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Hubert Alquéres: Centrão, de coadjuvante a protagonista
Desde a redemocratização, o Centrão sempre esteve no poder, mas em papel de coadjuvante. Fernando Henrique Cardoso e Lula, com enormes diferenças, contaram com as forças do atraso em nome da governabilidade. Mas sem transformá-las em principal núcleo de sua base de sustentação.
Com a vitória no Congresso do “Fica Temer”, a constelação de siglas partidárias que formam essa massa gelatinosa adquiriu status de protagonista. Chegou ao núcleo duro do poder, em condomínio com o PMDB, com quem tem identidades nos métodos e na forma de se fazer política.
A assunção do Centrão altera os polos da dualidade estabelecida no governo Temer. Desde o início havia um lado renovador, expresso na equipe econômica, em quadros como Pedro Parente e mesmo em políticos antenados com a modernidade como José Serra e Mendonça Filho.
Havia também o lado arcaico constituído por partidos e políticos formados e forjados em práticas patrimonialistas. Velhos camaradas como Geddel Vieira Lima, Romero Jucá, Moreira Franco, Eliseu Padilha.
Michel Temer é originário desse campo. Por circunstâncias, se compôs com o polo reformista.
Os dois blocos não deixaram de existir, bem como os seus conflitos. O que muda de figurino é a opção do presidente pelo atraso como forma de administrar o contencioso em sua base de sustentação.
Até a delação da JBS, Temer vislumbrava a possibilidade de entrar para a história como um presidente reformista, condottieri da travessia para 2018. Daí nasceu a agenda da reforma, a autoridade da equipe econômica e a escolha do PSDB como principal aliado. Quanto mais seu grupo era atingido, mais força ele transferia para os tucanos, pois necessitava deles para manter a pinguela.
Se antes a preocupação era com a imagem com a qual entraria na história, com a denúncia do Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, passou a ser pela sobrevivência. Às favas a história e a opinião pública. Com esse espírito foi a guerra no Congresso, tendo o Centrão como principal estaca de sustentação.
Em grande medida, a escolha se deu por falta de opção. Com o escândalo que o vitimou, perdeu apoios no PSB, PPS e PSDB. Seu aliado preferencial entrou em barafunda com o enrosco do seu presidente licenciado Aécio Neves.
O PSDB saiu da votação dividido, não confiável aos olhos do governo, e queimado com seus eleitores que não aceitam suas dubiedades éticas. Ainda teve de pagar o mico do parecer do tucano mineiro Paulo Abi-Ackel, à favor de Temer. Tudo isso para, mais cedo ou mais tarde, ser alvo da “reacomodação de forças” no interior do governo.
Sim, os tucanos são os grandes perdedores desse imbróglio, com suas vísceras expostas à opinião pública. Divididos, ou não, continuarão no governo, mas com status rebaixado, como coadjuvantes. E com a autoestima de seus militantes esgarçada.
A decepção de peessedebistas históricos com as dubiedades do alto tucanato fica patente em carta dos economistas Edmar Bacha, Elena Landau, Gustavo Franco e Luiz Roberto Cunha ao senador Tasso Jereissati: “Infelizmente, incapaz até agora de se dissociar de um governo manchado pela corrupção institucionalizada que herdou do PT, o PSDB tem optado por deixar vazio o centro político ético de que o país tanto precisa”.
A hegemonia no interior do condomínio governista sai das mãos das forças comprometidas com a austeridade fiscal, com os fundamentos macroeconômicos e com as reformas e vai para setores acostumados à gastança, que só entendem a linguagem da liberação de verbas e cargos.
Essas forças podem até dar uma base sólida a Temer para enfrentar novas denúncias, o que não pode ser confundido com a necessária estabilidade para levar as reformas adiante. Mesmo uma reforma da previdência extremamente desidratada, limitada à idade mínima, encontrará resistência em uma base que se move exclusivamente em função de interesses clientelistas e fisiológicos.
A dependência do Centrão põe em riscos ganhos da política econômica, compromete o equilíbrio das contas públicas e alimenta desconfianças do mercado de que Temer fará novas concessões populistas às corporações para preservar o seu mandato.
A equipe econômica fica tensionada pela compulsão da base de fazer bondades com o erário público. Há um exemplo emblemático: a expectativa era obter R$ 13 bilhões com a MP do Refis/2017, mas a arrecadação deve ficar em R$ 500 milhões se for aprovado o parecer do deputado Newton Cardoso Jr (PMDB-MG), que atendeu a pleitos de empresários da indústria e do agronegócio.
De concessão em concessão o governo perde seu ímpeto reformista, deixa de lado qualquer veleidade modernizante.
O Centrão estava órfão e recolhido ao fundo do palco desde a cassação do seu líder Eduardo Cunha. Com a delação de Wesley Batista vislumbrou a oportunidade de voltar ao primeiro plano, cerrando fileira em torno de Temer. Assumiram o papel de Pit Bull do Temerismo por saber que é dando que se recebe. E já estão recebendo.
* Hubert Alquéres é professor e membro do Conselho Estadual de Educação (SP). Lecionou na Escola Politécnica da USP e no Colégio Bandeirantes e foi secretário-adjunto de Educação do Governo do Estado de São Paulo
Helena Chagas: Nem um tiquinho de parlamentarismo - só um presidente fraco
Como se não tivesse mais nenhuma encrenca a cuidar, o presidente Michel Temer passou a defender abertamente a implantação do sistema parlamentarista no país, se possível já em 2018, sob o argumento de que, com ele, já vivemos numa espécie de "semiparlamentarismo" - ou semipresidencialismo, dependendo do gosto do freguês. Michel gosta de mostrar, dia sim, outro também, como é próximo do Congresso - que, afinal, cassou o mandato de Dilma Rousseff e o colocou lá - e como transita bem nesse mundo maravilhoso de deputados e senadores.
Pouco mais de uma semana depois de enterrar no plenário da Câmara a primeira denúncia do ainda PGR Rodrigo Janot contra ele, poder-se-ia até imaginar que sim. Só que, entre as chantagens do centrão para ficar com os cargos dos tucanos, a gula de sempre do PMDB e a rebeldia do dividido PSDB, a chapa está esquentando para Michel Temer no Congresso.
A última terça-feira mostrou quem está no comando. O presidente informou pela manhã que o governo estudava aumentar as alíquotas do IR da pessoa física para os salários mais altos, hipótese admitida na véspera pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Na hora do almoço, os líderes da base aliada começaram a reclamar, com o reforço do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que anunciou que a Casa não votaria aumento do IR. No fim da tarde, veio a nota de recuo do Planalto: o estudo não seria enviado ao Congresso. Na quarta de manhã, Temer já se desmentia com impressionante veemência.
Essa parece ser a dinâmica do governo Temer pós-salvação. A reforma da Previdência vai ficando mais distante, a medida provisória da reoneração da folha das empresas vai caducar por falta de apoio e a do Refis, se for votada, continuará desfigurada, rendendo arrecadação muito inferior ao previsto. Tudo indica também que a reforma política, que começou a tramitar de verdade esta semana, será feita à imagem e semelhança de seus autores, ou seja, atendendo aos interesses de deputados e senadores que querem se eleger ano que vem.
Nesse ambiente, o que se constata é que Michel Temer, um presidente impopular mas que ainda tem a caneta na mão, está mais para refém do que para comandante na relação com o Congresso. E que o uso da expressão "semiparlamentarismo" é uma frivolidade, um eufemismo para designar um presidente fraco nas mãos de um Congresso que, por pouco, não é mais fraco ainda. Institucionalmente, é o que temos, no limite da irresponsabilidade que seria falar em mudança de sistema de governo a esta altura.
De parlamentarismo, essa situação não tem nada. Nem semi, nem meio, nem um tiquinho. A começar pela inexistência de partidos com um mínimo de vocação programática, ou ao menos uma ideia de país na cabeça, diferentemente dos ajuntamentos fisiológicos que formam hoje essas siglas. Continuando com o abismo que separa hoje representantes de representados, cavado por um sistema político e eleitoral que não prevê qualquer fiscalização ou acompanhamento do eleito pelo eleitor. Desconexão total. Por fim, a falta de votos. Nem Michel e nem o programa que, aparentemente, está executando no governo receberam um só voto nas urnas.
Instituição é coisa séria, e como tal deve ser tratada. Não dá para brincar de parlamentarismo, semiparlamentarismo e outros bichos.
* Helena Chagas é jornalista desde 1983. Exerceu funções de repórter, colunista e direção em O Globo, Estado de S.Paulo, SBT e TV Brasil. Foi ministra chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência (2011-2014). Hoje é consultora de comunicação.
Ricardo Noblat: Delenda Lava Jato
Temer ficou porque era melhor para todo mundo. Melhor para o Congresso acuado pela Lava Jato e interessado em extrair vantagens de um presidente fraco. Melhor para a oposição que imagina crescer batendo nele.
Melhor para os reais donos do poder satisfeitos com a sua agenda de reformas. Melhor até para a maioria dos brasileiros que o rejeita. Trocá-lo por quem? E a 15 meses de uma nova eleição?
As ruas não roncaram contra Temer porque não são tão bobas. Em junho de 2013, o ronco repentino e espontâneo surpreendeu governantes e partidos de todas as cores. Foi só um susto, contido pela ação violenta da polícia e dos black blocs.
Movimentos como aquele, sem líderes para conduzi-lo, sem pauta definida, esgotam-se como simples ventanias. Por vezes funcionam como aviso. Foi o caso.
A partir de 2015, as ruas roncaram forte contra Dilma pelas razões conhecidas – estelionato eleitoral, governo desastroso, recessão econômica com o desemprego de mais de 15 milhões de pessoas e a corrupção revelada pela Lava Jato.
O gatilho do impeachment foram os gastos não autorizados pelo Congresso e a maquiagem das contas públicas, uma clara violação da lei. De fato, Dilma caiu pelo conjunto da sua obra.
Temer foi acusado de corrupção. Seria o verdadeiro destinatário da mala com R$ 500 mil entregues pelo Grupo JBS ao então deputado Rocha Loures.
De fato, ele foi salvo por falta de alternativa e pelo conjunto da sua obra – a lenta recuperação da economia, a inflação quase negativa, a redução da taxa de juros, a compra de votos de deputados e a promessa de reformas que se forem feitas já virão tarde e pela metade.
Raros os deputados – Miro Teixeira (REDE-RJ) foi um deles – que discutiram a fundo e votaram com seriedade o pedido de licença para que a Justiça examinasse a denúncia de corrupção contra Temer.
Não será diferente se ele for de novo denunciado. É improvável que Rodrigo Janot tenha guardada alguma flecha de prata. Mas de prata ou de chumbo, se disparada ela paralisará o Congresso outra vez.
Neste país, corrupção não derruba presidente. Getúlio Vargas matou-se ao concluir que perdera apoio político para governar. Jânio Quadros renunciou para voltar depois como ditador. João Goulart foi deposto por um golpe militar.
A morte impediu a posse de Tancredo Neves. Fernando Collor governou de costas para os partidos. Se não fosse por isso teria completado o mandato. Dilma, também. Temer foi mais sabido.
A oposição ao governo havia anunciado que negaria quórum à sessão da Câmara. Só entraria no plenário se o governo tivesse conseguido reunir ali 342 deputados, o mínimo exigido para dar início à votação. Não foi assim.
Entrou o líder do PT a pretexto de participar da discussão da denúncia. Em seguida, mais três deputados do PT. A porteira havia sido aberta. O governo celebrou. Só contava com 263 deputados para votar.
Lula e Temer têm mais coisas em comum do que parece. Juntos comandam a Operação Delenda Lava Jato, um rol de iniciativas que visam a frear os avanços no combate à corrupção e, se possível, revertê-los.
Contam para isso com a ajuda de ilustres portadores de becas e de representantes das elites corruptoras e corrompidas. O Brasil velho de guerra estrebucha e resiste a ser passado a limpo. Continua de pé apesar das avarias.
A crise política ficou do mesmo tamanho. Poderá crescer com o que ainda está por vir.
Ricardo Noblat: PSDB, uma nau à deriva
“A Lava-Jato tem de ter prazo de validade. Tudo tem de terminar.” FÁBIO RAMALHO (PMDB-MG), vice-presidente da Câmara
A nove dias da sessão da Câmara que decidirá sobre o pedido de licença para que o presidente Michel Temer seja julgado por corrupção, o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), o terceiro maior do país em número de filiados e o segundo em número de governadores e de ministros de Estado, ainda não sabe se é a favor ou contra. Por não saber, liberou seus 46 deputados para que votem como quiser.
A UM ANO DAS CONVENÇÕES que indicarão os candidatos à próxima eleição presidencial, o PT tem candidato — Lula. O PDT, também — Ciro Gomes. A REDE tem — Marina Silva. Até o minúsculo PSC tem candidato — Jair Bolsonaro, o segundo nas pesquisas de intenção de voto. O PSDB não tem. O governador Geraldo Alckmin (SP) quer ser. O prefeito João Doria (SP), também. E até os senadores José Serra (SP) e Aécio Neves (MG).
SERRA E AÉCIO, ENCRENCADOS com a Lava-Jato? Sim, eles mesmos. Serra prepara em segredo um programa de governo a ser apresentado ao partido no próximo ano, caso tenha chances de ser candidato. Afastado do mandato e reconciliado com ele por decisão da Justiça, Aécio enfrenta o pior momento de sua trajetória política com a certeza de que poderá se recuperar se não for atropelado por nenhuma nova denúncia de corrupção.
TEMER E SEUS PRINCIPAIS conselheiros dão como certo o desembarque do PSDB do governo — em breve, ou no início de 2018. E estão atrás de nomes de outros partidos para substituir os quatro ministros do PSDB e seus filiados que ocupam cargos nos diversos escalões da administração federal. O PSDB ainda não sabe se desembarcará, e quando. Se dependesse do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, seria logo.
SE DEPENDER DE ALCKMIN, Serra e Aécio, nem tão cedo. Ou talvez só depois das eleições, a ver mais adiante. Se dependesse de larga fatia dos deputados federais e do presidente em exercício do partido, o senador Tasso Jereissati (CE), já teria desembarcado. Tasso e Doria querem abreviar a condição de Aécio de presidente licenciado do PSDB. Alckmin, Serra e demais cardeais do partido não querem.
RECEIAM O QUE AÉCIO sabe e possa dizer sobre como os candidatos do PSDB financiaram suas campanhas nas eleições passadas. Ele está a par de tudo. Mais do que isso: como candidato a presidente da República em 2014 e como presidente do partido em 2016, foi Aécio quem se encarregou de arranjar e de repassar dinheiro para as principais campanhas. Além do temor, há uma dívida de gratidão com ele.
É POR ISSO QUE O ALTO comando do PSDB se reúne, discute qualquer assunto, dá palpites na vida de outros partidos, pressiona o governo, mas não trata da situação de Aécio. Em sua mais recente reunião, em São Paulo, na presença de Aécio, Doria cobrou enfaticamente a retirada dele do cargo. Tasso nada disse. Os demais criticaram a atitude de Doria, inclusive Alckmin, que já desejou presidir o PSDB.
POR MAIS QUE NEGUE, Alckmin está para lá de incomodado com a pretensão de Doria de desbancá-lo como possível candidato do partido à sucessão de Temer. Doria finge desconhecer o incômodo, e jura que jamais disputará com Alckmin uma eventual prévia para a escolha do candidato. Que prévia? Doria aposta que não haverá nenhuma. E que o candidato será aquele que pontuar melhor nas pesquisas.
O PSDB É UMA NAU À DERIVA, desgovernada. Não é sequer uma biruta de aeroporto que aponta para o lado que o vento sopra.
Gaudêncio Torquato: A saída para a crise
A crise que assola a democracia representativa, relembrando as lições de Rogér-Gerard Schwatzenberg, tem como fundamentos, entre outros, o declínio da força dos Parlamentos, a desideologização, o amortecimento dos partidos, o desânimo das massas eleitorais ante o desempenho dos representantes e a escassa capacidade da política para promover avanços nas estruturas do Estado.
Os efeitos da crise se fazem mais fortes em democracias ainda incipientes, onde as instituições não alcançam altos níveis de solidez e, por conseguinte, padecem de frequentes tensões. Nesses espaços, a corrupção acaba ganhando volume.
É o caso do Brasil, que, desde a instalação da República, em 1889, alternou ciclos democráticos com ciclos autoritários. Nossa primeira Constituição, em 1891, abrigou preceitos preservadores de direitos individuais e garantias democráticas, perdurando até 1930, quando o país passou a conviver com desajustes que levaram à centralização autoritária da Constituição de 1937.
O mando autoritário segue até 1945, após a ditadura getulista, reinstalando-se, com a Constituição de 46, os horizontes democráticos que vão até 1964.
O golpe militar fecha novamente os portões democráticos, que começam a ser reabertos a partir de 1982 com a eleição de governadores pela via direta.
Em 1986, o país abre as comportas da redemocratização, com eixos fixados na CF de 88.
Sistema híbrido
Em todo esse tempo, o Brasil conviveu com os elementos tradicionais que ancoraram o regime republicano: o presidencialismo, o federalismo, o bicameralismo, o multipartidarismo, o voto uninominal e dois tipos de sistema eleitoral (proporcional e majoritário), que acabam conferindo caráter híbrido à nossa democracia.
A presença do Estado sempre tem sido muito forte na vida dos cidadãos, a ponto de convivermos com uma “cidadania regulada”, forma que o historiador José Murilo de Carvalho designa de “estadania”, cujas origens apontam para a inversão da pirâmide dos direitos.
Ao contrário, por exemplo, da Inglaterra que, de acordo com Tomas Marshall, implantou, no século XVIII, primeiramente os direitos civis, e somente um século depois, os direitos políticos, fechando a pirâmide, bem mais tarde, com os direitos sociais. Por aqui, invertemos a tríade: implantamos os direitos sociais antes da expansão dos direitos civis.
Dessa forma, os direitos sociais apareceram não como conquista dos trabalhadores, mas como “doação”, um favor, um presente do ditador Getúlio Vargas, fato que acabou tornando as massas “refém” do Estado e da figura do presidente.
Na Inglaterra, tais direitos foram conquistados.
Não por acaso, o presidencialismo exerce entre nós forte atração, sendo o regime de governo mais simpático aos habitantes.
O país caminhou na direção contrária às Nações desenvolvidas, que reduziram o tamanho de seus Estados, conformando-os ao grau de cidadania de seu povo. Portanto, as mazelas geradas pelo patrimonialismo aqui são alimentadas pelas “tetas do Estado”, fato que impede rápidos avanços e dificulta a instalação de reformas fundamentais ao desenvolvimento.
Esse pano de fundo de nossa cultura política explica o agravamento da crise que consome as energias do país e dá vazão à tese: se a democracia representativa atravessa momentos turbulentos em outras regiões do mundo, por aqui vive seu ápice.
Não há mais como sustentar os pilares tradicionais de nossa República. Por isso, avoca-se a necessidade de discutir outras ferramentas que compõem as vias democráticas, a começar pelo sistema de governo.
Nosso presidencialismo já deu o que tinha de dar. Chegou a hora de abrimos um portão no condomínio do presidencialismo.
A via parlamentarista é uma boa saída para a crise. Já está amadurecida a ideia de conferir maior poder aos representantes do povo, atribuindo ao Parlamento o exercício de tarefas hoje atribuídas ao Executivo. Essa alternativa pode equacionar os impasses hoje vividos.
Reforma política
Há, porém, uma barreira para a mudança de regime: a baixa qualidade de nossa representação.
Não dispomos de um corpo parlamentar ajustado ao modelo parlamentarista. Ademais, não há condições de se estabelecer um regime parlamentarista sob o gigantesco balcão que acolhe 35 partidos.
Para a convivência entre os conjuntos da situação e da oposição, o Parlamento carece de um leque de não mais que 7 a 8 partidos. As correntes de pensamento e opinião estariam bem representadas.
O modelo brasileiro continuaria a preservar valores de nossa cultura política. A figura do presidente, por exemplo, ao contrário do simbolismo que detém no modelo alemão, poderia abarcar alguns poderes administrativos.
É o caso de adotarmos modelagem similar ao parlamentarismo francês, também chamado de semi-presidencialismo, um sistema híbrido com essas características: eleição pelo voto direto do presidente da República para um mandato de 7 anos, com direito à reeleição; um gabinete presidido por um Primeiro-Ministro nomeado pelo presidente dentre os deputados do partido ou coalizão majoritária.
O presidente ocupa-se da política externa e da defesa nacional e preside o Conselho de Ministros; nomeia e demite os ministros atendendo solicitação do Primeiro-Ministro.
Será difícil? Sim, mas não impossível.
O nosso conjunto parlamentar precisa enxergar o amanhã, não apenas as conveniências pessoais. Já tivemos experiências parlamentaristas no passado: no 1º e 2º Reinados, com o imperador exercendo o Poder Moderador e, entre 1961 a 1963, no governo João Goulart.
Ocorre que nossa tradição presidencialista sempre deu as cartas. O poder da caneta presidencial (também de governadores e prefeitos) exerce enorme atração.
O roteiro é este: reforma política limitando o número de partidos, implantação do sistema majoritário (ou misto) para a eleição de representantes, adensamento doutrinário das siglas, entre outros aspectos.
O fato é que o país chegou ao final da linha em matéria de vícios, distorções, contrafações e mazelas. Não haverá instituição forte se a política não mudar seus costumes. A taxa de corrupção seria menor com instituições sólidas.
As crises políticas não chegariam a abalar o país. A democracia brasileira daria um salto de qualidade.
* Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação
Cristovam Buarque: Portadores do novo
Ser moderno é servir aos interesses do público. A política brasileira sofre de apego ao passado. Até mesmo as forças progressistas deixaram de ser portadoras do novo. Mas nunca foi tão urgente imaginar o futuro desejado e como construí-lo.
O novo está mais no dinamismo decorrente da coesão social, do que na disputa de interesses de grupos, corporações e classes: empresários precisam entender que há um interesse nacional comum a todos brasileiros; os trabalhadores precisam perceber que a luta sindical não deve sacrificar a estabilidade nacional, nem o bem-estar do conjunto do povo. Ser moderno é servir aos interesses do público, seja com instrumentos estatais, privados ou em parceria.
O novo exige que a economia seja eficiente, que a moeda seja estável e que o seu excedente seja usado para cuidar dos serviços públicos com qualidade e respeito aos usuários. O novo está na educação de qualidade capaz de construir uma sociedade do conhecimento, da ciência, da tecnologia, da inovação, da cultura.
O novo não é mais a proposta da igualdade plena na renda, que, além de demagógica, é autoritária, ineficiente e não respeita o mérito, o empenho e as opções pessoais. O novo está na tolerância com uma desigualdade na renda e no consumo dentro de limites decentes, entre um piso social que elimine a exclusão e um teto ecológico que proteja o equilíbrio ambiental. Entre estes limites, é preciso a escada social da educação que permita a ascensão das pessoas, conforme o talento e o desejo de cada um.
O novo não está mais na ideia de uma economia controlada sob o argumento de ser justa, mas no entendimento de que o seu papel é ser eficiente sob regras éticas nas relações trabalhistas, no equilíbrio ecológico e na interdição de produzir bens nocivos. O novo está na definição ética do uso dos resultados da economia eficiente para construir a justiça, com liberdade e sustentabilidade, especialmente garantindo que os filhos dos brasileiros mais pobres terão escolas com a mesma qualidade dos filhos dos mais ricos.
O novo não está na riqueza definida pelo PIB, a renda e o consumo, mas na evolução civilizatória, por exemplo; não está no número de carros produzidos, mas na eficiência como funciona o transporte público. O novo não está na velocidade como se destroem florestas e sujam-se os rios, mas na definição de regras que permitam oferecer sustentabilidade ecológica e monetária. O novo não está na segurança de mais prisões para bandidos, mas na paz entre os cidadãos.
O novo não está mais no excesso de gastos e de consumo, mas na austeridade que permita sustentabilidade e bem-estar. A política nova não está apenas na democracia do voto, mas também no comportamento ético dos políticos, em eleições com baixo custo, espírito público sem corporativismo, e na apresentação de propostas para o futuro nos atuais tempos de mutação, mesmo que isso implique em suicídio eleitoral, porque em tempos de mutação, os portadores do novo correm o risco de solidão. Mesmo assim, é preciso dizer: o novo está na educação.
* Cristovam Buarque é senador (PPS-DF)
Folha de S. Paulo: Lava-Jato na balança
Escolhida pelo presidente Michel Temer (PMDB) para substituir Rodrigo Janot no comando do Ministério Público Federal, Raquel Dodge passou sem problemas pela sabatina a que foi submetida no Senado na última quarta-feira (12).
Após mais de sete horas de questionamentos na Comissão de Constituição e Justiça, a futura primeira mulher a ocupar a Procuradoria-Geral da República terminou aprovada por unanimidade, fato inédito no colegiado. Em seguida, teve seu nome endossado por 74 senadores –há dois anos, Janot, cujo mandato se encerra em 17 de setembro, obteve 59 votos favoráveis.
Infelizmente para Dodge, o apoio extraordinário não equivale a um atestado de excelência pelos serviços prestados. Ao contrário, reflete a expectativa, compartilhada pela maioria dos congressistas, de que a Operação Lava Jato arrefeça sob nova direção.
Não é de hoje que Dodge se apresenta como contraponto ao atual procurador-geral. Quando Janot foi reconduzido ao cargo, em 2015, ela já aparecera na lista tríplice formada por iniciativa da categoria. Na disputa deste ano, deixou claras suas críticas em relação à falta de transparência nos acordos de delação premiada e suas divergências quanto à divulgação antecipada de investigações ainda em curso.
Ademais, seu nome tem sido vinculado nos bastidores a personagens do círculo próximo de Temer, como o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, e o ex-presidente José Sarney (PMDB).
Por outro lado, Dodge destacou-se no MPF pela atuação firme em casos de corrupção. Em 2009, participou da Caixa de Pandora, operação que revelou o chamado mensalão do DEM, e pediu a prisão de José Roberto Arruda, à época governador do Distrito Federal.
Seu currículo também inclui a ação que resultou na condenação de Hildebrando Pascoal, ex-deputado que matou um mecânico com uma motosserra no Acre, e o processo que levou à prisão José Carlos Gratz, ex-presidente da Assembleia Legislativa do Espírito Santo.
Como tem sido usual nas sabatinas do Senado, Dodge não precisou anunciar posições definitivas em relação aos temas mais delicados.
Corrupção? "Manteremos esse trabalho de enfrentamento, aumentando se necessário as equipes que hoje já o vem desenvolvendo." Delação premiada? "Estamos debruçados para entender a instituição, seus limites e sua validade." Lei de abuso de autoridade? "No regime democrático, controles são necessários, inclusive sobre os órgãos de administração de Justiça."
São respostas genéricas, mas bastaram para sinalizar sua disposição a um diálogo que Janot se recusa a travar. Raquel Dodge faz bem em reconhecer que o MPF também comete erros. Corrigi-los é a melhor maneira de assegurar a repetição dos acertos.
A resposta mais importante, contudo, virá com a prática: a futura procuradora-geral terá independência para, nos termos da lei, prosseguir com as investigações que os políticos gostariam de ver abafadas?
Editorial Folha de São Paulo
Ricardo Noblat: O desmanche de um mito
Nunca antes na história deste país um presidente da República havia sido denunciado por corrupção. Michel Temer foi o primeiro, acusado pelo Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, de corrupção passiva. Destinava-se a Temer a mala de dinheiro do Grupo JBS arrastada por rua de São Paulo pelo ex-deputado Rocha Loures (PMDB-PR).
Nunca antes na história deste país um ex-presidente da República havia sido condenado por corrupção. Lula foi ao ser sentenciado pelo juiz Sérgio Moro a nove anos e meio de prisão no processo do tríplex do Guarujá. Se a segunda instância da Justiça confirmar a sentença, ele será preso. Mesmo que não seja, ficará impedido de disputar eleições.
A primeira e única vez até aqui que Lula provou os dissabores da cadeia foi na condição de perseguido pela ditadura militar implantada no país em 1964, e que duraria 21 anos. Muito bem tratado, à época, pelo delegado Romeu Tuma, que depois se tornaria seu amigo e ingressaria na política, Lula fez greve de fome chupando balas. Foi logo solto e virou herói.
Mesmo que por ora solto e candidato a roubar do ex-ministro José Dirceu a condição de “guerreiro do povo brasileiro” conferida pelos militantes do PT, dificilmente Lula será encarado daqui para frente como herói pela larga maioria daqueles que no passado recente o enxergaram como tal. Sua biografia ganhou para sempre a mancha indelével da corrupção.
Pouco importa que ainda ostente o título de campeão das pesquisas de opinião pública com algo como 30% das intenções de voto para presidente se as eleições fossem hoje. . Tais pesquisas também o apontam como campeão de rejeição. Mais de 60% dos entrevistados dizem que jamais votariam nele. De resto, só haverá eleições em outubro do próximo ano.
A condenação de Lula por Moro produzirá efeitos no campo da esquerda. De saída reforçará as chances de Ciro Gomes (PDT-CE) de conseguir o apoio do PT para concorrer à presidência. Não se descarte a hipótese de Dilma desejar a mesma coisa. Afinal, em desrespeito à Constituição, seus direitos políticos foram preservados, embora ela tenha sido deposta.
Se escapar da Lava Jato sem maiores sequelas, pela direita o governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP) é o nome que terá mais a lucrar lucrar com a condenação de Lula. O prefeito João Dória não será páreo para ele na coligação de partidos a ser encabeçada pelo PSDB. A Dória restará a candidatura ao governo de São Paulo que atrai também o senador José Serra.
Quanto a Temer... Mesmo que a Câmara negue autorização para que seja julgado pelo Supremo Tribunal Federal, enfrentará uma segunda e talvez a uma terceira denúncia por corrupção e obstrução da Justiça, fora as delações do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e do doleiro Lúcio Funaro. Caso sobreviva, governará como um morto-vivo.
No Senado, Dodge defende lei de abuso de autoridade e admite rever provas
A CCJ do Senado realiza sabatina com a subprocuradora Raquel Dodge, indicada pelo presidente Michel Temer ao cargo de Procuradora Geral da República
REYNALDO TUROLLO JR.
TALITA FERNANDES
DE BRASÍLIA
No início da sabatina no Senado que analisa nesta quarta (12) sua indicação para comandar a PGR (Procuradoria-Geral da República), a subprocuradora-geral Raquel Dodge respondeu sobre temas espinhosos como delações, concessão de imunidade a delatores e supostos abusos da Lava Jato.
Ela se comprometeu com o combate à corrupção e defendeu, genericamente, a edição de uma lei que coíba abusos de autoridade. "A lei de abuso de autoridade vem no socorro da ideia de que, no regime democrático, freios e contrapesos são necessários, controles são necessários, inclusive sobre os órgãos de administração de Justiça", afirmou.
"Ninguém está imune a excessos, nenhuma instituição é imune a erros. E nessa perspectiva de que seja dada ampla autonomia para o exercício da função jurisdicional por juízes e membros do Ministério Público, mas contidos os excessos, é que vejo a importância de se aprovar uma lei que controle o abuso de autoridade", disse.
Um projeto de lei sobre o tema tramita no Senado e já foi duramente criticado pelo atual procurador-geral, Rodrigo Janot, cujo mandato termina em 17 de setembro. Para Janot, o projeto em curso visa intimidar membros do Ministério Público e do Judiciário.
Dodge, que faz oposição a Janot dentro da instituição, não comentou o projeto específico, mas sua fala pôde ser vista como um aceno aos parlamentares e uma abertura ao diálogo maior que a de Janot.
Questionada sobre um suposto "Estado policial", também afirmou que é comum que o Ministério Público revise as provas que ele próprio obteve caso detecte, no curso das ações penais, alguma ilegalidade.
"O grande compromisso do Ministério Público é agir sempre pautado na prova colhida de forma idônea e é preciso que zelemos sempre por esses princípios que são muito caros ao Estado democrático", disse.
"Devo dizer que não é incomum que um órgão do Ministério Público aponte a uma certa altura da ação penal que a prova é inidônea, que a prova é inválida. Esse é um dever que o Ministério Público tem, que é apresentar em juízo uma acusação sempre amparada na prova. Se há excessos, é o que deve ser sempre controlado, e o principal órgão de controle é o Judiciário."
COMBATE À CORRUPÇÃO
Ao responder às perguntas do senador Roberto Rocha (PSB-MA), relator de sua indicação na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), Dodge repetiu o principal mote de sua campanha para a PGR: "Ningúem acima da lei, e ninguém abaixo da lei", e comprometeu-se com o combate à corrupção.
"Manteremos esse trabalho de enfrentamento à corrupção aumentando, se necessário, as equipes que já o vêm desenvolvendo", disse. "Ao zelar pelo bom gasto do dinheiro público, o Ministério Público cumpre seu dever constitucional", afirmou.
Como vem dizendo publicamente, Dodge disse considerar a corrupção um mal em si que deve ser combatido para que os recursos sejam corretamente aplicados em saúde, educação, saneamento e outros serviços essenciais à população.
Dodge defendeu o instituto das delações premiadas para combater organizações criminosas. Questionada por Rocha sobre a concessão de imunidade penal a delatores, ela disse que há previsão legal. Porém, que é necessário que os criminosos reparem os prejuízos causados na esfera civil.
"Eu vejo a lei 12.850 [que regulamentou as delações, em 2013] como instrumento poderoso que facilita a investigação sobre organização criminosa. No entanto, o Congresso, na lei 12.850, impôs limites, vedações, seja no tocante àquilo que pode ser oferecido, seja no tocante à separação de jurisdição criminal e jurisdição civil", disse, referindo-se à necessidade de devolver o que foi desviado.
Tema polêmico, a imunidade penal foi concedida por Janot aos irmãos Batista, da JBS, em troca de informações que levaram a investigações sobre o presidente Michel Temer e o senador Aécio Neves (PSDB-MG), entre centenas de outros políticos citados. O acordo de delação é duramente criticado por vários políticos, incluindo o presidente.
Sobre o foro privilegiado para autoridades, Dodge disse que o assunto cabe ao Congresso e ao Supremo, e que ao Ministério Público só compete opinar.
"Encontra de minha parte muita simpatia a ideia de que todos os brasileiros sejam submetidos ao mesmo tipo de jurisdição. Compreendo que estamos caminhando dentro de um regime democrático para o amadurecimento das instituições e sempre verificando a pertinência de um instituto diante da realidade brasileira", disse.
A respeito de ter sido indicada por Temer apesar de ter ficado em segundo lugar na lista tríplice para o cargo, Dodge ponderou que a lista não é obrigatória e é uma "sugestão" dos membros da carreira ao presidente da República.
"Qualquer um dos três que figure na lista passou por rigoroso e severo critério dos procuradores da República", afirmou, e, por isso, tem legitimidade.
Acompanham a sabatina, na CCJ, os ex-procuradores-gerais da República Roberto Gurgel e Aristides Junqueira.
Plenário do Senado aprova reforma trabalhista e texto segue para sanção
Por 50 votos contra 26, o Senado aprovou nesta terça-feira (11) a reforma trabalhista (PLC 38/2017). A proposta, que segue agora para sanção presidencial, altera mais de 100 pontos da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), permitindo, dentre as mudanças, que o acordado entre patrões e empregados prevaleça sobre o legislado nas negociações trabalhistas.
A mudança é considerada prioridade para o governo de transição não só para modernização da legislação trabalhista como para fazer frente aos 14 milhões de trabalhadores desempregados no País, resultado do fracasso do governo do PT. Um estudo divulgado pelo banco Santander em junho (veja aqui) mostra que a aprovação da reforma trabalhista tem potencial para gerar cerca de 2,3 milhões de vagas de trabalho em pouco mais de um ano. A estimativa leva em consideração a flexibilização de regras e consequente redução de custos para o empregador, que voltaria a contratar.
Atraso
A votação, prevista para a iniciar no fim da manhã de ontem (11), só iniciou cerca de sete horas depois. O atraso foi provocado por senadoras da oposição. Gleisi Hoffmann (PT-PR), Fátima Bezerra (PT-RN), Ângela Portela (PT-ES), Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), Lídice de Mata (PSB-BA), Regina Sousa (PT-PI) e Kátia Abreu (PMDB-TO) ocuparam a mesa do plenário e se negaram a sair.
A sessão só começou após o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), dar um ultimato às oposicionistas e afirmar que começaria a sessão no plenário ou em outra sala do Senado. Quando se aproximava das 19h, Eunício conseguiu sentar na cadeira de presidente e deu início à sessão.
Texto
A proposta de reforma trabalhista prevê, além da supremacia do negociado sobre o legislado, o fim da assistência obrigatória do sindicato na extinção e na homologação do contrato de trabalho. Além disso, acaba com a contribuição sindical obrigatória de um dia de salário dos trabalhadores.
Há também mudanças nas férias, que poderão ser parceladas em até três vezes no ano, além de novas regras para o trabalho remoto, também conhecido como home office. Para o patrão que não registrar o empregado, a multa foi elevada e pode chegar a R$ 3 mil. Atualmente, a multa é de um salário-mínimo regional.
Para que a proposta não voltasse a ser analisada pela Câmara dos Deputados, que aprovou o texto em abril, os senadores governistas não aceitaram nenhuma mudança de mérito no texto e rejeitaram também as emendas apresentadas de modo individual. No entanto, como resposta aos pontos polêmicos da proposta, há um compromisso do presidente Michel Temer de vetar seis pontos da reforma. A ideia é aperfeiçoar esses pontos para que eles sejam reapresentados via medida provisória ou projeto de lei.
Veja o que muda na legislação com a reforma trabalhista:
ACORDOS COLETIVOS
Terão força de lei e poderão regulamentar, entre outros pontos, a jornada de trabalho de até 12 horas, dentro do limite de 48 horas semanais, incluindo horas extras.
Parcelamento das férias, participação nos lucros e resultados, intervalo, plano de cargos e salários, banco de horas também poderão ser negociados.
Pontos como FGTS, salário mínimo, 13º salário, seguro-desemprego, benefícios previdenciários, licença-maternidade e normas relativas à segurança e saúde do trabalhador não poderão entrar na negociação.
Atualmente, acordos coletivos não podem se sobrepor ao que é previsto na CLT.
JORNADA PARCIAL
Poderá ser de até 30 horas semanais, sem hora extra, ou de até 26 horas semanais, com acréscimo de até seis horas (nesse caso, o trabalhador terá direito a 30 dias de férias).
Atualmente, a jornada parcial de até 25 horas semanais, sem hora extra e com direito a férias de 18 dias.
PARCELAMENTO DE FÉRIAS
As férias poderão ser parceladas em até três vezes. Nenhum dos períodos pode ser inferior a cinco dias corridos e um deles deve ser maior que 14 dias (as férias não poderão começar dois dias antes de feriados ou no fim de semana).
Atualmente, as férias podem ser parceladas em até duas vezes. Um dos períodos não pode ser inferior a dez dias corridos.
GRÁVIDAS E LACTANTES
Poderão trabalhar em locais insalubres de graus “mínimo” e “médio”, desde que apresentem atestado médico. Em caso de grau máximo de insalubridade, o trabalho não será permitido.
Atualmente, grávidas e lactantes não podem trabalhar em locais insalubres, independentemente do grau de insalubridade.
CONTRIBUIÇÃO SINDICAL
Deixará de ser obrigatória. Caberá ao trabalhador autorizar o pagamento.
Atualmente, é obrigatória e descontada uma vez por ano diretamente do salário do trabalhador.
TRABALHO EM CASA
A proposta regulamenta o chamado home office (trabalho em casa).
Atualmente, esse tipo de trabalho não é previsto pela CLT.
INTERVALO PARA ALMOÇO
Se houver acordo coletivo ou convenção coletiva, o tempo de almoço poderá ser reduzido a 30 minutos, que deverão ser descontados da jornada de trabalho (o trabalhador que almoçar em 30 minutos poderá sair do trabalho meia hora mais cedo).
Atualmente, a CLT prevê obrigatoriamente o período de 1 hora para almoço.
TRABALHO INTERMITENTE
Serão permitidos contratos em que o trabalho não é contínuo. O empregador deverá convocar o empregado com pelo menos três dias de antecedência. A remuneração será definida por hora trabalhada e o valor não poderá ser inferior ao valor da hora aplicada no salário mínimo.
Atualmente, a CLT não prevê esse tipo de contrato.
AUTÔNOMOS
As empresas poderão contratar autônomos e, ainda que haja relação de exclusividade e continuidade, o projeto prevê que isso não será considerado vínculo empregatício.
Atualmente, é permitido a empresas contratar autônomos, mas se houver exclusividade e continuidade, a Justiça obriga o empregador a indenizar o autônomo como se fosse um celetista.
Sugestões de mudanças
No relatório aprovado pela CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) do Senado, Ricardo Ferraço (PSDB-ES) recomendou a aprovação do projeto conforme a redação enviada pela Câmara, mas sugeriu as seguintes mudanças, a serem feitas pelo governo, quando o presidente Temer sancionar a proposta.
Mudanças propostas
Veto ao trecho sobre gestantes e lactantes;
Veto ao ponto que retira o descanso de 15 minutos para as mulheres antes do início da hora extra;
Regulamentação por medida provisória do trabalho intermitente;
Decisão por acordo coletivo sobre a possibilidade de acordos individuais determinarem jornada de 12 horas de trabalho com 36 horas de folga. (Com informações das agência de notícias)
Everardo Maciel: O andar do hipopótamo trôpego
As discussões sobre as reformas trabalhista e previdenciária, cujo desfecho é ainda imprevisível, fizeram aflorar reações que retratam o que existe de mais atrasado no País. São as corporações de todos os gêneros que defendem, arraigadamente, seus privilégios e, sobretudo, o controle do Estado brasileiro, antes limitado a velhos oligarcas políticos e ao empresariado patrimonialista.
Nada, no Brasil, é mais maltratado que o próprio Estado. Dele se extrai tudo que é possível, desde incentivos ineficazes, aposentadorias privilegiadas, programas assistenciais que não viabilizam a promoção social, férias em dobro e convertidas em dinheiro, salários que ultrapassam o teto constitucional e, sobretudo, o que se rouba na farra da corrupção sistêmica.
Como o Estado não produz riqueza, essas práticas de espoliação constituem tão somente uma pervertida forma de redistribuir o que a Nação produz, além de, paradoxalmente, impedir que ela produza mais.
Uma população pouco esclarecida, em razão do lastimável padrão da educação pública, é um espaço fértil para o engodo e a manipulação.
Quando se diz que a reforma trabalhista irá retirar direitos dos trabalhadores, o que na verdade se defende é a manutenção do imposto sindical que abastece o peleguismo, cuja atividade jamais foi fiscalizada, afora tudo o que gravita em torno da justiça trabalhista, que se alimenta da tentacular indústria de litígios.
Os movimentos contrários à reforma previdenciária visam tão somente a assegurar privilégios na aposentadoria do setor público. Não há preocupação com as gerações futuras, nem mesmo com a existência de recursos para o pagamento das aposentadorias no curto prazo. Prefere-se a dolorosa via grega do desastre.
É impressionante a “contabilidade criativa” para tentar, primariamente, mascarar os déficits da Previdência.
Há quem diga, espantosamente, que é necessário contratar mais servidores para assegurar o equilíbrio nas contas previdenciárias, como se o pagamento desses servidores não fosse dispêndio. O Estado brasileiro, ressalvadas algumas ilhas de excelência, além de estar enredado em uma grave crise fiscal, funciona muito mal.
A administração da saúde pública, por exemplo, é uma calamidade. A pretensão constitucional de qualificar a saúde como direito universal é patética, porque viola o inexorável princípio da escassez. A busca desse direito, na Justiça, é uma excentricidade. O magistrado demandado não dispõe de qualificação técnica para aferir a procedência do pedido e muito menos estabelecer, considerada a limitação de recursos materiais e financeiros, prioridade no atendimento.
Greve no setor público nega a sua própria razão de ser. É greve contra os usuários do serviço público, fazendo prevalecer o interesse individual sobre o público. Em alguns casos, assume natureza de motim.
É verdade que essa greve tem previsão constitucional, mas até hoje o Congresso não se dispôs a disciplinar o instituto e, dominado pelo medo das corporações, se abriga em uma decisão precária tomada pelo STF. Há ainda quem se queixe, sem razão no caso, do ativismo judicial.
Foi um enorme erro, na Constituição de 1988, conceder autonomia orçamentária para os Poderes Judiciário e Legislativo e para o Ministério Público.
A consequência dessa imprudente iniciativa se revela nos suntuosos palácios que albergam os órgãos daquelas instituições, em contraste com a precariedade de estradas, escolas e hospitais. De igual forma, os regimes de pessoal de seus servidores são generosos, quando confrontados com os dos demais servidores.
A política de gastos públicos, inclusive a de pessoal, tem que se sujeitar a critérios gerais. Diferenciações não podem decorrer do vínculo a Poder, mas da natureza da atividade. A independência dos Poderes não autoriza concluir que pertencem a Estados soberanos.
Ainda que indispensável, não será fácil reformar o Estado brasileiro. As forças reacionárias são poderosas. Por um bom tempo, o Estado prosseguirá marchando como um hipopótamo trôpego.
* Consultor tributário, foi Secretário da Receita Federal (1995-2002)
Foto: O senador Cássio Cunha Lima, o presidente do Senado, Eunício Oliveira, e o senador João Alberto Souza durante sessão plenária para discutir reforma trabalhista (Foto Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Fonte: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,o-andar-do-hipopotamo-tropego,70001878627
Ricardo Noblat: Para estancar a sangria
À luz dos fatos recentes, combinemos assim: senador pedir R$ 2 milhões a empresário para pagar despesas com advogados não é nada demais. Só interessa a eles.
Não importa que o dinheiro tenha sido entregue dentro de uma mala, sem registro da transação. E que a irmã do senador tenha tentado, mais tarde, vender ao empresário um imóvel da família a preço exorbitante. Assunto particular, ora essa...
Combinemos também que deputado filmado pela Polícia Federal correndo com R$ 500 mil dentro de uma mala só revela o quanto é inseguro circular livremente em locais públicos de qualquer grande cidade.
É verdade que o dinheiro lhe fora dado como pagamento de propina. Mas acabou devolvido. Em troca, o agora ex-deputado está proibido de sair de casa à noite e nos fins de semana. Não está de bom tamanho?
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) que devolveu o mandato ao senador escreveu que a trajetória política dele é elogiável, que ele tem fortes ligações com o Brasil e que só ao Senado cabe punir os seus, preservando-se o equilíbrio entre os poderes da República.
É irrelevante, de certo, que o mesmo ministro, há alguns meses, tenha afastado do cargo o presidente do Senado. Acabou desautorizado por seus pares.
Não é vedado a um juiz pensar, hoje, de uma forma e amanhã de outra. O ministro que mandou prender o ex-deputado da mala, por exemplo, disse que o fez porque ele “prosseguiria aprofundando métodos nefastos de autofinanciamento em troca de algo que não lhe pertence”.
Certamente a prisão foi relaxada porque o ex-deputado desistiu de aprofundar seus “métodos nefastos de autofinanciamento”. Passou o perigo, pois.
O senador agora reconciliado com o mandato funcionou como âncora para impedir que seu partido abandonasse o governo. Se tal ocorresse, o governo retaliaria liberando votos para cassar seu mandato.
De volta às funções, e por coerência, o senador atuará com mais desenvoltura ainda para que o presidente da República denunciado por corrupção passiva continue firme e forte como deve ser.
Infelizmente para o governo, o ex-deputado da mala não poderá ajudá-lo a sobreviver mesmo que débil. Pegaria mal vê-lo arrastar-se por aí com uma incômoda tornozeleira eletrônica.
Sua maior contribuição à estabilidade das instituições será manter-se calado. Por coincidência, nada mais do que coincidência, foi libertado poucos dias depois de avisar que estava disposto a delatar. Era o que faltava...
Celebremos o que há de mais positivo. Por folgada maioria de votos, o STF validou a delação dos executivos do Grupo JBS que ameaça a sorte do atual e dos ex-presidentes Dilma e Lula. Quer dizer: segue valendo a lei das delações assinada por Dilma e depois amaldiçoada por ela.
A decisão do tribunal deixou entreaberta a porta para revisão de delações contaminadas por ilegalidades. Quais? Qualquer uma. Não lhe parece justo?
O Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, cujo mandato termina em setembro, já teve seu substituto escolhido – a procuradora Raquel Dodge, de notável biografia e desafeta dele.
Foi o segundo nome mais votado por seus colegas. O primeiro, irmão do governador do Maranhão, adversário de José Sarney, era a favor da cassação de Temer. Foi o ministro Gilmar Mendes que sabiamente aconselhou Temer a escolher Raquel.
Espera-se que o juiz Sérgio Moro condene Lula, esta semana. Então o país poderá respirar aliviado. Não é?
* Ricardo Noblat é jornalista
Fonte: http://noblat.oglobo.globo.com/meus-textos/noticia/2017/07/para-estancar-sangria-03-07-2017.html