silêncio

Pouco a pouco, o presidente da República retoma o controle político da situação | Imagem: reprodução/Outras Palavras

Ataque a Brasília: o silêncio da banca

Outras Palavras*

O intervalo foi de apenas uma semana. Entre a maravilhosa e emocionante jornada da posse de Lula na Esplanada dos Ministérios, no 1º de janeiro, e a crueldade criminosa dos atos terroristas perpetrados pela horda fascista do bolsonarismo, neste domingo, fica o retrato contraditório de um país que saiu dividido do processo eleitoral. Não restam muitas dúvidas a respeito da responsabilidade direta do governador reeleito do Distrito Federal (DF), Ibaneis Rocha, bem como de seu secretário de Segurança Pública, Anderson Torres. Ambos sabiam exatamente o que estava sendo preparado para aquele fim de semana, a partir das articulações dos golpistas acampados em frente ao Quartel General do Exército em Brasília.

Além disso, o sistema de informações do governo federal também tinha informações a respeito das caravanas que estavam sendo organizadas nos estados, em especial das regiões Sul e Centro Oeste. Ibaneis sempre foi um aliado de todas as horas do presidente fujão, tendo oferecido a área de segurança do DF para a famiglia Bolsonaro. Anderson Torres é um servidor da Polícia Federal, oferecendo uma fidelidade canina ao esquema de poder derrotado nas urnas. Tanto que foi nomeado Ministro da Justiça e Segurança Pública logo depois da saída de Moro em 2021. Em mais um gesto de reconhecimento do governador do DF, agora foi agraciado com a pasta distrital da segurança. Fez todo o corpo mole possível, sonegou informações, deixou o comando da Polícia Militar (PM) local colaborar como quis com os terroristas e fugiu para os Estados Unidos, com a intenção explícita de se juntar ao clã na Florida.

O Ministro da Defesa nomeado por Lula foi outro fator que ajudou indiretamente na empreitada golpista. José Múcio chegou passando pano nas manifestações em frente às instalações militares pelo Brasil afora, classificando-as como democráticas, tanto que teria amigos e familiares participando das mesmas. Uma loucura! Ora, em uma situação como esta, o recado foi entendido pelos terroristas como um claro sinal verde para seus atos criminosos. Daí para frente, tratou-se de uma sucessão de erros e equívocos na administração da segurança e na estratégia mesmo militar de proteção dos edifícios e da própria Praça dos Três Poderes. O Ministro Flávio Dino se diz enganado pelo governo distrital com a ausência de comando da segurança militar do Palácio do Planalto, o número reduzido de efetivos de segurança para impedir o aceso às áreas estratégicas da Esplanada e até mesmo a cumplicidade da PM/DF com os golpistas, oferecendo apoio às movimentações na região.

Financismo de rabo preso com o golpismo

Depois de todo o estrago consumado, no final da tarde Lula promove a intervenção na área de segurança do DF até o final de janeiro e o ministro do STF e presidente do TSE, Alexandre de Moraes, afasta o governador do DF de suas funções até 31 de março. No início da semana, a realização da reunião com todos os 27 governadores foi um marco importante no processo de construção política de uma união nacional contra o terrorismo bolsonarista. Neste momento, é mais do que fundamental aprofundar o isolamento político do fugitivo e de seus seguidores, marcados pelo fanatismo, que antes pregavam e agora praticam o terror. A manifestação de solidariedade dos governos do resto do mundo com Lula e a condenação do terrorismo também contribuem para afastar qualquer ameaça de golpe militar. Pouco a pouco, o presidente da República retoma o controle político da situação, mas ainda precisa resolver a complexa e sensível “questão militar”. A presença de Múcio na pasta da Defesa deveria ser uma questão de tempo, o necessário para que Lula encontre uma solução que seja de sua absoluta confiança e também conte com algum respaldo nas Três Armas.

O fato interessante é que não saiu nenhuma nota, entrevista ou declaração do povo do financismo a respeito da grave crise que o país viveu e da qual ainda sente os efeitos. Aliás, é sempre assim. Os escribas e especialistas a mando do sistema financeiro adoram deitar falação e cobrar publicamente os governos quando entendem que a sua pauta de austeridade fiscal, privatização e liberalização está correndo algum tipo de perigo. E dá-lhe matérias alertando para catástrofe de aumentos de despesas governamentais na área social, os riscos de um “retrocesso” no processo de venda das empresas estatais ou de alguma flexibilização no arcabouço da política fiscal.

E os efeitos econômicos do terror?

 O financismo não parece considerar o famoso “risco”, tal como costumam quantificar, representado pelas ações terroristas financiadas e patrocinadas por setores importantes de nossas classes dominantes. Apesar de toda a habilidade demonstrada por Lula em “fazer desse limão uma limonada”, o fato concreto é que a imagem internacional do Brasil sofreu arranhões com as cenas, ocupando espaços dos grandes meios de comunicação nos cinco continentes. Nada que não seja recuperável, mesmo no curto prazo. Mas esse tipo de ação não merece atenção, nem nota, nem repúdio da parte desse povo da banca.

Eles adoram calcular o impacto de tal e qual medida voltada a atender necessidades da população mais carente, como o reajuste do Bolsa Família, o aumento real do salário mínimo e outras. Mas não mandaram seus estagiários prepararem a planilha para estimar os custos diretos e indiretos provocados pela depredação do patrimônio físico, cultural e histórico daquele dia triste em que o terrorismo tomou conta do centro do poder em Brasília. Ou ainda não se preocupam em botar suas equipes para realizarem as contas de quais são os custos dos acampamentos, dos transportes e toda a logística que foram bancados pelos empresários que há muito tempo vêm financiando as manifestações golpistas e, agora, o próprio dia do terror.

Silêncio demonstra cumplicidade

Por outro lado, começam a surgir as informações relativas aos movimentos próximos às refinarias e aos ataques contra as linhas e transmissão de energia elétrica em vários cantos do país. Trata-se de claras ações de sabotagem e terrorismo. São custos sociais e econômicos que deveriam ser cobrados na Justiça, juntamente com a condenação pelos crimes tipificados pela legislação antiterrorista. Esse pessoal adora condenar as ações legais e legítimas movidas pelos sindicatos e pressionam a Justiça do trabalho a cobrar das entidades pelo suposto prejuízo causado pelas paralisações. E, agora, como é que fica? Apenas um silêncio que denuncia a cumplicidade e o rabo preso com os golpistas.

Na verdade, outra consequência bastante negativa desse movimento antidemocrático é o retardamento do início do processo de reconstrução nacional. O novo governo já deveria estar se debruçando sobre as pautas de restabelecimento das políticas públicas que foram sistematicamente desmontadas ao longo dos últimos seis anos. Lula poderia estar coordenando as tarefas de recuperação do protagonismo do Estado, uma vez que seu objetivo declarado é fazer 40 anos em 4. Se tal sabotagem era um dos intuitos dos mandantes e financiadores da tentativa de putsch, o fato é que o tiro talvez saia pela culatra. O terceiro mandato pode ter seu início ainda com a ampliação de sua base de apoio político, social e também parlamentar.

O silêncio do financismo sobre os fatos dos últimos dias é carregado de significado. Apesar da oposição de seus principais representantes a algumas das medidas anunciadas por Lula e necessárias para a retomada das atividades econômicas com foco na redução de desigualdades e no desenho de um projeto de desenvolvimento, a cumplicidade com o golpismo pode arranhar sua credibilidade e pode lhes custar mais caro do que imaginam. O governo deve sair fortalecido quando essa poeira toda baixar. E Lula poderá usar esse reforço de autoridade para impulsionar a agenda — que ele sabe ser necessária para que seu terceiro governo — faça mais do que ele conseguiu realizar nos outros dois mandatos. É possível que, no quadro atual, a oposição da banca não encontre tanta ressonância no restante da sociedade. Aguardemos, pois.

Texto publicado originalmente no portal Outras Palavras.


Cora Rónai: A sensação de alívio com o silêncio de Trump

'New York Times' publicou lista dos insultos que o ex-presidente postou na hoje banida conta do Twitter

Na semana passada, na esteira da posse de Biden, o “New York Times” publicou uma extensa lista dos insultos que o ex-presidente postou, desde a sua campanha, na hoje banida conta do Twitter: “The complete list of Trump’s Twitter insults (2015-2021).” É uma lista imensa, dividida por assuntos e nomes de desafetos, que pode ser consultada cronologicamente ou em ordem alfabética — e é um documento histórico inestimável, não tanto pela espantosa capacidade de um único homem em produzir desaforos, mas pela não menos espantosa paciência do corpo político em tolerá-los.

Algum dia, no futuro — isso se tivermos futuro, e chegarmos a tempos menos distópicos —, alguém vai se deparar com essa lista e vai se perguntar como um país do tamanho e da grandeza dos Estados Unidos aceitou tanta besteira, tanta estupidez e tanto ódio; mais ou menos como hoje nos indagamos como os romanos toleraram figuras como Calígula, Nero ou Domiciano. (Ou nos indagávamos, pelo menos, na época em que se estudava o Império Romano; mas o nosso passado anda tão distante hoje quanto qualquer futuro.)

No momento, a melhor coisa a fazer é aproveitar a sensação de alívio que reina nas redes sociais livres da presença nefasta do ex-presidente. Ela me lembra o momento em que as obras do metrô terminaram aqui perto de casa, depois de um tempo interminável de britadeiras. Não é um silêncio real, apenas o fim de um barulho insuportável.

Emissoras de televisão jamais repetem nomes de estabelecimentos ou marcas comerciais porque sabem o valor da publicidade, e não estão aí para fazer propaganda de graça para ninguém. O público frequentemente se irrita com a prática — “um hotel da Zona Sul do Rio de Janeiro”, “um shopping de São Paulo” — mas ela continua, assim como a pixelização de logotipos e de etiquetas. Deve haver um bom motivo para isso.

Nomes próprios, porém, são marcas.

(No caso do ex-presidente dos Estados Unidos, literalmente, e hoje ainda afixada a dez hotéis, 19 clubes de golfe e mais de 30 prédios residenciais ao redor do mundo: vai ser curioso observar os efeitos da política sobre esse mundo cafona de ostentação e dourados.)

Eu me pergunto se nós, jornalistas, não deveríamos seguir o exemplo das emissoras em relação a produtos, e deixar de mencionar com tanta frequência os nomes dos idiotas perversos que nos governam.

Será que precisamos mesmo repercutir tudo, sempre, o tempo todo? Será que precisamos repetir à exaustão nomes que se tornaram tóxicos?

Quando um decreto é assinado pelo presidente da República, por exemplo, é óbvio de quem se trata: só há um presidente em exercício. Só há um governador em exercício em cada estado, um prefeito em cada cidade e assim por diante.

Um antigo samba de Ataulfo Alves já resumia o caso:

“Fale mal / Mas fale de mim / Não faz mal

Quero mesmo assim / Você faz cartaz pra mim / O despeito seu / Me põe no apogeu.”

Eu sei, eu sei. A sugestão não é prática nem exequível; mas bem que podíamos tentar diminuir a cacofonia e retomar as rédeas das nossas pautas sequestradas.

No fundo, só estou pensando em voz alta, sonhando com o dia em que as britadeiras vão ser desligadas aqui também.


Roberto Freire: O silêncio conivente sobre a Venezuela

A escalada autoritária do governo da Venezuela sob o comando de Nicolás Maduro, líder de um regime marcado pela supressão das liberdades civis e perseguição aos adversários políticos, é motivo de grande preocupação para os democratas latino-americanos e toda a comunidade internacional. Lamentavelmente, está claro que foram rompidos todos os limites institucionais que ainda sustentavam um modelo minimamente democrático naquele país. O que existe hoje é uma ditadura escancarada que mantém presos políticos, sufoca manifestações populares com violência policial e domina amplamente o Judiciário, impedindo a necessária independência entre os Poderes da República.

Diante de um cenário gravíssimo e de tamanha afronta à democracia, é estarrecedor o silêncio conivente de alguns países da região em relação ao desastre promovido pelo governo chavista. Participei recentemente de uma reunião no Parlamento do Mercosul (Parlasul), em Montevidéu, e constatei uma posição claramente pró-Maduro por parte da Mesa Diretora do órgão. O que se nota é uma tentativa velada de se fugir do debate ou, quando isso não é possível, de impor uma abordagem superficial, tímida e acanhada a respeito do tema, visando a escamotear a discussão.

É bom lembrar, afinal, que o Mercosul foi fundado por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai – nações que experimentaram o horror das ditaduras e, uma vez que recuperaram suas democracias, deram início a um virtuoso processo de integração regional. Fruto da ação desses governos democráticos estabelecidos após o fim do período autoritário, o Parlasul também é resultado concreto, portanto, da própria democracia. Esta é mais uma razão pela qual causa estranheza e desalento o fato de o órgão legislativo regional se omitir em uma questão tão urgente.

A ditadura venezuelana causa indignação em todo o mundo democrático, responsável que é por quase uma centena de mortes na repressão violenta aos protestos contra o regime, mas nada disso parece sensibilizar alguns integrantes do Parlasul que se calam diante da barbárie e do sofrimento dos nossos irmãos venezuelanos. Recordemos que o Mercosul, por sua vez, teve uma posição afirmativa e decidiu suspender a Venezuela do bloco por não respeitar a cláusula democrática, ao contrário da postura leniente do Parlasul.

Na semana passada, um jovem de 22 anos foi brutalmente assassinado pelas forças de segurança ao participar de um protesto em Caracas. Dias depois, o mundo acompanhou um vídeo divulgado pela ativista Lílian Tintori em que é possível ouvir os gritos desesperados de seu marido, o líder opositor Leopoldo López, preso político há mais de três anos, denunciando as torturas e agressões das quais é vítima em uma prisão militar.

Como se não bastasse tamanha crueldade, a liberdade de imprensa – um dos pilares básicos da democracia – também tem sido permanentemente atacada pelo governo de Maduro. Segundo o principal sindicato de jornalistas do país, nada menos que 376 profissionais foram agredidos entre 31 de março e 24 de junho deste ano, com 238 casos documentados, a maioria deles vítimas de militares ou policiais. Ao todo, já são contabilizadas 33 detenções flagrantemente ilegais de jornalistas. De acordo com o Ministério Público, o número de mortos já passa de 80 e há mais de mil feridos.

O perturbador silêncio do Parlasul em relação ao recrudescimento da ditadura venezuelana causa perplexidade em todos os que defendemos a democracia, a liberdade e o pleno funcionamento das instituições republicanas. É estupefaciente que alguns dos deputados e senadores que hoje se abstêm de condenar o regime de Maduro, inclusive brasileiros, tenham lutado contra o autoritarismo em seus países.

Mais do que nunca, é necessária uma firme e inequívoca posição do bloco e dos demais países do continente no repúdio veemente ao regime de exceção que está levando a Venezuela ao abismo. A crise só será resolvida a partir da imediata libertação dos presos políticos e do cumprimento de um calendário eleitoral. A democracia, a liberdade e a paz são valores inegociáveis, e os venezuelanos devem recuperá-los o mais rápido possível. Não podemos tergiversar. Não vamos nos calar. (Diário do Poder – 29/06/2017)

* Roberto Freire é deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS

Fonte: http://www.diariodopoder.com.br/artigo.php?i=55348541946