, guerras navais de grande escala entre dois países são um tipo de conflito relativamente raro no mundo. A mais recente foi em 1982: a disputa das ilhas Falkland/Malvinas vencida pelo Reino Unido contra a Argentina.

Ele pode ser usado também para missões de forças especiais dentro e fora do país. Nesse cenário, a embarcação é usada para transportar secretamente grupos de combatentes chamados "mergulhadores de combate" em missões de ataque ou inteligência.

O Riachuelo vai começar a operar imediatamente?
Não. Antes ele precisa executar uma série de testes de sistemas, que começam com a embarcação ainda atracada em um píer e evoluem para testes em alto mar. Aos poucos serão testados motores, baterias, capacidade de submergir e usar sensores. A fase final de testes será o uso dos armamentos.

Após um período de cerca de dois anos de testes o submarino é incorporado à esquadra da Marinha. Ele então será integrado a rotinas de patrulhas realizadas por outros submarinos convencionais brasileiros.

Por que o Brasil quer um submarino nuclear?
O Riachuelo é um submarino convencional, mas o Brasil pretende construir até 2029 um submarino nuclear, que será chamado de SN-BR Álvaro Alberto. Há muitas diferenças entre esses dois tipos de submarinos, mas uma das mais importantes é que o submarino nuclear tem capacidade de permanecer submerso e oculto indefinidamente até acabarem os estoques de comida da tripulação.

Submarinos convencionais são movidos a baterias elétricas que têm que ser recarregadas por um motor a diesel. Para que isso aconteça e para que o ar seja renovado, a embarcação deve navegar próxima da superfície e levantar um equipamento chamado snorkel, que permite o funcionamento desse motor. Mas, quando isso acontece, outros navios podem detectá-lo com mais facilidade.

Marinha do Brasil

Submarino é transportado para estaleiro a fim de passar por fase final de montagem

O submarino nuclear brasileiro terá armas atômicas?
Não. Há dois tipos de submarinos que usam propulsão nuclear: submarinos de ataque e submarinos de mísseis balísticos, conhecidos pela sigla em inglês SSBN.

O Álvaro Alberto será um submarino de ataque, capaz de detectar e afundar navios e outros submarinos.

Os submarinos balísticos não têm como objetivo principal atacar outras embarcações, mas sim lançar mísseis nucleares ou não contra alvos em terra.

Dominar a tecnologia do submarino possibilita ao Brasil construir armas atômicas?
Segundo o professor de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas, Matias Spektor, estudioso do programa nuclear brasileiro, o país decidiu não construir armas nucleares. Seu desenvolvimento requer grandes quantidades de recursos, haveria pressão diplomática internacional contrária a esse tipo de ação e não há uma ameaça militar externa ou interna que justifique a adoção desse tipo de programa.

Ou seja, a questão é mais política do que técnica. Para ter usinas, submarinos ou armas nucleares, um país precisa desenvolver estruturas de produção de combustível nuclear, que em geral fazem o enriquecimento de urânio. Isso porque outros países não comercializam esse tipo de produto por questões estratégicas.

O combustível nuclear das usinas de Angra é feito com urânio enriquecido a uma taxa de 4% a 6%. O reator nuclear do submarino precisará de urânio enriquecido a 16% (a Marinha já domina essa tecnologia, mas a estrutura para produção em escala industrial está em construção). Já as armas nucleares requerem taxas de enriquecimento de cerca de 90%.

Segundo Spektor, em tese, o Brasil conseguiria enriquecer urânio a essa taxa em laboratório, mas não na escala industrial necessária para construir uma bomba nuclear.

O Brasil consegue minerar urânio em seu território, e a Marinha possui centrífugas no estado de São Paulo que já produzem combustível nuclear para usinas. O Projeto Nuclear da Marinha prevê também construção de centrífugas para produzir o combustível nuclear do submarino.

Luis Kawaguti / UOL

Simulador instalado em Itaguaí reproduz movimentos de submarino para treinar tripulação

Quem terá o submarino nuclear primeiro: Brasil ou Argentina?
Brasil e Argentina competiram na década de 1980 para produzir primeiro um artefato nuclear, mas ambos abandonaram seus projetos e aderiram ao tratado internacional de não-proliferação de armas nucleares. Ambos, porém, trabalharam em projetos de construção de um submarino de propulsão nuclear na década de 1970.

Após o acidente que resultou na destruição do submarino argentino ARA San Juan em alto mar, em novembro de 2017, parlamentares do país vizinho voltaram a cogitar a retomada de seu programa de construção de um submarino nuclear.

Segundo o jornal argentino "La Nación", eles discutiram a possibilidade de concluir a primeira embarcação no ano de 2025 --quatro anos antes do Brasil.

Militares brasileiros envolvidos no Prosub disseram achar impossível que a Argentina cumpra essa meta, especialmente porque a ideia envolve aproveitar a estrutura de um submarino antigo da Argentina. Segundo eles, não seria possível adaptar um reator nuclear na embarcação.

Segundo Spektor, na prática, a Argentina não tem um programa de construção de um submarino nuclear. Segundo ele, a falta de segurança do ARA San Juan foi discutida no Parlamento argentino e, por isso, a discussão da construção de um submarino nuclear foi retomada.

"Não vejo uma situação de competição naval entre Brasil e Argentina. Os dois países têm problemas fiscais graves", disse.

Segundo ele, o Brasil possui maior capacidade naval que a Argentina devido a investimentos no setor feitos nos últimos 15 anos.

Como o programa será tratado durante o governo de Bolsonaro?
O programa de construção dos cinco submarinos brasileiros será concluído em 2029 e, em tese, não pode ser acelerado por Bolsonaro. Segundo o contra-almirante engenheiro naval Celso Mizutani Koga, gerente do Empreendimento Modular de Obtenção de Submarinos da Marinha, as metas de construção do Prosub já são ambiciosas e dificilmente a construção dos submarinos que já estão planejados devem ser aceleradas. "Há várias variáveis que não estão sob o nosso controle e vendo, hoje, acho a possibilidade de antecipar muito remota", disse ele.

O custo total do projeto é de cerca de R$ 35 bilhões. Só a parte necessária à construção de submarinos convencionais e as estruturas necessárias para eles operaram custará cerca de R$ 10 bilhões.

Um membro da cúpula de Bolsonaro disse ao UOL que a ideia é tentar garantir que o programa receba periodicamente os recursos necessários para manter o cronograma. A equipe do presidente eleito considera manter o fluxo de recursos para projetos importantes da área da Defesa, mas dentro das possibilidades econômicas do país.

Ainda não está claro se a escolha do almirante Bento para o Ministério de Minas e Energia de Bolsonaro aponta para um eventual aumento do uso da energia nuclear. Segundo o comandante da Marinha, Eduardo Bacellar Leal Ferreira, a escolha se deu devido à capacidade de Bento gerir grandes projetos.

O desenvolvimento do reator nuclear do submarino abre porém a possibilidade de expandir o uso da energia nuclear para alimentar pequenas cidades. Segundo Koga, o reator nuclear do submarino é muito parecido com o equipamento necessário para construir pequenos reatores nucleares modulares, capazes de alimentar cidades de cerca de 20 mil habitantes.

A tecnologia também pode abrir portas na área médica. O Ministério da Saúde e a Marinha trabalham em conjunto para o desenvolvimento de reatores nucleares multipropósito que podem ser usados em aparelhos de diagnóstico com tecnologia que usa a radioatividade, como os tomógrafos.

A França já repassou ao Brasil toda a tecnologia para a construção do submarino?
Em 2008, o Brasil negociou com a França a compra dos submarinos com direito a transferência de tecnologia. O Riachuelo teve seu casco construído em um estaleiro na cidade francesa de Cherbourg com a participação de cerca de 250 engenheiros e técnicos brasileiros.

Segundo o contra-almirante Koga, os demais submarinos estão sendo construídos totalmente no Brasil. Equipes brasileiras estão "absorvendo" na prática as técnicas ensinadas pelos engenheiros franceses.

Os projetos são baseados na classe Scorpene de submarinos franceses, porém seu tamanho foi aumentado em 6 m de comprimento com o objetivo de gerar mais espaço para provisões e combustível. Dessa forma, eles podem ganhar a autonomia necessária para patrulhar toda a costa brasileira.

Já o submarino nuclear terá toda sua estrutura --exceto o motor nuclear-- construída em parceria com a França. Ele terá 100 m de comprimento --34 m a mais que o submarino original francês.

Mas a transferência tecnológica não significa, por exemplo, que o Brasil vai poder construir mais submarinos e vender para outros países. Para isso, teria que pagar royalties à França.

Além disso, apesar dos submarinos serem construídos aqui, seus torpedos, mísseis e minas ainda têm que ser comprados da França, pois essa tecnologia não foi repassada. Mas em paralelo, a Marinha desenvolve seus próprios armamentos, que um dia podem ser adaptados aos submarinos.

Luis Kawaguti / UOL

Submarinistas treinam em simulador missão no Riachuelo

Como está o cronograma do programa?
Desde 2008, quando o acordo com a França para a construção dos submarinos foi fechado, algumas fases do projeto Prosub em Itaguaí já foram concluídas. Entre elas, estão a Ufem (Unidade de Fabricação de Estruturas Metálicas) e o complexo industrial Nuclep (Nuclebras Equipamentos Pesados S.A), responsáveis por construir os submarinos. O estaleiro onde os submarinos passarão por manutenção também já está funcionando. A base naval de submarinos e suas defesas em caso de guerra ainda estão em construção.

Os outros três submarinos convencionais iguais ao Riachuelo já começaram a ser construídos e o nuclear está em fase de projeto.

Um protótipo do reator nuclear está em estágio avançado de criação. Apenas seis países possuem submarinos movidos a energia nuclear atualmente: Estados Unidos, Reino Unido, Rússia, China, França e Índia.

Por que o projeto foi alvo de polêmica?
O acordo para a construção dos submarinos foi firmado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o então presidente da França Nicolas Sarkozy em 2009. Uma investigação francesa ligada à Operação Lava Jato investiga indícios de irregularidades no acordo apontados por delatores.

Delatores da construtora Odebrecht, que ficou responsável por construir parte do complexo industrial para a produção e manutenção dos submarinos, disseram que uma parte do dinheiro investido no projeto poderia ter sido desviada para caixa dois de campanha eleitoral do PT. O ex-ministro Antônio Palocci foi acusado ter atuado no caso como um dos interlocutores com a Odebrecht, mas sua defesa disse que não houve recebimento de vantagens ilícitas.

A empresa francesa responsável pela construção dos submarinos é alvo de investigação na França por supostas irregularidades no Brasil, em Taiwan e na Malásia. A Marinha disse na época que desconhecia irregularidades envolvendo o projeto.

 

https://youtu.be/vOazFVUIIOs


UOL: Novo presidente será "síndico de uma massa falida", diz cientista político

O brasileiro não foi treinado para o debate democrático, o novo presidente do país será "síndico de uma massa falida" e a corrupção será um tema indigesto para os presidenciáveis. Estas são opiniões do professor Marco Aurélio Nogueira, doutor em ciência política pela USP (Universidade de São Paulo) e livre-docente da Unesp (Universidade Estadual Paulista), a respeito de como ele vê a corrida eleitoral a quatro meses do primeiro turno.

Por Gabriela Fujita, do UOL, em São Paulo

Nogueira acaba de endossar um manifesto que defende a união de partidos de centro para evitar o "pior": que o pré-candidato Jair Bolsonaro (PSL) consiga chegar ao segundo turno. No começo de junho, siglas como PSDB, MDB, PPS, PV, PSD e PTB lançaram o documento, que recebeu o apoio do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). O grupo de lideranças avalia o pleito de 2018 como o "mais indecifrável de todo o período da redemocratização" e defende, por exemplo, "tolerância zero com o crime organizado" e a manutenção do programa Bolsa Família.

O professor Nogueira não é filiado a nenhum partido, mas diz que o cidadão comum deve se juntar às discussões que, na sua avaliação, acontecem apartadas: por um lado, no ambiente político, e por outro, no Facebook e na mesa de bar. E não importa de qual partido seja, o próximo presidente do Brasil vai encarar "uma baita encrenca" a partir de 2019. Confira na entrevista a seguir.

UOL - O novo presidente do Brasil vai assumir que país em 2019?
Marco Aurélio Nogueira - Uma baita encrenca... Vai ser uma espécie de síndico de uma massa falida. Essa é uma expressão dramática. Acho que o Brasil não está destinado a acabar ou a cair no precipício, nós ainda temos um pouco de gordura para queimar.

O Brasil é um país muito grande, tem recursos naturais expressivos, tanto o petróleo quanto no plano da capacidade de produção de alimentos. A diversidade cultural brasileira é um recurso interessante, porque ninguém pensa do mesmo jeito no Brasil, isso é uma vantagem. A gente tem um mercado consumidor muito grande, que, se bem abordado e administrado, serve de base para um crescimento econômico expressivo. Temos algumas reservas com as quais contar para não decretar a morte do país, mas tudo isso vai passar para 2019. Não tem como reduzir o desentendimento, reduzir a complexidade, eliminar a desigualdade, o problema da educação, da saúde, de agora até janeiro do ano que vem.

O Bolsonaro, se for eleito, é candidatíssimo a um novo impeachment. Não por qualquer pedalada fiscal, mas por qualquer outro motivo. O desentendimento que ele vai gerar poderá produzir um impeachment.

O próximo presidente vai ter que arrumar as várias partes do país que estão desarrumadas. O sistema político, o sistema eleitoral, ele está precisando, no mínimo, de uma nova demão de tinta. Temos partidos demais, a fragmentação parlamentar é muito grande, o que provoca uma dificuldade de funcionamento do presidencialismo, o tal presidencialismo de coalizão. Também vai ter que mexer aí. No que diz respeito às reformas que tenham impacto direto na sociedade, todas elas são reformas que produzirão dor e exigirão sacrifício. Se mexer na Previdência, é dor e sacrifício. Não há jeito de modificar o sistema previdenciário sem desagradar uma parte ou a totalidade da população.

E se o eleito não topar enfrentar isso tudo?
Se não topar enfrentar isso, vai ter que inventar alguma outra coisa para manter o caixa do Estado suficientemente municiado para poder fazer gastos. Vamos supor que o presidente chegue à conclusão de que não vai mexer na Previdência porque não quer desagradar a população. E se for verdade que a Previdência tem um déficit brutal? Estou falando "e se for verdade" porque o tamanho do déficit é um tema controvertido. E é mais controvertido ainda em que velocidade se ajusta a Previdência. Não vai se ajustar de hoje para amanhã, é uma coisa de 20 anos. Tem que ser aos poucos, tem que ter etapas, não pode sacrificar todo mundo.

E você tem aquelas áreas clássicas de incorporação financeira no Estado. Com a privatização, você pode vender algumas empresas, mas já não temos tantas empresas assim que podem ser vendidas para encher o cofre de dinheiro. A Petrobras, quem quer que seja o eleito, dificilmente vai privatizá-la. Você pode privatizar a Eletrobras, o Banco do Brasil, a Caixa Federal. Acho difícil que se mexa nisso, porque as resistências vão ser muito grandes. São ações impopulares, no sentido da população, e tem resistências porque cada uma dessas estatais tem sindicatos de trabalhadores ativos, fortes, que vão bloquear as coisas. Além do mais, algumas delas privatizadas não vão trazer tanto dinheiro assim.

Em uma eleição tão fragmentada como a de 2018, o comportamento do eleitor pode se tornar perigoso?
Vai ser muito difícil haver alguma mudança expressiva que altere a predisposição do eleitorado. Teria que acontecer alguma coisa [diferente], e eu não estou conseguindo ver isso acontecer. Um investimento político forte no plano da opinião pública para esclarecer a população, um dos motivos que me levaram a endossar o manifesto [de união dos partidos de centro]. Teria que haver um investimento forte em pedagogia cívica. O eleitorado pode derivar também para o voto nulo e o voto em branco. Se você tiver de um quarto para um terço [do total] de abstenções e votos nulos, é algo complicadíssimo.

Pode ser que, quando a campanha de fato começar, na TV, algo desse sentimento cívico possa ser feito. Que os candidatos mais equilibrados, em vez de ficarem falando mal dos outros, que eles falem com a população, façam uma conclamação a que se valorize a democracia eleitoral. Porque o ambiente está ruim, é um ambiente de mal-estar. As pessoas estão incomodadas, desinteressadas, um querendo pular no pescoço do outro, pouca tolerância e pouca paciência, e com um despreparo para o debate democrático muito grande. O brasileiro não foi treinado para o debate democrático, nós começamos há 30 anos.

Como os temas "Operação Lava Jato" e "corrupção" vão aparecer na campanha eleitoral?
A Lava Jato foi um complicador [nos últimos anos] porque, de certo modo, ela acuou os políticos e fez os políticos ficarem com muita raiva dela, todos eles. Em função disso, vai ser julgada pelos candidatos nestas eleições e também pela população. Dependendo de como forem os debates, ela poderá sair mais forte ou mais fraca, supondo que ela ainda continue, e acho que ela ainda tem gás para isso. Os juízes facilitaram muito a identificação do político com o corrupto, como se tivessem lavado a criança e jogado a criança fora com a água suja. Acabaram criando uma animosidade entre a população e os políticos. E aí não está certo, porque não tem como tocar um país sem os políticos. É interessante a gente discutir isso. Será que é verdade que todos os políticos não valem nada?

E a "corrupção"?
Eu espero que ela entre em uma posição central, mas não acredito que entre. A rigor, a única candidata que teria disposição para fazer isso é a Marina Silva (Rede). Pode ser que ela ponha esse tema, mas os outros vão sentar em cima. Por vários motivos, sendo o principal deles que todos os outros têm o rabo preso. Talvez o Ciro Gomes (PDT) não tenha, não sei. Talvez você tenha esses dois candidatos insistindo no tema da corrupção, mas os outros abafando. Vai ser um tema indigesto para a maior parte deles. Mesmo a esquerda pura, com Guilherme Boulos (PSOL) e Manuela D'Ávila (PCdoB), não vai ter tanta vontade de apresentar o assunto, porque eles consideram que a colocação da corrupção no centro da agenda tira do foco a questão da desigualdade social, que é a principal para eles.

Os anti-Bolsonaro são agora os novos anti-Lula?
Não acho que a dinâmica anti-Bolsonaro substitui a dinâmica anti-Lula. O que pode estar acontecendo na cabeça de muita gente é uma transferência da frustração ou da raiva contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para o Bolsonaro. Os eleitores, na falta de outras opções que apareçam como mais autênticas, vão para o Bolsonaro. "Esse aí é contra a esquerda", por exemplo. "O Bolsonaro diz que é ficha limpa", outro exemplo. Tem um certo tipo de sedução que as pessoas podem estar sentindo por uma figura que é o negativo do lulismo.

E em relação aos candidatos? Aqueles que antes batiam em Lula e no PT mudaram de foco após sua prisão?
Se Lula fosse candidato, Ciro Gomes não bateria nele, por exemplo, mas ele tem que bater no Bolsonaro. Assim como a Marina não faria uma campanha para desconstruir o Lula, mas ela tem agora que fazer uma campanha para desconstruir o Bolsonaro.

Não é só que o Bolsonaro ocupou o lugar do Lula, ele materializou um polo que não era muito expressivo na vida brasileira. Tirando a época da ditadura, de 1985 para cá, o Brasil nunca teve um candidato que viesse dessa forma pela direita

Marco Aurélio Nogueira, cientista político
Você tinha liberais, neoliberais, conservadores, mas eram todos "moços de família", vamos dizer assim. O Bolsonaro é um "cara do boteco", não é educado, chega chutando a mesa. E ele está chegando aos 20% [das intenções de voto], a luz vermelha de perigo está piscando. Todo mundo tem que bater nele para ver se consegue desconstruí-lo e roubar os eleitores prováveis que ele está conseguindo agregar.

(De acordo com a mais recente pesquisa Datafolha, em um cenário de disputa presidencial sem Lula, Bolsonaro mantém a liderança, com 19% da preferência de votos, sendo que 34% dos entrevistados afirmam ainda não ter candidato. Preso há dois meses, o ex-presidente petista obteve 30% das intenções de voto.)

 

Por que o senhor assinou o manifesto que defende a união de partidos de centro?
Porque eu acho que hoje, no Brasil, nós chegamos muito próximo daquilo que poderia se chamar de um abismo. O país está muito complicado, não é que antes estivesse melhor, mas ele piorou muito. E não é só porque faltam bons candidatos. Eu acho que o país está perto do abismo porque os problemas que nós enfrentamos em tudo, na economia, na saúde, na educação, na habitação, na Previdência, na infraestrutura do país, na cultura geral, todos os problemas aumentaram de gravidade.

De 2013 para cá, temos um ciclo de cinco anos que expressa uma espécie de ruptura da sociedade com a política. Não estou dizendo que o agora é uma consequência de 2013, mas tem um ciclo aí, uma sucessão de fatos que foram se acumulando e produzindo uma sociedade que não se sente representada pela política e que está pondo para fora a sua desconfiança, a sua animosidade com os políticos, com os partidos, com os governos. Esse ciclo tem algumas marcações: as manifestações de 2013, a Lava Jato, as eleições de 2014, o impeachment de Dilma Rousseff (PT), o governo Temer (MDB) e a prisão de Lula. Todas essas coisas ajudaram a que o questionamento da política crescesse. Esses fatos foram ajudando a compor um cenário de muita polarização, algo inevitável na política, mas não ao nível a que a gente chegou.

Se você pegar o atual número de candidatos, como é que a população vai se posicionar com uma oferta de tantos concorrentes? Como é que ela vai descobrir o que o Geraldo Alckmin (PSDB) tem de diferente do Henrique Meirelles (MDB) ou do Rodrigo Maia (DEM) ou do Ciro Gomes etc.? Provavelmente ela vai acabar definindo sua posição de uma maneira passional: "ah, esse cara é mais bonito", ou "esse cara é da igreja", ou "esse cara é machão...".

E por que fazer uma junção de siglas de centro?
A gravidade e a complicação da agenda não permitem que a gente ache que um candidato, por melhor que seja, vai conseguir atacar os problemas. Até porque presidente da República precisa de Congresso. Se você pegar os candidatos que estão despontando com mais fôlego, que são, até agora, Bolsonaro, Ciro Gomes e Marina, eles têm partidos muito fracos na formação do Congresso. Eles podem ser eleitos sem levar com eles uma base estruturada. Diferentemente do que o PT fez com a Dilma ou com o Lula, diferentemente do que o Fernando Henrique [Cardoso] tinha lá atrás, quando foi governante.

Nesses três últimos casos, mesmo com partidos estruturados, eles tiveram que negociar e formar maiorias circunstanciais, o que complicou o próprio governo deles: o Fernando Henrique se complicou com o problema da reeleição, o Lula teve o problema do mensalão e entregou tudo ao PMDB para conseguir formar uma maioria, e a Dilma foi mais radical ainda. Foi a extensão da base que ela formou no Congresso que acabou cortando o pescoço dela, com Michel Temer.

O Brasil tem mesmo um centro democrático?
Todo lugar tem. O que você não tem [no Brasil] é um centro democrático bem composto. Você tem o "centrão", que é uma versão fisiológica da ideia de centro, juntando os pedaços e gente daqui e ali, que funciona mais pela barganha do que pela ideologia, não tem programa político. O programa é "eu me virar" ou "me sair bem". Você tem filiações ideológicas na vida política de qualquer país: socialistas, comunistas, liberais, conservadores. Tem gente que se diz "liberal na economia e conservador nos costumes". O que se pode agora no Brasil, em nome de uma redução de riscos, é aproximar essas ideologias de um denominador comum, de um ponto de equilíbrio. Por exemplo: eu sou liberal e você é socialista, mas nós concordamos que é preciso estabilizar as contas públicas, reformar a Previdência, melhorar a educação.

Seria uma forma de antecipar ou evitar aquela costumeira negociação entre partidos por apoio no final da campanha presidencial?
Seria isso, com certeza. Na verdade, a gente pode ter duas leituras. Uma é: vamos nos unir agora, vamos aumentar a convergência agora para evitar que os extremos ou os mais afoitos cheguem ao segundo turno.

Quem o senhor considera os "afoitos" na disputa eleitoral? Quem oferece esse "risco"?
O afoito, o inimigo público número 1, para mim, se chama Bolsonaro. Ele não tem preparo. Em cinco mandatos de deputado federal, o que ele fez? Ele não tem conhecimento técnico mínimo para tal. E aí alguém pode dizer que o Lula também não tinha. É verdade, o Lula também não tinha, mas não ficava falando essas loucuras que o Bolsonaro fala, de dar armas para as pessoas e tal. Eu não sou lulista, mas consigo colocar um do lado do outro e ver que um vai dar em confusão e o outro não. O Lula teve uma história no sindicalismo, era um negociador. Se, depois, meteu os pés pelas mãos, é outro departamento. Mas como liderança política ele tinha uma biografia que o qualificava. O Bolsonaro não tem.

A união entre partidos pode diminuir essa possível força de Bolsonaro?
É uma forma de reduzir o "risco Bolsonaro", que é um dos riscos possíveis. O outro risco é o populista, que também é um objeto escorregadio. Você tem populistas de diferentes tipos, e o Bolsonaro é também populista. O populista é um político que superpõe às instituições o carisma dele, a força imagética dele, o talento que ele julga ter, o discurso que ele tem. Ele se vê como mais forte que as instituições e ele é pouco atento às questões do equilíbrio fiscal.

 

A esquerda brasileira poderia ou deveria seguir o modelo de unir seus partidos?
Se a esquerda tiver preocupação de constituir um polo competitivo em termos eleitorais, ela tem que se unir. Você tem Ciro, Marina, Manuela e Boulos, mas uma parte está mais perto do centro, que é a Marina, uma parte mais no extremo, que é o Boulos, um cara da luta, do enfrentamento, da mão na massa. A Manuela também, mas ela é de um partido de esquerda que é um pouco mais suave do que o PSOL, que faz política de uma outra maneira. O PCdoB vem de uma trajetória histórica que educou os comunistas a negociarem mais, a entrarem com mais facilidade na composição dos governos. O PT está sem candidato hoje, mas a gente teria que colocar um eventual candidato do PT nesse lote da esquerda. Eles todos poderão se abraçar por conveniências, mas tem diferenças ali. Do ponto de vista de um cálculo para aumentar a competitividade da esquerda, o correto seria uma unidade, uma frente de esquerda, acho que seria mais produtivo. Mas há dificuldades ali, as mesmas que você tem para o centro democrático se juntar. O único que não enfrenta esse problema é o Bolsonaro. Ninguém vai se unir ao Bolsonaro, e ele não tem que resolver essa questão da unidade.