STF
Próximas derrotas de Bolsonaro no STF já estão desenhadas
PGR se manifesta contra medida que limita remoção de ‘fake news’ das redes e ministros alvos dos bolsonaristas julgam decreto de armas
Afonso Benites / El País
“Democracia é isso: Executivo, Legislativo e Judiciário trabalhando juntos em favor do povo e todos respeitando a Constituição”, escreveu o presidente Jair Bolsonaro em sua famigerada Declaração à nação, dois dias após incitar seus apoiadores contra o Supremo Tribunal Federal (STF). O recente republicanismo do presidente será testado nas próximas semanas, pois, na avaliação dos ministros do STF, dois dos seus movimentos institucionais mais recentes não respeitaram a Constituição. Bolsonaro caminha para sua primeira derrota judicial no tribunal após atacar a corte em uma manifestação antidemocrática em 7 de setembro —e recuar depois. Nos próximos dias, a ministra Rosa Weber deve se decidir sobre seis ações que pedem a declaração de inconstitucionalidade de uma medida provisória assinada pelo presidente. Ela tem como objetivo dificultar a remoção de fake news e conteúdos com discursos de ódio em redes sociais. Além disso, seu decreto de armas, que permitiu uma ampliação do porte de armamento pelos cidadãos, começa a ser julgado em plenário virtual nesta semana, e também não tem vida fácil na corte
A alteração no Marco Civil da Internet foi publicada no dia 6 de setembro, na véspera do ato radical promovido pelo presidente que pedia o fechamento do STF. Naquela ocasião, em meio a um embate com o Judiciário, Bolsonaro pretendia beneficiar seus apoiadores radicais que costumam divulgar desinformação na internet. A sinalização da iminente derrota nesse caso ficou nítida quando o procurador-geral da República, Augusto Aras, deu parecer contrário à MP, nesta segunda-feira.
Aras costuma se alinhar às pautas do presidente no Supremo. Neste caso, segundo fontes da Procuradoria Geral da República, o procurador-geral identificou uma batalha perdida e resolveu agir em sentido distinto do habitual, numa tentativa de demonstrar isenção aos pares, que têm lhe cobrado com certa frequência uma atuação mais incisiva na fiscalização dos atos do Governo. No parecer enviado à ministra Weber, o procurador alegou que havia um prazo reduzido para que as empresas que administram as redes sociais se adequassem às novas regras, o que poderia causar insegurança jurídica.
Aras defendeu que fosse concedida uma medida liminar para suspender a validade da MP até que o plenário da corte se manifeste sobre o tema. “Parece justificável, ao menos cautelarmente e enquanto não debatidas as inovações em ambiente legislativo, manterem-se as disposições que possibilitam a moderação dos provedores do modo como estabelecido na Lei do Marco Civil da Internet, sem as alterações promovidas pela MP 1.068/2021, prestigiando-se, dessa forma, a segurança jurídica, a fim de não se causar inadvertida perturbação nesse ambiente de intensa interação social”, disse o procurador no documento.
A MP de Bolsonaro veta, sob pena de multa, que empresas como Facebook, Twitter e Youtube retirem do ar conteúdos e perfis que violem seus termos de serviço, exceto por “justa causa”. O critério para remoção de conteúdo poderia estar relacionado com pedofilia, pornografia, incentivo ao terrorismo e ao tráfico de drogas, entre outros. O que a medida não prevê é a retirada de conteúdos falsos, discurso de ódio, incitação à violência ou assédio virtual. Na prática seria uma espécie de blindagem ao próprio Bolsonaro, que já teve vídeos removidos por disseminar o uso de medicamentos comprovadamente ineficazes no tratamento da covid-19. A medida evitaria, por exemplo, uma punição como dada a que recebeu seu aliado Donald Trump, que acabou banido do Facebook e do Twitter em janeiro deste ano, por incitar a invasão do Capitólio.
Para especialistas, a mudança legislativa neste momento é inapropriada, além de ser inconstitucional, porque medidas provisórias precisam respeitar os critérios de urgência e relevância, o que não ocorreu neste caso. O advogado Omar Kaminski, especialista em direito digital e gestor do Observatório do Marco Civil da Internet, diz que o ideal é que temas como esse sejam alvo de um amplo debate, seguindo os ritos normais de uma proposta legislativa, passando por audiências públicas e sendo analisados por comissões especializadas da Câmara e do Senado. “A MP mais parece um salvo-conduto para uma liberdade de expressão desmedida, sem freios e sem limites, inclusive para transmitir fake news ou criar realidades paralelas ou bolsões de novas correntes, de entendimentos jurídicos diversos dos atualmente vigentes, objetivando no mínimo uma desestruturação ou desconstrução normativa”, disse ao EL PAÍS.
A Coalizão Direitos na Rede, coletivo que reúne cerca de 50 entidades da sociedade civil e organizações acadêmicas que trabalham em defesa dos direitos digitais, também manifestou-se contrária à MP, por entender que ela dificulta o combate à desinformação e fere o princípio da livre iniciativa do setor privado. “Jair Bolsonaro frequentemente viola as políticas de conteúdo desses provedores de aplicações e conta com muita complacência das empresas, que permanecem inertes e praticamente não adotam medidas de moderação em relação aos seus conteúdos. Mesmo assim, decidiu intervir unilateralmente no funcionamento das redes sociais, atacando os princípios do Marco Civil da Internet”, ponderou a Coalizão em nota.
Sem debate com a sociedade
Até mesmo o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) demonstrou ser contrário à mudança na legislação da maneira que foi proposta por Bolsonaro. O órgão é um um comitê multissetorial, criado por decreto presidencial e estabelece diretrizes estratégicas relacionadas ao uso e desenvolvimento da internet no país. Em nota, o colegiado, que é formado por 21 pessoas, sendo nove representantes do Governo e 12 da sociedade civil, alertou que há um risco de se criar insegurança jurídica sobre o tema e de se congestionar o Judiciário com novas ações.
“Limitações excessivas à atuação dos provedores poderão ocasionar efeitos indesejados para a usabilidade geral da rede e para a proteção de usuários, além da inevitável sobrecarga ao já congestionado Poder Judiciário, que hoje já conta com mais de 80 milhões de ações em tramitação”, disse. O CGI.br defendeu o atual Marco Civil por entender que seu artigo 19 “tem por objetivo principal garantir o equilíbrio entre a atuação e responsabilização de usuários e provedores”. A nota do comitê foi elaborada nesta segunda-feira após uma reunião extraordinária do conselho. Nenhum dos 21 conselheiros, nem mesmo os com cargos no Governo federal, votou contra o documento.
A nota do CGI.br começou a ser gestada em maio, quando um grupo de trabalho foi montado para acompanhar potenciais mudanças no Marco Civil da Internet que já vinham sendo debatidas às escuras pelo Governo Bolsonaro. Desde então, o comitê tentou, sem sucesso, se reunir com representantes da secretaria de Direitos Autorais, a área responsável por este tema. “Por três meses houve esforços de nossa parte para dialogar, mas o Governo não quis e publicou essa MP sem interlocução prévia com o CGI”, disse a conselheira do órgão Bia Barbosa, que é representante do Terceiro Setor.
Internamente, de acordo com Barbosa, não há uma rejeição para que se mude o Marco Civil da Internet, desde que haja um amplo debate em que todos os setores sejam ouvidos. A construção dessa lei levou três anos só no Congresso Nacional. A da Lei Geral de Proteção de Dados, outra referência, foi discutida por dois anos dentro do Executivo e mais dois no Legislativo, sendo aprovada apenas em 2018. “Um tema como esse não pode ser atropelado por uma MP”, afirmou a conselheira.
O que tem ficado claro é que, na atual guerra contra a desinformação, o presidente está do lado das inverdades. Além dessa mudança no Marco Civil da Internet, Bolsonaro vetou no mês passado a punição à disseminação de fake news, prevista na lei que tipifica os crimes contra o Estado Democrático de Direito que foi aprovada pelo Congresso Nacional. ele argumenta defender a liberdade de expressão. O veto ainda será analisado pelos deputados e senadores. Não há uma data agendada para essa votação dos parlamentares.
Armas
Outro tema caro ao bolsonarismo que passa por análise no Supremo é o decreto de armas, que facilitou o comércio de armamentos e afrouxou a fiscalização. A tendência no tribunal é de que essa ordem presidencial também seja derrubada. Há sete ações sobre o tema e elas começam a ser julgadas no plenário virtual a partir do dia 17.
O indício, até o momento, é de que as reações dos poderes contra o presidente virão a galope. Além do Supremo, está cada vez mais claro no Congresso que suas pautas radicais não passarão. O que deve ser aprovado, ainda que com certa dificuldade, são suas pautas econômicas, como a reforma administrativa e alguns trechos da reforma tributária.
Fonte: El País
https://brasil.elpais.com/brasil/2021-09-14/as-proximas-derrotas-de-bolsonaro-no-stf-ja-estao-desenhadas.html
Cristovam Buarque: Espantos brasileiros, abismos históricos
Aos estrangeiros causa espanto que, 132 anos depois, temos 12 milhões de adultos que não sabem ler a própria bandeira
Cristovam Buarque / Correio Braziliense
Durante 350 anos, os estrangeiros se espantaram com a escravidão e com o fato de os brasileiros não se espantarem com o tratamento dado aos escravos. Se um visitante comentasse o assunto, o brasileiro branco diria: “São negros”. Passados 133 anos da Abolição, se algum estrangeiro comenta a má educação recebida por alunos das escolas públicas, ouve como resposta: “São pobres”.
Espanta os turistas como em nossas praias convivem banhistas ao lado de trabalhadores servindo sob o sol e sobre a areia, vendendo o que a moderna indústria oferece. Se o visitante estrangeiro disser “vocês ainda mantém privilégios do tempo da escravidão”, os brasileiros respondem: “Mas precisam desse trabalho para sobreviver”. Os escravos também. Ao voltar do século XIX ao século XXI, o visitante pensaria que a escravidão continua como se as algemas fossem invisíveis.
A ideia de que a escola deve ter a mesma qualidade, independentemente da renda e do endereço da criança, espanta tanto quanto no século XIX espantava a ideia de negros e brancos terem os mesmos direitos. Espantaria quem dissesse que os resquícios da escravidão decorrem da desigualdade no acesso à educação.
Nós brasileiros não nos espantamos que os republicanos tenham escrito lema, na bandeira que desenharam, sabendo que naquela época 6,5 milhões de adultos, 65% da população, não sabiam ler, nem mesmo o “Ordem e Progresso”. Aos estrangeiros causa espanto que, 132 anos depois, temos 12 milhões de adultos que não sabem ler a própria bandeira. O espanto só chega para quem tem olhos para vê-lo e percepção para senti-lo como algo estranho.
Qualquer pessoa, salvo os próprios brasileiros, se espantaria ao ver a notícia que o Brasil é o maior exportador de alimentos do mundo, seguida da informação de que dezenas de milhões passam fome todos os dias. Ainda mais ao ver, no mesmo noticiário da televisão, ao lado de famílias com fome, publicidade de competições entre candidatos a chefes de cozinha. Espanta que, apesar de milhões de desempregados sem salários, os empregados e patrões com altos salários recebem vales para pagar alimentação nos mais caros restaurantes, com dinheiro de impostos que os desempregados também pagam. Os estrangeiros se espantam quando sabem que os encarregados de zelar pelos interesses do povo – parlamentares, governantes, juízes, inclusive servidores da rede pública – usam seguro de saúde privada pago pelo setor público, como forma de proteger-se da má qualidade dos serviços que oferecem ao público .
Percebemos a injustiça de jovens que fazem ENEM em condições precárias por falta de aulas durante a pandemia, mas espanta a falta de espanto diante de pelo menos 80 milhões de brasileiros impedidos de se inscrever, porque ficaram para trás, sem um ensino médio minimamente satisfatório. Espanta a preocupação maior para entrar na universidade do que para abolir o analfabetismo. O Brasil que espantava por não se espantar com a escravidão, agora espanta por não se espantar com a imensa maioria de sua população analfabeta para o mundo contemporâneo: sem falar um idioma estrangeiro, sem saber as bases da ciência, da matemática, sem conhecer os problemas do mundo contemporâneo, e sem um ofício que lhe permita emprego e renda.
Os estrangeiros se espantam que o Brasil seja capaz de contabilizar 100 milhões de votos em poucas horas, e esses votos elejam presidente contrário à democracia que o elegeu. Espanta que o espetáculo tecnológico da contagem eletrônica dos votos não garanta a posse do eleito, se militares e milícias não estiverem de acordo com o resultado; também que o pagamento de contas pelo sistema pix fique prejudicado pelo clima de violência e criminalidade.
Parece que é permanente e ilimitada a capacidade brasileira de espantar ao mundo, sem se espantar aqui dentro.
Nesta semana, os brasileiros comemoraram o último 7 de setembro de seu segundo centenário, espantando o mundo pelas realizações de nosso desenvolvimento, e por nossa negação em distribuir os resultados do que realizamos, caindo em um abismo histórico. Por falta de espanto com a concentração e privilégios, não fazemos a distribuição necessária para construir um futuro com coesão e rumo, vitalidade nacional e inclusão social.
*Professor Emérito da UnB e membro da Comissão Internacional da Unesco para o Futuro da Educação.
Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/opiniao/2021/09/4948055-cristovam-buarque-espantos-brasileiros.html
Paulo Fábio Dantas Neto: Hora de colocar o guizo no bozo
Desmoralização de Bolsonaro é muito funda e cada palavra sua vale hoje ainda menos do que o pouco que já valia
Quem torcer para Bolsonaro desdizer o que assinou não vai ter muita emoção. Esse é o tipo de torcida desnecessária, porque é certo que o fará. Ele fará qualquer coisa para reduzir os danos na sua base, que esse recuo causará. Mas podemos pedir a estraga-prazeres de plantão que nos deixem celebrar esse momento de alívio, depois de tanta tensão.
E há motivos para celebrar, não importa o que Bolsonaro diga. A desmoralização é muito funda e cada palavra sua vale hoje ainda menos do que o pouco que já valia. A diferença agora é que não mais somente os seus recuos serão fake - como já eram, aos olhos céticos de todos nós, que lhe somos avessos. Seus ímpetos de avanço tenderão, doravante, a também ser considerados assim, pelo quarto do eleitorado que até agora o vem apoiando. O ex-presidente da República Michel Temer viajou a Brasília, reencarnou no papel e amarrou no pescoço da fera esse guizo, que deve fazer barulho nas próximas rodadas de pesquisas.
Em 2015, um ano antes do impeachment de Dilma, escrevi um artigo cujo título foi "O fator Temer". O destino infausto que evasivas e malabarismos demagógicos de políticos pequenos deram à pinguela que ele tentou levantar não me deixava a expectativa, que tenho hoje, de daqui a pouco poder escrever outro artigo com o mesmo título, remetido ao contexto atual.
Sim, dizem que vingança é prato que se come frio. Acrescento que se come sem dizer que está gostoso, não apenas para não tripudiar de quem chacoalha. Não precisa fazer isso para que outros políticos bem centrados possam cooperar entre si para concluírem a missão. Também não se deve ostentar o sabor para não atiçar demais a inveja de pigmeus políticos que também estão no palco, ou na plateia. Esses seguirão xingando Bolsonaro em lives, entrevistas, tribunas, ou bastidores. Mas, em vez de pautá-lo, como ocorreu quando ele foi levado a se retratar no dia 9/09 do que havia dito no dia 7, continuarão a ser pautados por ele.
Política é como unha. Ainda bem.*Cientista Político e professor da UFBa.
Luiz Carlos Azedo: Onde perdemos o rumo?
Um governo bonapartista em choque com a Constituição de 1988 tornou-se uma ameaçam ao Estado democrático. Estamos vivendo uma espécie de “apagão liberal”
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Desde a redemocratização, com a eleição de Tancredo Neves no colégio eleitoral, em 1985, o Brasil avançou com políticas democráticas e progressistas, de governos que implementaram a agenda da redemocratização. Houve, nesse processo, dois traumas: os impeachments de Collor de Mello e de Dilma Rousseff. Mesmo desastrosos, não podemos dizer que os dois governos passaram batidos, também deixaram seus legados. Mesmo aos trancos e barrancos, o Brasil avançou.
Um resumo brevíssimo: José Sarney legou-nos a Constituição de 1988; Collor de Mello, a abertura da economia; Itamar Franco, a estabilização econômica; Fernando Henrique Cardoso, a consolidação do Real e as privatizações; Luiz Inácio Lula da Silva, transferência de renda e combate à pobreza; Dilma Rousseff, os programas de infraestrutura e energia; Michel Temer, a blindagem das empresas públicas e a reforma trabalhista; Jair Bolsonaro, a reforma da Previdência, mas perdeu o rumo e namora o caos. Agora, estamos num impasse.
O progressismo mudou de endereço, nosso desenvolvimentismo não dá respostas para os novos problemas da economia e da sociedade. Herdeiro de educadores do naipe de Anísio Teixeira, Paulo Freire e Darcy Ribeiro, para o ex-senador Cristovam Buarque, por exemplo, o eixo do desenvolvimento do país deve ser a educação de qualidade para todos. Entretanto, não existe a menor possibilidade de revolucionar a educação no Brasil sem crescimento econômico e redistribuição de renda. Muito menos, sem democracia, a ameaça que agora nos ronda.
Alguns problemas são mais importantes do que outros. Assim como a inflação inercial precisava ser superada para a retomada do crescimento, é evidente que a crise fiscal é o atual gargalo da economia. Ou seja, o Estado não tem como financiar suas atividades. Até para o sucesso de uma reforma tributária, precisa modernizar a máquina pública. Sair dessa sinuca fiscal é o desafio para a atual geração de economistas.
Outro problema é a concentração de renda absurda que existe no Brasil. A erradicação da miséria e a redução da pobreza são prioridades, mas como resolver? Esse é o velho conflito distributivo da renda nacional, porém, não encontramos o caminho do crescimento sustentável, que pressupõe reverter a perda de complexidade industrial e apostar na economia de baixo carbono. A chave não está no velho nacional-desenvolvimentismo nem no agrarismo reacionário.
Exceção e inimigo
E a crise ética? Sua origem era o velho modelo de financiamento da política, o caixa dois eleitoral. O que distinguia o político honesto do desonesto era a formação de patrimônio. Esse modelo estava esgotado desde a Constituição de 1988, mas permaneceu sendo praticado, até implodir com a Operação Lava-Jato, que desmoralizou todo o sistema político. O fim do financiamento dos partidos por empresas, porém, não acabou com o estigma da corrupção na política, que continua forte no imaginário popular.
A guerra fria acabou, mas não as influências da política mundial. Após os atentados terroristas às Torres Gêmeas, em 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos, o ultraconservadorismo norte-americano resgatou as ideias do jurista e filósofo alemão Carl Schmitt (1888-1985), que se disseminaram pelo mundo novamente. Crítico do liberalismo e teórico do “Estado de exceção” (Ernstfail), fundamento jurídico tanto do Estado nazista quanto do nosso regime militar, segundo Schmitt, o Estado liberal foi concebido para lidar com situações normais, não com as mudanças inesperadas na História. Nas crises, um presidente serviria melhor para guardar a Constituição de um país do que a sua Suprema Corte. É dele a tese de que, nas excepcionalidades, o presidente se torna um soberano acima das leis, apto a legislar e mobilizar a população contra o “inimigo”. Tiremos nossas conclusões.
São ideias alimentadas pelo presidente Jair Bolsonaro, que deixam o país à beira da ruptura institucional, como aconteceu no Sete de Setembro. A existência de um governo bonapartista em choque com a Constituição de 1988 tornou-se uma ameaça ao Estado democrático. Boa parte do fracasso do governo Bolsonaro decorre do corporativismo, do desmonte de políticas públicas e, sobretudo, de ideias prisioneiras de um passado imaginário. Não da oposição, nem das instituições. Estamos vivendo uma espécie de “apagão liberal”, como aconteceu após a Revolução de 1930 e o golpe de Estado de 1964, com a diferença de que isso até agora não se consumou num regime autoritário, como no Estado Novo e após o AI-5, respectivamente.
Barroso reafirma segurança de urnas eletrônicas durante testes no RJ
Ministro frisou que TSE nunca identificou indícios de fraudes
Vladimir Platonow / Agência Brasil
O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, garantiu a segurança da votação através de urnas eletrônicas. Ele acompanhou, neste domingo (12), a auditoria da votação eletrônica dos pleitos suplementares no estado do Rio de Janeiro, nos municípios de Silva Jardim e Santa Maria Madalena.
“O sistema é absolutamente seguro. Ele está em aplicação desde 1996 e jamais se documentou qualquer tipo de fraude. De modo que nós não temos preocupação nessa matéria. Porém, é fato que criou-se, na minha visão artificialmente, numa pequena minoria da população, algum grau de desconfiança. E, portanto, as instituições públicas devem ser responsivas às demandas da sociedade. Portanto, nós aumentamos a interlocução com a sociedade para demonstrar a transparência, segurança e auditabilidade do sistema”, disse o presidente do TSE.
Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Barroso foi perguntado pelos jornalistas, durante coletiva de imprensa, sobre os últimos acontecimentos na área política, envolvendo o presidente Jair Bolsonaro, mas evitou entrar em detalhes: “Eu só respondo as questões institucionais. As pessoais, eu trato com absoluta indiferença. O resto é política, não me interessa”, concluiu o ministro.
Fonte: Agência Brasil
Alon Feuerwerker: O encapsulamento, o armistício e o cessar-fogo
As melhores pesquisas, as que costumam errar menos, mostram o mesmo fenômeno
lon Feuerwerker / Blog do Noblat / Metrópoles
Um certo encapsulamento de Jair Bolsonaro, uma convergência de seu piso e teto eleitorais, girando em torno de 25% a 30%. O presidente mantém a fatia de mercado que o alavancou ao segundo turno em 2018, mas mostra dificuldade de fechar a fatura, se a eleição fosse hoje.
Outro dado relevante é que cerca de 20% do eleitorado, nos cruzamentos, dizem preferir um candidato que não seja nem Bolsonaro e nem Luiz Inácio Lula da Silva. Quando são apresentadas as alternativas, naturalmente esse número cai, pois todo nome carrega com ele alguma rejeição. E nenhum da “terceira via” passa muito dos 10%.
Mas é razoável supor que se houvesse um único nome relevante “terceirista” (como em 2010 e 2014) ele teria boa probabilidade de abrir a corrida, daqui a pouco menos de um ano, com uns 15%. O que o colocaria, mantidos grosso modo os números de hoje, no espelho retrovisor do capitão.
E aí criar-se-ia uma condição já vista em eleições. Se Bolsonaro se mostrasse consistentemente debilitado no mano a mano com Lula, um pedaço do mercado eleitoral do presidente poderia achar mais importante derrotar o petista do que reeleger o capitão.
E Bolsonaro poderia ser objeto de um ataque especulativo que transferisse alguns pontinhos vitais dele para o nome “de centro”, que seria alavancado ao segundo turno com a missão de derrotar o PT.
Há alguma especulação, claro, nisso tudo, mas o cenário e as possibilidades numéricas explicam em boa medida os movimentos dos protagonistas. Especialmente no embate mais selvagem do momento: para definir quem carregará a espada do antilulismo em 2022.
Nada disso chega a ser novidade, mas é nesse contexto que precisam ser olhados os movimentos da agitada semana que fecha.
A muito expressiva, mas não decisiva, mobilização do Sete de Setembro não deu a Bolsonaro o impulso para o xeque. Mas criou um equilíbrio de forças propício ao que se seguiu: um cessar-fogo, um armistício.
Para projetar a duração do armistício, a correlação de forças tem mais importância do que as convicções. Sobre estas, aliás, é saudável partir da premissa de que cada jogador, se puder, prefere ganhar o jogo por W.O. Expurgar os adversários da disputa.
A estabilidade do atual cessar-fogo depende, em última instância, da confiança que dois dos três jogadores principais, o bolsonarismo e o centrismo, depositam na própria força eleitoral. O primeiro tem a liderança, ainda que baqueada, da máquina estatal. O segundo tem a hegemonia absoluta nos mecanismos de formação e controle da opinião pública (que não se confunde com a opinião popular).
Sobre Jair Bolsonaro, ele estará mais aderente ao armistício quanto mais estiver confiante de que tem boas chances de virar o jogo e buscar a reeleição. E isso nunca deve ser subestimado, pois desde que a reeleição foi permitida todos os presidentes se reelegeram.
P.S: A respeito das frentes, e o tema vale um texto à parte, é sempre prudente buscar fortalecer-se no processo frentista, porque pode acontecer mais cedo ou mais tarde que o amigo de hoje vire o inimigo de amanhã. E é bom estar preparado.
Alon Feuerwerker – jornalista e analista político/FSB Comunicação
Fonte: Blog do Noblat / Metrópoles
https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/artigos/o-encapsulamento-o-armisticio-e-o-cessar-fogo-por-alon-feuerwerker
Baixa adesão e pluralidade política marcam protestos contra Bolsonaro
Manifestantes foram às ruas em diversas capitais neste domingo (12/09), em defesa da democracia e pelo impeachment do presidente da República
Fernanda Fernandes / Correio Braziliense
As manifestações contra o governo e pelo impeachment do presidente da República, Jair Bolsonaro, marcaram o dia de hoje (12/09) em pelo menos 15 capitais do país. Os atos convocados pelo Movimento Brasil Livre (MBL) e pelo Vem Pra Rua (VPR), contaram com apoio de partidos de diferentes espectros políticos. O protesto que a princípio pedia “Nem Bolsonaro, nem Lula”, foi modificado para “Fora, Bolsonaro”, após os discursos antidemocráticos do presidente no último 7 de setembro.
No Rio de Janeiro e em Belo Horizonte os protestos começaram pela manhã e se estenderam até as 13h. Paralelamente, em Brasília, ainda ocorriam manifestações pró-Bolsonaro, com baixa adesão. À tarde, manifestantes da oposição se reuniram na Esplanada dos Ministérios, na capital federal, e na Avenida Paulista, em São Paulo. Com número de participantes bastante inferior ao visto em 7 de setembro, a diversidade ideológica entre os participantes, que protestaram pacificamente, chamou a atenção.
Mauro Vinícius da Silva, membro do Comitê Regional do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e secretário geral da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), afirmou ao Correio que a unificação das bandeiras contra o atual governo é uma pauta antiga do PCdoB. “Há bastante tempo a gente defende que apenas uma frente ampla, que una não só a esquerda mas todos os democratas e patriotas, é capaz de derrotar o Bolsonaro e o fascismo”, afirmou o bancário e sociólogo, durante o ato em Brasília.
A unificação pode ser confirmada nos atos deste domingo (12/09), onde a pluralidade política foi constatada nas bandeiras e faixas de protestos. As cores do Brasil e o vermelho se misturaram entre os cartazes e camisetas com frases em defesa da democracia e contra Bolsonaro. Muitos optaram pelas vestimentas brancas, como forma de mostrar imparcialidade.
Uma dessas pessoas foi Rodrigo Galletti, servidor público, de 45 anos, que participou dos protestos de forma apartidária. “Estou focado no Fora, Bolsonaro”, disse. “O país de Bolsonaro é um país armado, misógino e preconceituoso, baseado em um cristianismo distorcido. Não é o país que quero para mim, nem no presente, nem no futuro”. Sobre a escolha da cor branca, completou: “Tomaram posse da nossa bandeira e das nossas cores”.
Segundo Silva, o partido tem esperanças de ver um movimento muito maior no dia 2 de outubro. “Não houve da parte do PT, Psol ou do Fora Bolsonaro nenhum ataque. A gente quer que todos estejam juntos no dia 2 de outubro, não para fazer campanha eleitoral, mas para garantir que as eleições de 2022 aconteçam e sejam válidas”, disse o militante do PCdoB.
O protesto de outubro citado por ele foi convocado pelo PT que, ao contrário do PDT, o PCdoB e PSB, se recusou a participar das mobilizações deste domingo, atitude também tomada pelo PsoL. Vale destacar que os dois grupos organizadores dos eventos de hoje, encabeçaram os protestos que levaram à derrubada da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) do poder, em 2016.
Para o presidente regional do Cidadania/DF, Chico Andrade, o movimento unificado contra o presidente Bolsonaro ainda ganhará força nas ruas e no Congresso. Andrade lamentou a ausência dos dois grandes partidos de esquerda. “Foi uma pena terem se negado, a gente teria botado muito mais gente na rua. (...) (A manifestação) representa o sentimento de 70% da população. Ou todo mundo se une ou briga por mais dois anos, e ele vai tentar golpe mais uma vez”, alerta o representante do Cidadania.
São Paulo
Na avenida paulista, segundo informações do jornal Valor Econômico, os manifestantes não chegaram a ocupar metade de um quarteirão. O governador de São Paulo, João Doria, esteve presente. Ao relembrar o movimento “Diretas Já”, Dória inflamou os participantes afirmando que, hoje, existem muito mais recursos para uma mobilização nesta esfera. “Não tínhamos em 1984 as redes sociais, não tínhamos a internet, mas tínhamos coração. É isso que vai nos mover”, disse.
Rio de Janeiro
Terra Natal de Bolsonaro, a diversidade também tomou conta das ruas do Rio de Janeiro, na Orla de Copacabana. O ato foi puxado por grupos que fizeram campanha para o presidente em 2018 e, decepcionados com sua gestão, hoje buscam pelo impeachment. Também no Rio, as bandeiras do MBL e do VPR se misturaram às das centrais sindicais, partidos e grupos de esquerda como o PDT, UNE (União Nacional dos Estudantes) e a CTB.
Até o momento, nenhuma Polícia Militar dos estados ou organizadores divulgaram a estimativa de público.
Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/09/4949096-baixa-adesao-e-pluralidade-politica-marcam-protestos-contra-bolsonaro.html
Cristovam Buarque: À espera de uma oposição
Hora de pensar a renúncia de todos os candidatos em benefício daquele com maior chance de barrar a Pessoa Jurídica do Autoritarismo
Cristovam Buarque / Blog do Noblat / Metrópoles
Enquanto seis democratas disputam qual deles irá para o segundo turno, Bolsonaro já está no terceiro. Percebendo a possibilidade de derrota, se prepara para negar o resultado da eleição com um golpe cujo esquema está pronto, salvo um detalhe.
Já levantou a suspeita de fraude nas urnas eletrônicas; já explicitou a suspeição do Presidente do TSE, que será Alexandre de Moraes; já liberou a compra de armas que seus apoiadores utilizarão; já mobilizou suas milícias, polícias, motoqueiros, caminhoneiros, além de parcelas do Exército, Marinha e Aeronáutica. Só descuidou do elemento surpresa, importante para o êxito de qualquer golpe, mas conta que a falta de surpresa não vai atrapalhar, porque os democratas continuarão divididos, disputando entre eles, deixando a defesa da democracia nas mãos do STF, sem urnas, nem armas. Mais uma vez, o autoritarismo se beneficia do corporativismo dos democratas que continuam achando que a disputa é entre cada um deles, ou entre esquerda e direita e não entre democracia e autoritarismo. Se tivessem bom senso, sentimento democrático e espírito público, os seis pré-candidatos a presidente deveriam entender o caráter da disputa.
A Pessoa Física Bolsonaro foi eleita pelo discurso antipolítica, pela facada, pela rejeição à velha esquerda, o enfrentamento do fantasma do comunismo já morto e pela bandeira da anticorrupção. Agora, a vitória será da Pessoa Jurídica do Bolsonaro: negacionismo, recusa à ciência, controle do STF e do Congresso, aceitação de corrupção da turma no poder, abandono da escola pública, das universidades, do desenvolvimento científico e tecnológico, sequestro dos símbolos nacionais, abandono dos direitos das minorias, queima das florestas, genocídio. A eleição será um plebiscito entre a Pessoa Jurídica do atraso desmiolado e a Pessoa Jurídica Democrática em busca do salto para o futuro.
Para construir esta Pessoa Jurídica Democrática, o primeiro passo é a unidade na defesa da democracia: renúncia de todos os candidatos em benefício daquele que apresente maior chance de barrar a Pessoa Jurídica do Autoritarismo. A democracia contaria com a unidade necessária para barrar qualquer tentativa de golpe. No lugar do nem-nem”, consolidaria um NÃO contra a tragédia da decadência nacional representada por um novo mandato de Bolsonaro, promoveria o diálogo com a população assumindo erros do passado e compromissos com o futuro, formularia as linhas básicas do governo seguinte: apenas um mandato, retomada do prestígio do Brasil no exterior, recuperação do tempo perdido na área social, enfrentamento do problema do desemprego e da recessão, proteção da riqueza natural, especialmente a Amazônia, início de estratégia para superar o atraso e a desigualdade na educação.
Difícil construir esta Pessoa Jurídica Democrática, por causa da arrogância que vem do tamanho do Partido dos Trabalhadores e seu candidato em relação a todos os outros e por causa dos preconceitos de todos os outros em relação ao PT, por causa dos erros cometidos nos governos deste partido. A arrogância e o preconceito, a falta de percepção do risco do golpe para dar posse à Pessoa Jurídica do Autoritarismo, parecem levar o Brasil na marcha que todos dizem querer evitar, mas cada um faz o que é preciso para que aconteça: o golpe anunciado do terceiro turno.
Cristovam Buarque foi senador, ministro e governador
Fonte: Blog do Noblat / Metrópoles
https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/artigos/a-espera-de-uma-oposicao-por-cristovam-buarque
Pedro Dória: Lições para aprender após a tentativa de golpe de Estado
Nada do que estamos vivendo ocorreria se aprendêssemos algo com o passado
Pedro Dória / O Estado de S. Paulo
Esta coluna tem tema — o impacto das transformações digitais no mundo. Mas esta não é uma semana qualquer. Na terça-feira, logo um 7 de Setembro, o presidente Jair Bolsonaro juntou uma pequena multidão na avenida Paulista e ameaçou violar o artigo 85 da Constituição. É aquele que obriga alguém em seu cargo a cumprir decisões judiciais sob a pena de impeachment. Durante aquele dia, a PM do Distrito Federal resistiu a sete ofensivas contra o Palácio do Supremo. Foi uma tentativa de golpe de Estado, que se frustraria, o que não faz disso menos grave. Dois dias depois, na quinta, perante um impeachment posto no radar, Bolsonaro se acovardou. Tenta recuar do desastre com uma carta escrita pelo ex-presidente Michel Temer. Peço licença, pois, aos leitores habituais da coluna para vestir só nesta semana meu outro chapéu profissional — o do jornalista que escreve sobre história. Porque nada do que estamos vivendo ocorreria se aprendêssemos algo com o passado.
A primeira lição: existe um germe militar autoritário na cultura política brasileira. Sempre que o País se desorganiza, um grupo grande o suficiente de brasileiros bate à porta dos quartéis. Por algum motivo, acreditamos que os militares representam ordem, disciplina e competência. Foi assim em 1889, quando Deodoro pôs abaixo o Império. Também foi assim em 1937, quando Getúlio se apoiou em dois marechais para cercar o Congresso e encerrar o período da melhor Constituição que tivemos até 1988. A eleição de Eurico Gaspar Dutra foi isso. Ia sendo assim em 1954, quando o mesmo Getúlio — agora na outra ponta — meteu um tiro no peito evitando um golpe. Em 1964. E, em 2018, perante o caos deixado pela instabilidade da década de 10, com a eleição de Bolsonaro.
Nunca dá certo. Os governos militares foram uniformemente incompetentes, ineptos, desordeiros, corruptos e desorganizados. A única promessa que militares cumprem no poder é que, ora, autoritários eles são mesmo. Por que não aprendemos que é um desastre? É um mistério. Mas o resultado é sempre o mesmo.
A segunda lição é uma que a centro-esquerda não consegue aprender. É incapaz de pactuar com o Centro democrático. Para a Esquerda brasileira, é como se o Centro não existisse. Tudo para além é a ‘Direita’. Com a Direita fisiológica tem conversa — Getúlio fez muito disso. A Centro-Esquerda então transforma sua vertente radical em massa de manobra. Jango fez muito disso. Pactuar com o Centro? Nunca. Sequer reconhecer a existência de tal coisa. É assim que Fernando Henrique Cardoso passou sua presidência sendo chamado de fascista.
Se tivesse havido um diálogo cordial e democrático em cima da extensa interseção de objetivos de Centro-Esquerda e Centro, a história da Nova República teria sido outra.
Mas este Centro, do qual fazem parte os Liberais, também tem culpa no cartório. Mesmo alguns de nossos melhores Liberais, dentro os mais convictos democratas como Ruy Barbosa e Afonso Arinos, sempre existe esta ilusão do atalho autoritário. Uma ditadura curta vai promover reformas tão difíceis de realizar na Democracia. Um autoritário de pulso firme fará o que é preciso para o Brasil entrar nos trilhos.
Como pode um Liberal apoiar um autoritário? Está entre nossas jabuticabas brasileiras. Sempre dá errado.
A mais cruel das lições é outra. Assim como a Frente Ampla que juntou Carlos Lacerda, João Goulart e Juscelino Kubitschek demorou três anos de ditadura para enfim sair, os democratas são incapazes de caminhar juntos perante uma ameaça à democracia. A gente não aprende.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://link.estadao.com.br/noticias/geral,licoes-para-aprender-apos-a-tentativa-de-golpe-de-estado,70003835960
Vera Magalhães: Nota de recuo vale por uma de R$ 3
A pretexto de fazer um favor ao país, Temer presta um desserviço histórico
Vera Magalhães / O Globo
Vale tanto quanto uma cédula de R$ 3 a nota em que Jair Bolsonaro usa o marqueteiro de Michel Temer como ghost-writer para ajoelhar no milho diante do Supremo Tribunal Federal e fingir um arrependimento que não tem das ameaças de golpe que sinceramente proferiu no 7 de Setembro.
Quem fingir que acredita no propósito de se moderar, de obedecer aos desígnios do Judiciário e de zelar pela independência e harmonia dos Poderes feito por Temer é cínico, burro ou ingênuo. Ou um mix dos três.
Cínico será o alívio do mercado, dos ministros e dos deputados da base aliada.
O primeiro grupo tratará de tentar recuperar os prejuízos dos últimos dias.
Os integrantes do primeiro escalão buscarão para o espelho, para o travesseiro e para os filhos uma justificativa plausível para continuar servindo a um governo que busca uma ruptura institucional.
E os nobres parlamentares da base aliada encontrarão a desculpa necessária para continuar mamando nas tetas do Orçamento até exauri-las, sem precisar fingir que estão pensando a sério em abrir um processo de impeachment.
Ingênuo será o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM), se, com base nessa encenação tosca, deixar de devolver a Medida Provisória que susta parte do Marco Civil da Internet ou se receber os caminhoneiros que fazem chantagem com o país com uma paralisação que foi convocada e insuflada por Bolsonaro em pessoa.
Também figura no rol dos ingênuos, desta vez com uma dose de vaidade por ser lembrado e chamado em casa, Michel Temer, ao associar sua já questionada passagem pela Presidência (que deixou com recordes de rejeição) à indefensável e incorrigível gestão de seu sucessor.
Ademais, a pretexto de fazer um favor ao país, Temer presta um desserviço histórico. Porque ajuda a escamotear o real propósito de Bolsonaro de solapar a democracia e dinamitar as instituições aos poucos todos os dias.
Hoje, o presidente se finge de cordeiro, pede desculpas e faz um ato de contrição. E o faz porque é, além de golpista e inepto para o cargo, atavicamente covarde e se pela de medo da deposição e da prisão — dele e dos filhos. Só por isso. O país que se exploda. É nesse avião que Temer aceitou embarcar.
O último grupo a acreditar na nota de R$ 3 de Bolsotemer é o dos burros, integrado pela ala mais bovina dos bolsominions. Os comentaristas a soldo, pseudojornalistas, blogueiros golpistas arrancaram os poucos cabelos que têm e arreganharam as gengivas inflamadas para xingar o mito de todos os nomes feios que conhecem.
Já lançam Tarcísio Gomes de Freitas, o ex-técnico transformado em minion pelo chefe, para lhe suceder na eleição de 2022!
De tão desarvorados, se esquecem de relaxar e lembrar que amanhã mesmo Bolsonaro já estará de volta ao script de protoditador de anteontem, mandando às favas a máxima temerista de que verba volant, scripta manent (calma, Centrão, a verba que voa é a palavra, a do orçamento secreto fica).
Que os que estavam vigilantes e preocupados no dia 8 sigam assim e não desviem de seu papel constitucional de conter um presidente disposto a lhes sentar o relho e empastelar as eleições.
Os inquéritos de Alexandre de Moraes têm de seguir, a MP do Marco Civil tem de voltar para o Planalto com selo de endereço não encontrado, as investigações do TSE sobre as mentiras de Bolsonaro quanto ao pleito não podem parar, a CPI tem de concluir seu relatório com imputação dos inúmeros e hediondos crimes cometidos pelo presidente e pelo sumido general Pazuello, e a indicação de André Mendonça ao STF tem de ser rejeitada, porque quem o indicou quer fechar o Supremo.
Essa é a pauta de resistência possível e viável, uma vez que o impeachment, conforme escrevi aqui, não sairá.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/vera-magalhaes/post/nota-de-recuo-de-bolsonaro-vale-tanto-quanto-uma-de-r-3.html
Índios marcham pelo centro de Brasília e fazem reivindicações
Marcha das Mulheres Indígenas reuniu-se com o movimento Luta pela Vida
Alex Rodrigues / Agência Brasil
Com faixas contra o governo federal e pela manutenção de seus direitos constitucionais, o grupo deixou o acampamento por volta das 9h de hoje e seguiu em caminhada pelo Eixo Monumental até a avenida W3 Sul, de onde foi para a Praça do Compromisso. Na praça, o grupo homenageou a memória do índio pataxó Galdino Jesus dos Santos, morto, no local, por cinco jovens de classe média que, em 1997, atearam fogo em seu corpo. Durante o ato, um boneco alusivo ao presidente Jair Bolsonaro foi queimado.
A marcha pela região central de Brasília estava prevista para ontem (9), mas, por segurança, os coordenadores decidiram adiá-la. Ainda por segurança, os indígenas optaram por caminhar até a Praça do Compromisso, e não mais até a Praça dos Três Poderes.
"As forças de segurança do Distrito Federal recomendaram que, por precaução, as mulheres ficassem aqui mesmo, no acampamento. Decidimos não fazer a marcha até a Praça dos Três Poderes por entender que ainda há muita gente armada na cidade”, disse ontem Danielle Guajajara à Agência Brasil.
Luta Pela Vida
Desde a última terça-feira (7), os participantes da 2ª Marcha Nacional das Mulheres Indígenas se somam aos remanescentes do movimento Luta Pela Vida, acampamento indígena que, nas últimas semanas, chegou a reunir 6 mil pessoas na capital federal para acompanhar o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), do futuro das demarcações das terras indígenas.
O movimento indígena reivindica pressa na demarcação de novas reservas, com a conclusão dos processos de reconhecimento em fase avançada. E, principalmente, cobra que os ministros do STF refutem o chamado Marco Temporal, tese segundo a qual só teriam direito às terras pertencentes a seus ancestrais as comunidades que as estavam ocupando ou já as disputavam na Justiça em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.
Os índios também se opõem às propostas de liberar a mineração em seus territórios e flexibilizar as normas de licenciamento ambiental em todo o país e ainda cobram ações públicas contra a violência contra as mulheres indígenas e a favor da saúde dos povos tradicionais.
Fonte: Agência Brasil
https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2021-09/indigenas-marcham-pelo-centro-de-brasilia-e-fazem-reivindicacoes
Luiz Carlos Azedo: As nuvens do Planalto
O que Bolsonaro fala não se escreve. Agora, com a sua Mensagem à Nação, na qual se compromete a respeitar a Constituição de 1988, veremos se cumpre o que escreve
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Ex-banqueiro, ex-deputado, ex-governador de Minas Gerais e então ministro das Relações Exteriores na época da publicação do Ato Institucional no 5, em 13 de dezembro de 1968, Magalhães Pinto eram um político conservador, que apoiou o golpe de 1964, como a maioria dos caciques da antiga União Democrática Nacional (UDN). Para ele, a política era como uma nuvem: “Você olha e ela está de um jeito; olha de novo e ela já mudou”.
Signatário do histórico Manifesto dos Mineiros, lançado por setores liberais contra o Estado Novo (1937-1945), em outubro de 1943, mesmo assim Magalhães Pinto subscreveu o AI-5 na “esperança” de que o decreto tivesse vigência de seis ou oito meses, diria em entrevista, 16 anos depois. O regime militar só acabou em 1985, com a eleição de Tancredo Neves, seu adversário histórico do antigo PSD. O tempo fora suficiente para volatilizar seu projeto de chegar à Presidência da República, frustração que também ocorreu com outros políticos golpistas, como o ex-governador carioca Carlos Lacerda, que teve o mandato cassado pelos militares.
As nuvens da política no Planalto são caprichosas e traiçoeiras. Nessa época do ano, em que a seca castiga o Distrito Federal, elas aparecem e desaparecem ao sabor do vento. As chuvas, com raios e trovões, são uma raridade, mas eventualmente ocorrem. Na terça-feira, Dia da Independência, Brasília amanheceu sob um ameaçador cumulonimbus, uma formação semelhante àquelas “Nuvens Negras” que intitularam o editorial do antigo Correio da Manhã, a senha para a marcha das tropas do general Mourão Filho, de Juiz de Fora para o Rio de janeiro, em 31 de março de 1964, o estopim da destituição do presidente João Goulart.
Existem nuvens em camadas e nuvens convectivas. Nuvens em camadas aparecem altas no céu, são as mais comuns nessa época do ano em Brasília. As nuvens convectivas estão mais próximas da superfície da Terra. Em 1802, o inglês Luke Howard criou quatro categorias de nuvens usadas até hoje: cumulus, stratus, nimbus e cirrus. O nome cumulus vem do latim e significa “pilha” ou “montão. Nimbus é a palavra para “nuvem” em latim. Nuvens nimbus são produtoras de precipitação. A categoria nimbus é frequentemente combinada com outras categorias para indicar condições de tempestade.
Na gíria dos morros e subúrbios cariocas, “CB” significa “sangue bom”. Na meteorologia, porém, a sigla significa cumuloninbus, um terror para pilotos e navegantes. São nuvens que podem ocorrer a qualquer momento, durante todo o ano. Na aviação, limitam o espaço aéreo, pois o voo dentro delas é de extremo risco — também afetam pousos e decolagem. No mar, nos rios e nos lagos, podem causar naufrágios. Provocam turbulência, granizo, formação de gelo, saraiva (granizos lançados para fora da nuvem, em ar claro), relâmpagos e, por vezes, tornados. Há registros de ventos de 100 milhas/hora e tempestades de 8 mil toneladas de água por minuto, que duram não muito mais do que meia-hora. Seus raios podem chegar a 100 milhões de volts.
Dissipação
Terça e quarta-feira, parecia que um CB levaria a Constituição de 1988 ao naufrágio e calcinaria os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Mas era uma daquelas nuvens da nossa política. No auge da tensão entre os manifestantes que ocupam a Esplanada e os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), as tropas do Comando Militar do Planalto, chefiadas pelo general de divisão Rui Yutaka Matsuda, estavam de prontidão, para garantia da lei e da ordem, se assim fosse necessário. Não estavam aquarteladas para dar um golpe de Estado, mas, sim, proteger o STF, se fossem requisitadas pelo presidente da Corte, Luiz Fux. Por muito pouco, o presidente Jair Bolsonaro não cometeu um grave crime de sedição ao incitar os caminhoneiros contra o Supremo, o contrário do que deveria fazer como. “comandante supremo” das Forças Armadas.
Enquanto as multidões que mobilizara urravam, Bolsonaro se isolava politicamente. Na quar- ta-feira, as reações do presidente do STF, Luiz Fux, e dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), refletiram essa situação. Ontem, os bloqueios de rodovias pelos caminhoneiros que apoiam Bolsonaro e querem fechar o Supremo, e as reações do mercado financeiro, com ações em queda e dólar em alta, reve- lavam que o presidente ainda estava dentro cumulonimbus, enquanto os políticos e a magistratura o contornavam.
O antológico e duro discurso do ministro do STF Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), durante a sessão da Corte, deixou muito claro que os ministros do Supremo não se acovardariam. Coube ao ex-presidente Michel Temer, como se fosse um velho controlador de voo, convencer o presidente a mudar de rota, enquanto as nuvens se dissipavam. O que Bolsonaro fala não se escreve. Agora, com a sua Mensagem à Nação, na qual se compromete a respeitar os demais Poderes e a Constituição de 1988, veremos se cumpre o que escreve.