Segunda Guerra Mundial

Argentina, 1985 conquistou o Globo de Ouro de Melhor filme estrangeiro, seguindo ainda no páreo para o Oscar em março próximo | Foto: Reprodução/Best Movie Cast

Revista online | Cinema e democracia

Lilia Lustosa*, crítica de cinema, especial para a revista Política Democrática online (51ª edição: janeiro de 2023)

A onda de filmes sobre a 1ª e a 2ª Guerras Mundiais que assola os streamings ultimamente é um fator a ser considerado. O historiador francês Marc Ferro já dizia que o cinema, por ser um testemunho singular de seu tempo, traz à tona elementos que viabilizam uma análise da sociedade em que está inserido, independentemente da vontade do diretor, do roteirista ou do produtor. Para Ferro, o documento fílmico “traz sem querer uma informação que vai contra as intenções daquele que filma, ou da firma que mandou filmar”. Ou seja, mesmo que não seja a intenção, determinados aspectos da sociedade vão emergir, aparecendo na tela em forma de “lapsos”.

Como se observa diariamente nos jornais e nas redes sociais, o mundo anda bem complicado ultimamente, e a América Latina não é exceção, parecendo até ter sido selecionada como um dos cenários preferidos para extremistas e fanáticos que colocam cotidianamente a democracia em xeque.

No nosso Brasil, os acontecimentos de 8 de janeiro, em Brasília, são um exemplo triste  de que a ameaça é bem mais real do que se imaginava. Vidraças quebradas, obras de arte perfuradas e parte do nosso patrimônio dilapidado por vândalos alucinados não são obra de nenhuma ficção concorrendo ao Oscar deste ano. Infelizmente. São, na verdade, o retrato da mais pura (e feia) realidade.

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Dentro desse contexto, há vários filmes que refletem as angústias dos nossos tempos e que podem ajudar a entender que o caminho que estamos percorrendo precisa ser combatido já. 

Nada de Novo no Front (2022), longa alemão que concorre ao Oscar de Melhor filme internacional neste ano, é um bom exemplo. O filme, que é baseado no livro homônimo de Erich Maria Remarque, de 1929, além de contar a história pelo lado do perdedor – coisa rara nos livros de História – não se furta a fazer uma mea culpa sobre as ações da Alemanha na 1ª Guerra, deixando bem claro, porém, que em uma guerra ninguém sai vencedor.

Argentina, 1985 (2022), de Santiago Mitre, que concorre ao Oscar na mesma categoria,  surge, por sua vez, como uma espécie de luz no fim do túnel. Um banho de esperança, disfarçado de filme. Aliás, uma senhora aula de cinema político, tocando em pontos cruciais e doloridos da História, sem ter nem que recorrer à troca de nomes reais por fictícios. Filme sem medo!

Estrelado por Ricardo Darín no papel do promotor Júlio César Strassera, chefe do Ministério Público argentino, o longa reproduz com maestria um momento bastante tenso na história do país, logo após o fim da ditadura militar. Período em que o então presidente Raúl Alfonsín assinara um decreto que previa o julgamento dos militares implicados em crimes durante a ditadura, baseado no informe Nunca Más, documento escrito pela Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas (Conadep), que registrou a existência de mais de 340 centros clandestinos e mais de 9 mil desaparecidos no país.

O foco é então o Julgamento das Juntas Militares, ineditamente composto por um júri de civis. Para auxiliar Strassera nessa missão quase impossível, estava o jovem Luis Moreno O’Campo (Peter Lanzani), de família tradicional argentina, um dos poucos a ter coragem de se juntar ao promotor para enfrentar o rojão que viria pela frente. Com eles, havia ainda um grupo de jovens neófitos destemidos, dispostos a trabalhar noite e dia para fazer justiça.

Confira, a seguir, galeria:

Primeira guerra mundial | Foto: reprodução/UOL
Segundo guerra mundial | Foto: Brasil Escola
Filme Nada de Novo no Front | Foto: reprodução/O Globo
Filme Argentina, 1985 | Foto: reprodução/Outras Palavras
Brasil em defesa da democracia |Foto: Joa Souza/Shutterstock
Ticket cinema | Foto: ktsdesign/Shutterstock
Primeira guerra mundial | Foto: reprodução/UOL
Segundo guerra mundial | Foto: Brasil Escola
Filme Nada de Novo no Front | Foto: reprodução/O Globo
Filme Argentina, 1985 | Foto: reprodução/Outras Palavras
Brasil em defesa da democracia |Foto: Joa Souza/Shutterstock
Ticket cinema | Foto: ktsdesign/Shutterstock
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Primeira guerra mundial | Foto: reprodução/UOL
Segundo guerra mundial | Foto: Brasil Escola
Filme Nada de Novo no Front | Foto: reprodução/O Globo
Filme Argentina, 1985 | Foto: reprodução/Outras Palavras
Brasil em defesa da democracia |Foto: Joa Souza/Shutterstock
Ticket cinema | Foto: ktsdesign/Shutterstock
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Como é praxe no cinema argentino, Argentina, 1985 propõe uma reflexão sobre a história do país, espécie de autoanálise que surpreende por não se contentar em ficar na categoria de filmes de tribunal, centrado em cenas de julgamento e em eloquentes discursos enfeitados. O que Mitre constrói aqui é algo bem mais complexo. Uma obra que mistura História, suspense e até humor, sem nunca se deixar cair na armadilha do dramalhão regado a lágrimas e sofrimentos. Por meio de uma reconstituição histórica de alto nível e de uma recriação sublime dos anos 1980 –  com belo design de produção e de figurino –, o diretor apresenta o passo a passo do julgamento de 1985, sem desconsiderar aspectos individuais e sentimentos dos personagens envolvidos.

Argentina, 1985 já levou alguns prêmios nesta temporada, entre eles o disputado Globo de Ouro de Melhor filme estrangeiro, seguindo ainda no páreo para o Oscar em março próximo. Um sinal de que, apesar do temor de que algo parecido com uma 3ª Guerra Mundial aconteça, os “lapsos” dos nossos tempos ainda indicam que a democracia é o melhor caminho.

Sobre a autora

* Lilia Lustosa é crítica de cinema, formada em publicidade, especialista em marketing, mestre e doutora em História e Estética do Cinema pela Universidade de Lausanne, França.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de janeiro/2023 (51ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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El País: A boa vida dos artistas de Hitler décadas após a Segunda Guerra

Criadores favoritos do nazismo gozaram de grandes carreiras durante décadas após a derrota na II Guerra

Miguel Ángel Garcia Vega / El País

Se em 1945 existisse uma pílula do esquecimento, a maioria dos alemães a teria ingerido. Esquecer os milhões de mortos, a destruição, o horror do Holocausto, a devastação. Mas “o passado nunca está morto. Nem sequer é passado”. Impossível contradizer Faulkner. Ao final da II Guerra Mundial, importantes membros do nacional-socialismo continuaram uma vida de “sucesso”. Pensaram: “A Alemanha é outro país”. Engenheiros, políticos e músicos “extraviaram” suas lembranças. A arte moldou sua vergonha. Muitos artistas nazistas continuaram recebendo lucrativas encomendas da Administração, da Igreja e da indústria, seguiram lecionando nas universidades, expondo e erigindo monumentos pelos mortos da guerra. O verdugo honrando as vítimas.

A origem disso repousa em amareladas folhas datilografadas com fita azul em agosto de 1944. Nelas aparece o nome de 378 artistas aos quais Hitler e Goebbels fizeram encargos. É a lista dos “dotados divinos” (Gottbegnadeten-Liste), criadores “indispensáveis” para a estética nazista (Richard Strauss, Carl Orff) que por isso estavam dispensados de lutar na frente de batalha. Willy Meller (que esculpiu as esculturas do Estádio Olímpico), Adolf Wamper, Richard Scheibe, Arno Breker e Georg Kolbe (que presentou o Führer um busto de Franco em 1939) demonstravam que a República Federal permanecia na mesma geografia depois do suicídio de Hitler. Todos continuaram ativos depois da derrota militar.

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Duas exposições em Berlim contam pela primeira vez como isso pôde acontecer. “O setor artístico alemão não estava interessado em questionar as obras e as carreiras dos antigos divinos”, afirma por e-mail Wolfgang Brauneis, curador da exposição Os dotados divinos. “A história situou estes criadores na periferia, mas não os aniquilou”, recorda o especialista Bartomeu Marí. Os primeiros protestos chegariam em 1965 contra uma tapeçaria de Kaspar presenteada a Nuremberg pelo Estado da Baviera. Também houve o escândalo do imenso bronze de Palas Atena, fundido por Breker em 1957, que ainda se encontra diante de uma escola pública em Wuppertal. O que fazer? Destruí-las? Talvez seja melhor contextualizá-las e aprender com o passado. O filósofo alemão Max Horkheimer, que era judeu, sentiu-se humilhado quando voltou do exílio nos EUA na década de 1940. “Fui a uma reunião ontem e encontrei as pessoas tão alegres que dava vontade de vomitar”, escreve. “Todos estavam lá, sentados, igual a antes do III Reich. Como se nada tivesse acontecido.”

Essa indignidade se prolongou na primeira edição da Documenta de Kassel, exposição quinquenal que é hoje um dos mais importantes eventos do Planeta Arte, mas que naquela época, em 1955, queria basicamente vender ao mundo o fim da era nazista. Mentira. “A equipe inicial contava com 21 pessoas, das quais 10 haviam sido paramilitares das SA, das SS ou do Partido Nazista. Isto era algo comum na sociedade”, narra Julia Voss, curadora da exposição Documenta, Politics and Art. E acrescenta: “Do ponto de vista estético, o cofundador, Werner Haftmann [o historiador Carlo Gentile descobriu em julho que ele era procurado em 1946 na Itália por crimes contra a humanidade], e a Documenta se desvincularam da época nacional-socialista. Mas ao mesmo tempo a história da arte moderna se reformulou em uma versão na qual os assassinados não apareciam”. Os nazistas acharam uma Solução Final para a arte: misturar silêncio e esquecimento.

Fonte: El País
https://brasil.elpais.com/eps/2021-11-17/a-boa-vida-dos-artistas-de-hitler.html


El País: O suicídio de Hitler e os 75 anos do tiro mais importante da Segunda Guerra Mundial

Morte do líder nazista em 30 de abril de 1945, confinado no bunker da Chancelaria de Berlim, significou na prática o fim do III Reich e permitiu encerrar o conflito na Europa

Jacinto Antón, do El País

Ninguém parece ter ouvido, naquele 30 de abril de 1945, pouco antes das 16h, o tiro mais importante da Segunda Guerra Mundial. Mas quando seus capangas abriram precavidamente a porta de seu apartamento para dar uma olhada, Hitler jazia em um sofá, morto com um buraco do tamanho de uma moeda pequena na têmpora direita. Por sua face corria um fio de sangue que tinha formado no tapete um charco das dimensões de um prato. Uma das mãos do líder nazista descansava sobre seu joelho com a palma virada para cima, e a outra pendia inerte. Junto ao pé direito de Hitler havia uma pistola Walther calibre 7,65 mm, a sua, com a qual disparou contra si mesmo, e ao lado do pé esquerdo outra, do mesmo modelo, mas de calibre 6,35 mm, sem usar. Hitler vestia a túnica do seu uniforme, uma camisa branca com gravata preta e calças pretas. No mesmo sofá estava sentada, também morta, envenenada com cianureto, sua esposa desde a véspera, Eva Braun, com as pernas encolhidas e os lábios apertados. O quarto tinha um intenso cheiro de pólvora. A notícia correu rapidamente pelo bunker da Chancelaria, de SS para SS: “Der Chef ist tot”, o Chefe está morto.

Tumba silenciada em Berlim

Excetuando rápidas saídas, Hitler estava encerrado no claustrofóbico recinto subterrâneo desde 15 de janeiro daquele ano, quando deixou seu quartel-general do oeste, o Adlehorst, em Ziegenberg, depois da catastrófica ofensiva nas Ardenas. O líder nazista tinha então apanhado seu trem pessoal para se dirigir a Berlim, de onde, como algum engraçadinho comentou, seria mais prático comandar a guerra, pois em breve seria possível se deslocar de lá tanto para a frente ocidental como para a oriental… de metrô. Hitler chegou de noite à sua capital, com as cortinas abaixadas e se dirigiu discretamente de carro —o ambiente não estava para banhos de massas— à Chancelaria do Reich, em meio a ruas desérticas cheias de ruínas, para se enclausurar definitivamente em seu bunker, uma labiríntica construção de dois andares situada sob o jardim do complexo, a suficiente profundidade e destinada originariamente a servir de refúgio antiaéreo.

O desconfinamento de Hitler três meses depois, pela via do suicídio, que completa 75 anos nesta quinta-feira, significou na prática o fim do seu regime —embora oficialmente o III Reich tenha continuado existindo, com seu designado sucessor, o almirante Doenitz, à frente— e abriu as portas à rendição da Alemanha em 8 de maio e ao fim da guerra na Europa. Nenhuma das duas coisas era possível sem que Hitler saísse de cena. Ele sabia disso fazia bastante tempo, e seu empenho em se aferrar ao poder a todo custo, com a luta já perdida, arrastando toda a Alemanha para uma última orgia de morte e destruição, é a demonstração final de seu caráter megalomaníaco e desumano. Que Hitler foi uma pessoa má não é novidade alguma, mas as alturas de perversidade que o líder nazista alcançou em sua última etapa são impressionantes.

Hitler não só demonstrou uma absoluta insensibilidade por seu próprio povo, prolongado seus sofrimentos enquanto pôde e tratando de levá-lo à aniquilação absoluta, como também atribuiu a derrota aos próprios alemães e os considerou indignos dele, e de sobreviver. Não haveria de se mostrar mais caridoso, certamente, com suas vítimas: em seu testamento —ditado na noite de 29 de abril a sua secretária, Traudl Junge—, uma autojustificação e uma tentativa de projetar seu ódio além de sua própria vida, não há nenhum vislumbre de arrependimento, reconhecimento de culpa ou compaixão, apenas uma reafirmação de todo o seu programa de violência e aversão, e até um presunçoso alarde de genocídio (no documento há uma clara alusão à Solução Final) que é de uma vilania repugnante. A única coisa boa que se pode dizer de Hitler é que naquele 30 de abril, com seu disparo, liberou o mundo de um ser infame.

No começo de 1945, nem a ofensiva das Ardenas nem os esforços por atirar mais carne à guerra através da Volkssturm —os soldados recrutados entre os muito idosos ou muito jovens para combaterem (morreram inutilmente mais de 175.000 membros dessas unidades)— tinham servido para reverter a situação de derrota em todas as frentes. Em quatro meses do ano anterior as forças armadas alemãs tinham perdido mais de um milhão de homens, a guerra aérea era quase unilateral, os submarinos já não podiam fazer nada… Claramente o fim se aproximava. Mas Hitler continuava confiando irracionalmente em que algo aconteceria. Por outro lado, no fundo estava consciente de que para ele não havia nenhuma saída. Em seu ideário não cabia a rendição, que equivalia a repetir a “punhalada pelas costas” de 1918. Toda sua carreira política tinha sido encaminhada para que não houvesse jamais outra capitulação “covarde”. Além disso, tinha consciência —como todos do seu entorno, inclusive, como se viu, Goering e Himmler— de que sua própria pessoa era o obstáculo para qualquer possível saída negociada da guerra. Tudo o que restava, como salienta Ian Kershaw em sua monumental e canônica biografia (Hitler – Um perfil do poder, Jorge Zahar Editor, 1993), era seu posto na história como um herói alemão derrubado pela fragilidade e a traição. Sabia também que os Aliados não o tratariam com flores caso se rendesse. Esperava-lhe uma forca ou algo pior, que o aterrorizava: que os soviéticos o exibissem, prisioneiro e humilhado, como um monstro de quermesse. Assim, para ele não havia pessoalmente nada em jogo. A aposta pelo tudo ou nada o levava irremediavelmente a um nada.

Teatro macabro

Muito já se escreveu sobre esse teatro macabro que foi a época final de Hitler no bunker, desde The last days of Hitler [“os últimos dias de Hitler”], de Hugh Trevor-Roper, a investigação do autor em 1945 por encomenda dos serviços secretos dos Aliados ocidentais para confirmar que o líder nazista tinha morrido em vez de fugido de submarino para a Argentina ou para uma base secreta na Antártida —a NKVD soviética fez sua própria pesquisa para Stálin, reunida no relatório Hitler – até Berlim 1945, a Queda, de Antony Beevor (Record, 2004). Mas talvez seja um filme, A queda (2004,) com Bruno Ganz, o que mais contribuiu para criar a imagem popular do como aquilo se deu. É preciso observar, como fez Beevor, que o filme, apesar de aparentemente fiel à história, apresenta alguns traços inquietantes, como a identificação que se cria pela lógica narrativa com personagens tão sinistros como a secretária Junge, mostrada com uma inocência irreal, ou com o médico e Obersturmbannführer das SS, Ernst-Günther Schenck, assim como a aura de solenidade que se imprime a algumas cenas que são sopa no mel para os neonazistas. A realidade no bunker, segundo Beevor e outros historiadores, era muito mais sórdida e vulgar, e não esteve isenta de humor negro.

Os cômodos de Hitler no bunker, um verdadeiro submarino de cimento, eram muito pequenos, e sua vida foi se tornando cada vez mais restrita, enquanto, lá embaixo, perdia-se a diferença entre o dia e a noite. Costumava se levantar ao meio-dia e ficava acordado até alta madrugada. Já estava muito deteriorado fisicamente, gasto, envelhecido e com tremores na mão esquerda. Reinava ao seu redor uma atmosfera de irrealidade. A notícia, em 12 de abril, da morte do presidente Roosevelt introduziu brevemente um raio de otimismo. Hitler tinha a remota esperança de que se abrisse um frente anticomunista com a incorporação da Alemanha. Mas em 16 de abril chegou a grande ofensiva soviética, com um milhão de soldados sob o comando de Zukov e Konev, e se afundou toda a frente do rio Oder: Berlim já estava na mira. No dia 20, o último aniversário de Hitler, que completava 56 anos, os tanques do Exército Vermelho já estavam nos subúrbios da cidade. Kershaw conta que a partir de então ligavam do bunker, aleatoriamente, para números da lista telefônica perguntando: “Desculpe, a senhora viu os russos?”. “Passaram por aqui faz meia hora, eram parte de um grupinho de 12 tanques”, lhes respondia a interlocutora do outro lado da linha. Isso se não atendesse alguém cantando Kalinka...

Eva Braun chegou para ficar, e os manda-chuvas nazistas foram cumprimentá-la, suplicando-lhe galantemente que se mantivesse a salvo em seu refúgio alpino, o que ela recusou. Depois foram partindo, a passo rápido. O Führer, após aplicar seu colírio de cocaína, um dos muitos remédios que tomava, subiu as escadas até o parque da Chancelaria do Reich para premiar 20 membros das Juventudes Hitleristas, alguns quase meninos, que tinham se destacado nas lutas na cidade. Acariciou-lhes as faces, deixando no ar uma imagem de pedófilo que é a única coisa que lhe faltava. Depois retornou às entranhas da terra, de onde não voltou a sair com vida. Naquela noite, Junge lhe ouviu dizer que já não acreditava na vitória. Houve uma festa noturna acima, à qual Hitler não compareceu, mas sim Eva Braun, que dançou animadamente —bom, o mais animadamente possível numa festa com um só disco e na companhia de Bormann. O fim da festa foi determinado por um ataque da artilharia soviética. Parece que havia um ambiente de febre erótica e lascívia entre os habitantes do bunker (quando Hitler ia dormir) digno de O porteiro da noite. Champanhe não faltava. E certamente nunca era cedo demais para que começassem as rodadas obrigatórias de vodca, kazachok e papasha.

Hitler parecia se aproximar de um ponto de ruptura e era cada vez mais imprevisível. Fanfarronava de que lutaria enquanto tivesse um só soldado às suas ordens e depois se suicidaria. Explodiu como nunca no dia 22 nessa famosa sessão informativa que aparece em A queda e na qual Ganz dá um espetáculo de interpretação. Foi quando soube que as tropas do SS-Obergruppenfürer Felix Steiner não haviam atacado. Durante meia hora gritou como um possesso. Depois desabou dando tudo por perdido e afirmando que já não tinha mais ordens para dar. O que deixou os militares estupefatos, pois quem iria dá-las senão ele. Hitler foi alternando nas próximas horas a autocompaixão, pessimismo e os pensamentos na posteridade e no lugar que ocuparia na história. Se soubesse se suicidaria da mesma forma, mas tinha ao seu lado Goebbels que tentava convencê-lo de que se as coisas não dessem certo (!) no máximo em cinco anos seria um personagem lendário e o nacional-socialismo alcançaria uma condição mítica. Enquanto isso, passavam pelo bunker as últimas visitas como se aquilo já fosse um velório: Speer, Hanna Reitsch, Von Greim... No recinto, com ambiente de juízo final, todo mundo falava da melhor maneira de se suicidar e trocavam cápsulas com veneno.

No dia 28 chegou a notícia de que Himmler havia feito uma oferta de rendição. É de impressionar sofrer uma traição de alguém como Himmler, e Hitler voltou a se encolerizar. Ficou tão irritado que mandou fuzilar seu próprio futuro concunhado, Fegelein (marido da irmã de Eva Braun, Gretl, que estava grávida), porque era o SS —dos próximos a Himmler— que tinha mais a mão. Na noite do 29 se casou com Eva Braun (sua irmã não foi madrinha) transformando-a na primeira-dama do Reich por algumas horas em um contrato matrimonial que tinha implícita a cláusula do suicídio. A relação de Hitler e sua amante (a quem uma vez presenteou premonitoriamente com um livro sobre as tumbas egípcias) vai além do alcance dessas linhas, mas era complicada. Não se sabe se a consumaram, evidentemente não era o melhor ambiente para uma noite de núpcias, às vésperas de se suicidarem. Hitler aproveitou a ocasião para ditar seu testamento. Finalizava o documento acreditando que de seu autossacrifício o nazismo renasceria e exortava a continuar lutando. Nomeou um governo sucessor com Doenitz no comando (como presidente do Reich e não como Führer) e foi descansar.

Hitler já havia enviado na frente, envenenando-os, seus cachorros, sua alsaciana Blondie que Kershaw afirmou Hitler amar mais do que qualquer ser humano “possivelmente" incluindo Eva Braun), e seus filhotes. Precisava se assegurar de que se suicidaria de maneira efetiva. Mas por fim optou pela pistola, que lhe pareceu mais marcial. Os acontecimentos se precipitavam, o líder nazista precisava se decidir de uma vez antes que os T-34 entrassem pela sala de estar. Planejou para após o almoço do dia 30. Era fundamental fazer seu cadáver desaparecer (Beevor acha, ainda que outros duvidem, que chegou a saber da humilhação do cadáver de seu amigo e aliado Mussolini na Praça Loreto de Milão, pendurado de cabeça para baixo com sua amante Claretta Petacci no 29). Para isso encarregou seu ajudante pessoal Otto Günsche de queimá-lo com Eva Braun, que iria junto, para o que pediu 200 litros de gasolina a seu chofer, Erich Kempka. Hitler fez sua refeição na primeira hora da tarde, como todos os dias, com suas secretárias e seu dietista (?) e depois se despediu de seu círculo íntimo, ato que também foi feito por Eva Braun. Depois os dois se retiraram ao estúdio de Hitler. Magda Goebbels, nazista fanática, que depois mataria seus seis filhos e se suicidaria com seu marido, pediu para ver o Führer e este concordou. Tentou convencê-lo a fugir. Hitler voltou ao escritório. Os íntimos de Hitler esperaram dez minutos na antessala em frente à porta. Então, o SS Linge, criado pessoal de Hitler, a abriu com reverência e acompanhado por Bormann deram uma olhada. Estava tudo acabado.

A morte de Hitler criou um vazio quase palpável no bunker, passando do ambiente de crepúsculo dos deuses ao de sauve qui peut, mais diretamente a fuga dos ratos. Foi como se todo mundo se desse conta da realidade. Era preciso dar um fim aos cadáveres o mais rápido possível, os russos não deveriam encontrar o Führer na poltrona. Envolveram os corpos em mantas —o de Hitler com a cabeça coberta— e os subiram, com muito menos cerimônia do que em A queda, ao jardim da Chancelaria, terminando o desconfinamento. Lá, a três metros da porta, entre um bombardeio soviético que dificultava a proteção, jogaram gasolina e queimaram os cadáveres. Os presentes, atabalhoadamente, ergueram os braços em um derradeiro “Heil Hitler!” enfumaçado. Muito se falou do destino dos restos. Parece que, ao contrário do que no caso dos senhores Goebbels, que tinham menos gasolina, não sobrou quase nada. Os pedaços carbonizados, que desmanchavam ao ser tocados com os pés, foram enterrados, de acordo com o depoimento de algum SS pouco respeitoso a essas alturas, com os de outros cadáveres. Posteriormente os agentes soviéticos encarregados da investigação do paradeiro de Hitler entregaram a Stálin o que puderam encontrar, basicamente a mandíbula do líder nazista, que colocaram em uma caixa de charutos. Mais tarde, ao que parece, foi encontrado um pedaço de osso parietal com um tiro, última evidência do disparo que acabou com uma vida de maldade e, por fim, com uma guerra que provocou 50 milhões de mortos.


Filmes debatem fatos políticos e históricos no mês das eleições

Programação do Cineclube Vladimir Carvalho vai tratar sobre ditadura chilena, João Goulart, Revolução de 30, campanha de Bill Clinton e Segunda Guerra

Por Cleomar Rosa

Brasil, Chile, Estados Unidos e Polônia serão representados na programação de outubro do Cineclube Vladimir Carvalho, no Espaço Arildo Dória, no Conic, próximo à Rodoviária do Plano Piloto de Brasília (DF). As sessões, realizadas sempre às terças-feiras, seguem o cronograma e a proposta de difusão de conhecimento e cultura da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), mantenedora do cineclube. A entrada é gratuita.

No mês das eleições, os filmes vão tratar de fatos políticos e históricos como a situação política e social chilena na época do ditador Augusto Pinochet, o presidente João Goulart que foi eleito democraticamente e deposto, a Revolução de 30 no Brasil, a campanha presidencial de Bill Clinton e a história de um jovem ligado à frente nacionalista durante a Segunda Guerra Mundial.

O filme NO (Chile) vai abrir a programação no dia 2 de outubro. No dia 9, o público poderá conferir a Revolução de 30 (Brasil). A exibição de Dossiê Jango acontecerá no dia 16, The War Room (Estados Unidos) será a atração do dia 23, enquanto Cinzas e Diamantes (Polônia) vai fechar a lista de filmes exibidos no mês no dia 30. As sessões terão início às 18h30 e, ao final de cada uma, haverá roda de conversa sobre o tema do filme exibido.

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Dirigido por Pablo Larrain, em 2012, o filme NO mostra que, em 1988, no Chile, o governo ditatorial convoca um plebiscito para perguntar se a população apoia os militares. Um militar fica responsável pela campanha do Não, com ideias ousadas para convencer o povo a acabar com o regime militar. O filme tem classificação de 12 anos e 1h58 de duração.

O filme de Larrain tem relação com o episódio de outubro de 1972, que serviu como um marco para o regime militar chileno. Na época, os caminhoneiros paralisaram o país pela primeira vez, protestando contra a autoridade nacional do transporte. A crise econômica impulsionou os militares a depor o então presidente do país, Salvador Allende, um ano depois.

Já Dossiê Jango retrata a situação vivida por João Goulart, presidente eleito no Brasil democraticamente, mas que acabou deposto. O filme traz a questão de sua morte misteriosa à tona e tenta esclarecer fatos obscuros da história do país.

O filme Revolução de 30, dirigido por Sylvio Back, em 1980, no Brasil, é uma colagem de mais de 30 documentários e filmes de ficção dos anos 1920, com cenas inéditas do histórico episódio de destituição do então presidente Washington Luís e de ascensão de Getúlio Vargas ao governo do país. É permitido para pessoas com idade a partir de 14 anos e tem 1h58 de duração.

No caso brasileiro, outubro de 1930 serviu como período de intensas movimentações e mudanças políticas. No dia 24 daquele mês, a junta provisória militar assumiu o comando do país, após depor Washington Luís com apoio de grupos que fizeram incursões armadas no território nacional. Getúlio Vargas assumiu o governo dez dias depois com apoio da junta, que lhe transferiu o poder.

Eleições e Segunda Guerra Mundial

Don Alan Pennebaker é quem dirigiu o documentário The War Room, em 1993, nos Estados Unidos, mostrando como os “generais” George Stephanopoulos e James Carville e seus colaboradores revolucionaram a campanha presidencial de Bill Clinton, em 1992. O grupo articulou uma das grandes viradas políticas americanas. O filme tem 1h36 de duração.

Em outubro de 1992, à véspera da eleição para presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton se encorajou ainda mais, fortalecendo sua imagem perante o seu eleitorado. Ele foi eleito o 42º presidente dos EUA, no dia 3 de novembro daquele ano. Ele recebeu quase 45 milhões de votos, 43% do total. George Bush, que tentava a reeleição, teve 38%.

Já o drama Cinzas e Diamantes, de 1958, e com direção de Andrzej Wajda, mostra a história de um jovem rebelde ligado à frente nacionalista. No último dia da Segunda Guerra Mundial, ele recebe a missão de assassinar um líder comunista. Perturbado pela transformação repentina de aliados em inimigos, o jovem decide aproveitar a vida por uma noite, quando se apaixona por uma garçonete e pensa em desistir da luta.

Com capacidade para 65 lugares, o Cineclube Vladimir Carvalho fica na parte superior do Espaço Arildo Dória, dentro da Biblioteca Salomão Malina – mantida pela Fundação Astrojildo Pereira. Todos os filmes serão exibidos em uma tela de projeção retrátil de 150 polegadas, com imagem de ótima qualidade. Participe!