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Merval Pereira: Não há chance de dar certo

Além das mentiras já comprovadas do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, que o noticiário em tempo real já explora desde ontem, e os jornais de hoje estão certamente aprofundando, os depoimentos à CPI da Covid até agora estão desvelando a maneira primitiva com que as decisões não são tomadas no governo Bolsonaro.

Juntando com a operação da Polícia Federal realizada ontem sobre a venda ilegal de madeira para os Estados Unidos, denunciada pelo próprio governo americano, temos a prova cabal de que não é apenas a questão ideológica que interfere na formação de um governo totalmente disfuncional.

O (ainda?) ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e diversos escalões do Ibama, inclusive seu presidente, foram apanhados por uma investigação sigilosa que incomodou Bolsonaro, que fez trocas no Ministério da Justiça e na Polícia Federal na tentativa de controlar as instituições do Estado brasileiro e viu-se surpreendido com a independência da PF.

Um exemplo típico, e fundamental, dessa disfuncionalidade é a crença de que as palavras de Bolsonaro nas redes sociais e nas lives fazem parte apenas do seu “etos político”, e não representam orientações do governo. Ao explicar a famosa frase “um manda, outro obedece”, Pazuello disse que era “uma frase de internet”, isto é, uma resposta para ajudar o político Bolsonaro, que estava sendo criticado por seus seguidores nas redes sociais porque o Ministério da Saúde havia anunciado a compra da CoronaVac, a “vacina chinesa” do Doria.Seria uma releitura abrutalhada de Maquiavel, que separava a ética política da ética moral, ou então de Max Weber, uma referência para os que querem ser servidores públicos conjugando a “ética da convicção”, dos princípios morais aceitos em cada sociedade, e a “ética da responsabilidade”, que prevalece na atividade política.

Se houvesse um lado B de Bolsonaro, que para fora do governo enviasse uma mensagem, e agisse com bom senso, não teríamos tido a tragédia sanitária de que Pazuello é cúmplice. Basta assistir ao vídeo da famosa reunião ministerial que precipitou a saída do ex-ministro Sergio Moro para ver que o Bolsonaro das redes sociais é o mesmo nas entranhas do governo.

Ao mentir na CPI, tentando livrar a cara do presidente, o ex-ministro da Saúde comete um “crime continuado”, mesmo fora do governo. Os fatos o desmentem. O caso do avião oferecido pelos Estados Unidos para levar oxigênio para Manaus, na crise sanitária ocorrida dentro da pandemia no Brasil, é exemplar da incapacidade de trabalho em equipe deste governo.

O ex-chanceler Ernesto Araújo não falou com o governo da Venezuela, nem com o dos Estados Unidos, por questões ideológicas. E também não encaminhou, segundo Pazuello, um pedido formal com as características dos cilindros que seriam apanhados na Venezuela para levar a Manaus. Já havia feito isso quando recebeu a carta da Pfizer oferecendo vacinas. Não comunicou ao presidente Bolsonaro porque supôs “que o governo tinha recebido a carta”.

Pazuello soube que havia um avião dos Estados Unidos pronto para trazer oxigênio, mas não fez nada, pois não lhe perguntaram nada, só informaram. Ernesto Araújo disse que cabia ao Ministério da Saúde dar as informações técnicas para o voo. Os dois não se falaram, demonstrando que as autoridades do governo tiveram comportamentos burocráticos durante a crise humanitária em Manaus.

Pazuello reafirmou uma visão provinciana das negociações internacionais sobre as vacinas. Disse que mostrou ao representante da Pfizer o tamanho do Brasil num mapa, assim como o presidente Bolsonaro dissera anteriormente que o mercado brasileiro era tão grande que poderíamos negociar o preço das doses. Deu tudo errado, e, ao final, compramos a vacina da Pfizer pelo preço definido no início das negociações, perdendo tempo e prioridade na distribuição das doses.

É um governo completamente disfuncional. Com esses depoimentos e declarações, não há a menor chance de dar certo.

Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/post/nao-ha-chance-de-dar-certo.html


Míriam Leitão: Do chão da floresta à cúpula do clima

Um avião do Comando de Aviação Operacional da Polícia Federal foi a Manaus em novembro buscar policiais para ajudar nas eleições no sul do Estado. O superintendente da PF, Alexandre Saraiva, perguntou ao piloto: “Na volta, tem como sobrevoar os rios Madeira e Mamuru para ver se tem balsa da madeira?” Um agente foi junto para fotografar e trouxe farto material. Assim começou a maior apreensão de madeira feita pela Polícia Federal. A ação foi comemorada em nota pela Secom do Planalto. Saraiva esteve no Conselho da Amazônia para explicar a operação e discutir o destino da madeira. A reviravolta ocorreu quando o ministro Ricardo Salles foi ao Amazonas e passou a defender os madeireiros.

Na reunião de cúpula esta semana sobre clima, convocada pelo presidente Joe Biden, o presidente do Brasil vai mentir. Já há muita falsidade na carta enviada por Bolsonaro a Biden. A meta de zerar o desmatamento ilegal em 2030 é antiga, foi apresentada pelo Brasil em 2009, em Copenhague, e confirmada em Paris. No mesmo dia em que prometeu reduzir o desmatamento, o governo fez o oposto. A boiada de Salles é coisa que passa todo dia. Ele baixou, na quinta-feira, uma instrução normativa que constrange mais ainda a fiscalização ambiental.

— A instrução normativa condiciona a validação das multas ambientais à concordância de uma autoridade ‘hierarquicamente superior’. Já havia antes criado um conselho de conciliação para validar as multas — explica André Lima, coordenador do Instituto Democracia e Sustentabilidade.

Tudo é complexo quando o assunto é Amazônia. Mas os fatos se juntam. Tanto a exoneração do superintendente Saraiva, quanto as recorrentes normas com as quais o governo Bolsonaro mina o edifício legal construído em governos anteriores, que havia feito do Brasil um exemplo de combate ao desmatamento.

O delegado Saraiva, na sexta-feira, reapresentou a notícia-crime contra o ministro Ricardo Salles no STF por “obstar ou dificultar a ação fiscalizadora do Poder Público no trato das questões ambientais”. A relatora será a ministra Cármen Lúcia. Ele havia tido dificuldade de incluir no sistema eletrônico, mas, mesmo após o anúncio de que seria exonerado, insistiu. Está convencido de que o que ele viu é crime. E dos grandes. O governo achava o mesmo. A nota da Secom, no dia 24 de dezembro, trazia a bandeira do Brasil ao lado da inscrição “O gigante verde” ilustrando a foto dos caminhões enfileirados da “Operação Handroanthus GLO”. A carga, dizia a Secom, “representa mais de 6,2 mil caminhões lotados”. E isso quando se achava que eram 131 mil m3 de madeira. Na verdade, foram mais de 200 mil m3. Salles diz agora que era tudo legal.

— A madeira que estava nas balsas não correspondia à madeira descrita no Guia Florestal. Nem nos caminhões. Os documentos que os empresários apresentaram têm fortes indícios de fraude, apesar disso o ministro os defendeu — disse Saraiva.

Esse é um fato. Há milhares de fatos estranhos na rede que sustenta o abate da floresta. Contra isso o Brasil aprovou leis e assumiu compromissos internacionais. Na gestão Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente foi feito o PPCDAm, o mais bem estruturado plano de combate ao desmatamento. Era maio de 2005. Por causa dele o Brasil derrubou em 80% o desmatamento nos anos seguintes. Em 2009, para a COP-15, quando o ministro era Carlos Minc, foi anunciada a Lei Nacional de Mudanças do Clima. Assim nasceram as metas do Brasil. Elas não foram inventadas agora pela dupla queima-floresta Bolsonaro&Salles.

— A carta de Bolsonaro a Biden é mais que triste, é dramática. Ele fala em proteger indígenas, e o governo é autor do projeto que legaliza mineração, exploração de madeira, agropecuária, gás, petróleo e usina elétrica em terra indígena. Ele enterrou o PPCDAm mas pede dinheiro alegando que o Brasil reduziu o desmatamento. Caiu por causa do plano que ele desmontou — diz André Lima.

O MapBiomas tem feito perguntas pela Lei de Acesso à Informação ao vice-presidente, general Hamilton Mourão, sobre os crimes ambientais. Fez 66. A resposta é sempre a mesma. A de que o Conselho da Amazônia é só o coordenador. “Sugere-se que seja realizado o pedido ao órgão competente”. Mas o Ibama nem faz parte do Conselho.

Esse ataque múltiplo contra a floresta é a verdade do Brasil. Verdade que não estará na fala de Bolsonaro aos líderes mundiais.


Maria Hermínia Tavares: O traçado de um desastre amazônico

Pressões sobre a mata, seus habitantes e sua biodiversidade vêm de muitos lados

"A Amazônia é o coração biológico do planeta Terra, e ele já não está mais batendo de forma saudável", costuma comparar o cientista Carlos Nobre, voz influente no debate sobre o aquecimento global.

Identificar em detalhe as ameaças a esse formidável bioma e localizá-las na vastidão dos seus 8,2 milhões de km2 é o propósito do "Atlas Amazônia sob Pressão 2020", recém-lançado pela Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georeferenciada (Raisg), consórcio que reúne organizações não governamentais de seis dos nove países que o abrigam.

São 23 mapas preciosos, acompanhados de textos que descrevem os riscos à integridade da floresta. As cartas permitem seguir as mudanças, em geral negativas, ali ocorridas entre 2012 e 2018, oferecendo um amplo panorama do desastre ambiental em curso e dos processos que o desencadeiam.

As pressões sobre a mata, seus habitantes e a biodiversidade nela abrigada vêm de muitos lados. Entre 2001 e 2009, queimadas acidentais ou, sobretudo, resultantes da expansão da agricultura e da pecuária cobriram um território equivalente ao da Bolívia --por sinal, o segundo maior responsável, depois do Brasil, por esse tipo de catástrofe.

Como se sabe, ou se deveria saber, a degradação da floresta começa pelo fogo, mas pode vir também com obras de infraestrutura, desfigurando a paisagem à margem de estradas ou no entorno de hidrelétricas.

A mineração legal e a extração de petróleo são dois outros fatores de pressão em quase todos os países amazônicos. Além de destruir a floresta, contaminam os rios e, por tabela, os peixes que alimentam os humanos. Pior ainda quando se trata de mineração ilegal. O atlas identificou nada menos de 4.472 locais de atividades extrativas ilícitas, muitas de escala média ou grande, localizadas principalmente no Brasil (58%) e na Venezuela (32%), não raro em áreas de preservação ambiental ou em territórios indígenas. Ilegais são também os plantios de coca nas matas devastadas da Colômbia e do Peru.

O atlas permite uma visão mais complexa dos problemas da Amazônia. Além disso, expõe os governos incapazes de se contrapor aos interesses privados predatórios --quando não coniventes com eles--, alheios ao destino das populações da região e medíocres demais para criar estímulos ao aproveitamento sustentável das riquezas imensuráveis da floresta tropical.

Fosse outro o governo brasileiro, este seria o momento de transformar o Tratado de Cooperação Amazônica de 1978 em instrumento de diplomacia efetiva capaz de promover um esforço compartilhado pela saúde do coração do planeta.

*Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.


Rosângela Bittar: O discípulo amado

No conflito Salles x Ramos, os nomes não importam. São as alas por trás deles que operam

Vamos invocar logo a Última Ceia, de Leonardo Da Vinci, no detalhe do discípulo amado: ao enterrar a cabeça no peito do presidente Jair Bolsonaro, o ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) criou, finalmente, um símbolo apropriado a este governo.

A uma semana das eleições presidenciais americanas e a duas das eleições municipais, no 9.º mês de mortes e medo da pandemia, ainda fumegando a Amazônia e o Pantanal, o Brasil se consagra na mediocridade, destemor e escárnio daquela cena trágica fotografada como cômica.

Num momento como este, foi o que sobrou. Desfecho de uma disputa de poder em que o presidente, mais uma vez, encerrou a conversa incômoda com afago ao time que lhe dá a cabeça ao cafuné. O grupo que Salles representa, ao qual, uma vez escolhido, serve seu corpo por encomenda à condução do conflito.

Este é um dos três núcleos que gravitam em torno do presidente e disputam a condição de serem o seu domicílio. Completam o círculo os militares e os políticos.

O mais recente conflito entre eles colocou, de um lado, o ministro Salles e, de outro, o general Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo). Os nomes não importam, são os grupos por trás deles que operam. Tem explicação racional? Não. O que vai acontecer na sequência? Nada. Apenas aguarda-se o próximo episódio. É a dinâmica do governo Bolsonaro.

Convencionou-se caracterizá-los como alas, tributo ao país das escolas de samba. Denominação que guarda distorções. Da ala dos amigos do peito, definida como ideológica, não se conhece uma única ideia. Assim ficou porque se aglutinou, inicialmente, por obra do guru da direita bolsonarista, o escatológico Olavo de Carvalho.

Sua força, no entanto, vem do combustível principal, os laços de família do presidente. Filhos, ex-mulheres, amigos de toda a vida, assessores parlamentares de pelos menos quatro casas legislativas. Acrescidos, depois da chegada ao poder, de ministros, parlamentares (sobretudo evangélicos), manifestantes fanáticos, com destaque para as locomotivas desgovernadas das redes sociais.

Este é seu governo in pectore. Eles ganham sempre e, quando perdem, caem para cima, geralmente premiados com cargos no exterior. Ou recolhem-se para um discreto retiro de meia semana.

Bolsonaro foi buscar na caserna a mão de obra para levar adiante o governo. Nem durante a ditadura foi possível apreciar, como agora, a relação dos militares com os cargos. Assumiram o poder de maneira voraz, conquistando uma cidadela após a outra. Os dois núcleos se combatem desde o início, na disputa da preferência do presidente.

Supõe-se que no imaginário de Bolsonaro a presença dos militares lhe daria sustentação incondicional, quem sabe lhe possibilitando até ir além. Para ele, poder é poder, sem filigranas ou vãs filosofias. Fechado à realidade, não percebeu que as Forças Armadas se civilizaram. Muitos dos escolhidos tiveram vivência anterior intensiva na política, como assessores parlamentares, estabelecendo um relacionamento camarada com as lideranças no Congresso.

Foi para preservar a política, resgatada para o governo depois de patinarem quase dois anos, que os presidentes da Câmara e do Senado penderam, neste conflito, para o grupo militar. O que pareceu, a princípio, um tiro de bazuca para revidar uma puxada de estilingue, provou-se depois de intensidade excessiva, mas necessária. Os amigos do peito não têm limites.

O núcleo político começou a se consolidar com o Centrão, de reconhecido vazio moral e intelectual. Mas não é só ele. Jair Bolsonaro está dependente da velha política, em gênero, número e grau.

Até para dar a volta completa ao círculo e voltar ao ponto inicial, conquistando a meta de proteger os filhos. A doutrina do Centrão esconde a sentença não pronunciada: se é para salvar, salvemos todos, não apenas um senador membro da primeira-família.


Míriam Leitão: Crimes no solo da Amazônia

Os grandes números impressionam, a descrição dos crimes encontrados no solo da Amazônia, também. A Operação Verde Brasil 2 aplicou de 11 maio até esta semana multas no valor total de R$ 1,696 bilhão. O Exército em solo e a Marinha nos rios apreenderam carregamentos de madeira suficientes para encher duas mil carretas. E isso foi até a última quarta-feira. Em apenas uma operação contra o garimpo ilegal foram encontrados 45 quilos de ouro. Ao todo nesses meses foram apreendidas oito mil toneladas de minerais ilegalmente extraídos, a maior parte manganês.

Os 45 quilos de ouro têm o valor de R$ 15 milhões. Foram encontrados dentro da Reserva Biológica de Maicuru, entre os municípios de Santarém e Itaituba, numa operação nos dias 9 e 13 de outubro. O local é definido pelos militares como “totalmente inóspito e de difícil acesso”. Foram por ar com a Força Aérea. Junto com os militares, a Polícia Federal e o Ibama. Lá, destruíram também 15 motores estacionários de garimpo.

Eles não saem assim às cegas. Em Brasília um grupo reúne todos os órgãos envolvidos com o tema. Um deles é o Inpe. Com imagens de satélite escolhe-se onde agir. Em videoconferências falam com os comandos militares na Amazônia. No resto é patrulha mesmo por terra, rio e ar.

Na manhã de 2 de setembro, as tropas das Forças Armadas chegaram numa fazenda que fica a leste da Terra Indígena Yanomami, ao norte da Estação Ecológica Niquiá, no município de Caracaraí. Estavam juntos técnicos do ICMBio, policiais militares de Roraima e fiscais ambientais do estado. Era uma atividade de combate ao garimpo ilegal. Eles apreenderam quatro aviões, mas havia outras aeronaves sendo consertadas e uma sendo montada. Havia uma pista de pouso e um hangar com espaço para cinco aviões.

As distâncias são enormes e só podem ser vencidas com o que eles chamam de “uma logística forte”, que apenas as Forças Armadas têm. Os militares dizem que precisam da cooperação dos órgãos ambientais. Na verdade, eles definem a Verde Brasil 2 como uma operação interagências. E a lista inclui, além das três forças, ICMBio e Ibama, a Funai, o Serviço Florestal Brasileiro, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, o Incra, órgãos ambientais estaduais e polícias locais.

No dia 25 de junho, um navio patrulha da Marinha encontrou carregamento de madeira na foz do Rio Tocantins, no Pará. Havia três empurradores e quatro balsas levando ao todo mil toras de madeira ilegal. A carga era tanta que punha em risco a navegação. Dois dias depois aportaram em Belém e o material foi entregue às autoridades ambientais do Pará.

— Quando a gente não consegue evitar o desmatamento, a gente apreende o resultado do crime para dar um prejuízo ao malfeitor e desestimular a continuidade do crime — disse um militar.

Ao todo, foram 765 os equipamentos inutilizados ou destruídos este ano. São veículos, motores de garimpo, balsas, tratores, escavadeiras e máquinas agrícolas. Isso, além das mais de mil embarcações apreendidas e 390 dragas. Em Humaitá, pegaram de uma só vez 64 dragas.

— Os garimpos são enormes, muitas vezes em áreas protegidas. Os servidores do Ibama e do ICMBio são poucos. Precisam ser levados, em geral pela Força Aérea. A multa é aplicada pelo Ibama e pelo ICMBio. O papel das Forças Armadas principal é logística, de levar esse fiscal para lugares que ele não conseguiria chegar, e ao mesmo tempo dar proteção a ele. Num garimpo enorme desses, o fiscal vai sozinho? É um perigo. É pouquinha gente (das agências ambientais) para umas coisas enormes e interesses muito grandes por trás — explica um oficial.

A Operação Verde Brasil 2 está prevista para terminar em 6 de novembro. Terão sido seis meses. As multas aplicadas foram muito maiores do que no ano passado.

— Até hoje foram combatidos 7.500 focos de incêndio e foram realizadas 44.900 inspeções navais e terrestres, vistorias e revistas. É bastante. É o suficiente? Não. Isso tudo é emergencial. A gente está com um problema grande e está aqui combatendo os efeitos para tentar reduzir. É necessário ter uma política de empoderamento desses órgãos ambientais — explicou o oficial.

O discurso do governo confunde, mas a ação do Estado diante da grandeza da Amazônia só dá certo quando há cooperação entre seus vários braços e os objetivos são permanentes.

Com Álvaro Gribel


Desmonte de política ambiental respalda queimadas no país, mostra reportagem

Dimensão exata da destruição do Pantanal ainda é incerta diante da imensidão de incêndios, analisa revista Política Democrática Online de outubro

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Os impactos das queimadas no Pantanal, a maior planície alagada do mundo, com 65% de seu território concentrados nos Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, são analisados em reportagem especial da revista Política Democrática Online de outubro, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília. Todos os conteúdos da publicação podem ser acessados, gratuitamente, no site da entidade.

Clique aqui e acesse a revista Política Democrática Online de outubro!

De acordo com a reportagem, além de deixar a vegetação em cinzas e o céu do país tomado por fumaça e fuligem, as queimadas deste ano no Pantanal são consideradas a maior da história pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Para especialistas, refletem o desmonte das políticas ambientais em menos de dois anos do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

A dimensão exata da destruição da fauna e flora ainda é incerta diante da imensidão das queimadas que aumentam a área devastada a cada dia, conforme mostra a reportagem. A Polícia Federal suspeita que fazendeiros provocaram os incêndios criminosos para transformar a área em pasto, seguindo uma linha do próprio governo federal.

O texto também lembra que, em audiência no Senado, no dia 9 deste mês, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, disse que o boi é o "bombeiro do Pantanal" e, segunda ela, as queimadas e o "desastre" na região poderiam ter sido menores, se houvesse mais gado no bioma. Seu discurso foi criticado por especialistas e segue na linha do que já havia sido defendido pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e por Bolsonaro.

Até o dia 3 de outubro, 2.160.000 hectares já haviam sido destruídos no Pantanal mato-grossense e outros 1.817.000 hectares em Mato Grosso do Sul. O total de área devastada entre os dois estados é de 3.977.000 hectares, o que representa 26% de todo o Pantanal. Os dados são do levantamento mais recente do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) Prevfogo e do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (Lasa) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), divulgado no dia 6 deste mês, antes do fechamento desta edição. Toda essa área devastada equivale a quase 20 vezes o tamanho das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro juntas.

O Pantanal arde em chamas desde julho e, em menos de três meses, o Inpe identificou cerca de 16 mil focos de calor no bioma. É o maior número desde 2015, quando foram contabilizados 12.536 focos de calor. A região enfrenta a maior seca em 60 anos, segundo o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemadene), e a longa estiagem faz os incêndios avançarem ainda mais. A falta de chuvas ajuda na propagação do fogo subterrâneo, o que, segundo o instituto, só poderiam ser controlados efetivamente por chuvas constantes.

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Fernando Gabeira: Jabuti de Brasília e a fauna do Pantanal

São incapazes de perceber como o desmatamento influi no regime de chuvas

O jabuti foi adotado em Brasília com base nessa afirmação: jabuti não sobe em árvore, se está lá é porque alguém o colocou.

Jabuti numa lei é algo que não tem uma relação orgânica com o texto, é artificialmente introduzido para atender ao interesse de alguém. Em Brasília como na natureza, há jabutis vistosos e discretos. O que foi aprovado na Câmara é do tipo jabuti-piranga, que pode ser reconhecido de longe. O perdão de uma dívida de R$ 1 bilhão contraída por igrejas em suas transações comerciais foi aprovado pela maioria dos deputados.

Coube ao presidente rejeitar esse desafio de contrariar a Constituição para favorecer pastores que são também importantes cabos eleitorais.

Na mesma semana em que o imenso jabuti-piranga passeava pelo Congresso, houve uma estranha reunião no Palácio do Planalto com o presidente e ministros. Uma jovem, também estranha, perguntou se o Pantanal estava queimando. A resposta foi uma gargalhada geral. Em meio aos risos, alguém respondeu também sorrindo: sim, o Pantanal está queimando, mas o presidente já mandou dez aviões para combater o fogo.

Àquela altura, o Pantanal já havia perdido 12% de sua cobertura vegetal. Não só raríssimas araras-azuis estavam ameaçadas, mas no norte, perto de Poconé, a maior concentração de onças-pintadas corria alto risco de ser atingida pelo fogo.

Isso sem mencionar a destruição do entorno do Parque da Chapada dos Guimarães, da intensa fumaça em torno de Cuiabá, ampliando o perigo de doenças respiratórias.

No Parque do Xingu, já na Amazônia, uma pequena brigada indígena tentava conter um fogo de nove quilômetros. Quanta tragédia para a região. Há poucos dias morreu uma de suas mais importantes vozes: Aritana , o líder yawalapiti. O próprio Raoni, o mais conhecido entre os caiapós, perdeu a mulher. Foi contaminado por Covid-19 e duas vezes internado.

De que riem nos palácios de Brasília? A perda de 12% do Pantanal nos empobrece. O fogo no Xingu é uma prova de que Bolsonaro mente quando diz que não há incêndios na Amazônia.

Muito bicho morrendo, árvores carbonizadas. Até a Operação Lava-Jato parece ter dado seu último tiro ao desfechar uma investigação que se aproximou perigosamente da Justiça, o território intocado no suspeito universo institucional brasileiro.

Muitas pessoas sensatas advertem o governo e o agribusiness de que o capital pode nos deserdar, os consumidores podem nos punir. É preciso acenar com essa dimensão da realidade para comovê-los. São incapazes de perceber como o desmatamento influi no regime de chuvas, e isso vai afetar nossa produtividade, pode produzir mais fome no futuro.

Provavelmente, devem dizer entre si: Israel produz no deserto, logo isso não nos intimida. Acontece que Israel já é um deserto, não o escolheu. Ninguém seria estúpido a ponto de optar por se transformar num deserto.

Exceto, talvez, nos países onde abundam os jabutis. Um simples jabuti-tinga pode garantir na lei uma passagem gratuita de toda essa gente para Miami.

O problema é que, abraçados com os trogloditas tipo Trump no norte, vão descobrir muito rapidamente a impossibilidade do jabuti decisivo: não existe planeta B. E vão nos deixar aqui com a terra calcinada, o pesado silêncio da ausência dos pássaros e o gosto amargo de ter compartilhado o país com gente que ri da própria destruição.

Também há limites para o lamento. Ainda se discute no Pantanal se vai ou não ser usado o retardante químico, uma outra forma de combater as chamas. Assim que passar esta fase, será preciso um plano de recuperação. No incêndio anterior à pandemia, já era evidente que os recursos para combater o fogo são limitados.

O Pantanal tem expressão internacional para atrair um grande projeto de recuperação. No passado, cheguei a propor que se separasse dos dois estados de Mato Grosso, tornando-se uma região autônoma, regida por um comitê de bacia.

Mas isso dependia do voto nos dois estados, e perderíamos de lavada. No entanto era a forma de canalizar recursos diretamente e de criar as bases para conservá-lo.

A estação de queimadas, tanto aqui como lá fora, foi severa este ano. E as mudanças climáticas anunciam que, da próxima vez, virá mais fogo.


Míriam Leitão: Escolhas trágicas na economia

O tumulto da sexta-feira com o afastamento do governador Wilson Witzel ajudou a afastar a atenção da área econômica, que vivia o constrangimento de um ultimato dado pelo presidente para ter em mãos o novo Renda Brasil. Foi mais uma semana ruim para o ministro Paulo Guedes. No mercado, a dúvida sobre a sua permanência; no Ministério, a corrida atrás do dinheiro para cumprir outra ordem do presidente: ter recursos para as obras dos ministros Tarcísio Freitas e Rogério Marinho. Por isso a verba do combate ao desmatamento e aos incêndios quase foi usada para outros fins.

A pasta do Meio Ambiente, como se sabe, é ocupada por um inimigo do meio ambiente. É do seu feitio sabotar as ações dos órgãos de fiscalização, ou não dar os meios para que as missões se realizem. O Ministério da Economia conseguiu fazer Ricardo Salles parecer um ambientalista. Na sexta-feira, o MMA comunicou que estava suspendendo 100% das ações porque o dinheiro do Ministério fora congelado. Com o susto, o orçamento foi descongelado, e restou ao vice-presidente dizer que Salles havia se precipitado.

Os dias têm sido pesados na área ambiental. Estudos mostram o avanço do desmatamento, e o efeito da queimada na saúde humana. O movimento das empresas e bancos contra essa deterioração tem crescido. No exterior, as notícias confirmam os temores dos investidores. O vice-presidente Hamilton Mourão vinha ouvindo com atenção os empresários, executivos, banqueiros e administradores de fundos. Mas mostrou na quinta-feira que, se ouviu, não entendeu. Segundo ele, os 24 mil focos de incêndio em um mês na Amazônia são “agulha no palheiro”. A notícia de que o Brasil tiraria a verba do combate ao desmatamento e incêndio seria arrasadora.

Há outro complicador. O dinheiro do Fundo Amazônia não está sendo utilizado, mesmo quando há disponibilidade e projeto, por causa do teto de gastos. Lá estão parados hoje R$ 200 milhões, de acordo com o site oficial. O Fundo não consegue executar os projetos contratados e com recursos porque a despesa bate no teto. O dinheiro do MMA quase foi tirado para atender às ordens do presidente que nunca se importou com o futuro da floresta. Ao mesmo tempo, os recursos de um fundo formado por doações de outros países, mesmo quando há projetos aprovados, não podem ser usados. As autoridades já foram avisadas pelo BNDES e pelos doadores, mas não tomaram qualquer providência.

Não faz sentido que o dinheiro de fora do orçamento tenha que enfrentar esse impedimento. “O ente executor, seja o Ibama ou o Ministério da Justiça, em operações de comando e controle, fica no dilema: usar os recursos do Fundo e bater no teto, ou usar recursos próprios e não conseguir utilizar o dinheiro do fundo”, me contou um funcionário que acompanha a kafkiana situação em que a área ambiental está, e da qual estão a par todas as autoridades, inclusive o vice-presidente Hamilton Mourão.

Na Economia, esta foi a semana de anunciar um outro enorme rombo nas contas públicas, de R$ 87 bilhões em julho. Nos sete meses, o buraco é de R$ 505,2 bilhões. O ministro Paulo Guedes tem que administrar esse mar vermelho e ainda engolir os ataques do presidente Jair Bolsonaro. A crítica ao seu projeto foi feita pelo presidente no religamento de um alto-forno da Usiminas, em ato público e demagógico, quando poderia ter sido dita diretamente ao próprio ministro e à sua equipe. Todo mundo entendeu como um ato de fritura que de fato foi. Mas numa reunião do Instituto Aço Brasil, Paulo Guedes mostrou que do presidente tudo suporta.

– Eu falei para o presidente: carrinho fora da área não dá. Se fosse na área era pênalti.

Em rápida passagem pelos microfones da imprensa, Guedes repetiu as palavras do presidente, de que “R$ 200 é pouco”. Mas foi esse o número que a equipe econômica havia apresentado, tanto na primeira versão do auxílio emergencial quanto no valor que cabia no orçamento para o Renda Brasil.

Segundo Guedes, “é perfeitamente legítimo” o presidente querer outro valor. Querer pode. O problema é que há limites fiscais, e cabe ao ministro apresentá-los ao governo. Em vez de conter o ímpeto gastador dos colegas que ele alcunhou de “fura-teto”, o ministro Paulo Guedes mandou a equipe sair procurando dinheiro em outras áreas. Os recursos da proteção da Amazônia quase foram vítimas das escolhas trágicas do Ministério da Economia.


Bernardo Mello Franco: O voo do garimpo nas asas da FAB

Num sábado de carnaval, um major e um capitão arrombaram o depósito de munições da Base Aérea dos Afonsos, no subúrbio do Rio. Os dois levaram armas e explosivos até um bimotor Beechcraft. Com o avião carregado, decolaram rumo ao sul do Pará para iniciar um levante contra o governo.

A dupla de aloprados queria derrubar o presidente Juscelino Kubitschek, que havia acabado de tomar posse. O plano era organizar um exército de índios e caboclos e articular o golpe a partir da selva amazônica. A Revolta de Jacareacanga teve vida curta: começou e terminou em fevereiro de 1956. Depois de 64 anos, a Aeronáutica volta a se enrolar na cidade paraense.

Na quinta-feira, o Ministério Público Federal abriu investigação por improbidade administrativa no uso de um avião da FAB. A aeronave pousou em Jacareacanga no último dia 5, a pretexto de apoiar o combate à mineração ilegal na terra indígena Munduruku. Na manhã seguinte, decolou para Brasília com sete garimpeiros a bordo.

“A lei proíbe o garimpo em terras indígenas. O avião da FAB foi usado para transportar criminosos”, resume o procurador Paulo de Tarso Moreira Oliveira. “Essa terra indígena já sofria com invasões. Agora há um avanço desenfreado, impulsionado pela valorização do ouro e pelo discurso de cumplicidade do governo”, acrescenta.

Na véspera do voo para Brasília, os garimpeiros se reuniram com o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Após o encontro, o governo suspendeu a Operação Verde Brasil 2, que deveria reprimir os crimes ambientais na Amazônia.

Em ofício ao MPF, o Ministério da Defesa afirmou que a Aeronáutica transportou “lideranças indígenas” para “tratativas com o Ministério do Meio Ambiente”. A versão é contestada por associações que representam os munduruku. As entidades afirmam que o cacique-geral da etnia não autorizou a viagem e que o grupo não fala em nome dos povos locais.

“Os passageiros do voo não eram líderes indígenas, eram garimpeiros. Os índios estão frustrados com o fracasso da operação. Muitos deles já sofreram ameaças de morte”, conta o procurador Oliveira. Ele afirma que os donos das máquinas são brancos e aliciam parte dos locais com a distribuição de dinheiro e de cestas básicas.

O clima na região é tenso. Há duas semanas, a Polícia Federal apreendeu veículos e computadores usados pelos mineradores. Agentes do Ibama chegaram a destruir equipamentos da quadrilha. Em represália, garimpeiros ameaçaram derrubar um helicóptero usado pelos fiscais.

“Estamos falando de uma milícia que cooptou indígenas e se sente estimulada pelo governo”, diz o ambientalista Danicley de Aguiar, do Greenpeace. “O garimpo compromete o modo de vida dos povos tradicionais, destrói a floresta e contamina os rios da região. E tudo está sendo feito com a omissão do Estado brasileiro”, critica.

O presidente Jair Bolsonaro não disfarça. Já assinou projeto para abrir as terras indígenas à exploração mineral. Enquanto o Congresso faz cara de paisagem, o ministro Salles tenta passar sua boiada ao arrepio da lei. Falta explicar por que a Aeronáutica aceitou se misturar a essa agenda de destruição.


Vera Magalhães: Passando a boiada

Bolsonaro e seus soldados estão fazendo de bico fechado aquilo que alardearam com gravadores ligados na reunião dos círculos do inferno

Não se pode dizer que quem permaneceu no governo depois da dantesca reunião ministerial de 22 de abril não seguiu as ordens do chefe.

Escancarar a questão das armas, dar acesso a Jair Bolsonaro a relatórios de inteligência, criar um serviço de arapongagem paralelo e “passar a boiada” na desregulamentação ambiental prescindindo do Congresso. Foi tudo dito, sem medir as palavras. Está tudo sendo feito.

André Mendonça ganhou o lugar de Sérgio Moro pela sua lealdade ao presidente e agora terá de explicar ao Supremo Tribunal Federal e ao Congresso se e com que intenção mandou produzir dossiês sobre funcionários públicos, acadêmicos e sabe-se lá mais que supostos “adversários” do presidente.

Parlamentares como Alessandro Molon (PSB) e Randolfe Rodrigues (Rede) também acionam o STF e apresentam projetos de decreto legislativo para que Bolsonaro explique um decreto que mexe na estrutura da Abin e cria um Comitê de Inteligência Nacional destinado a planejar, coordenar e implementar ações de “enfrentamento de ameaças à segurança e à estabilidade do Estado e da sociedade”. Vago e amplo o suficiente para virar um SNI bolsonaresco.

O silêncio de Bolsonaro e seus malabarismos com emas e caixas de cloroquina deram a alguns incautos a impressão de que ele teria se moderado. O capitão e seus soldados, no entanto, estão apenas fazendo de bico fechado aquilo que alardearam com gravadores ligados na reunião dos círculos do inferno.

CONGRESSO
Sem Maia, plano de reeleição de Alcolumbre perde força

Rodrigo Maia (DEM-RJ) pode esperar a insistência de Davi Alcolumbre, seu correligionário e presidente do Congresso, para que embarquem juntos na tentativa de aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição para que possam se reeleger em fevereiro do ano que vem. Maia repetiu que não quer novo mandato (o quarto consecutivo) na segunda-feira no Roda Viva. Mas, diante de um pedido de Alcolumbre e diante de um apelo de que seria o único nome de “consenso” em partidos agora fragmentados, não faria esse “sacrifício”? Dividir o blocão pode ter sido uma jogada de mestre para não deixar nenhum nome ganhar musculatura.

NO PALANQUE
Eleição municipal será 'teste' do poder de voto do auxílio emergencial

Ninguém no Congresso ou mesmo no governo tem ilusões de que será possível simplesmente interromper o auxílio emergencial quando se encerrar a sua prorrogação, neste mês. Já se discutem novos valores e novas regras para a concessão de um valor decrescente, que ajude as famílias num momento em que a pandemia ainda come solta e a economia está longe de se recuperar.

Mas a principal razão a ditar a sobrevida da transferência de renda é político-eleitoral. Vitaminado após o “banho de povo” da ida ao Nordeste, Jair Bolsonaro não vai desmamar de uma vez esse novo eleitor potencial.

Quer testar o efeito do auxílio nas eleições municipais e seu potencial de beneficiar candidatos aliados do Planalto, para projetar o efeito que uma turbinada na transferência direta de recursos, seja pelo tal Renda Brasil ou como venha a se chamar o programa, pode ter em 2022, quando precisará de todo combustível que puder estocar para se reeleger.


Oliver Stuenkel: Com Salles e Araújo, imagem do Brasil no Ocidente seguirá negativa

Permanência dos ministros das Relações Exteriores e do Meio Ambiente contamina qualquer tentativa de apaziguar investidores europeus preocupados com o desmatamento

Há semanas, alguns generais e integrantes da ala liberal do Governo, apoiados por numerosos empresários brasileiros preocupados com a imagem do Brasil no exterior, estão sugerindo a Jair Bolsonaro que demita o chanceler Ernesto Araújo e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Mesmo para os padrões bastante baixos do Governo, os dois ministros se destacam e tornam praticamente impossível defender o Brasil lá fora.

Até observadores simpáticos ao presidente hoje admitem que o radicalismo de Salles e Araújo prejudica a economia brasileira, inspirando boicotes contra produtos brasileiros no exterior, aumentando o risco de fuga de investidores e tornando menos provável a ratificação de acordos comerciais. Eles sabem também que a postura ambientalista dos países europeus representa o novo normal. Além disso, se o democrata Joe Biden virar presidente, os EUA passarão a ter uma postura semelhante à europeia em relação ao Brasil. A permanência dos dois ministros, portanto, só aumentará a pressão que o Brasil já enfrenta no exterior.

O problema é que Ricardo Salles e Ernesto Araújo representam duas facções-chave de sustentação do Governo Bolsonaro. No caso de Salles, facilitar o desmatamento desmontando as estruturas de fiscalização tem sido uma das promessas da campanha do presidente, e quebrá-la pode fazer com que ele perca o apoio de uma parte importante do setor ruralista, pouco preocupado com a imagem do país no exterior. Para eles, Salles não decepciona: segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), junho foi o 14º mês seguido em que houve aumento no desmatamento, enquanto o número de multas caiu para menor nível em 24 anos.

O mesmo vale para Araújo: ele representa a faixa lunática, mas bastante barulhenta, da coalizão que sustenta Bolsonaro. O chanceler virou chacota global desde que assumiu e contribui ativamente para o crescente isolamento diplomático do país, mas não se pode negar que entregou o que prometeu: a atuação brasileira enfraqueceu o multilateralismo, inimigo do olavismo. Demitir Araújo pode fazer com que bolsonaristas radicais questionem seu compromisso com suas causas: combater o comunismo, o globalismo e o ambientalismo.

Com Bolsonaro pouco disposto a trocar o comando dos dois ministérios ou de iniciar uma mudança real da sua política ambiental, o Governo tem tentado melhorar sua imagem por meio de medidas simbólicas —uma estratégia identificada lá fora como “window dressing”—. A decisão de decretar “moratória absoluta” das queimadas na Amazônia por 120 dias, por exemplo, dificilmente surtirá efeito. De fato, em off, diplomatas e parlamentares europeus sugerem que gestos pontuais feitos por Hamilton Mourão, presidente do Conselho da Amazônia, para aplacar as preocupações internacionais, pioraram a reputação do Brasil junto aos ambientalistas no exterior. Muitos deles se perguntam como o Governo brasileiro pode levar a sério o combate contra o desmatamento se Ricardo Salles, gravado dizendo que a desregulamentação ambiental deve acelerar enquanto o público estiver distraído com a covid-19, ainda for ministro, responsável pela fiscalização ambiental. Não havia dúvida, segundo um deputado do parlamento europeu me disse em junho, de que Salles é “a raposa cuidando do galinheiro”.

Da mesma maneira, o envio do Exército brasileiro para proteger a Amazônia, iniciativa que gerou visibilidade internacional, não teve efeito tangível. Pelo contrário: como a ação não reduziu o desmatamento, mas até chegou a complicar o trabalho dos fiscais ambientais, ela levou os ambientalistas europeus a acreditarem que Bolsonaro estava tentando enganá-los com um truque barato de relações públicas.

Nesse contexto, o país que mais ganhará com o crescente isolamento do Brasil é a China. Com o Brasil cada vez mais rejeitado no Ocidente, a China já deixou claro, diversas vezes, que em hipótese alguma permitirá que assuntos ambientais afetem a relação bilateral com o Brasil, vista como estratégica por Pequim. Apesar da retórica anti-China de Bolsonaro, a péssima imagem do país na Europa e nos Estados Unidos aumentará, cada vez mais, a dependência brasileira do gigante asiático. Lá, o tema ambiental também está em ascensão, mas, por enquanto, é pouco provável que consumidores chineses se mobilizem contra a política ambiental brasileira.

Bolsonaro sabe muito bem que uma nova estratégia de comunicação, como a recentemente proposta , não apaziguará os investidores. Trata-se, na verdade, de um cálculo político. A pressão externa e um possível dano econômico representam um mal menor se comparados à perda do apoio dos antiglobalistas e dos ruralistas, considerados cruciais para a sobrevivência do Governo. Além disso, é preciso lembrar que a crescente rejeição internacional não é, necessariamente, uma má notícia para Bolsonaro. Sempre em busca de inimigos internos e externos, o presidente pode facilmente construir uma narrativa segundo a qual as críticas à sua postura ambiental nada mais seriam do que uma tentativa de questionar a soberania do Brasil —como já fez no ano passado quando Emmanuel Macron, em um tom um tanto arrogante, atacou a política ambiental brasileira—. Com a temporada dos incêndios e uma nova onda de críticas internacionais a caminho, Bolsonaro só abrirá mão de Salles e de Araújo se, por algum motivo hoje improvável, esse cálculo perder o sentido.

Oliver Stuenkel é professor adjunto de Relações Internacionais na FGV em São Paulo. É o autor de O Mundo Pós-Ocidental (Zahar) e BRICS e o Futuro da Ordem Global (Paz e Terra). Twitter: @oliverstuenkel


Míriam Leitão: Resposta errada do governo no meio ambiente

Os primeiros movimentos de resposta do Brasil aos investidores apontam para o fracasso. Que chance tem de dar certo a estratégia de convencer que o Brasil respeita o meio ambiente com o presidente Bolsonaro afirmando que eles estão com “uma visão distorcida” dos fatos e uma carta que tem entre os signatários a dupla Ricardo Salles e Ernesto Araújo? Não há o que Salles faça que apague seus abundantes atos e palavras contra o meio ambiente neste um ano e meio. Araújo vive em órbita pelo mundo da lua capturado por teorias da conspiração. Para piorar, existe o danado do fato: o Inpe acaba de mostrar que o Brasil bateu novo recorde de queimada na Amazônia.

Do ponto de vista econômico, o que está acontecendo é uma enorme contradição. A maior recessão da história do país e o desmatamento subindo. Como pode o nível de atividade estar em queda livre, e o desmatamento e as queimadas, em alta? A resposta é: o governo Bolsonaro deu fartos incentivos à atividade ilegal. Os criminosos sabem que ficarão impunes e que, se tiverem mais sorte, verão uma Medida Provisória aprovada consolidando seu domínio sobre áreas que grilaram.

O vice-presidente Hamilton Mourão no comando do Conselho da Amazônia foi um avanço, mas o desmatamento está crescendo forte pelo segundo ano consecutivo mesmo com as ações do Exército. A entrada do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, na turma que quer demover grandes fundos de saírem do Brasil tem um ganho e dois óbices. O bom é que Roberto Campos circula fácil pelo mundo das finanças internacionais e tem boa rede de contatos. O primeiro problema é que um presidente do Banco Central não se envolve tanto com questões de governo como ele tem feito, segundo, pelo que disse até agora, ele também esposa a tese de que os outros é que estão mal informados.

Só pela carta que os 29 fundos mandaram para as embaixadas brasileiras, cobrando explicações sobre a política ambiental, já ficou claro que eles sabem exatamente o que se passa no Brasil. Citaram até a boiada pandêmica do Salles. O mundo de hoje é o da informação instantânea. A tese de que os outros países estavam desinformados a nosso respeito foi usada na época da ditadura para negar a tortura. Mesmo naquele mundo analógico, a estratégia deu errado porque contrariava os fatos.

O melhor é mudar os fatos. Essa é a forma de convencer. O vice-presidente disse à “Folha” que convidará embaixadores para sobrevoar a Amazônia. A visão do verde dos nossos bosques não convencerá porque todos podem consultar as imagens de satélite que mostram a progressão do desmatamento no Brasil. Os avanços que o governo pode relatar, como, por exemplo, a queda da taxa de desmate a partir de 2004 pertencem ao governo Lula. A tendência começou a mudar nos governos Dilma-Temer e a destruição acelerou nesta administração. Se os dados atuais forem comparados com a taxa de 2004 haverá sim uma redução, mas foi resultado de políticas ambientais e fortalecimento dos órgãos de controle, totalmente desmontados na atual gestão.

Se quiser mudar a imagem do país, o governo brasileiro tem que começar trocando os ministros do Meio Ambiente e das Relações Exteriores. Salles é um dano ambulante à imagem do Brasil. Ele faz qualquer coisa para destruir o meio ambiente, até rasgar dinheiro, como fez com o Fundo Amazônia diante da Noruega e da Alemanha. O problema de Araújo é de outra natureza. Decorre da sua falta de conexão com a realidade. Ele costuma deixar seus interlocutores constrangidos pela maneira como interpreta a conjuntura internacional e sobrevoa os eventos contemporâneos a bordo de teorias lunáticas.

O ponto central da dificuldade de melhorar a imagem ambiental do Brasil é que o presidente Jair Bolsonaro acredita em tudo o que disse e fez nesse campo. Ele acha que o bom é liberar o garimpo e perdoar grileiros. Já que não pode acabar com as terras indígenas, ele quer mineração nessas unidades de conservação. Se pudesse, fecharia órgãos como o Ibama e o ICMbio. Como não pode, ele os enfraquece e ameaça os servidores, como fez com os que destruíram tratores encontrados em desmatamentos de terras públicas. Salles segue ordens do seu chefe. A imagem do Brasil reflete o que tem infelizmente acontecido. Distorcida é a visão de Bolsonaro.