trabalho

Carlos Rydlewski: O destino do trabalho

Há cerca de 100 mil anos, o cérebro humano sofreu uma alteração. Ele cresceu. A parte anterior do encéfalo tornou-se maior e mais complexa. Tal alteração permitiu que a espécie desenvolvesse novas capacidades, que a tornam singular, como a abstração, a reflexão, a premeditação e a escolha racional de objetos. Pouco a pouco, tudo mudou. Alguns cientistas classificam a jornada humana entre 70 mil e 30 mil anos atrás, como o período de uma revolução cognitiva, da qual emergimos com as mãos cheias de invenções, como lâmpadas a óleo, arcos e flechas, barcos etc.

Hoje, pesquisadores acreditam que, guardadas as diferenças, a tecnologia digital passa por processo análogo de evolução. Para eles, a "inteligência artificial" (IA) avança de forma tão intensa que se tornou elusiva - não se pode prever aonde chegará. Estima-se que essa "massa cinzenta" de bits, associada a parafernália composta por robôs, veículos autônomos, internet das coisas, "big data", miríades de sensores e impressão 3D, além de avanços na biotecnologia e na nanotecnologia, provocará um choque no cerne da sociedade.

O impacto mais contundente incidirá sobre o mundo do trabalho. Boa parte dessa maquinaria está lançando os homens na obsolescência em um número crescente de tarefas. Tome-se como exemplo um dos robôs mais simples, usado em tarefas contábeis, que não passa de um software (nada a ver com o simpático e prestativo R2-D2, de "Star Wars"). Enquanto uma pessoa demora quatro horas para executar uma série de ações associadas ao pagamento de tributos, ele faz o mesmo trabalho em 29 segundos. Quem (ao menos de carne e osso) pode competir com tal desempenho?

Mas esse é o tipo de façanha mais chinfrim que se pode esperar dessas engenhocas. Os equipamentos de última geração dirigem carros, caminhões e drones, começam a entender nosso discurso, identificam alguns tipos de câncer com acurácia, fazem tradução simultânea com qualidade crescente, percebem quando interlocutores humanos estão deprimidos, indicam a propensão de juízes para determinados tipos de sentença e escrevem textos jornalísticos. Algumas vezes as máquinas fazem tudo isso de forma mais rápida, barata e confiável do que nós.

Por isso, não é de estranhar que um levantamento divulgado no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, apontou que a automação deve eliminar 7,1 milhões de empregos nas 15 maiores economias globais até 2020. O estudo "The Future of Employment" (o futuro do emprego), do economista Carl Benedikt Frey e de Michael Osborne, especialista em aprendizado de máquinas, ambos da Universidade de Oxford, analisou 702 profissões. Concluiu que 47% delas vão evaporar em dez anos.

A visão mais apocalíptica desse quadro, contudo, é oferecida pelo escritor Martin Ford, integrante da elite empresarial e intelectual do Vale do Silício. Ele é o autor dos best-sellers "The Lights in the Tunnel" (2009) e "Rise of the Robots" (2015). Ford prevê um ataque generalizado contra os humanos. Para ele, até mesmo empregos qualificados como médicos, advogados e professores tendem a desaparecer. Ele crê que a mobilidade econômica estacionará e uma plutocracia abastada pode assumir o domínio do planeta, protegida por uma força militar robótica. No mesmo espírito, o físico britânico Stephen Hawking reconhece a importância da inteligência artificial, mas teme que seu pleno desenvolvimento signifique o fim da raça humana.

Drama
Há uma grande dose de drama nessas estimativas, mas, imagens do caos à parte, a robotização é iminente em diversos setores, como mostra uma análise da consultoria americana McKinsey, divulgada em 2017. Ela avaliou o potencial da automação em 46 países, que concentram perto de 80% da força de trabalho global (veja quadro à pág. 11). Constatou que, com a tecnologia já disponível no mercado, é possível substituir metade das atividades que as pessoas hoje são pagas para executar. Se isso ocorresse, seriam afetados 1,2 bilhão de trabalhadores, que recebem US$ 14,6 trilhões em salários. No Brasil, as máquinas estariam prontas para ocupar 50,1% dos postos de trabalho - ou, em números absolutos, 53,7 milhões em um total de 107 milhões de vagas.

Como diz o professor José Pastore, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA), da USP, "para que possamos dormir à noite", ainda bem que existem os otimistas. No debate global, esse espaço do pensamento positivo é ocupado por Erik Brynjolfsson e Andrew McAfee, do MIT Sloan School of Management, autores de livros que se tornaram referência na área, como "Race Against the Machine" (corrida contra a máquina, de 2011) e "A Segunda Era das Máquinas" (2015).

A dupla de economistas diz que haverá estragos no mundo do trabalho, mas considera que tais avarias serão compensadas no longo prazo, assim como ocorreu em revoluções anteriores, também catalisadas por inovações tecnológicas de amplo alcance como a máquina a vapor, a eletricidade e o motor de combustão interna. À medida que as tarefas mais banais passem a ser realizadas por máquinas, o recurso mais escasso e valioso não será mais o trabalho comum ou mesmo o capital. O fator crítico de produção será o talento, diz a dupla.

Até aqui, caminhamos no campo das previsões e possibilidades, bastante escorregadio. Gente boa já derrapou feio nesse tipo de terreno, notadamente quando o assunto gira em torno do imprevisível campo das inovações tecnológicas. Em 1876, por exemplo, a Western Union, que reinava com seus telégrafos, avaliou que o telefone tinha tantas deficiências que não poderia ser considerado um meio sério de comunicação. Em 1943, Thomas Watson, presidente da IBM, disse que o mercado para computadores comportaria, "talvez", umas cinco máquinas. Essas projeções sobre o futuro do emprego desabam sobre nós em um momento crítico. O mundo do trabalho, independentemente dos bits e bytes, já está de pernas para o ar. A digitalização dos ofícios só faz reverberar uma ansiedade asfixiante, que assoma como o "zeitgeist" da economia global no limiar da terceira década do século XXI.

Os indicadores de desemprego e o subemprego avançam em todo planeta. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) indica que mais de 200 milhões de pessoas estavam desempregadas no mundo em 2016, sendo que esse contingente deveria crescer perto de 6% ao longo de 2017. Os trabalhos "vulneráveis" (por conta própria, por exemplo) representam 42% da ocupação total no mundo, o que envolve 1,4 bilhão de pessoas. A estimativa do número de trabalhadores que ganham menos de US$ 3,10 por dia deveria aumentar em mais de 5 milhões de pessoas em um período de dois anos, iniciados em 2017. Globalmente, a migração também torna o nó do emprego ainda mais cerrado e difícil de desatar. Embora os migrantes tenham contribuído com US$ 6,7 trilhões ou 9,4% do PIB global em 2015 (o último dado disponível), eles ganham salários entre 20% e 30% inferiores aos nativos das nações para onde se deslocam. Isso só faz detonar a renda.

Pesquisas de diversas procedências indicam que a renda permanece entre parada e declinante na maior parte do mundo. Nas economias avançadas, essa estagnação ou queda atingiu cerca de dois terços das famílias desde 2005. "Na economia americana, por exemplo, a tecnologia afetou mais a renda do que emprego", diz Pastore. Isso ocorreu apesar de ganhos de produtividade. Entre 1950 e 2010, a produtividade do trabalho aumentou 254% nos Estados Unidos, enquanto os salários cresceram 113%.

Produtividade
Se a produtividade aumenta e a renda cai nem tanto, uma regra mágica do mercado sai no mínimo arranhada. Isso porque a eficiência (das máquinas, por exemplo) deveria gerar produtividade. Esta, por sua vez, levaria ao crescimento econômico que, por fim, desembocaria no bem-estar social. Não é bem isso que se observa, contudo.

O avanço da "economia gig" (ou de "bicos", "sob demanda" ou "de compartilhamento") também deixa evidente que o mundo do trabalho herdado do capitalismo no fim do século XX já derreteu. Tais termos são usados para definir o ambiente no qual trabalhadores temporários, sem vínculo empregatício, prestam serviços a empresas. Eles não cumprem as regras do velho emprego das "9h às 5h", tampouco usufruem de seus benefícios. Essa modalidade de ocupação é apresentada pelos entusiastas do mundo digital como uma bem-vinda fonte complementar de renda, além de um trampolim para a liberdade a partir da qual os indivíduos poderiam se livrar das amarras e dos tédios do mundo corporativo. Sempre existiu, mas ganhou especial impulso com o advento de empresas como Uber, Lyft, Airbnb e Amazon.

Hoje, contudo, negócios como o Uber não enfrentam apenas a oposição de taxistas e de parte dos legisladores. Processos trabalhistas contra a empresa pipocam pelo mundo. Em 2016, a Justiça inglesa decidiu que os motoristas do aplicativo não poderiam ser classificados como autônomos. Assim, teriam direito aos benefícios de praxe do mercado formal. Na disputa, os condutores alegaram que estavam sendo submetidos a regras "vitorianas" de trabalho, numa alusão às precárias condições da labuta durante a Revolução Industrial, no século XVIII. A companhia recorreu da decisão. Alegou que não havia vínculo empregatício entre as partes, já que os motoristas apenas a contratam para conectá-los aos passageiros. Uma sentença contra o aplicativo também foi dada em Belo Horizonte, em Minas Gerais, em fevereiro, mas terminou sendo revista em segunda instância.

O que deveria ser um fértil terreno alternativo mostra-se bem mais estéril do que o esperado. Para críticos, a "economia gig" só engrossa o coro do "precariat" ("precariado"). Tal termo, hoje recorrente na literatura de economia e na sociologia do trabalho, é formado pela união das palavras "precariedade" e "proletariado" - designa o proletariado do século XXI. É usado com frequência pelo economista britânico Guy Standing ("O Precariado", Editorial Presença, 2014) para definir as pessoas que levam uma vida insegura, entrando e saindo de empregos que, como diz Standing, "conferem pouco ou nenhum significado a suas existências". Em termos potenciais, elas formam um novo e vasto contingente de ludistas, os trabalhadores têxteis ingleses que destruíam as máquinas a vapor, na inócua tentativa de preservar seu meio de subsistência. Isso em 1811.

A nova onda de "desemprego tecnológico", para usar uma expressão cunhada por John Maynard Keynes na década de 30, não é um fato consumado. Ela pode ser enfrentada, embora não exista uma bala de prata para aniquilar uma ameaça incorpórea, feita de bits e bytes. Mas existe um consenso entre especialistas em torno do qual a tecnologia atingirá de forma mais aguda os empregos de média remuneração, que envolvem processos manuais simples, realizados em ambientes estáveis e previsíveis como fábricas e escritórios. Nesse grupo, estão escriturários, caixas de supermercados, contabilistas e operários (veja quadro acima).
A digitalização terá menor impacto sobre as atividades qualificadas (como cirurgiões), mas também sobre aquelas de baixa qualificação, realizadas em ambientes pouco estáveis e que exigem interação entre as pessoas. Não será fácil, por exemplo, robotizar ofícios como jardineiro e cuidadores de idosos e crianças. Ao preservar o topo e a base da pirâmide dos empregos, observam os técnicos, a revolução em curso tende a agravar a chamada "polarização do trabalho". Ela deve aumentar o fosso entre empregos com maior e menor remuneração. Ou seja, tende a acentuar a desigualdade.

A educação, nesse cenário, surge como principal antídoto. Ela pode qualificar as pessoas, movendo-as para empregos mais bem remunerados. Assim, o aprendizado contínuo, em todos os níveis, é um pré-requisito para o ingresso e a permanência dos indivíduos no mercado de trabalho, seja qual for a feição que ele assuma no futuro. Como observou Martin Wolff, articulista do "Financial Times", em artigo publicado na "Foreign Affairs" - "Why the techno-optimists are wrong" (por que os tecno-otimistas estão errados) -, os benefícios gerados a partir dos bancos escolares, notadamente na graduação do ensino médio, foram cruciais para o crescimento econômico do século XX. As taxas de formação de jovens nesse nível de aprendizado passaram de menos de 10% em 1900 para cerca de 80% em 1970. O problema é que os resultados obtidos com a educação demoram para aparecer. A tecnologia, por sua vez, avança velozmente.

Daí a necessidade de um passo adicional: o treinamento das pessoas nas empresas. Em princípio, essa é uma estratégia "ganha-ganha". De um lado, o trabalhador atualiza-se. As companhias, por sua vez, qualificam a mão de obra. De quebra, destacam-se da concorrência, o que as ajuda na hora de atrair talentos. Algo particularmente importante em um mundo no qual a capacidade de decisão humana se torna cada vez mais valiosa. O problema é que pouquíssimas companhias se dispõem a bancar a qualificação em um mercado volátil, de altíssima rotatividade, como brasileiro. "Por isso, precisamos de uma legislação trabalhista que estimule a permanência no emprego e incentive as empresas que investem em treinamento", diz Pastore. "Sem isso, a capacitação não vai acontecer com a intensidade e rapidez que precisamos."

Em um mundo no qual somente uma parcela da população terá acesso a empregos tradicionais, e a grande maioria tende a flutuar em torno de trabalhos temporários (ou bicos), também será preciso redefinir um novo modelo de anteparo social. Uma das alternativas mais debatidas é a criação de programas de renda mínima para cidadãos em diversos países. À primeira vista, esse tipo de proposta pode parecer herética para mentes liberais, mas ela ganha crescente apelo entre especialistas. A ideia é substituir todos os auxílios oferecidos pelo Estado por um único benefício. Sugestões semelhantes foram lançadas por economistas como Thomas Paine e John Stuart Mill na Revolução Industrial.

Iniciativas desse tipo, ainda que arrastem polêmicas infinitas, já deixaram o plano teórico. Desde janeiro de 2017, a Finlândia testa um programa desse gênero, por meio do qual perto de 2 mil pessoas estão recebendo €560 por mês, sem nenhuma contrapartida. O que acontece com elas nessa situação? Elas desistem de trabalhar? O quão inibidora essa prática pode ser, sob o ponto de vista da dinâmica do mercado? Essas são algumas das questões que poderão ser respondias ao cabo da experiência, em 2019. Testes similares, ainda que em menor escala, estão sendo feitos em regiões da Holanda e da Itália.

As empresas também tentam agir diante da onda de automação. Em novembro, a companhia de energia EDP, as consultorias EY (Ernst & Young) e Korn Ferry, além da Faculdade de Informática e Administração Paulista (Fiap), focada em tecnologia, lançaram, em São Paulo, o Pacto Empresarial Brasileiro pela Digitalização Humanizada do Trabalho. A ideia surgiu após a EDP, com o auxílio da EY, robotizar uma série de tarefas administrativas. Ela iniciou a empreitada com 20 processos em janeiro de 2017 e quer chegar a 120 até o fim de 2018.

Para gerir esses sistemas e suas aplicações, a EDP criou um grupo formado por cinco pessoas. Antes disso, elas realizavam tarefas repetitivas em suas áreas, já dentro da companhia, na maior parte do tempo. Foram treinadas para mudar essa rotina e passar a executar funções analíticas. "Essa é a realidade do emprego depois da chegada dos robôs, e essa mudança requer uma grande adaptação", diz Marcos Penna, diretor de TI da EDP. "Mas, se der certo, as vantagens podem ser imensas, com ganhos de até 75% de produtividade."

Agora, a EDP quer se aventurar no campo dos robôs de última geração, dotados de inteligência artificial, capazes de identificar padrões e tomar decisões. O objetivo é utilizá-los na área de distribuição de energia como, por exemplo, na identificação de irregularidades no uso da rede elétrica. Para entender o efeito das diversas gerações desses equipamentos na companhia, e em seus funcionários, a empresa anunciou um investimento de R$ 8,3 milhões para criar, em pareceria com a EY, um laboratório na Universidade de São Paulo (USP). Ali, a tecnologia e sua relação com o homem serão esmiuçadas. "A automação é inevitável", afirma Miguel Setas, CEO da EDP no Brasil. "A questão é quando e como ela vai chegar. Por isso, queremos, desde já, analisar os fatores humanos e éticos envolvidos nesse processo."

O termo "ética", aliás, quando aplicado ao mundo do trabalho, é outro fator em mutação. Na Declaração da Filadélfia, de 1944, um dos pilares da criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a labuta diária é definida como um ato de autorrealização, imbuída de propósito pessoal e coletivo. Freud, que se deteve sobre o tema no ensaio "O Mal-Estar na Civilização", define o ofício, ao menos quando livremente escolhido, como uma ligação entre o indivíduo e a realidade. O acesso a oportunidades de emprego decente sempre foi considerado um meio de ascensão e um elemento-chave do contrato social.

Uma pesquisa feita pela OIT revelou que cresce o número de pessoas que não acredita na capacidade do trabalho de promover a mobilidade social e, portanto, uma distribuição justa de recursos e poder. "Esse pessimismo é particularmente pronunciado na Europa e na Ásia Central, onde mais de um quarto dos indivíduos pesquisados pensam que não podem avançar trabalhando arduamente", cita o documento Future of Work - Major Trends (o futuro do trabalho - principais tendências). "Essa é uma situação preocupante, pois pode desencorajar investimentos individuais em treinamento e educação."

Em paralelo, há uma forte tendência nos dias correntes de atribuir ao indivíduo grande parte do ônus pela sua manutenção no emprego, pela qualificação e até pela adaptação à tecnologia. Em parte, isso é correto. As pesquisas indicam que principalmente os mais jovens anseiam por autonomia e liberdade. A perspectiva de "um emprego para toda a vida" evaporou-se. No Brasil, novas gerações consideram razoável permanecer em uma empresa por apenas 18 meses. Para atraí-las, as empresas líderes em seus setores tentam adicionar propósito ao trabalho diário. "É por isso que elas não vão dar mais emprego para as pessoas", diz Luciano Albertine, da EY. "Elas vão dar papéis. Cada um terá de entender qual o seu papel dentro das organizações."

No entanto, as chances econômicas de um indivíduo não são fruto apenas do mérito ou da ação pessoal. Elas dependem, para o bem ou para o mal, de fatores políticos. Mais especificamente: do acesso à educação e treinamento, além de ações macro que rompam ou atenuem tendências de aumento da desigualdade e de queda da renda. As mudanças que se avizinham parecem grandes demais para qualquer um enfrentá-las isoladamente.

Um estudo da McKinsey aponta que a tecnologia age em conjunto com outras forças que potencializam o impacto de suas transformações. Esse seria um fato histórico novo. Uma delas é a globalização. Outra é o crescimento estonteante de algumas cidades nos países emergentes. Cerca de metade do crescimento do PIB global entre 2010 e 2025, avalia a consultoria, virá de 440 centros urbanos desse tipo. Tianjin, por exemplo, fica a cerca de 120 km a Sudeste de Pequim, na China. Em 2010, registrou PIB de US$ 130 bilhões, o equivalente ao de Estocolmo, a capital da Suécia. Em 2025, o produto do município deve atingir US$ 625 bilhões, o correspondente ao de toda a Suécia. As mudanças em curso podem ocorrer em uma velocidade dez vezes mais maior e numa escala de 300 vezes, resultando em um impacto 3 mil vezes superior ao da Revolução Industrial. Não é pouca coisa.

* Artigo publicado originalmente no Valor Econômico


Luiz Carlos Azedo: Espinhos do recesso

Uma mudança trivial na composição do ministério tem todos os ingredientes de uma grande trapalhada, na qual o erro de conceito foi a escolha de nomes que não têm nada a ver com o mundo do trabalho

O que era para ser uma rosa nos jardins do presidente Michel Temer, cujo ministério tem uma carência crônica de integrantes do sexo feminino, perdoem-me os mestres Nélson Cavaquinho, Guilherme de Brito e Alcides Caminha pelo trocadilho, virou um tremendo espinho entre as flores do recesso. A eventual ministra do Trabalho, Cristiane Brasil (PTB-RJ), filha do presidente do PTB, Roberto Jefferson, foi duas vezes impedida de tomar posse pela Justiça Federal, em primeira e segunda instâncias, e corre o sério risco de ser mais uma vez impedida pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Dois ex-motoristas contratados sem carteira assinada, uma condenação na Justiça trabalhista no valor de R$ 60 mil, uma funcionária laranja e um advogado carne de pescoço que resolveu fazer escândalo com o caso estão inviabilizando a posse da deputada fluminense, que também decidiu pagar pra ver e não pretende desistir do cargo. O que parecia ser uma mudança trivial na composição do ministério, desde a saída do antigo titular, Ronaldo Nogueira (PTB-RS), tem todos os ingredientes de uma grande trapalhada política, na qual o erro de conceito foi a escolha de nomes que não têm nada a ver com o mundo do trabalho.

A primeira trapalhada foi a indicação do deputado Pedro Fernandes (MA), pelo líder da bancada na Câmara, Jovair Arantes (GO), que acabou vetado pelo ex-presidente José Sarney porque é ligado ao governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), o principal adversário do velho clã político maranhense. Roberto Jefferson aproveitou a situação e emplacou a filha, que estava com a posse marcada, mas um juiz federal de Niterói resolveu aceitar uma ação popular e suspendeu a posse, com o argumento de que a conduta patronal de Cristiane não era compatível com o cargo.

O governo recorreu da decisão, mas perdeu a liminar no Tribunal Regional Federal da 2ª Região, com sede no Rio de Janeiro. Já era para a deputada ter jogado a toalha, ou o presidente da República desistir da nomeação, mas não é o que acontece no governo. O Palácio do Planalto é devedor da solidariedade dos aliados nas votações da Câmara para barrar duas denúncias do ex-procurador da República Rodrigo Janot contra o presidente Temer e os ministros da Casa Civil, Eliseu Padilha, e da Secretaria-geral da Presidência, Moreira Franco.

Um dos credores é o ex-deputado Roberto Jefferson, um político bom de briga, que não leva desaforo para casa e se tornou ainda mais temido depois que denunciou a existência do mensalão no primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na ocasião, derrubou do cargo o então poderoso ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu. Naquela crise, ambos foram cassados; depois, condenados, no julgamento do mensalão, pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A opção do governo é empurrar a situação com a barriga, na esperança de que o PTB acabe por indicar outro nome para a pasta.

Esse é mais um contencioso envolvendo a Justiça Federal, o Congresso e o Executivo. E reacendeu a polêmica sobre a atuação de procuradores e juízes federais. Forma-se entre os políticos uma opinião majoritária de que haveria uma “cruzada” contra os demais poderes, de viés autoritário e moralista, nos moldes do movimento tenentista da década de 1920 contra a República Velha, que desaguou na Revolução de 1930 e na ditadura de Getúlio Vargas. Os “tenentes de toga”, em contrapartida, denunciam a existência de uma ampla coalizão de políticos enrolados na Justiça para acabar com a Operação Lava-Jato.

Embrapa
A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) enfrenta sua maior crise, denunciada pelo pesquisador Zander Navarro, que questionou os rumos da empresa de pesquisa agrícola, que está perdendo o bonde da revolução tecnológica em curso no agronegócio. Estudos recentes mostram que será necessário aumentar em 60% a produção de alimentos em todo o mundo nos próximos 40 anos sem a ampliação da área cultivável. E o Brasil corre o risco de perder a condição estratégica que ocupa na cadeia global de produção de alimentos.

O presidente da Embrapa, Maurício Lopes, incomodado com a repercussão de um artigo publicado pelo pesquisador, resolveu demiti-lo sumariamente. A decisão provocou forte reação entre os secretários de agricultura de diversos estados, entre os quais os de São Paulo, Arnaldo Jardim, e do Espírito Santo, Octaciano Neto, que entraram na briga e resolveram dar continuidade ao debate público sobre a linha de atuação da Embrapa. Sociólogo, Navarro é um dos principais especialistas em assuntos agrários do país, reconhecido internacionalmente.

 

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Luiz Carlos Azedo: A crise do corporativismo

A alta burocracia estatal, para manter os privilégios, aliou-se à elite política e fechou os olhos para o clientelismo e o patrimonialismo, quando não incorreu nas mesmas práticas

A Era Vargas sempre foi um tema controverso na história do Brasil. Nélson Werneck Sodré e Hélio Jaguaribe, por exemplo, viram a Revolução de 1930 como um movimento de classes médias, fruto das contradições econômicas entre esses setores médios da sociedade e os grandes fazendeiros que controlavam a República Velha. Wanderley Guilherme dos Santos e Ruy Mauro, em contraponto, foram os primeiros a defender a tese de que, na verdade, resultou da cisão da burguesia nacional e da ascensão da burguesia industrial ao aparelho do Estado.

Na década de 1970, Boris Fausto publicou tese sobre a Revolução de 1930, caracterizada como o resultado do conflito intraoligárquico, no qual movimentos militares dissidentes liquidaram a hegemonia da burguesia cafeeira. Em virtude da incapacidade de as demais frações de classe assumirem o poder de maneira exclusiva, e com o colapso da burguesia do café, abriu-se um espaço vazio que possibilitou o surgimento de um “Estado de compromisso”, fruto de um grande acordo entre as várias frações de classe e “aqueles que controlam as funções do governo”, sem vínculos de representação direta.

No ambiente de radicalização política da década de 1930, que resultou na II Guerra Mundial, embora o Brasil tenha tomado o lado dos Aliados, Vargas flertou com o fascismo de Mussolini. Isso se traduziu no golpe de 1937 e na implantação do chamado Estado Novo, a forma institucional que encontrou para o tal “Estado de compromisso”, a pretexto de combater a ameaça comunista. Ao lado do patrimonialismo e do clientelismo, velhos conhecidos, emergiu no Brasil o corporativismo, consagrado pelo jurista Francisco Campos, na Constituição de 1937.

No corporativismo, o poder Legislativo é atribuído a corporações representativas dos interesses econômicos, industriais ou profissionais, por meio de representantes de sindicatos de trabalhadores e patronais, associações de comércio, indústria e agricultura, academias, universidades e etc. Conhecida como “Polaca”, a nova constituição ampliou os poderes de Vargas. A inexistência de um partido que intermediasse a relação entre o povo e o Estado não impediu o ditador de construir uma ampla rede de apoio, por meio de mecanismos de controle e da negociação política com os caciques regionais.

Além disso, a nova legislação trabalhista, inspirada na Carta Del Lavoro, garantiu o apoio dos sindicatos, até então tratados como caso de polícia. Ao conter o conflito de interesses entre trabalhadores e empresários, Vargas criou condições favoráveis ao desenvolvimento do setor industrial brasileiro. Foram criadas a Companhia Siderúrgica Nacional (1940), a Companhia Vale do Rio Doce (1942), a Fábrica Nacional de Motores (1943) e a Hidrelétrica do Vale do São Francisco (1945). Entre os novos órgãos criados pelo governo, como o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), que era responsável por controlar os meios de comunicação da época, o novo Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP) deu origem a uma nova burocracia, menos afeita ao tráfico de influências, às práticas nepotistas e a outras regalias.

Os privilégios
Em 1943, um documento intitulado Manifesto dos Mineiros, assinado por intelectuais e influentes figuras políticas, exigiu o fim do Estado Novo e a retomada da democracia. Vargas criou uma emenda constitucional que permitia a criação de partidos políticos e anunciava novas eleições para 1945. Em 1945, com o fim da II Guerra, a saída de Vargas tornou-se inevitável, mas não é o caso de tratar disso aqui. O que nos interessa destacar é o legado corporativista que lhe garantiu um mandato como senador, entre 1945 e 1951, e o retorno ao poder nas eleições de 1951.

O corporativismo sobreviveu ao suicídio de Vargas, na crise de 1954, e ao golpe ocorrido 10 anos depois. O regime militar se utilizou de sindicatos patronais e de trabalhadores, dependentes do imposto sindical criado por Vargas e da Justiça do Trabalho, e ainda ampliou a alta burocracia federal, que adotou uma ideologia tecnocrática para legitimar o apoio ao autoritarismo. O corporativismo na burocracia estatal, com a formação de núcleos de excelência em órgãos públicos e empresas estatais, ganhou ainda mais força com a democratização, graças aos Poderes e direitos adquiridos com a Constituição de 1988. Na verdade, a alta burocracia estatal, para manter os privilégios, aliou-se à elite política e fechou os olhos para o clientelismo e o patrimonialismo, quando não incorreu nas mesmas práticas.

Isso resultou na acumulação de mordomias, privilégios e altos salários por esses setores, equivalentes aos executivos das empresas privadas, ao contrário da grande massa de servidores responsáveis diretos pela prestação de serviços à população que tiveram salários aviltados. Parte da crise de financiamento do Estado brasileiro decorre desses privilégios, principalmente, na Previdência, que garante aposentadorias com vencimento integral, incorporando gratificações, muito acima do que recebem os trabalhadores que se aposentam no setor privado. Agora, com a crise fiscal, tudo isso entrou em xeque.

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Cristovam Buarque: Porque sou favorável à reforma trabalhista

Senador do PPS explica motivos do apoio às mudanças na legislação trabalhista

Nosso País não tem obstáculos naturais ao seu progresso, como outros países: dividido em etnias, línguas, seitas; com o território desértico ou submetido a intempéries periódicas; tampouco somos uma destas minúsculas ilhas perdidas no oceano, distantes do resto do mundo. Apesar disto, não temos conseguido acompanhar o progresso dos países ricos, com elevado nível civilizatório, porque sempre nos recusamos a fazer as reformas que toda sociedade necessita para ajustar-se às transformações que ocorrem no mundo: fugimos do progresso como uma nação conservadora, presa ao passado. Criamos nossos próprios obstáculos que nos amarram. A principal causa disto tem sido a dominação das estruturas sociais pelas elites.

A falta de sentimento nacional e de compaixão de nossa elite nos fez manter o obstáculo do latifúndio e da escravidão, amarrando nosso progresso, enquanto os outros países entravam na revolução industrial, promovendo o trabalho livre, a educação das massas e o incentivo à criatividade tecnológica.

Foi preciso esperar o final do século XIX para abolirmos a escravidão, mesmo sem completar a educação: mantivemos nossas amarras por falta de oferta de educação pública e da necessária reforma agrária. Mantivemos amarrados o potencial do conhecimento e da terra distribuída. Quando a proposta da Lei Áurea chegou ao Parlamento, por meio de um governo conservador, o grande abolicionista Joaquim Nabuco apoiou essa reforma libertadora, manifestando sua posição de que ainda faltava muito para liberar as forças criativas do Brasil.

Ao longo do século XX demos saltos na produção, sem quebrar os obstáculos e as amarras, sem fazermos as reformas necessárias para liberar nosso potencial. Quando o governo Goulart tentou levar adiante as reformas, a elite reacionária derrubou sua presidência e implantou uma longa ditadura. O regime militar investiu em infraestrutura, criou leis de incentivo, ofereceu créditos, conseguiu fazer o Brasil crescer, mas não eliminou qualquer dos obstáculos que nos amarravam.

A democracia, apesar de 30 anos de governos socialdemocratas, não fez as reformas necessárias – nenhuma delas. Organizou as finanças públicas para logo depois arruiná-las; montou uma rede de proteção social, um sistema único de saúde, mas não derrubou os obstáculos, manteve o país amarrado. Foram governos de um partido intitulado social democrata e outro dos trabalhadores, ambos reacionários, que impediram a participação de nossa economia no mundo global.

Mas continuamos um país sem produtividade elevada, com reduzidíssima capacidade para a inovação, com um número estável ou crescente de cidadãos analfabetos, incapazes até de ler a palavra progresso escrita na bandeira, uma sociedade com a pobreza persistente que não reduz a concentração da renda, sem educação, imersa na violência e na corrupção. Esses são os obstáculos que nos amarram e nos condenam ao fracasso como país.

O mundo está inovando produtos industriais todos os dias e nós continuamos com uma economia baseada na mesma velha produção primária; mudaram as máquinas e as técnicas, mas continuam os mesmos produtos. Enquanto isso, nosso debate político continua preso a velhos temas e com as forças reacionárias contra a derrubada dos obstáculos, por interesses ou por preguiça.

O mundo está criando e usando automóveis sem motoristas e nós discutindo se aceitamos o uso de aplicativos para o sistema de taxi; muitos países já adotam sistemas flexíveis que permitem aos trabalhadores definirem os regimes de trabalho que melhor lhes convém, inclusive adotando o trabalho em casa, e nós querendo regular cada minuto de vida do trabalhador, até mesmo quanto tempo ele deve usar para almoçar. O Brasil precisa derrubar as amarras que impedem seu ingresso no mundo moderno.

As atuais propostas de reforma serão capazes de adaptar as relações trabalhistas minimamente e permitir com isto desamarrar o funcionamento da economia e assim merecem nosso apoio, mesmo sabendo que, devido ao rápido avanço tecnológico, não resistirão aos próximos 10 anos e precisarão de novas adaptações.

Quanto à presente proposta de reforma trabalhista:

a) Sou favorável à prevalência do negociado sobre o legislado porque, na dinâmica atual, se não quisermos amarrar a economia, as legislações devem ser modificadas a cada instante; o mundo dinâmico na velocidade atual exige flexibilização das regras trabalhistas na velocidade que permita ficar em sintonia com o progresso técnico.

A alternativa a isto seria impedir o progresso técnico, na linha das velhas lutas do século XIX, de quebrar máquinas para impedir o progresso. Mas isso exigiria o isolamento do Brasil em relação ao mundo. Sem a flexibilização, o Brasil continuará perdendo investimentos para outros países.

Outra opção seria uma revolução que imponha regras internacionais ao capital, mas nada indica a possibilidade política desta mudança no prazo de algumas décadas, e nem se vê alternativa para colocar no lugar do atual sistema global, mesmo sabendo-o perverso.

b) Os atuais direitos fundamentais como 44 horas de trabalho por semana e 30 dias de férias por ano, entre outros, serão mantidos, mas agora dando ao trabalhador o direito de ter liberdade para ajustar sua relação com a empresa e com suas outras atividades.

O trabalhador, em acordo com o empregador, poderá definir a estrutura das férias e mesmo o número de horas de trabalho a cada dia, aumentando até o limite de 12 horas em um dia e usando um banco de horas para reduzir a jornada em outros dias, como diversas categorias já fazem depois de conquistarem este direito que a reforma agora oferece a todos.

c) Sou favorável e considero uma conquista a possibilidade de o trabalhador sair meia hora mais cedo do trabalho, graças a opção de reduzir meia hora no seu horário de almoço, hoje engessado em uma hora. Sou favorável porque, com esta redução de meia hora no almoço por opção, acredito que milhões de jovens poderão sair mais cedo do trabalho, eliminando a tragédia de chegar atrasado na escola ou mesmo ficar impossibilitado de frequentar cursos universitários noturnos por causa da jornada de trabalho regulamentada por leis que não lhes dão liberdade. Também sou favorável porque acredito no discernimento dos trabalhadores de só fazerem esta opção se for de seu interesse, sem necessidade do protecionismo defendido por aqueles que veem nossos trabalhadores como incapazes de defenderem seus direitos, como antes se dizia dos escravos.

d) Sou favorável ao que se está chamando de trabalho intermitente porque ele será a base para a contratação de trabalhadores desempregados e subempregados por empresas que não precisam do trabalhador em caráter permanente. Daqui para frente, querendo ou não, o trabalho deste tipo será cada vez mais generalizado.

Sou favorável a esta modernização porque ela vai beneficiar a juventude, que poderá desempenhar diversas funções, como estar um período em uma empresa e outro como trabalhador em empresa diferente ou como empreendedor de seu próprio auto-emprego, como digitador, programador, garçom, etc, ou em serviços de Uber. A reforma não amarra o trabalhador à empresa e ainda exige da empresa convocá-lo com no mínimo três dias de antecedência.

Mais uma vez é uma reforma criticada pelos que defendem o status-quo do trabalho permanente e presencial, quando o mundo já está nos tempos do trabalho à distância, o chamado trabalho-desde-casa.

e) Sou favorável à reforma porque ela vai permitir o uso de terceirização, que já é uma realidade espalhada, mas agora será protegida passando a ter os mesmos direitos dos efetivos, como atendimento ambulatorial, alimentação, segurança, transporte, capacitação e qualidade de equipamentos. Além disto, a reforma garante um período mínimo de 18 meses durante o qual o trabalhador permanente não poderá ser recontratado como terceirizado, evitando-se assim o uso dos recursos de precarização que a partir de agora deixa de ser vantajoso para as empresas, uma vez que os terceirizados também terão proteção.

f) Voto pelo fim da contribuição obrigatória aos sindicatos (como também defendo acabar com a contribuição do Estado ao Fundo Partidário), porque esta contribuição terminou servindo para criar impérios sindicais com dinheiro assegurado independente do serviço que presta. Resta ao cidadão o discernimento para escolher o sindicato e o partido com o qual quer colaborar. Acredito que isto vai melhorar o serviço de cada sindicato e sua relação com o trabalhador, sem peleguismo. Concordo, entretanto, que esta mudança exija um período de transição, para evitar a falência brusca das máquinas sindicais, e por isso apresentei emenda com redução gradual deste imposto em três anos.

g) Voto porque a reforma mantém a possibilidade de o trabalhador reclamar seus direitos na Justiça do Trabalho, ao mesmo tempo que incentiva, o que é uma medida positiva desburocratizadora, as negociações diretas na linha do direito moderno, como os diversos tipos de juizados de pequenas causas. Sei que isto quebra o monopólio de verdadeiros cartéis-do-direito-formal, mas apesar de suas reações, considero ser mais um passo na direção de desamarrar o Brasil de seus latifúndios.

h) Sou favorável porque a reforma não toca em nenhum direito garantido pela Constituição e nem acaba com o concurso e não desmonta a estabilidade e o Estado. É hora de acabar com a mentira e o populismo eleitoreiro querendo ganhar votos enganando a população.

Votarei a favor da reforma porque ela é para o Brasil, não importa qual seja o presidente da República do momento e porque não vejo como sua aprovação vai beneficiar a continuação do governo Temer que caminha para terminar, completando-se assim o impeachment, iniciado em 2016.

Voto contando com o veto de vários artigos que vieram no projeto da Câmara dos Deputados, cuja rejeição neste momento forçaria a volta do projeto à Câmara, o que provocaria adiamento ou mesmo a interrupção da reforma. E o Brasil tem pressa de se desamarrar.

VETOS

Nesse sentido, o Presidente da República enviou ao Senado Federal, na pessoa de seu Líder, carta assumindo o compromisso de vetar questões apontadas pelo relator da reforma, senador Ricardo Ferraço e, concomitantemente a editar medida provisória contendo as modificações que forem negociadas entre os parlamentares, seu relator e o Líder do governo no Senado. Entre os pontos que foram relacionados pelo Líder do governo para ajustes estão:

a. Criação de quarentena de 18 meses para eventual migração, dentro da empresa, de trabalho permanente para intermitente. Ainda sobre essa forma de contratação, elimina-se a multa de 50% do trabalhador no caso de falta.

b. A jornada de 12/36 horas só será possível por acordo coletivo.

c. Será obrigatória a participação sindical nas negociações coletivas.

d. Será restabelecida a vedação do trabalho de gestantes em local insalubre e o enquadramento da insalubridade será feito por acordo coletivo.

e. Será retirado o texto que fala sobre dano extrapatrimonial, cujo conteúdo vinculava o ressarcimento ao salário do empregado.

f. Não poderá haver nenhuma cláusula de exclusividade para o trabalho autônomo.

g. Será adotada a redução gradual da contribuição sindical, ao invés de sua eliminação abrupta.

EMENDAS

Voto achando que a reforma poderia ter sido melhor e por isso eu apresentei sete emendas:

a. Criação de licença capacitação de cinco dias úteis para o empregado, por ano trabalhado, não podendo acumular mais de três anos. Essa licença deverá ser utilizada para reciclagem profissional, curso de aperfeiçoamento, ou aprendizado de novo ofício. A intenção é criar uma cultura de aperfeiçoamento profissional, valorizando a formação do empregado e sua contribuição à empresa, gerando efeitos positivos para todo o Brasil, ao criar instrumentos de qualificação da mão de obra.

b. Ao retirar o termo “entre outros” do texto do artigo sobre negociação coletiva, criamos uma restrição do uso desta aos itens citados no projeto de reforma. Nossa ideia é soltar as amarras da economia dando alguma previsibilidade sobre o tópico a ser negociado, reduzindo o grau de incertezas.

c. Nossa terceira emenda restringe e dá previsibilidade ao trabalho intermitente. Garantimos ao trabalhador que a recusa da oferta não caracteriza falta ou motivo para sanção contratual. Além disso, propomos a vedação da convocação de mais de um período no mesmo dia – que poderia resultar na disponibilização não remunerada do trabalhador nos intervalos, criamos a figura da hora extra quando o trabalhador tiver que ficar em horário subsequente ao da convocação e propomos a criação de quarentena para a contratação de trabalhador por tempo indeterminado como intermitente, por período de dezoito meses.

d. Embora sejamos favoráveis ao fim do imposto sindical, permitimos um período de três anos para sua eliminação gradual (60%, 40% e 20% nos anos que seguem a aprovação da reforma). Com isso, queremos dar aos sindicatos tempo para se adaptar e conquistar associados entre os membros da categoria que representam.

e. Emenda proibindo a terceirização do trabalho docente em sala de aula quando os assuntos tratados na aula são do núcleo essencial de cada curso. Com isso pretendemos valorizar os profissionais envolvidos no núcleo essencial de cada curso e garantir a qualidade do ensino nessas disciplinas.

f. Emenda vedando terceirização de atividades estatais finalísticas relativas a cargos ou empregos públicos. Embora acreditemos que a contratação de trabalho terceirizado possa oxigenar algumas atividades do setor público, nossa intenção aqui é preservar a prevalência da contratação por concurso nas atividades fins do setor público.

g. Emenda que cria a possibilidade de aproveitamento de trabalhador em outras áreas da empresa, permitindo a contratação por multifunção ou multiqualificação. Isto possibilitará maior mobilidade do trabalhador dentro da empresa, permitindo, tanto aos trabalhadores como aos empregadores, aproveitamento da relação trabalhista em caso de modificação de tecnologia.

Estas emendas, recusadas pelo relator em nome da agilidade que considero necessária, já foram transformadas em projetos de lei que vou apresentar – até porque esta e todas as outras reformas são um processo. Acabou o tempo da ilusão da permanência que seduz aos conservadores e que Marx havia desfeito, quando 150 anos atrás, muito antes de imaginar-se as atuais transformações ele disse:

“Tudo que é sólido se desmancha no ar”.

 


Plenário do Senado aprova reforma trabalhista e texto segue para sanção

Por 50 votos contra 26, o Senado aprovou nesta terça-feira (11) a reforma trabalhista (PLC 38/2017). A proposta, que segue agora para sanção presidencial, altera mais de 100 pontos da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), permitindo, dentre as mudanças, que o acordado entre patrões e empregados prevaleça sobre o legislado nas negociações trabalhistas.

A mudança é considerada prioridade para o governo de transição não só para modernização da legislação trabalhista como para fazer frente aos 14 milhões de trabalhadores desempregados no País, resultado do fracasso do governo do PT. Um estudo divulgado pelo banco Santander em junho (veja aqui) mostra que a aprovação da reforma trabalhista tem potencial para gerar cerca de 2,3 milhões de vagas de trabalho em pouco mais de um ano. A estimativa leva em consideração a flexibilização de regras e consequente redução de custos para o empregador, que voltaria a contratar.

Atraso
A votação, prevista para a iniciar no fim da manhã de ontem (11), só iniciou cerca de sete horas depois. O atraso foi provocado por senadoras da oposição. Gleisi Hoffmann (PT-PR), Fátima Bezerra (PT-RN), Ângela Portela (PT-ES), Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), Lídice de Mata (PSB-BA), Regina Sousa (PT-PI) e Kátia Abreu (PMDB-TO) ocuparam a mesa do plenário e se negaram a sair.

A sessão só começou após o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), dar um ultimato às oposicionistas e afirmar que começaria a sessão no plenário ou em outra sala do Senado. Quando se aproximava das 19h, Eunício conseguiu sentar na cadeira de presidente e deu início à sessão.

Texto
A proposta de reforma trabalhista prevê, além da supremacia do negociado sobre o legislado, o fim da assistência obrigatória do sindicato na extinção e na homologação do contrato de trabalho. Além disso, acaba com a contribuição sindical obrigatória de um dia de salário dos trabalhadores.

Há também mudanças nas férias, que poderão ser parceladas em até três vezes no ano, além de novas regras para o trabalho remoto, também conhecido como home office. Para o patrão que não registrar o empregado, a multa foi elevada e pode chegar a R$ 3 mil. Atualmente, a multa é de um salário-mínimo regional.

Para que a proposta não voltasse a ser analisada pela Câmara dos Deputados, que aprovou o texto em abril, os senadores governistas não aceitaram nenhuma mudança de mérito no texto e rejeitaram também as emendas apresentadas de modo individual. No entanto, como resposta aos pontos polêmicos da proposta, há um compromisso do presidente Michel Temer de vetar seis pontos da reforma. A ideia é aperfeiçoar esses pontos para que eles sejam reapresentados via medida provisória ou projeto de lei.

Veja o que muda na legislação com a reforma trabalhista:

ACORDOS COLETIVOS
Terão força de lei e poderão regulamentar, entre outros pontos, a jornada de trabalho de até 12 horas, dentro do limite de 48 horas semanais, incluindo horas extras.

Parcelamento das férias, participação nos lucros e resultados, intervalo, plano de cargos e salários, banco de horas também poderão ser negociados.

Pontos como FGTS, salário mínimo, 13º salário, seguro-desemprego, benefícios previdenciários, licença-maternidade e normas relativas à segurança e saúde do trabalhador não poderão entrar na negociação.

Atualmente, acordos coletivos não podem se sobrepor ao que é previsto na CLT.

JORNADA PARCIAL
Poderá ser de até 30 horas semanais, sem hora extra, ou de até 26 horas semanais, com acréscimo de até seis horas (nesse caso, o trabalhador terá direito a 30 dias de férias).

Atualmente, a jornada parcial de até 25 horas semanais, sem hora extra e com direito a férias de 18 dias.

PARCELAMENTO DE FÉRIAS
As férias poderão ser parceladas em até três vezes. Nenhum dos períodos pode ser inferior a cinco dias corridos e um deles deve ser maior que 14 dias (as férias não poderão começar dois dias antes de feriados ou no fim de semana).

Atualmente, as férias podem ser parceladas em até duas vezes. Um dos períodos não pode ser inferior a dez dias corridos.

GRÁVIDAS E LACTANTES
Poderão trabalhar em locais insalubres de graus “mínimo” e “médio”, desde que apresentem atestado médico. Em caso de grau máximo de insalubridade, o trabalho não será permitido.

Atualmente, grávidas e lactantes não podem trabalhar em locais insalubres, independentemente do grau de insalubridade.

CONTRIBUIÇÃO SINDICAL
Deixará de ser obrigatória. Caberá ao trabalhador autorizar o pagamento.
Atualmente, é obrigatória e descontada uma vez por ano diretamente do salário do trabalhador.

TRABALHO EM CASA
A proposta regulamenta o chamado home office (trabalho em casa).
Atualmente, esse tipo de trabalho não é previsto pela CLT.

INTERVALO PARA ALMOÇO
Se houver acordo coletivo ou convenção coletiva, o tempo de almoço poderá ser reduzido a 30 minutos, que deverão ser descontados da jornada de trabalho (o trabalhador que almoçar em 30 minutos poderá sair do trabalho meia hora mais cedo).
Atualmente, a CLT prevê obrigatoriamente o período de 1 hora para almoço.

TRABALHO INTERMITENTE
Serão permitidos contratos em que o trabalho não é contínuo. O empregador deverá convocar o empregado com pelo menos três dias de antecedência. A remuneração será definida por hora trabalhada e o valor não poderá ser inferior ao valor da hora aplicada no salário mínimo.

Atualmente, a CLT não prevê esse tipo de contrato.

AUTÔNOMOS
As empresas poderão contratar autônomos e, ainda que haja relação de exclusividade e continuidade, o projeto prevê que isso não será considerado vínculo empregatício.

Atualmente, é permitido a empresas contratar autônomos, mas se houver exclusividade e continuidade, a Justiça obriga o empregador a indenizar o autônomo como se fosse um celetista.

Sugestões de mudanças
No relatório aprovado pela CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) do Senado, Ricardo Ferraço (PSDB-ES) recomendou a aprovação do projeto conforme a redação enviada pela Câmara, mas sugeriu as seguintes mudanças, a serem feitas pelo governo, quando o presidente Temer sancionar a proposta.

Mudanças propostas
Veto ao trecho sobre gestantes e lactantes;
Veto ao ponto que retira o descanso de 15 minutos para as mulheres antes do início da hora extra;
Regulamentação por medida provisória do trabalho intermitente;
Decisão por acordo coletivo sobre a possibilidade de acordos individuais determinarem jornada de 12 horas de trabalho com 36 horas de folga. (Com informações das agência de notícias)

 


Luiz Carlos Azedo: A greve geral

“Não houve greve geral, houve paralisações de servidores e nos transportes, muita agitação e vandalismo”, disparou o Sueco

“No meu tempo, Saldanha, essa greve seria considerada um fracasso; cadê a classe operária? Greve foi a de 1953, em São Paulo. O que você acha, Chamorro?”, indagou o Sueco, como era conhecido Geraldo Rodrigues dos Santos, o Geraldão, um negro alto, de fala mansa e sorriso fácil. Santista, Geraldão era portuário e participou intensamente da greve que parou São Paulo e o Porto de Santos na década de 1950. Durante o regime militar, dirigiu o PCB na antiga Guanabara, na mais rigorosa clandestinidade, onde reencontrou os dois camaradas.

Seu amigo João Saldanha, o Souza, ficou famoso como comentarista esportivo e técnico da seleção brasileira de futebol, mas, na década de 1950, era dirigente do PCB no bairro paulista da Moóca, onde a greve começou. Fazia a ligação entre o líder comunista Carlos Marighella e o comando de greve. Durante a ditadura, deu cobertura para o velho amigo Geraldo, que andava com uma cápsula de cianureto no bolso para ingerir caso fosse preso. O Sueco havia jurado não delatar nenhum companheiro na tortura; preferiria morrer se fosse preso.

Geraldão vivia num “aparelho” na Favela da Maré, que somente alguns familiares e o motorista Dedé, que tinha um táxi, conheciam. O terceiro camarada na conversa vivia clandestino em Niterói, com o nome de Paulinho, onde organizava os trabalhadores têxteis e operários navais. Era ninguém menos do que Antônio Chamorro, um dos líderes da greve geral, ao lado da também tecelã Maria Sallas e do metalúrgico Eugênio Chemp.

“O Marighella chegou na redação do Notícias de Hoje, reuniu todo mundo e apresentou o plano de parar a capital, a ferrovia e o porto de Santos. Depois, pretendia abrir as sedes do partido na marra”, relata Saldanha, que já era jornalista. O PCB vinha de uma derrota eleitoral fragorosa para Jânio Quadros, que obtivera 285 mil votos na disputa pela Prefeitura da capital, na capital paulista, enquanto André Nunes Júnior, apoiado pelos comunistas, não chegara a 17 mil votos. A eleição havia acontecido três dias antes, em 22 de março. A tese parecia uma loucura do líder comunista, que, na década de 1970, viria a aderir à luta armada e acabou morto pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, durante a Operação Bandeirantes.

Naquele 25 de março, o PCB completava 31 anos. Chamorro e Maria Sallas lideravam uma assembleia de trabalhadores da indústria têxtil no Salão Piratininga, na rua da Moóca, na qual reivindicavam 60% de aumento salarial. Por causa da inflação, o apoio à greve foi quase unânime. No dia seguinte, encabeçados por Eugênio Chemp, os metalúrgicos aderiram à greve, lutavam por 800 cruzeiros a mais nos salários. No terceiro dia de greve, eram 70 mil operários concentrados no antigo hipódromo da Moóca. Piquetes de mil trabalhadores saíram em direção às demais fábricas de São Paulo, parando 70 empresas no dia seguinte. Houve repressão, mais de duas mil pessoas foram presas, Chemp quase levou um tiro. Uma tecelã e um metalúrgico foram feridos à bala. Mesmo assim, marceneiros, carpinteiros, padeiros, sapateiros, vidreiros, gráficos e até os trabalhadores da cervejaria Brahma pararam. Eram 300 mil operários de braços cruzados.

Chemp encerrava ali sua carreira paralela de craque do São Paulo Futebol Clube, onde até hoje figura na lista dos estrangeiros que mais brilharam no clube: 14 gols em 19 jogos, em oito vitórias, seis empates e cinco derrotas. Nasceu em Kiev, na Ucrânia, mas tinha nacionalidade uruguaia. Chamorro era brasileiro, descendente de espanhóis. O Brasil transitava do rural para o urbano com a industrialização de São Paulo, cuja capital passara a ser a maior cidade do país. No começo da década de 1950, mais de 1 milhão de trabalhadores fizeram greves, que traziam a novidade de lutar contra a carestia, ou seja, contra a inflação, e não apenas por aumentos salariais.

Paraquedas
O Pacto de Unidade Intersindical (PUI), que resultou dessas greves, foi uma reação à CLT de Vargas e ao atrelamento dos sindicatos ao Ministério do Trabalho, que hoje as centrais sindicais estão defendendo, num período de expansão da indústria e do trabalho assalariado no campo; em contrapartida, havia inflação alta e superexploração do trabalho. Com o fortalecimento dos sindicatos, o movimento desaguou na greve geral de julho de 1962, quase dez anos depois, que resultou na conquista da lei do 13º salário, sancionada pelo presidente João Goulart. Mas voltemos à conversa entre os três amigos, sentados na beira de uma nuvem bem alta, lá no céu.

“O que você achou da greve, Geraldo?”, perguntou Saldanha. “Não houve greve geral, houve paralisações de servidores e nos transportes, muita agitação e vandalismo”, disparou o Sueco. “Só espero que ninguém morra”, completou Chamorro. Foi uma alusão ao Primeiro de Maio de 1953, comemorado no antigo hipódromo da Moóca, após a conquista de 32% de aumento salarial para praticamente todas as categorias grevistas.

A história é a seguinte: Um anarquista italiano, para abrilhantar a festa, resolveu saltar de paraquedas. Acontece que o equipamento não abriu e a festa virou tragédia. Revoltada, a família não queria um enterro de herói da classe operária. Os grevistas, porém, insistiram e fizeram, na marra, um funeral de gala. Bradavam: “O cadáver é nosso!”

Luiz Carlos Azedo é jornalista

 


Luiz Carlos Azedo: Outro rombo no casco

O coração da investigação sobre Duque é a criação da Sete Brasil, pela Petrobras, para a construção de 21 sondas de perfuração no pré-sal

Às vésperas da greve geral convocada para hoje, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu mais um torpedo abaixo da linha d’água: a notícia de que o ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque fará delação premiada. Preso em Curitiba, a sua defesa protocolou ontem um pedido de novo interrogatório ao juiz federal Sérgio Moro, no qual os advogados afirmam que “o acusado de forma espontânea e sem quaisquer reservas mentais, pretende exercer o direito de colaborar com a Justiça”. Ao lado do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, Duque fazia parte da blindagem petista a Lula e Dilma Rousseff no escândalo da Petrobras.

Duque mira a redução da pena. Em quatro ações penais, uma das quais por lavagem de dinheiro e ocultação de bens e valores, foi condenado a mais de 50 anos de prisão e responde a outros seis processos na 13ª Vara Federal de Curitiba. Tudo indica que sua delação está em linha com a do ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci, que também tentou convencer Vaccari a contar tudo o que sabe sobre o esquema de corrupção que operava em nome da cúpula do PT. Se Vaccari aceitar o acordo, a situação da cúpula petista, de Lula e de Dilma ficará mais complicada.

O coração da investigação sobre Duque é a criação da Sete Brasil, pela Petrobras, para a construção de 21 sondas de perfuração no pré-sal, com a participação da Odebrecht, dos fundos de pensão, do BNDES e alguns bancos. O caso foi delatado pelo ex-gerente de Serviços da Petrobras Pedro Barusco, que presidiu a empresa. A Odebrecht chegou a pagar propinas no valor de R$ 252,5 milhões aos envolvidos no escândalo, em troca de contratos no valor de R$ 28 bilhões. Duque pode relatar como foi o processo decisório na Petrobras, do qual o ex-presidente Lula teria tomado parte, segundo as delações de Marcelo e Emílio Odebrecht.

Mesmo em Vaccari, as duas delações vão apertar o cerco ao ex-presidente da República que deverá ser interrogado pelo juiz federal Sérgio Moro no próximo dia 10, em Curitiba. O depoimento estava marcado para o dia 3, mas acabou adiado a pedido da Polícia Federal. Ciente de que sua situação está se complicando cada vez mais, o petista aposta na politização do processo e antecipou o lançamento de sua candidatura a presidente da República em 2018. Além disso, vem subindo o tom contra Sérgio Moro, a ponto de dizer que vai se mudar para Curitiba e, assim, comparecer às audiências das 87 testemunhas que indicou, atendendo intimações do juiz. Ou seja, fará do julgamento um palanque eleitoral.

Mas se engana quem pensa que Lula escolheu Moro como adversário eleitoral. O petista já apontou as baterias para o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), que não se fez de rogado e também se movimenta como candidato a presidente da República, encarnando o figurino do anti-Lula. Nesse aspecto, hoje, em São Paulo, que as centrais sindicais pretendem parar, haverá um duelo entre Lula e o prefeito tucano, que gravou um vídeo convocando os funcionários da prefeitura ao trabalho e oferecendo transporte alternativo para os que desejarem trabalhar.

A greve geral

Desde o Germinal, de Émile Zola, cuja história se desenrola durante a preparação e eclosão de uma greve de mineiros no norte da França, a greve é descrita como a forma de luta mais eficaz e radical dos trabalhadores. O autor chegou a viver alguns meses entre os mineiros para reproduzir as condições de trabalho e vida deles, os primórdios da organização política e sindical e as divisões entre marxistas e anarquistas, que já existiam quando o livro foi lançado, em 1888. Germinal é o nome do primeiro mês da primavera no calendário da Revolução Francesa. Clássico do naturalismo, Zola associa as sementes das novas plantas à possibilidade de transformação social: os brotos das mudanças sempre voltarão a germinar. A história se passa na segunda metade do século XIX e virou leitura quase obrigatória de sindicalistas e militantes de esquerda no século passado.

A greve convocada para hoje contra a reforma trabalhista e a reforma da Previdência ocorre num mundo completamente diferente daquele que inspirou a criação das grandes centrais sindicais e o chamado Estado de bem-estar social, que se baseava na grande indústria mecanizada e nas linhas de produção do taylor-fordismo. Essa é uma realidade que já não existe mais nos setores mais dinâmicos da economia, haja vista as montadoras de automóveis completamente robotizadas e as modernas colheitadeiras de soja, que realizam em meia hora o trabalho de um dia. É uma greve de sindicalistas em defesa do imposto sindical e servidores públicos que não querem abrir mão do regime de Previdência diferenciado.

* Luiz Carlos Azedo é jornalista.

Fonte: http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-outro-rombo-no-casco/


Luiz Carlos Azedo: Um teste de força

Somente um governo eleito com esse programa poderia fazer reformas profundas. Temer terá que fazê-las de forma mitigada, legitimado apenas pela recessão e pelo desemprego

O governo Temer é liberal e reformista, mas vive a contradição de ser de transição, em meio à maior recessão da história republicana, uma crise ética que ameaça levá-lo de roldão com a elite política do país e o colapso do capitalismo de Estado brasileiro, cujo último lance foi esse escândalo da carne. Quis a Fortuna que o Brasil não tivesse até agora um governo liberal. Houve duas oportunidades históricas, mas ambas foram abortadas.

A primeira foi o governo de Sarney, vice como Temer, que não fez o que faria Tancredo Neves, que morreu às vésperas da posse. Foi contingenciado por Ulysses Guimarães à frente da Constituinte. Do entulho autoritário do regime militar, ainda restaram a estrutura vertical do nosso Estado positivista, a forte presença estatal no setor produtivo e corporações poderosas na administração federal, que se reproduzem nos estados e municípios.

A segunda oportunidade perdida foi o brevíssimo governo Collor, eleito com o forte discurso liberal, mas que se embriagou com o poder e tropeçou nas próprias pernas, em meio a um escândalo envolvendo o tesoureiro de campanha e um caixa dois que, resguardada as proporções, parece até cofre de porquinho diante do petrolão e outros escândalos sob investigação da Operação Lava-Jato. Legou ao país, porém, a abertura da economia para a globalização.

O governo de Fernando Henrique Cardoso, um social-democrata, foi reformista, com uma equipe econômica social-liberal, em permanente conflito com a ala desenvolvimentista do PSDB. Todo seu esforço foi focado no combate à inflação, no equilíbrio fiscal, na reforma patrimonial do Estado em crise de financiamento e no desmonte de um setor produtivo estatal que havia se tornado anacrônico e deficitário.

Para a esquerda brasileira, liberal é sinônimo de tudo o que pode haver de ruim na política. Para a opinião pública, ao contrário, é a esquerda que virou palavrão, tamanho o desastre causado pelos governos Lula e, principalmente, Dilma. Esse ambiente é propício à aprovação de medidas reformistas, para reduzir o tamanho do Estado, como as concessões de aeroportos, portos, ferrovias etc. E também de austeridade, como a nova regra do teto dos gastos públicos aprovada pelo Congresso.

O atual governo ousou pouco do ponto de vista do enxugamento da máquina administrativa. Por duas razões: de um lado, foi loteado entre os partidos da antiga base governista que haviam se descolado do governo Dilma, a começar pelo próprio PMDB, e os partidos de oposição, principalmente PSDB, DEM, PSB e PPS, que lideraram a luta pelo impeachment de Dilma; de outro, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, em razão da recessão, temia que um ajuste forte nos gastos públicos levasse a economia ao colapso e decidiu fazê-lo a médio e longo prazos, o que não foi suficiente para evitar o rombo atual nas contas públicas em razão da queda de arrecadação.

O governo agora está diante de uma situação dramática, na qual tem que fazer cortes nos gastos públicos, com impacto nas políticas sociais, e aumentar impostos, agravando atividades produtivas, para manter o equilíbrio das contas públicas. Ao mesmo tempo, precisa realizar reformas na Previdência, na legislação trabalhista e no sistema tributário. Somente um governo eleito com esse programa poderia fazer reformas profundas. Temer terá que fazê-las de forma mitigada, legitimado apenas pela necessidade de salvar o país de mais recessão e desemprego.

Ou seja, não basta a vontade do presidente da República de passar à História como grande reformista. Há que se ter uma correlação de forças favorável tanto no Congresso quanto na sociedade. Em ano pré-eleitoral, nada passa no parlamento sem apoio da opinião pública. Não se trata da popularidade de Temer, mas do apoio social ao que está sendo feito para o bem comum. O primeiro teste do governo quanto a isso foi a aprovação da terceirização pela Câmara, que vai à sanção presidencial. Parece um assunto resolvido, mas não é.

Greve geral

A votação dividiu a base do governo, inclusive o PMDB, e colocou em xeque as demais reformas, principalmente a reforma da Previdência, que enfrenta uma ampla coalizão contrária. Temer pode sancionar sem emendas o projeto, como querem os representantes do empresariado que apoiam o governo, mas a contrapartida é a unificação e radicalização do movimento sindical e sua instrumentalização pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Essa é a praia do PT.

Uma greve geral está sendo organizada para 28 de abril, o que pode ser um teste de força. Com o desemprego em massa, dificilmente uma greve geral, mesmo que por tempo determinado, terá adesão maciça dos trabalhadores empregados no setor privado, mas há os funcionários públicos e os empregados de estatais, e uma massa de desempregados, sem-teto e sem-terra que estão sendo mobilizados. O PT parece renascer das cinzas da Lava-Jato. De volta às ruas, agita as velhas bandeiras vermelhas contra as reformas.

A terceirização desregulamenta a velha CLT da Era Vargas. Discute-se a aprovação de uma nova lei, complementar, no Senado, para garantir alguns dos direitos trabalhistas e evitar a “precarização” do trabalho assalariado. O governo não deve vetar o projeto aprovado na Câmara, mas na área econômica a “pejotização” é vista como um tiro no pé da arrecadação, com impacto direto na Previdência. Não é fácil ser um governo de transição.


Fonte: blogs.correiobraziliense.com.br/azedo


Luiz Carlos Azedo: A reforma trabalhista

A terceirização divide o movimento sindical: a Central Única dos Trabalhadores, controlada pelo PT, é contra; a Força Sindical, ligada ao Solidariedade, é a favor

A reforma trabalhista começa nesta semana com a aprovação do projeto que regulamenta a terceirização do trabalho, anunciada ontem pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), na Câmara Americana de Comércio (Amcham) em São Paulo. O projeto foi aprovado pelo Senado em 2002, ainda no governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), e tramita no Congresso desde 1998. São quase 20 anos.

Caso seja realmente aprovado, o texto será sancionado pelo presidente Michel Temer, para quem a chamada reforma trabalhista não passa de uma regulamentação do dispositivo da Constituição que trata do “reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho”. Em função de decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST), a terceirização no Brasil está restrita às atividades-meio das empresas, o que gera uma grande confusão.

“Milhões e milhões de empregos hoje são gerados por terceirização”, disse Maia, que aposta na desregulamentação e chegou a defender publicamente o fim da Justiça trabalhista. “Nós temos que parar com este mito de que com maior regulação, maior número de leis, é melhor para o trabalhador”, defendeu. O presidente da Câmara acredita que a modernização das leis trabalhistas criará um ambiente mais favorável para aprovação da reforma da Previdência.

A terceirização divide o movimento sindical: a Central Única dos Trabalhadores, controlada pelo PT, é contra; a Força Sindical, ligada ao Solidariedade, é a favor. Na terceirização, uma empresa prestadora de serviços é contratada por outra empresa para realizar serviços determinados e específicos. Não existe vínculo empregatício entre a empresa contratante e os trabalhadores ou sócios das prestadoras de serviços. A prestadora de serviços emprega e remunera o trabalho realizado por seus funcionários, ou subcontrata outra empresa para realização desses serviços.

A Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que regulamenta a matéria, é considerada um anacronismo. A súmula serve de base para decisões de juízes da área trabalhista e estabelece que somente podem ser terceirizados os serviços de vigilância, conservação e limpeza, bem como “serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador”, “desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta” do funcionário terceirizado com a empresa contratante.

Há quatro grandes polêmicas sobre a lei da terceirização: primeira, a abrangência das terceirizações tanto para as atividades-meio como atividades-fim; segunda, o fato de as obrigações trabalhistas serem de responsabilidade somente da empresa terceirizada — a contratante tem apenas de fiscalizar; terceira, a representatividade sindical, que passa a ser do sindicato da empresa contratada e não da contratante; e, quarta, a terceirização no serviço público. No mundo empresarial, a nova lei é vista como um instrumento de redução de custos, formalização dos serviços e a criação de vagas de trabalho.

Na carne

O ministro da Agricultura, Blairo Maggi, proibiu a exportação de carnes produzidas por 21 frigoríficos investigados pela Polícia Federal. A venda no mercado brasileiro, porém, está liberada. A Operação Carne Fraca revelou um esquema de corrupção envolvendo fiscais do Ministério da Agricultura e produtores de carnes. Além de pagamento de propina a fiscais e partidos, a PF investiga a adulteração de produtos e a venda de carne vencida e estragada. Chile, União Europeia, Coreia do Sul e China, que consomem 27% da carne exportada pelo Brasil em 2016, já suspenderam a compra de carne.

O governo brasileiro quer circunscrever a crise aos frigoríficos investigados, mas o escândalo contaminou a imagem de todo o setor. Estão envolvidas a BRF Brasil, que controla marcas como Sadia e Perdigão, e também a JBS, que detém Friboi, Seara, Swift, entre outras marcas, mas também frigoríficos menores, como Mastercarnes e Peccin.


Fonte: blogs.correiobraziliense.com.br/azedo


Ipea diz que jovens entre 14 e 24 anos são os mais atingidos pelo desemprego

Jovens entre 14 e 24 anos são os mais atingidos pelo desemprego, segundo texto da Carta de Conjuntura nº 33, divulgada hoje (19), em Brasília, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Enquanto a taxa total de desemprego alcançou 11,8% no terceiro trimestre deste ano, entre os jovens dessa faixa etária chegou a 27,7%. O desemprego também afeta mais os trabalhadores com ensino médio incompleto (taxa de 21,4%).

O Ipea diz ainda que, até meados de 2016, o aumento do desemprego, apesar de ter sido substancial, foi atenuado devido ao fato de muitas pessoas que perderam emprego terem se tornado trabalhadoras por conta própria. Contudo essa tendência se reverteu no terceiro trimestre de 2016, quando se observou uma queda dos ocupados por conta própria, acrescentou o Ipea.

Rendimento

Segundo o Ipea, o terceiro trimestre de 2016 não apresentou melhoras na evolução do rendimento médio do trabalho.

A média de rendimentos ficou em R$ 2.017, R$ 50 abaixo do observado no mesmo período de 2015. No entanto, no cálculo do trimestre encerrado em outubro, a média subiu ligeiramente para R$ 2.025.

A análise do Ipea foi feita com base em microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnadc) e nos informes detalhados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho.


Fonte: agenciabrasil.ebc.com.br


Mesmo com retomada do crescimento, classes D e E terão mais 1 milhão de famílias em 2025, diz estudo

Sem alívio para os mais pobres

Estica, aperta e corta se tomaram palavras de ordem para lidar com o desemprego e a alta de preços na casa de Glória de Oliveira Brito e Anderson Ornelas, ambos de 42 anos. Depois que Anderson perdeu o cargo de gerente num areal, no início do ano, a renda da família foi reduzida a um terço, para R$ 1.300. A rotina sofreu mudanças drásticas: TV a cabo é coisa do passado, assim como as idas ao shopping e a lanchonetes com as três crianças — Maria Fernanda, de um ano e 7 meses, Daniel, de 6 anos, e Gabriela, de 10 —, que abandonaram as aulas de judô e balé. As viagens habituais para Belo Horizonte e para a Região dos Lagos já não fazem parte dos planos. E até os livros escolares dos filhos mais velhos de Glória só puderam ser comprados no meio do ano.

Nos últimos anos, desde que a economia mergulhou na recessão, o cotidiano das famílias de baixa renda se tornou mais austero. E tudo indica que o cenário vai demorar a mudar. Estudo da Tendências Consultoria Integrada mostra que, até 2025, haverá expansão da pobreza mesmo com a perspectiva de retomada da economia. As famílias das classes D e E — com renda mensal de até R$ 2.166 — continuarão a crescer e chegarão a 41 milhões. A comparação das projeções para este ano e o de 2025 indica que as classes D e E devem ganhar mais um milhão de famílias. Diversos fatores contribuem para a projeção, como a migração de famílias da classe C que não conseguem manter o padrão de vida conquistado, e o surgimento de novas famílias, que se formam em condições piores.

A deterioração do cenário impressiona, especialmente à luz das conquistas da década passada. Entre 2006 e 2012, quando o Produto Interno Bruto (PIB) crescia, em média, 4% ao ano, 3,3 milhões de pessoas ascenderam das classes D e E para a C, que abrange lares com renda entre R$ 2.166 e R$ 5.223, de acordo com o critério de classificação econômica da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (Abep). Com a recessão e a alta da inflação, os ganhos desse período se perderam de 2014 a 2016, período em que as classes D e E tiveram aumento de 3,5 milhões de famílias. Com base no estudo, nem mesmo uma década será capaz de aliviar integralmente os efeitos da recessão. O aumento na base da pirâmide deve ocorrer em ritmo mais moderado, mas, ainda assim, somente de 2019 a 2025, período para o qual se prevê expansão da economia, serão mais 438 mil lares.

— Quando você conduz mal a política econômica, deixa a inflação subir, as mais prejudicadas são as famílias de menor renda. Aliado a isso, se deixou que os gastos públicos subissem muito. A combinação de BNDES inchado, isenções de impostos e incentivos a setores não beneficiou os mais pobres. A economia mais fechada e com viés estatizante impediu maior concorrência e oferta de preços menores. Isso privilegia alguns poucos e prejudica a maioria — avalia Adriano Pitoli, economista, autor do levantamento e diretor da área de Análise Setorial e Inteligência de Mercado da Tendências.

MODELO FRÁGIL DE MOBILIDADE SOCIAL

O problema nos próximos anos, segundo Pitoli, é que a “fórmula mágica” que permitiu a ascensão dos mais pobres entre 2006 e 2012 — com expansão do consumo das famílias no dobro da velocidade do PIB e ampla criação de vagas para mão de obra menos qualificada em comércio e serviços — não deve se repetir. Especialistas destacam também outros componentes que impulsionaram a mobilidade social na década passada, como a política de valorização do salário mínimo, que acumulou crescimento real de 72,31% entre 2003 e 2014, o crédito facilitado, a inflação controlada e a entrada de mais mulheres no mercado de trabalho.

— Há muita coisa errada para consertar na economia. O mercado vai continuar muito fraco. As empresas vão demorar a voltar a contratar. Daqui por diante não tem mágica. As famílias vão ter de se acostumar a viver com menos por mais tempo — resume Pitoli. Com o quadro adverso na economia nos últimos anos, o nível de endividamento das famílias saltou de 18% da renda em 2005 para 30% no ano passado. Para especialistas, a rápida deterioração evidencia a vulnerabilidade do último quadro de expansão.

— Chama a atenção a intensidade do movimento. Ele sugere uma fragilidade da mobilidade social promovida anteriormente. É claro que é bom ter geladeira, carro, televisor e viagem de avião, mas não torna permanente a capacidade de a pessoa se sustentar, dar educação e saúde de qualidade aos filhos — avalia Gesner Oliveira, economista, professor da FGV e pesquisador na área de infraestrutura social.

Para as famílias que sentem no dia a dia o retrocesso na qualidade de vida, o jeito é se adaptar ou escolher criteriosamente quais gastos preservar. Glória e Anderson, que estão desempregados, tiveram de abrir mão do conforto de viver numa casa de dois andares, em Bangu. Eles alugaram o térreo a uma outra família. Junto com o aluguel de outro imóvel, herdado por Glória, esta se tornou a renda familiar no momento. Além de jogo de cintura, a mudança exigiu que eles transferissem a cozinha para o terraço e instalassem uma escada caracol para garantir o acesso direto ao segundo andar. Segundo Glória, a prioridade é preservar a qualidade da alimentação dos filhos.

— Eles têm de ter na mesa aquilo ao que já estão acostumados. A gente deixa de comprar roupa, estica dali, mas não corta alimentação. Os meses que meu marido trabalhou na Ceasa foram ótimos. Ele podia trazer para casa o que não era vendido. Chegava com “tonelada” de inhame, melancia, brócolis e couve-flor — conta Glória, em referência a um bico de três meses que o marido fez transportando alimentos.

PERDA DE BEM-ESTAR

Para Miguel Foguel, economista e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) nas áreas de mercado de trabalho e desigualdade, a perda de bem-estar é um dos efeitos mais duros sobre as famílias, principalmente porque pode respingar na educação:

— Não é de se estranhar que crianças deixem de ir à escola para trabalhar ou que jovens adiem a entrada na faculdade pela mesma razão.

Apesar do prognóstico negativo para os próximos anos, Carlos Antonio Costa Ribeiro, sociólogo e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp) da Uerj, avalia que a perda – de bem-estar é longe de ser irreversível. Ele aponta duas razões: a chamada mobilidade intergeracional, que mede se os filhos vivem em condições melhores que os pais, tem mostrado resultados positivos, e o ritmo menor de crescimento da população: — As pessoas estão tendo menos filhos. O Brasil tem taxa de reposição menor do que dois, está em 1,8 filho por família. Se a população diminui, e o sistema educacional continua se expandindo, isso significa menos gente entrando na economia ao longo do tempo, com maior escolaridade.

Oliveira condiciona a sustentabilidade da ascensão de classe à melhoria do que chama de infraestrutura social: educação, saúde, saneamento básico e segurança:
— Precisamos de foco na eficiência e na qualidade da infraestrutura social para obter resultados melhores do que as projeções. Caso a família perca o plano de saúde e a possibilidade de manter o filho em escola particular, poderia encontrar bons hospitais públicos. Um grande investimento nessas áreas pode fazer a diferença e criar ascensão social mais lenta. Com isso, não ocorreriam grandes movimentos de consumo ou euforia, mas a construção de uma nação mais igualitária.

Enquanto a realidade se mostra menos acolhedora, as pessoas se adaptam como podem: topam ganhar menos, fazem trabalhos temporários, dirigem Uber ou trabalham por conta própria, lista Foguel: — Elas aceitam para se defender, mas acabam contribuindo para piorar a renda.

Glória está desempregada há três anos. Reclama que o mercado é cruel com quem tem mais de 40 anos e três filhos. Desde então, a técnica em TI só conseguiu um trabalho temporário de três meses, durante os Jogos Olímpicos. Comemorou como se fosse promoção:

— Trabalho desde os 15 anos. É muito difícil ser só dona de casa. Cansa. Mexe com o emocional. Resolvi aceitar essa oportunidade e invertemos os papéis. Foi ótimo. O Anderson cuida das crianças melhor do que eu. É muito rígido com os horários: elas dormiam cedo, só faziam as refeições na mesa, e, antes do meio-dia, o almoço estava pronto.

Glória cansou de procurar emprego. Investiu R$ 400 em equipamentos e montou um salão de beleza em casa, que deve abrir esta semana. Anderson vai usar a experiência na direção para trabalhar como motorista do Uber. Esperam, assim, aumentar a renda da família em, pelo menos, R$ 1.000.

Por: Daiane Costa – O Globo


Fonte: pps.org.br