Rodrigo Janot
As razões de Janot
Tudo é feito na vida segundo princípios, projetos, cálculos, intenções. Às vezes há planejamento rigoroso, projeções e avaliação criteriosa de ganhos e perdas, custo e benefício. Na maioria das vezes, porém, as coisas simplesmente acontecem. Ou por desígnios “misteriosos”, ou pela interveniência de fatores imprevistos ou por aquilo que deriva da ação de terceiros. O acaso existe. O mundo objetivo (as estruturas socioeconômicas) prega suas peças. A dinâmica institucional pesa, até porque costuma com frequência escapar do controle dos que dirigem as instituições.
Na política, a impressão é que todos carregam um plano claro na cabeça e fazem cálculos milimétricos para definir os passos a serem dados. Emprega-se essa imagem para se concluir que sempre há uma conspiração em marcha, que os políticos estão o tempo todo a tramar. Estão mesmo, mas nem sempre sabem disso ou têm clareza de onde querem chegar. São humanos. Acham-se acima do bem e do mal. Deixam-se contagiar pela cobiça, por vaidades e paixões, que cegam. Tropeçam. Falam coisas que não devem. Esquecem-se de combinar com os russos e de medir as consequências de suas escolhas.
Qual o propósito, por exemplo, do Procurador-Geral Rodrigo Janot? O que o tem movido nos últimos meses, com o vendaval provocado pelas delações de Joesley Batista?
Há quem diga que suas ações estão na base da crise que atingiu o coração do governo Temer e o imobiliza. Para esses críticos, Janot alimenta a turbulência e a confusão, ao submeter o presidente a uma denúncia repleta de ilações. O Procurador-Geral certamente seria capaz de jurar que nada é mais estranho a ele do que agir como um incendiário, que ele só está a defender a integridade da República e as máximas da Justiça. Mas os efeitos de suas decisões não desmentem a acusação que lhe tem sido feita.
Uma de suas motivações poderia ser a de equilibrar o jogo e mostrar que “todos” (políticos, partidos) são farinha do mesmo saco, estão igualados e irmanados na dedicação com que se entregam à corrupção e se refestelam na lama. Temer é Lula, Lula é Dilma, Dilma é Temer e Aécio, Loures é Temer e todos são Joesley. A delação da JBS deu-lhe uma oportunidade, e ele a aproveitou.
Outra seria dar um salvo-conduto a Lula, que apanhava sozinho num canto do ringue. Deixá-lo respirar um pouco e trocar socos com os adversários, lá pelo 5º round, para mostrar que resistirá até o fim da luta. Ajudar a Lula, neste momento, pode servir a mais de um propósito. Mostraria, por exemplo, isenção, recurso não desprezível no ambiente conturbado em que se vive.
Com o salvo-conduto em mãos, Lula voltou a falar contra a “perseguição” que estaria a sofrer, contra os “golpistas”, a Lava Jato e Temer. Passou a defender “diretas já” para ocultar seu desejo obscuro de que Temer fique no Planalto até 2018, sangrando por todos os poros. Nenhum gesto de grandeza, nenhuma conclamação à retomada da “normalidade” ou em defesa da democracia, nenhum pronunciamento destinado a mobilizar a população para defender a República e a Constituição. Saltitando no centro do ringue, o ex-presidente manteve-se sugando as energias do PT e da militância, momentaneamente iludida com a súbita recuperação do líder. Sem necessariamente planejar isso, Lula bloqueia a reformulação indispensável do PT e empurra boa parte da esquerda para o imobilismo.
Uma terceira razão é que Janot parece ter querido mostrar que tem bala na agulha e pode causar desconforto ao grupo de Temer, espalhando pregos e pedras pelo caminho presidencial. Flertou, assim, com a possibilidade de interferir na escolha de seu sucessor na PGR. Neste particular, a manobra não deu certo, o que não significa que não tenha sido tentada.
O jogo atual é complexo, complicado. Tem vários jogadores, regras cambiantes e muitos pedidos de tempo. Janot bate de um lado, Fachin e Marco Aurélio atiram de outro, o Legislativo cozinha em banho-maria ao passo que o Executivo faz o possível para subordinar os parlamentares. Todos, porém, brigam com todos, sem que haja uma lógica dominante. Os Poderes falam línguas diferentes e no interior de cada um deles há tudo, menos consenso ou dinâmicas colegiadas.
Janot integra uma ala do Judiciário e particularmente do Ministério Público. Não é Lava Jato, mas com ela comunga muitos ideais, como por exemplo o de encurralar os políticos e promover a “purificação” do país. À sua maneira, faz política em tempo integral, valendo-se dos ritos e da alegada imparcialidade da Justiça.
Janot não é Jano, mas no cargo que ocupa deveria sempre se guiar pelo deus romano, que tinha poder sobre os inícios e as mudanças, condição que o fazia dominar as portas, as passagens, as transições, o passado e o futuro (as duas faces de Jano). Ao não fazer isso, vai pondo mais lenha na fogueira que arde em Brasília, com o que imagina prolongar o desgaste de Temer e do sistema político.
Temer balança, mas não parece estar prestes a cair. A Lava Jato continua forte, mas não há garantias de que assim seguirá. Muitos são contra ela — contra sobretudo sua estratégia, sua ideologia moralizante e seus procedimentos —, na política, no Executivo, no Judiciário e até mesmo na opinião pública, em que pese a aparência de unanimidade que cerca a operação.
Enquanto isso, o desencanto cresce na população, que permanece na expectativa de que fatos novos apareçam e acendam uma luz no fim do túnel.
O Estado de S.Paulo: Novo Código Penal pode rever delação e prisão preventiva
Comissão da Câmara discute mudanças na regra da colaboração premiada e prazo de até 180 dias para a prisão provisória, medidas consideradas pilares da Lava Jato
Por Isadora Peron
BRASÍLIA - No debate sobre o novo Código de Processo Penal (CPP) na Câmara, deputados discutem mudanças nas regras de delação premiada, prisão preventiva e condução coercitiva, além da revogação do entendimento de que as penas podem começar a ser cumpridas após a condenação em segunda instância. As medidas, que em parte se tornaram pilares da Operação Lava Jato, costumam ser alvo de críticas dos parlamentares.
O Ministério Público Federal atribui à colaboração premiada importância significativa para o sucesso da operação e considera que ações para rever os acordos têm por objetivo enfraquecer as investigações. Atualmente, o instrumento é regulado pela lei que trata de organizações criminosas, de 2013. Dos artigos que constam no atual código, a prisão preventiva não tem duração determinada e a condução coercitiva não prevê punição em caso de uso considerado abusivo.
Pelo cronograma estabelecido pela comissão especial que discute o tema, o relator João Campos (PRB-GO) deve entregar o seu parecer ainda em agosto. Com isso, o projeto pode ser votado até outubro no plenário da Câmara. O texto final será resultado de outros cinco relatórios parciais já apresentados.
A reforma no CPP, que é de 1941, teve início no Senado e foi aprovada em 2010. Na Câmara, ficou esquecida até o ano passado e foi desengavetada durante a presidência do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), alvo da Lava Jato. O peemedebista teve a prisão preventiva decretada em outubro de 2016 e está atualmente em Curitiba.
Presidente da comissão que discute o CPP na Casa, o deputado Danilo Forte (PSB-CE) tem defendido alterações nos acordos de delações premiadas e na aplicação da condução coercitiva. Esses pontos estão em discussão, mas ainda não foram sistematizados em um relatório.
Forte discorda do fato de uma pessoa presa poder fechar acordos de delação premiada e defende que hoje há um poder excessivo concentrado nas mãos dos procuradores. Para ele, o juiz deveria acompanhar toda a negociação entre o Ministério Público e o delator, e não apenas ter acesso ao acordo no final do processo. Aliado de Temer, ele faz críticas ao acordo fechado com os irmãos Joesley e Wesley Batista e diz que o perdão da pena concedido a eles pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, foi excessivo.
Forte também considera que é preciso prever punições para quem desrespeitar as regras da condução coercitiva, que deve ser colocada em prática somente se uma pessoa se negar a prestar depoimento.
Prisões. Um dos relatórios parciais já apresentados trata sobre a questão das prisões preventivas. Elaborado pelo deputado Paulo Teixeira (PT-SP) com a ajuda de advogados, juristas e professores de Direito, o texto propõe que haja um prazo de duração. Apesar de alguns integrantes da comissão defenderem um tempo menor, o deputado manteve a proposta inicialmente aprovada pelos senadores em 2010, que estabelece que esse tipo de prisão pode durar no máximo 180 dias.
No texto, Teixeira sugere também que o novo CPP deixe explícito que o instrumento “jamais” possa ser utilizado como “forma de antecipação da pena” e afirma que o “clamor público não justifica, por si só, a decretação da prisão preventiva”.
O relatório prevê ainda a “proteção da imagem do preso” e a punição das autoridades que deixarem uma pessoa ser fotografada ou filmada pela imprensa durante o momento em que é levada à cadeia. “Não se está, aqui, a regular ou restringir a atividade jornalística. Longe disso. Antes, busca-se responsabilizar as autoridades”, diz o texto.
Em outra frente, o relatório também modifica o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal em relação à aplicação de penas após a condenação em segunda instância. Para Teixeira, isso só deveria acontecer após o chamado trânsito em julgado, isto é, após se esgotar todos os recursos.
Esses pontos, no entanto, não são consenso entre os membros da comissão. Para João Campos, que também foi relator da lei das organizações criminosas, que disciplinou a delação premiada, não há porque incluir mudanças relativas às delações premiadas no texto novo do Código de Processo Penal. “É uma lei recente, de 2013, e o instituto da delação premiada vem dando certo”, disse.
O Estado de São Paulo: Dino ‘teria mais respaldo da classe’, diz associação
Representante de procuradores da República pondera que Temer manteve a tradição de escolher nome da lista tríplice e tem a prerrogativa da indicação
Marianna Holanda, O Estado de S.Paulo
O presidente da Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR), José Robalinho, afirmou nesta quarta-feira, 29, que, se o presidente Michel Temer tivesse escolhido Nicolao Dino – o primeiro colocado da lista tríplice como próximo da Procuradoria-Geral da República –, “certamente, teria mais respaldo da classe”.
Em entrevista ao Estado, Robalinho disse que o presidente manteve sua promessa de seguir as indicações da lista. “A posição da minha classe sempre foi a favor da lista. Mas é preciso entender que o conceito de uma lista implica um rol. Nós apresentamos três nomes, mas existe, por parte da Presidência, um crivo de poder, que é democraticamente eleito, e é de maior densidade. A participação do Executivo não é um simples detalhe”, afirmou.
Para o presidente da associação, contudo, não é possível dizer que o nome mais votado não teria mais respaldo entre os procuradores. “Não é indiferente”, afirmou. Dino, aliado do atual procurador-geral Rodrigo Janot, liderou com 621 votos, e foi seguido por Raquel, com 587 votos. Em terceiro lugar, ficou Mário Bonsaglia, com 564 votos.
Lava Jato. Dentro da instituição, a subprocuradora é vista como opositora a Janot. Porém, segundo Robalinho, não existe “dicotomia” com Dino. “É óbvio que se Nicolao (Dino) fosse nomeado seria uma continuação maior, até porque ele trabalha com Janot (ele é vice-procurador-geral). Mas não existe isso de Raquel ser radicalmente contra, nem Nicolao uma continuação absoluta”.
Robalinho lembrou também que todos os candidatos, incluindo Raquel, defenderam a Lava Jato. A escolhida de Temer já disse em entrevistas que não apenas manteria o grupo de trabalho da operação na PGR, como aumentaria o efetivo. Se passar na sabatina do Senado, ela vai comandar os inquéritos da Lava Jato.
O presidente da ANPR avaliou que nunca houve uma diferença fundamental no entendimento do atual procurador-geral e Raquel na aplicação do Direito Penal. Há o que ele chamou de “diferença de estilo” entre os dois. “De fato, há uma posição de estilos diferentes na forma de gerir que acabou gerando esse reconhecimento de oposição entre os dois, mas não tem essa rivalidade que tem sido posta, não assim”, disse.
Foto: http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,dino-teria-mais-respaldo-da-classe-diz-associacao,70001869980