Rodrigo Janot

Luiz Carlos Azedo: O pacto da transição

Há uma espécie de pacto tácito entre governistas e oposicionistas para continuar se beneficiando da máquina federal e capitalizar o desgaste do governo, respectivamente

A rejeição da denúncia do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot contra o presidente Michel Temer pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara era pedra cantada. O Palácio do Planalto sempre teve maioria para isso, tanto que indicou o relator da matéria, deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), à revelia de sua própria bancada, com o apoio velado do presidente licenciado do PSDB, senador Aécio Neves (MG). Em nenhum momento a decisão esteve ameaçada.

Isso significa que a situação de Temer no plenário da Câmara será mais confortável do que na primeira denúncia? Não, por três razões que precisam ser levadas em conta. Primeira: o realinhamento de forças no interior da base do governo, que começou na primeira denúncia e deve se consolidar agora. Segunda: a maior proximidade das eleições dificulta a mobilização dos aliados da antiga oposição para o voto aberto contra a investigação. Terceira: até a tropa de choque de Temer tem interesse em que o Palácio do Planalto saia do processo mais enfraquecido e dependente do seu apoio.

Os atritos do grupo palaciano com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), no decorrer da semana passada, foram um sinal claro de que há um estranhamento entre o presidente da República e seu principal aliado, apesar das juras de amor de ambas as partes nos últimos dias. Maia já deixou mais do que claro que não cobiça o lugar de Temer na Presidência, embora seja o seu sucessor natural em caso de aceitação da denúncia, que implicaria no afastamento imediato de Temer do cargo.

Houve uma espécie de demarcação de posições. Maia sinalizou para Temer que pretende ser tratado como um aliado com autonomia e dono da pauta da Câmara. Já havia mandado recado nesse sentido, ao avisar que não devolveria uma medida provisória que implicasse em elevação de impostos. Nos bastidores, há inquietação no partido de Maia em relação às eleições de 2018, principalmente em alguns estados importantes, nos quais a legenda pode apresentar candidatos competitivos, como ocorre na Bahia, com o prefeito de Salvador, ACM Neto; em Goiás, com o senador Ronaldo Caiado; e no Rio de Janeiro, com Cesar Maia, pai do presidente da Câmara.

Alternativa de poder

Ao contrário do que muitos imaginam, o enfraquecimento de Temer na própria base parlamentar não é resultado da escassez de cargos no governo, nem de recursos do orçamento para liberação de verbas. É a progressiva redução de seu mandato, o recurso mais escasso de que dispõe, pois estamos a um ano das eleições. A “sombra do futuro” de Temer encolhe a cada dia que a eleição se aproxima. E o governo ainda não tem uma alternativa de poder a oferecer, ou seja, um candidato competitivo que possa chamar de seu. No fundo, o grupo palaciano gostaria mesmo era que Temer enchesse as velas da sua própria reeleição com o vento pela popa da queda da inflação e da taxa de juros. O que mais atrapalha isso é o desemprego.

Apesar da retórica, a oposição também não deseja a saída de Temer. Prefere vê-lo sangrando no cargo. Os duros ataques de seus representantes da Comissão de Constituição e Justiça, ontem, em nenhum momento foram acompanhados da tentativa de mobilização popular para pressionar os integrantes dela. É certo que existe um ambiente de melhoria na economia que ajuda a dissipar os protestos de massa, como as mobilizações “espontâneas” do impeachment de Dilma Rousseff. Mas as velhas bandeiras vermelhas e cartazes das centrais sindicais eram para tremular na Praça dos Três Poderes, porém, não é o que se vê.

Há uma espécie de pacto tácito entre governistas e oposicionistas para continuar se beneficiando da máquina federal e capitalizar o desgaste do governo, respectivamente. Essa já era uma tendência por ocasião da votação da primeira denúncia, mas se acentuou ainda mais agora, porque o debate das reformas perdeu completamente o protagonismo. O Palácio do Planalto ainda acena essa bandeira para os agentes econômicos, mas seus avanços são na direção do atendimento de interesses dos grupos de pressão com forte atuação fisiológica, corporativa e patrimonialista. O exemplo mais recente foi a mudança em relação à legislação sobre trabalho escravo, para beneficiar a bancada ruralista.


Murillo de Aragão: Os meios, os fins e os caminhos para cumprir a lei, na Lava Jato

A entrevista dada pelo procurador Ângelo Goulart Villela à “Folha de S.Paulo” nesta semana é muito triste, para dizer o mínimo. Villela revela um modus operandi preocupante em relação às investigações conduzidas pela Procuradoria Geral da República sob a liderança do agora ex-procurador geral Rodrigo Janot. É absolutamente inacreditável que Villela tenha ficado preso durante 76 dias sem ser ouvido.

Na entrevista de Villela, fica claro que, na gestão de Janot, não importavam os meios para se alcançarem os fins. Chega a ser inacreditável que, no afã de impedir que a atual procuradora geral, Raquel Dodge, sua inimiga, fosse escolhida para sucedê-lo, pudesse urdir uma trama para tirar o presidente da República do cargo por meio de denúncias “tabajaras”. É uma grave acusação. O pior é que ela vem acompanhada de outras evidências.

Em junho passado, a revista “IstoÉ” divulgou a transcrição de uma gravação, ocorrida sete dias antes de Ângelo Villela ser preso, em que uma colega sua alertava para a perseguição que Janot impunha a quem apoiasse Raquel Dodge. De acordo com a procuradora, a tática de Janot era apavorar quem está do lado de Dodge. Villela, que fora do grupo de Janot, estava apoiando Dodge. Dias depois, foi preso.

Que a política está apodrecida, todos sabem. Mas o caminho para o saneamento não passa pela transformação de ações que deveriam ser legais e legítimas em fazer justiça a qualquer preço.

Em editorial publicado no dia 10 último, “O Estado de S. Paulo” apontou a “atuação descuidada” de Rodrigo Janot no episódio da JBS. O açodamento em assinar o acordo com a empresa revela que o interesse não era buscar a punição justa, e sim fazer um movimento que pudesse mantê-lo no comando da PGR por meio de um preposto. O foco da atuação do Ministério Público e da Justiça deve ser a busca pelo direito, e não a manipulação das circunstâncias em benefício próprio.

A gestão de Janot bateu recordes em pedidos de abertura de inquérito no Supremo Tribunal Federal: foram 298 em seu primeiro mandato e 361 no segundo, de acordo com levantamento feito pelo site Jota. O que poderia ser um bom sinal pode não ser. Será que houve o devido cuidado e o devido respeito ao “rule of law”? Será que as investigações preliminares não foram conspurcadas por atitudes e práticas ilícitas? Será que Ângelo Villela poderia dar mais detalhes?

Afinal, ele próprio afirma que as delações do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado e do ex-senador Delcídio do Amaral tiveram o mesmo modus operandi e foram todas vazadas antes de sua homologação. Afirma ainda que sabe de coisas piores do que pressão, blefe e estratégia ao longo das investigações. Villela desnuda um pouco do “iceberg Janot” e suas práticas. Ele diz, textualmente: “Já soube de coisas muito piores”. O que será que Villela sabe de pior?

Custa crer que tais informações não sejam objeto de investigação. Também é muito estranho prender Villela e não ouvi-lo por 76 dias. O ativismo judicial é prática corrente nos dias de hoje. Mas, quando extrapola para ilegalidades flagrantes, faz lembrar tempos obscuros, como os anos 60 e 70 no país. A lei deve ser cumprida. O caminho para isso, porém, deve ser reto e justo.

* Murillo de Aragão é cientista político

 


Ricardo Noblat: Relapso, foi. Desonesto, Janot não é

Janot está pagando o preço por ter sido descuidado, relapso e até temerário quando se reuniu com um advogado de Joesley em um botequim de Brasília

De Rodrigo Janot, Procurador Geral da República em final de mandato, o mínimo que se diz nos gabinetes mais poderosos de Brasília é que foi feito de bobo pelos delatores do Grupo JBS, e traído por seu homem de confiança Marcelo Miller, até há pouco procurador da República ocupado com casos da Lava Jato.

O máximo, que Janot e Miller embolsaram algum dinheiro do Grupo JBS para apressar os ritos de sua delação premiada. Miller abandonou o emprego estável na Procuradoria para ajudar na defesa do grupo. Mas desde antes de fazê-lo, orientou a delação de Joesley Batista e discutiu futuros honorários.

Faz sentido, sim, dizer que Janot foi feito de bobo. E que sua pressa em denunciar Temer levou-o a aceitar as exigências descabidas de Joesley para delatar. Daí a sugerir que ele possa ter sido desonesto, não faz o menor sentido. Nada tem a ver com a biografia dele. Nem com seus atos recentes. É maldade pura. Ofensa.

Janot estaria refém de Miller se com ele tivesse extraído vantagens financeiras da delação de Joesley e dos executivos da JBS. Uma vez refém, não o investigaria como fez, não o acusaria de ter atuado como advogado de defesa de Joesley enquanto era procurador, e não pediria sua prisão temporária negada pelo ministro Edson Fachin.

O que Miller não teria a contar para rebater Janot e destruí-lo se o procurador-geral de fato fosse seu refém... Janot está pagando o preço por ter sido descuidado, relapso e até temerário quando se reuniu com um advogado de Joesley em um botequim de Brasília. Não por ter prevaricado. Quem disser o contrário que prove.

 

 


Merval Pereira: O fim próximo 

O pedido de prisão preventiva de Joesley Batista, de seu assessor Ricardo Saud e do ex-procurador Marcello Miller é o desfecho natural de uma aventura de empresários que se aproveitaram do sistema capitalista selvagem e corrupto que estava instalado no país, à medida que os governos petistas, secundados pelo PMDB, institucionalizaram a propina como instrumento de decisões governamentais.

Embora seja reconhecido que o PT não inventou a corrupção na política brasileira, ele se aproveitou dela para montar um projeto de governo que fosse eterno enquanto durasse, e que durasse o máximo que fosse possível alcançar. O Estado brasileiro estava entregue a grupos corporativos e a empresas, como a J&F e a Odebrecht, que estivessem dispostas a jogar o jogo da maneira estabelecida pelos novos donos do poder.

A prisão em flagrante teve sua interpretação ampliada em diversos casos durante a Operação Lava-Jato, ora em final de temporada, já previsto, aliás, pelo próprio procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e pelo juiz Sergio Moro. Foi assim que o ex-ministro Geddel Vieira Lima foi parar na Papuda novamente, depois de descoberto seu bunker milionário. A simples existência desse dinheiro escondido é uma demonstração de que ele continuava delinquindo.

No caso dos irmãos Batista, rescindidos os benefícios do acordo de colaboração premiada pela quebra de confiança promovida por Joesley, que confessou em uma autogravação que não contaria toda a verdade para o Ministério Público, o processo contra o grupo volta à vida nos autos. A prisão preventiva torna-se possível pelo risco que oferecem na destruição de provas e na atividade de conspiração contra as instituições, revelada no tal autogrampo.

O tempo do ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin é naturalmente diferente do do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que corre para reparar o erro cometido ao dar imunidade total a delatores que, se vê agora, não mereciam tanta confiança.

Antes de ressaltar eventuais trapalhadas da PGR, a denúncia de Janot mostra que ele foi apanhado de surpresa pelos indícios de que fora enganado em sua boa-fé, e sua atitude deve ter o apoio da sociedade, que reclamava da complacência abusiva com que os delatores foram tratados.

Janot repetia que faria tudo novamente, diante das provas de crimes em curso que a gravação da conversa de Joesley Batista com o presidente Michel Temer proporcionou ao Ministério Público, mas, frente às evidências de que fora ludibriado, não teve dúvidas em recuar e pedir a rescisão do contrato de colaboração firmado com os executivos da JBS.

O Supremo Tribunal Federal (STF) está agora com a bola do jogo, e terá três decisões importantes a tomar. A suspeição do procurador-geral da República para processar o presidente, pedida pela defesa de Temer, está na pauta da próxima quarta-feira, e quase certamente não será aceita pelo plenário.

Mais adiante, terá que decidir se suspende a segunda denúncia contra o presidente Temer até que seja definida a questão das provas contra ele. O ministro Fachin já pediu pauta para esta decisão, que pretende dividir com seus companheiros. Se decidir a favor da defesa do presidente, não quer dizer que o procurador Janot não possa oferecer a denúncia, significa apenas que ela não deverá ser encaminhada à Câmara.

Por último, o Supremo deverá decidir pela validade ou não da gravação feita no Jaburu como prova contra o presidente.

Se existe uma dúvida com relação a isso, pois o pedido de prisão do ex-procurador Marcello Miller significa que a PGR está convencida de que ele ajudou a JBS a fazer a delação premiada, parece haver maioria a favor da manutenção das demais provas, inclusive do depoimento de Joesley que repete e esclarece trechos do diálogo mantido com o presidente Temer.

Como se vê, o Supremo Tribunal Federal (STF) está mais uma vez protagonizando o cenário político. Sem falar no fato de que os pedidos de processos contra as cúpulas partidárias do PT, PMDB e PP englobam os principais políticos do país, além dos demais processos contra senadores e deputados de distintos partidos.

A Lava-Jato parece deslocar-se de Curitiba para Brasília, inclusive nos desdobramentos das denúncias contra o ex-presidente Lula. Será nos tribunais superiores que sua sorte será jogada.

 


Demétrio Magnoli: Substituição de Janot por Dodge não resolve a politização do MPF

No ápice da crise provocada pela gravação da conversa entre Joesley Batista e Temer, a Folha noticiou que, bem antes do fatídico encontro, o advogado dos irmãos Batista recebera "aulas de delação" ministradas por um agente da PF e um procurador da República. Precisamente naquele período, o procurador Marcello Miller, lugar-tenente de Janot, preparava sua saída do Ministério Público negociando emprego num escritório de advocacia contratado pela JBS. Os novos áudios, entregues por um Joesley acuado, "com conteúdo gravíssimo" (Janot), podem evidenciar um nexo entre as duas informações. De qualquer forma, sua mera existência como novidade prova que há algo infectado no reino do Ministério Público.

Janot desmentira, peremptoriamente, em 20 de maio, os rumores sobre a participação de Miller nas tratativas do MPF com os irmãos Batista que culminaram com o acordo de delação. Agora, entre constrangido e indignado, o procurador-geral finalmente anuncia uma investigação do episódio, admitindo a possibilidade de que tenha sido ludibriado desde o início. De lá para cá, tudo mudou –menos a linguagem de Janot, perpassada de tons condoreiros, salpicada pela fúria santa dos justos. O rei ainda não está nu, mas já desfila de cueca em praça pública.

A sombra da suspeita, que paira sobre Miller, estende-se inevitavelmente até o procurador-geral. Joesley cedeu os novos áudios num gesto de desespero. Janot só deflagrou a investigação depois que os fatos fecharam o cerco à sua cidadela. A hipótese de um conluio criminoso entre o chefe do Ministério Público e Joesley Batista não pode ser excluída de antemão, mas nenhum indício forte a sustenta. Salvo surpresas deploráveis, a responsabilidade de Janot situa-se fora da esfera criminal: o Ministério Público caiu na cilada dos Batistas porque sucumbiu à sedução da política.

Logo depois de fazer a defesa de Miller, Janot escreveu que o "foco do debate" sobre o acordo firmado com Joesley seria "o estado de putrefação de nosso sistema de representação política". A frase, comum em textos de análise política, é inaceitável em pronunciamentos do procurador-geral.

A missão constitucional do Ministério Público é a "defesa da ordem jurídica", não a busca de uma reforma política. Na confusão entre uma coisa e outra encontram-se os reais motivos da celeridade excepcional das negociações com os Batistas e da repugnante concessão de imunidade judicial aos delatores. O cavaleiro andante da Justiça, vingador da República, desmoraliza a si mesmo –e, no percurso, acerta uma flecha envenenada na credibilidade da Lava Jato.

Janot é sintoma, não causa. O encanto da política espraia-se por uma influente ala do Ministério Público, com epicentros em procuradores messiânicos que se exibem como "extremistas do amor" (Dallagnol) ou citam Danton para sugerir a salvação pela via do "tribunal revolucionário" (Carlos Fernando Lima). A armadilha montada pelos Batistas só se tornou possível porque o MP ignorou reiteradas advertências da PF, que pedia tempo para juntar os fios de uma história mal contada, desarmando as proteções do instituto de delação premiada. Depois dos novos áudios, aprendemos que o risco maior à Lava Jato não decorre das manobras de Lula, Temer ou Aécio, mas da deriva jacobina de procuradores com uma causa.

A substituição de Janot por Raquel Dodge não resolve, por um passe de mágica, o dilema da politização do MP. A Lava Jato, valiosa demais para sucumbir aos desvarios dos missionários, pode ser preservada por duas medidas tão simples quanto urgentes. Numa ponta, a PF deveria ser autorizada a participar, junto com o Ministério Público, das negociações de acordos de delação premiada. Na outra, o STF deveria, clara e nitidamente, atribuir aos juízes a prerrogativa de recepcionar ou rejeitar os acordos com delatores. O fim da "soberania" do Ministério Público –se for essa a herança deixada por Janot, seu mandato terá valido a pena.

 


Fernando Gabeira: Os medalhistas brasileiros  

A competência dos bandidos do Brasil é ouro em qualquer olimpíada da corrupção

Aqui onde estou, no interior do Amapá, as coisas me parecem confusas. Creio que parecem confusas em toda parte. Mas é sempre difícil de alcançá-las quando as conexões são pobres.

Rodrigo Janot deverá apresentar uma segunda denúncia contra Michel Temer. Teremos de ouvir tudo de novo, cada um com seu voto. Espero que seja menos dramático e que o mercado não leve tão a sério um enredo previsível. Afinal, a economia segue adiante.

Não conheço a delação de Lúcio Funaro. Sei apenas que é o réu mais violento no nível verbal: ameaça literalmente comer o fígado de adversários. Funaro já enrolou a Justiça uma vez. Deve ser uma pessoa cheia de truques, como parecem ser os irmãos Batista.

Janot afirmou que, enquanto houver bambu, vai lançar suas flechas. É uma afirmação quantitativa. Sabemos que a última flecha tem de ser mais certeira e eficaz. Isso se levarmos a sério a analogia com os índios. Não tenho conhecimentos antropológicos para afirmar, apenas suponho que os índios não gostem de errar a última flecha, porque depois dela ou o bicho pega ou o adversário ataca.

A delação da JBS é um dos pontos mais vulneráveis da Lava Jato, embora nada tenha que ver com o trabalho em Curitiba. Foi na esteira do acordo com Joesley que os adversários da operação bateram pesado.

Mesmo quem se coloca abertamente a favor do desmonte do grande esquema de corrupção no Brasil custa a entender não só a liberdade de Joesley Batista, mas também o fato de os procuradores não terem mandado periciar o gravador antes de desfechar o processo.

No front da Lava Jato no Rio de Janeiro avançou, finalmente, o tema denunciado pelo Le Monde há alguns meses: a escolha do Rio para a sede da Olimpíada foi comprada. E reaparece um personagem chamado Rei Arthur. Tive de falar dele em 2010. Suas empresas faturavam bilhões durante o governo Sérgio Cabral. Ele mandava nas escolhas do governo para contratar serviços. Daí o apelido Rei Arthur.

O que aconteceu com os Batista pode ser uma lição. Rei Arthur andou pelo Rio e escapou para Miami, onde vive. Ele certamente vai usar ao máximo sua presença nos EUA para dificultar a prisão. Quando preso, Rei Arthur já deverá saber com antecedência o que falar e o que esconder - a velha tática de oferecer os anéis para salvar os dedos.

A quadrilha montada por Sérgio Cabral, com inúmeras ramificações, tinha alcance internacional, comprou uma Olimpíada. Seu combate se deu com a ajuda decisiva de investigadores franceses.

Os donos da JBS mostraram, também, alto nível de audácia, na medida em que tinham a chave do BNDES, projetavam um crescimento internacional, enquanto no País compravam quase 2 mil políticos. Era inverossímil esta história de que decidiram colaborar porque tiveram uma espécie de epifania e descobriram que trilhavam o caminho do crime.

É importante que a Lava Jato não aceite os anéis para salvar os dedos, não por uma vocação repressiva. Os adversários são fortes. A história da repressão aos tráfico de drogas na Colômbia está cheia de cooptação dos investigadores pelo crime. Os próprios repressores transformavam-se em chefes de segurança dos esquemas do tráfico. Não eram simplesmente subornados, mas contratados pelo seu conhecimento técnico.

No campo político, no Brasil, não houve nenhuma reforma. O máximo possível é acabar com coligações proporcionais e criar a cláusula de barreira. Os passos dados não neutralizam a tendência em não votar em quem tenha mandato. E isso não é garantia nem de uma modesta renovação. Muitas pessoas novas entraram no Congresso e, ao cabo de algum tempo, estavam falando a velha linguagem. É o que acontece quando as regras do jogo não mudam.

Aqui, no interior do Amapá, observei algo comum em outros pontos do Brasil. Em quem confiar?, perguntam uns aos outros ao verem a sucessão de escândalos. A ideia de que a lei vale para todos foi fortalecida com a prisão de alguns poderosos. Não pode haver brechas nela, caso contrário, o desânimo será ainda maior.

Janot precisa avaliar o impacto da delação premiada de Joesley Batista. Afinal, valeu a pena? Quantas informações importantes ele deu? Até que ponto as investigações seriam incapazes de chegar a elas sem prêmio a Joesley?

Possivelmente, a última flecha de Janot ele vai arrancar de seu próprio corpo. Nada de excepcional numa longa batalha.

Pode ser que avance para compreender que errou ao não periciar as gravações, mas encontrar nelas o caminho da reparação.

O quadro geral é mais inquietante quando a desconfiança transborda o universo da política e se expande pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

As mais recentes pesquisas já apontam nessa direção. Certamente, foram influenciadas pela atuação de Gilmar Mendes, mas não se esgotam nele.

A iniciativa de Cármen Lúcia de pedir uma rápida e esclarecedora investigação sobre referência ao STF nas gravações de Joesley vai numa boa direção. No entanto, ela deve saber que a crise na dimensão da Justiça é corrosiva.

Quanto a Geddel Vieira Lima, ele foi solto e voltou para Salvador. As pessoas estão, agora, estupefatas com a descoberta de milhões de reais num apartamento que ele usava. O Estado não tinha dinheiro para a tornozeleira eletrônica de Geddel. Geddel tinha dinheiro para comprar todas as tornozeleiras eletrônicas do Brasil. Por isso é que vale a pena considerar que estamos diante de quadrilhas extremamente capazes e ousadas, não só prontas para assaltar, mas também dispostas a dar uma volta na repressão.

Tantos inocentes, tantos arrependidos, tantos falsos colaboradores - a competência dos bandidos brasileiros é medalha de ouro em qualquer Olimpíada em que tenha a corrupção como modalidade.

Não será fácil vencê-los, embora a Lava Jato tenha alcançado um nível superior e seja o melhor instrumento que encontramos para isso em toda a nossa história.

* Fernando Gabeira é jornalista

 


Luiz Carlos Azedo: Flechada no pé

O suspense era sobre a nova denúncia contra o presidente Michel Temer, mas o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em entrevista coletiva ontem à noite, ao contrário, anunciou a abertura de investigação para apurar “indícios de omissão de informações de práticas de crimes” no acordo de delação premiada dos executivos do grupo J&F, controlador do frigorífico JBS, que originou a primeira denúncia. O que era pra ser uma flecha de prata a ser disparada contra o Palácio do Planalto, virou uma flechada de chumbo no próprio pé, porque a decisão reforça a tese de que as denúncias contra Temer seriam uma “conspiração” para derrubar o presidente da República. Dependendo do resultado da investigação, os benefícios oferecidos no acordo de colaboração dos irmãos Joesley e Wesley Batista poderão ser cancelados.

Janot revelou que os investigadores da Polícia Federal obtiveram na última quinta-feira áudios com conteúdo “gravíssimo”. Numa das gravações, Joesley Batista conversa com Ricardo Saud, diretor institucional da J&F. Três dos sete executivos da empresa que fecharam a delação estão implicados nos áudios. Por isso, Janot ameaça anular a delação premiada de Joesley, Wesley e Saud. Nos áudios enviados à PGR, há diálogo entre delatores que supostamente teriam sido entregues por engano por um dos colaboradores. O áudio teria referências a congressistas, integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF) e até a pessoas da própria PGR, inclusive Janot. O único nome citado pelo procurador-geral, porém, foi do ex-procurador Marcelo Müller, que deixou a sua equipe para atuar como advogado no escritório de advocacia contratado por Joesley para negociar a delação premiada.

Janot não revelou o diálogo entre dois colaboradores “com referências indevidas” à Procuradoria-Geral da República e ao Supremo Tribunal Federal, nem confirmou os nomes dos delatores que, na conversa, revelam fatos que podem ser indícios de crimes praticados. Entretanto, o procurador-geral garantiu que as provas não serão anuladas, caso se comprove que Joesley omitiu informações, mas os envolvidos poderão perder os benefícios da delação e o ex-procurador envolvido pode ser exemplarmente punido.

São quatro horas de conversa gravada, que aparentemente não eram do conhecimento de Joesley, mas foram parar nas mãos de Janot, sem que o dono aparentemente soubesse do conteúdo. A gravação registra bastidores da negociação com a PGR, destacando a atuação de Müller na confecção de propostas do acordo que seriam fechadas com o órgão. “Ao longo de três anos, Marcelo foi auxiliar do procurador-geral, procurado por suas qualidades técnicas. Se descumpriu a lei no exercício das funções, deverá pagar por isso”, disse Janot.

Anulação

O advogado Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, que cuida da defesa do presidente Michel Temer, anunciou ontem que pretende pedir a anulação da denúncia da PGR que acusou o presidente de corrupção passiva. Embora Janot tenha reiterado que não haverá anulação de provas, a gravação das conversas relatada pelo próprio procurador-geral abriu a brecha para o Palácio do Planalto iniciar uma ofensiva com objetivo de sepultar de vez a segunda denúncia e desmoralizar Janot. Os áudios foram, encaminhados ao ministro-relator da Operação Lava-Jato, Edson Fachin, que decidirá o que fazer com as gravações. A história toda é muito cabeluda, porque tudo aconteceu como se fosse um grande descuido.

Há muita especulação sobre o que está acontecendo. O Palácio do Planalto comemora o episódio como se fosse uma pá de cal na Lava-Jato e no estatuto da “delação premiada”, que está sendo muito questionado por todos os denunciados com base em depoimentos de colaboradores. Além disso, a gravação pegou Janot no fim de seu mandato, pois a posse da nova procuradora-geral, Raquel Dodge, deverá ocorrer no próximo dia 18. Para muitos, a investigação é uma espécie de vacina, pois certamente seria instalada por sua sucessora no cargo, já que a gravação mostra que Müller começou a trabalhar para os colaboradores quando ainda integrava a equipe de Janot, que pretende encerrar a investigação até o dia 15, ou seja, ainda durante seu mandato.

 


Roberto Freire: Memórias do impeachment e um olhar sobre o futuro

Há um ano, em 31 de agosto de 2016, com 61 votos favoráveis e apenas 20 contrários, o Senado Federal sacramentava o impeachment de Dilma Rousseff e colocava um ponto final no período de mais de 13 anos de desmantelo do lulopetismo, que tanto infelicitou o Brasil.

Quatro meses depois de a Câmara dos Deputados autorizar a abertura do processo contra a então presidente da República em decorrência dos crimes de responsabilidade por ela cometidos em uma desastrosa gestão, o que levou ao seu afastamento do cargo e à posse de Michel Temer, o país pôde finalmente virar uma das páginas mais tristes de sua história e seguir adiante.

Desde então, apesar de todos os problemas e percalços pelo caminho, não há dúvidas de que avançamos e o país retornou aos trilhos.

O segundo impeachment da história de nossa República começou a ser construído a partir de um encontro que tive com o jurista Hélio Bicudo e a advogada Janaína Paschoal, em São Paulo, ainda quando a cassação de Dilma era considerada improvável por muitos.

A esses importantes nomes do Direito brasileiro, se somou outro notável jurista, Miguel Reale Júnior, e os três foram os grandes responsáveis por viabilizar o pedido de impedimento da presidente e dar sustentação jurídica à peça, que chegou à Câmara com toda a densidade e o embasamento necessários para prosperar.

Em meio a dezenas de outras representações, aquela era certamente uma das mais robustas, detalhadas e bem formuladas – tecnicamente irrepreensível, tanto que foi a escolhida para tramitar na Casa.

Desde o início do processo, o PPS assumiu um papel de protagonista e talvez tenha sido o primeiro dos partidos que faziam oposição ao governo do PT a se manifestar favoravelmente ao impeachment, enquanto algumas forças políticas ainda titubeavam. Aliás, a queda de Dilma começou a se tornar realidade nas ruas, com as maiores mobilizações populares da história da democracia brasileira, que tomaram o Brasil entre 2015 e 2016.

Apenas em um segundo momento, quando o clamor pelo impeachment se tornou irrefreável, o Congresso Nacional assumiu sua posição institucional e cumpriu o papel de levar a questão adiante, atendendo aos anseios da imensa maioria da população.

Ao fim e ao cabo, é forçoso reconhecer que a troca de um presidente nunca é uma medida simples e, invariavelmente, deixa traumas e causa um enorme desgaste a todos. Este é um dos maiores problemas do presidencialismo.

Quando um governo perde a sustentação política ou mesmo descumpre a lei de tal forma que isso enseje a abertura de um processo de impeachment, como foi o caso, o que se tem é um processo demorado, tortuoso, que praticamente paralisa o país até o seu desfecho.

No parlamentarismo, sistema de governo que entendemos ser o ideal também para o Brasil, quanto mais aguda é a crise, mais radical é a solução – que se dá sem traumas institucionais e de forma muito mais célere.

Um ano depois do impeachment, o governo de transição pode apresentar à sociedade uma série de medidas que levaram o Brasil a um outro patamar, no rumo certo para superar a maior crise econômica de nossa história e o perverso legado deixado pelo lulopetismo, com mais de 14 milhões de desempregados.

Foram aprovadas a PEC do Teto dos Gastos Públicos, a MP do setor elétrico, o projeto que desobriga a Petrobras a participar de todos os consórcios de exploração do pré-sal, a Lei de Governança das Estatais, a liberação de saques do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), a MP que reformula o Ensino Médio, apenas para citar algumas delas.

Para alcançar tamanho êxito, o governo de transição conta com a sustentação das forças políticas responsáveis pelo impeachment e que se mantêm praticamente na totalidade apoiando a agenda das reformas. Inclusive o PPS, mesmo que o partido tenha decidido se afastar do governo desde o momento em que entreguei o cargo de ministro da Cultura – quando do confuso e obscuro episódio envolvendo a delação dos irmãos Wesley e Joesley Batista à Procuradoria-Geral da República –, mas deixando clara a nossa posição favorável à transição e às reformas.

Durante este ano, em uma quadra tumultuada da vida nacional, outro dado que merece ser ressaltado é a inequívoca força das nossas instituições e o avanço do combate à corrupção e às malfeitorias reveladas pela Operação Lava Jato.

O Ministério Público Federal, a Polícia Federal, o Poder Judiciário e os órgãos de fiscalização e controle estão em pleno funcionamento e com total independência para realizar seu trabalho, com acompanhamento cada vez mais assíduo por parte da própria sociedade. Não tenho dúvidas de que sairemos melhores da crise.

Já faz um ano que Dilma, Lula e o PT se tornaram página virada da história e ficaram para trás, embora continuem ensaiando narrativas e discursos vazios como se tivessem condições de retornar ao poder quando bem entendessem.

Apesar das dificuldades, a inflação despencou e hoje é a menor em décadas, a economia dá sinais de recuperação e reformas importantes foram aprovadas ou estão em andamento no Congresso. A responsabilidade pela transição existe e continuará, e ela é a maior segurança de que completaremos a travessia até 2018 e construiremos um país melhor.

 


O Estado de S.Paulo: Onda de rejeição alcança até ministros do Supremo

Repúdio ao Executivo e Legislativo chega ao Judiciário, revela pesquisa Ipsos; apenas Moro e Joaquim Barbosa mantêm índice elevado, apesar de queda de aprovação

Daniel Bramatti e Gilberto Amendola, O Estado de S.Paulo

A onda de rejeição a políticos e autoridades públicas já não se limita ao governo e ao Congresso e chegou com força ao Poder Judiciário e ao Ministério Público. Pesquisa Ipsos mostra que, entre julho e agosto, houve aumento significativo da desaprovação a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Até o juiz Sérgio Moro enfrenta desgaste: apesar de seu desempenho ainda ser majoritariamente aprovado pela população, sua taxa de rejeição está no nível mais alto em dois anos.

A pesquisa avaliou a opinião dos brasileiros sobre 26 autoridades de distintas esferas de poder, além de uma celebridade televisiva, o apresentador de TV Luciano Huck. Quase todos estão no vermelho, ou seja, são mais desaprovados do que aprovados. As exceções são Huck, Moro e o ex-presidente do Supremo Joaquim Barbosa. Os dois últimos são responsáveis pelos julgamentos dos dois maiores escândalos de corrupção do País: mensalão e Operação Lava Jato.


Para Danilo Cersosimo, um dos responsáveis pela pesquisa, o aumento do descontentamento com o Judiciário pode estar relacionado “à percepção de que a Lava Jato não trará os resultados esperados pelos brasileiros”. Outros levantamentos do Ipsos mostram que o apoio à operação continua alto, mas vem caindo a expectativa de que a força-tarefa responsável por apurar desvios e corrupção na Petrobrás provoque efeitos concretos e mude o País. “Há uma percepção de que a sangria foi estancada, de que a Lava Jato foi enfraquecida”, disse Cersosimo.

Na lista de avaliados pelo Ipsos estão três dos 11 atuais integrantes do Supremo: Cármen Lúcia, a presidente; Edson Fachin, relator dos casos relacionados à Lava Jato; e Gilmar Mendes, principal interlocutor do presidente Michel Temer no Tribunal. Os três enfrentam deterioração da imagem.

Além de Moro e Fachin, há na lista outros dois nomes relacionados à Lava Jato: o do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e o do procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da operação em Curitiba. Eles também sofrem desgastes.

O descontentamento com Gilmar cresceu ao mesmo tempo em que ele ficou mais conhecido: até maio, mais da metade da população (53%) não sabia dele o suficiente para opinar. Agora, esse índice caiu para 30%. Já a taxa de aprovação se manteve praticamente estável, oscilando em torno de 3%. A avaliação crítica é maior nas faixas mais escolarizadas: chega a 80% entre os brasileiros com curso superior, e é de 50% entre os sem instrução.

Nos últimos meses, Gilmar, que também preside o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), se notabilizou por constantes e duras críticas ao que classifica como abusos na atuação do Ministério Público Federal em grandes investigações no País, incluindo a Lava Jato. O ministro protagonizou embates com o procurador-geral da República e chegou a chamar Janot de “desqualificado”.

Na pesquisa Ipsos, o chefe do Ministério Público Federal – que vai deixar o cargo em breve – teve seu desempenho reprovado por 52% dos entrevistados. A avaliação favorável ficou em 22%.

Evolução. Cármen Lúcia teve aumento de 11 pontos porcentuais em sua taxa de desaprovação entre julho e agosto, de 36% para 47%. Já sua aprovação está em 31% – queda de cinco pontos porcentuais em um mês e de 20 pontos desde janeiro. A avaliação favorável de Fachin caiu, em um mês, de 45% para 38%, enquanto a desfavorável subiu de 41% para 51%.

Conhecido por sua atuação no julgamento de acusados no escândalo da Lava Jato, Moro, titular da 13.ª Vara Federal de Curitiba, tem seu desempenho aprovado por mais da metade da população (55%). Sua taxa de desaprovação, porém, subiu nove pontos porcentuais no último mês, de 28% para 37% – o ponto mais alto na série histórica do Ipsos, que teve início em agosto de 2015.

 

 


Helena Chagas: As privatizações do PMDB

Nada como não ter votos. Só mesmo um presidente que não foi eleito, sabe que não tem a menor chance de sê-lo no futuro e não tem qualquer compromisso com programas aprovados nas urnas para fazer tudo o que Michel Temer está fazendo. Sob o argumento do rombo estratosférico nas contas públicas, vamos vender a Eletrobras, a Casa da Moeda, os aeroportos - incluindo a jóia da coroa, Congonhas - e até abrir parte do setor de tráfego e segurança aéreos ao capital privado.

Nada a observar sobre o cavalo-de-pau privatista do Executivo peemedebista se, em algum momento, esse programa tivesse sido apresentado e discutido com o país - como normalmente se faz em campanhas eleitorais, debates, entrevistas, programas de TV. Há sentido, do ponto de vista fiscal e da própria eficiência do Estado, na privatização de algumas empresas. Há fartas razões a justificar a concessão de certos serviços à iniciativa privada.

Só que o distinto público não pode ir dormir um dia num país cheio de estatais, ainda que ineficientes, e acordar no outro com todas elas na prateleira do supermercado. É preciso ter um modelo pronto, detalhado e amplamente discutido. É necessário haver regras que dêem segurança aos compradores e novos investidores - que, obviamente, querem o lucro - mas, sobretudo, garantam ao consumidor que ele será beneficiado com serviços melhores e não terá que pagar mais.

É o mínimo que se espera para assegurar que não haverá privatização feita na bacia das almas, enchendo o bolso de todo mundo, menos daqueles que pagam as contas. É na forma como essas coisas são feitas que mora o perigo.

Há muitos e muitos anos não se falava em privatizar a Eletrobras, e o anúncio da decisão de vender a combalida empresa pegou todo mundo no susto. Não ficou bem explicado nem quando e nem como as coisas vão acontecer. Políticos desconfiados de Minas e do Nordeste correram para tirar do pacote Furnas e Chesf. Então para elas não vale?

A oposição, meio apática, pouco reagiu - a não ser pela ex-presidente Dilma Rousseff, que virou alvo por causa da mudança de regras que promoveu no setor e apanhou sozinha.

Mas mercado e investidores, ávidos pelos novos negócios em meio ao deserto em que vivem hoje, entraram em estado de euforia, mesmo sem dados mais concretos sobre a privatização da gigante do setor elétrico. As ações da empresa subiram 49% e o valor da estatal na Bolsa cresceu R$ 9 bilhões num dia.

Sucesso total!, festejaram os peemedebistas. E resolveram repetir a dose no dia seguinte, botando aeroportos, Casa da Moeda e mais cinco dezenas de ativos estatais no balaio das privatizações. Na mesma pressa, no mesmo improviso, no mesmo açodamento. Sem a perspectiva de que os processos estarão concluídos daqui a um ano e cinco meses, quando, na melhor das hipóteses, Temer descerá a rampa do Planalto.

Vai deixar, em janeiro de 2019, alguma dessas privatizações concluída com sucesso, revertendo em benefícios para o país e sua população?

Aí é que está: isso pouco importa para o grupo de peemedebistas que está hoje no governo. Seus objetivos parecem ser bem mais imediatos: passar a idéia de que vão tapar o rombo no caixa e dar assunto para a platéia se distrair. Quem sabe, discutindo essa ou aquela venda, ela se esquece de assuntos mais explosivos que devem pipocar nos próximos dias, como o conteúdo da delação do operador Lúcio Funaro e a nova denúncia do PGR Rodrigo Janot?

Depois, seja o que Deus quiser. Sobretudo se, nesse depois, os peemedebistas tiverem tido, no limite da irresponsabilidade, oportunidade de tratar de outras razões e interesses que cercam os processos de privatização no Brasil.

 

 


Hubert Alquéres: Centrão, de coadjuvante a protagonista

Desde a redemocratização, o Centrão sempre esteve no poder, mas em papel de coadjuvante. Fernando Henrique Cardoso e Lula, com enormes diferenças, contaram com as forças do atraso em nome da governabilidade. Mas sem transformá-las em principal núcleo de sua base de sustentação.

Com a vitória no Congresso do “Fica Temer”, a constelação de siglas partidárias que formam essa massa gelatinosa adquiriu status de protagonista. Chegou ao núcleo duro do poder, em condomínio com o PMDB, com quem tem identidades nos métodos e na forma de se fazer política.

A assunção do Centrão altera os polos da dualidade estabelecida no governo Temer. Desde o início havia um lado renovador, expresso na equipe econômica, em quadros como Pedro Parente e mesmo em políticos antenados com a modernidade como José Serra e Mendonça Filho.

Havia também o lado arcaico constituído por partidos e políticos formados e forjados em práticas patrimonialistas. Velhos camaradas como Geddel Vieira Lima, Romero Jucá, Moreira Franco, Eliseu Padilha.

Michel Temer é originário desse campo. Por circunstâncias, se compôs com o polo reformista.

Os dois blocos não deixaram de existir, bem como os seus conflitos. O que muda de figurino é a opção do presidente pelo atraso como forma de administrar o contencioso em sua base de sustentação.

Até a delação da JBS, Temer vislumbrava a possibilidade de entrar para a história como um presidente reformista, condottieri da travessia para 2018. Daí nasceu a agenda da reforma, a autoridade da equipe econômica e a escolha do PSDB como principal aliado. Quanto mais seu grupo era atingido, mais força ele transferia para os tucanos, pois necessitava deles para manter a pinguela.

Se antes a preocupação era com a imagem com a qual entraria na história, com a denúncia do Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, passou a ser pela sobrevivência. Às favas a história e a opinião pública. Com esse espírito foi a guerra no Congresso, tendo o Centrão como principal estaca de sustentação.

Em grande medida, a escolha se deu por falta de opção. Com o escândalo que o vitimou, perdeu apoios no PSB, PPS e PSDB. Seu aliado preferencial entrou em barafunda com o enrosco do seu presidente licenciado Aécio Neves.

O PSDB saiu da votação dividido, não confiável aos olhos do governo, e queimado com seus eleitores que não aceitam suas dubiedades éticas. Ainda teve de pagar o mico do parecer do tucano mineiro Paulo Abi-Ackel, à favor de Temer. Tudo isso para, mais cedo ou mais tarde, ser alvo da “reacomodação de forças” no interior do governo.

Sim, os tucanos são os grandes perdedores desse imbróglio, com suas vísceras expostas à opinião pública. Divididos, ou não, continuarão no governo, mas com status rebaixado, como coadjuvantes. E com a autoestima de seus militantes esgarçada.

A decepção de peessedebistas históricos com as dubiedades do alto tucanato fica patente em carta dos economistas Edmar Bacha, Elena Landau, Gustavo Franco e Luiz Roberto Cunha ao senador Tasso Jereissati: “Infelizmente, incapaz até agora de se dissociar de um governo manchado pela corrupção institucionalizada que herdou do PT, o PSDB tem optado por deixar vazio o centro político ético de que o país tanto precisa”.

A hegemonia no interior do condomínio governista sai das mãos das forças comprometidas com a austeridade fiscal, com os fundamentos macroeconômicos e com as reformas e vai para setores acostumados à gastança, que só entendem a linguagem da liberação de verbas e cargos.

Essas forças podem até dar uma base sólida a Temer para enfrentar novas denúncias, o que não pode ser confundido com a necessária estabilidade para levar as reformas adiante. Mesmo uma reforma da previdência extremamente desidratada, limitada à idade mínima, encontrará resistência em uma base que se move exclusivamente em função de interesses clientelistas e fisiológicos.

A dependência do Centrão põe em riscos ganhos da política econômica, compromete o equilíbrio das contas públicas e alimenta desconfianças do mercado de que Temer fará novas concessões populistas às corporações para preservar o seu mandato.

A equipe econômica fica tensionada pela compulsão da base de fazer bondades com o erário público. Há um exemplo emblemático: a expectativa era obter R$ 13 bilhões com a MP do Refis/2017, mas a arrecadação deve ficar em R$ 500 milhões se for aprovado o parecer do deputado Newton Cardoso Jr (PMDB-MG), que atendeu a pleitos de empresários da indústria e do agronegócio.

De concessão em concessão o governo perde seu ímpeto reformista, deixa de lado qualquer veleidade modernizante.

O Centrão estava órfão e recolhido ao fundo do palco desde a cassação do seu líder Eduardo Cunha. Com a delação de Wesley Batista vislumbrou a oportunidade de voltar ao primeiro plano, cerrando fileira em torno de Temer. Assumiram o papel de Pit Bull do Temerismo por saber que é dando que se recebe. E já estão recebendo.

 

* Hubert Alquéres é professor e membro do Conselho Estadual de Educação (SP). Lecionou na Escola Politécnica da USP e no Colégio Bandeirantes e foi secretário-adjunto de Educação do Governo do Estado de São Paulo

 


Folha de S. Paulo: Novas delações podem atingir inquéritos sobre Temer, diz Janot

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, 59, diz que "colaborações em curso" podem ajudar nas investigações contra o presidente Michel Temer por suspeita de obstrução de Justiça e organização criminosa.Os inquéritos servem para embasar novas denúncias contra o peemedebista.

LEANDRO COLON, DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
REYNALDO TUROLLO JR., DE BRASÍLIA

A PGR negocia, segundo a Folha apurou, as delações do ex-deputado Eduardo Cunha e do operador financeiro Lúcio Funaro, ambos presos pela Lava Jato.

Janot diz que não pode confirmar as tratativas, mas questionado sobre o que um político como o ex-presidente da Câmara tem de entregar para fechar um acordo, ele respondeu: "O cara está neste nível aqui [faz um sinal com uma mão parada no ar], ele tem que entregar gente do andar para cima [mostra um nível acima com a outra mão]. Não adianta ele virar para baixo, não me interessa".

O procurador-geral recebeu a Folha em sua casa no sábado (5), em Brasília, para uma entrevista. Indicou que prepara nova denúncia contra Temer, revelou que pedirá a anulação de uma delação e afirmou que a saída para o país não é "considerar bandido como político".

Janot, cujo mandato na PGR termina em 17 de setembro, contou que pretende tirar férias acumuladas até abril e projeta se aposentar no meio do ano que vem.

Folha - Os bambus acabaram? Ainda restam flechas?

Rodrigo Janot - Restam flechas. A gente não faz uma investigação querendo prazo e pessoas. As investigações vão ficando maduras até que se possa chegar ao final. E várias estão bem no finalzinho. Eu diria que tem flecha.

Quais são?
A surpresa você vai deixar para mim, né?

Não foi um pouco de soberba ter falado em flecha (em um evento recente)?
Isso é brincadeira que a gente faz internamente desde a época do Cláudio Fonteles [2003-2005]. A gente dizia que temos que trabalhar, e a expressão dizia isso, enquanto houver bambu, lá vai flecha. Não é soberba nenhuma.

A Câmara barrou a denúncia por corrupção contra Temer. É frustrante ver o trabalho ser enterrado?
A Câmara não barrou a denúncia. A Câmara faz um julgamento político de conveniência sobre a época do processamento penal do presidente. Fiz meu papel, cada instituição tem que fazer o seu. A Câmara entendeu que não era convenientemente o momento para o processamento do presidente. Que a Câmara agora arque com as consequências. Agora, a denúncia continua íntegra, em suspenso esperando o final do mandato. Acabou o mandato, a denúncia volta e ele (Temer) será processado por esses fatos que estão ali imputados, que são gravíssimos.

Como fica a situação do ex-deputado Rocha Loures?
Vou pedir a cisão do processo, sim, e ele vai responder esses fatos.

A denúncia descreve roteiro plausível de crime de corrupção, mas não aponta que a mala de R$ 500 mil recebida por Loures da JBS foi para Temer. O sr. acha que a falta dessa ligação ajudou a segurar a denúncia?
Temos de entender que o crime de corrupção não precisa de você receber o dinheiro, é aceitar ou designar a proposta. Receber o dinheiro é a chapada do crime de corrupção. Se a gente não vive um país de carochinha, uma pessoa que designa um laranja para acertar acordo ilícito, que acerta a propina e recebe a mala, vou exigir que a pessoa que designou o laranja receba pessoalmente o dinheiro? Jamais alguém vai comprovar.

Mas existe a possibilidade de o Loures ter feito o acordo sem que o presidente soubesse, não?
É admitido como possibilidade, vamos ouvir o Loures. Ele é designado como o meu (Temer) homem de confiança para tratar por mim todos os assuntos, trata a corrupção e depois a recebe. Se isso acontecesse com qualquer pessoa, acho muito difícil qualquer um de nós ter um outro juízo que não fosse "esse sujeito que foi designado como laranja recebeu o dinheiro para aquela pessoa". Como é que eu, de antemão, vou separar isso? Não tem como. Nesse caso específico, tínhamos réu preso. Em se tratando disso, o inquérito tem que ser concluído em dez dias e a denúncia tem que ser oferecida em cinco.

Mas é consequência de a PGR ter pedido a prisão. Se não pedisse, haveria mais tempo para investigar.
E deixo que o crime continue sendo praticado? Na esperança de que esse dinheiro vá chegar às mãos do presidente? Não somos ingênuos. Vocês acreditam que essa mala chegaria às mãos do presidente? Que o Loures entregaria a mala? "Olha, presidente, vim trazer a sua malinha." O dinheiro seria repassado de outra forma. Todas as investigações que fizemos mostram que uma organização criminosa atua de maneira profissional, não infantil.

Como então o dinheiro chegaria ao Temer?
Ou para pagamento de alguma campanha, ou para uma conta, ou para pagamento de despesas em 'cash'. Como se apura despesas em 'cash'? Não apura.
A segunda denúncia contra Temer será só por obstrução da Justiça?Não sei. Nós temos duas investigações: obstrução e organização criminosa.

Qual a chance de não sair outra denúncia?
Quem falou isso? Eu continuo minha investigação dizendo que enquanto houver bambu, lá vai flecha. Meu mandato vai até 17 de setembro. Até lá não vou deixar de praticar ato de ofício porque isso se chama prevaricação.

Na semana passada, o sr. pediu deslocamento da investigação de organização criminosa, envolvendo Temer, do inquérito da JBS para o do "quadrilhão" do PMDB da Câmara. Por que isso foi feito agora?
O presidente só pode ser investigado por atos praticados durante o exercício do mandato. O crime de integrar organização criminosa é permanente, então essa investigação tem que ficar permanentemente atenta para saber se a organização existe ou não, está em atividade ou não. Com esses últimos fatos [da JBS], a gente viu que a organização criminosa continua em plena e total atividade.

A investigação de obstrução já foi concluída pela PF.
Uma coisa é a polícia relatar. Outra coisa é eu, como titular da ação, entender que é o suficiente. Se entender que não, vou pedir diligências. Estamos com colaborações em curso que podem e muito nos auxiliar em uma e outra investigação.

O sr. está falando de Cunha e Funaro?
Não posso dizer quem são. As colaborações são sigilosas.

Falamos de ambos porque Cunha e Funaro estão ligados ao diálogo do Jaburu [gravado por Joesley Batista] e são personagens do inquérito do "quadrilhão".
Sobre colaborações em curso não posso falar. Não posso nem reconhecer que esse cidadão está em colaboração com a Procuradoria, a lei me impõe sigilo sobre o assunto.

O sr. não fala sobre negociações em sigilo, mas o que uma figura como Cunha teria que entregar para conseguir fazer um acordo com vocês?
Um dos critérios é o seguinte: o cara está neste nível aqui [faz um sinal com uma mão parada no ar], ele tem que entregar gente do andar para cima [mostra um nível acima com a outra mão]. Não adianta ele virar para baixo, não me interessa.

A questão da imunidade dada aos delatores não pode ter sido o principal erro do acordo com a JBS?
Se houve erro, foi de comunicação. Vamos lembrar. Recebo comunicado de que empresários relatariam com provas a prática de crime em curso do presidente, de um senador (Aécio Neves) que teve 50 milhões de votos na última eleição e seria virtualmente o novo presidente, de um deputado e de um colega [procurador] infiltrado na nossa instituição. Eles dizem: "A gente negocia tudo, menos a imunidade". A opção que tinha era: sabendo desse fato e não podendo investigar sem que colaborassem, teria que deixar que isso continuasse acontecendo ou conceder a imunidade. E mais: essas pessoas não só nos levaram áudios lícitos e válidos que comprovavam o que diziam. Elas se comprometeram a fazer ações controladas. Assumiram risco de fazer ações sem ter o acordo, e produziram prova judicial -a da mala do presidente, a da mala do senador, a da conversa do meu colega infiltrado-, e eu [ia] dizer assim: "Isso é muito pouco, eu quero que vocês tenham prisão domiciliar com tornozeleira."

Mas isso (prisão domiciliar com tornozeleira) era o mínimo, não?
Como o mínimo? O cara está entregando o presidente cometendo um crime em exercício. Você, como jornalista, tem conhecimento três meses depois de que isso me foi oferecido e eu recusei. Você acha que seu jornal, e você, como jornalista, iriam elogiar a minha atuação? Iam dizer "agiu certinho, tinha que continuar praticando crime, sim". Se houve erro, foi erro de comunicação nossa, porque a contraparte foi esperta em usar versões do fato para tentar mudá-lo.

Outro erro que a PGR pode ter cometido é não ter pedido perícia no áudio antes do inquérito.
Isso não existe. Como é que você faz uma perícia fora do inquérito? Prova ilícita, debaixo do tapete? Então eu recebo o áudio e digo que vou primeiro chamar o Mr. Bean [o comediante] para dar uma analisada para ver se vou instaurar inquérito. Isso é feito no inquérito. E qual foi o resultado da perícia? Nenhuma interferência no áudio.
Vocês não correram risco?Risco algum. A gente faz uma avaliação de risco antes, é claro, a gente tem técnico. Nós pegamos esse áudio, passou pelo nosso lado técnico. Um jornal, que não vou dizer qual foi, me publica um negócio dizendo que aquilo era uma perícia.

O sr. pode falar, foi a Folha (o jornal publicou uma perícia apontando edições na gravação).
E depois esse jornal envergonhadamente volta atrás e diz "erramos".

O jornal em nenhum momento admitiu que errou, a gente fez uma segunda perícia apontando que não houve edições.
A primeira perícia era de uma pessoa que escrevia [em seu laudo] que ouviu o áudio e, da oitiva, tirou as seguintes conclusões.

Mas nem vocês tinham feito a perícia.
A gente fez uma análise técnica, de viabilidade. Meu lado técnico disse que a probabilidade de ter alteração é 99,9 negativa.

A Folha abriu o debate sobre algo que deveria ter sido feito antes.
Mas foi feito [uma análise]. Perícia não se faz antes, você quer uma perícia no subterfúgio? Olha o que vocês estão sugerindo, que a gente faça uma investigação fora de um procedimento [formal]. Eu recebo [o áudio] e no escuro digo "vamos olhar aqui". Tem que ser tudo aberto. E onde é que a gente investiga? No inquérito.

O sr. continua achando que, na gravação, dá para interpretar aval do Temer para a compra do silêncio do Cunha?
"Tem que manter isso" o que é? Uma compra de carne? É uma feitura de suco? É fazer lanche? Qual era o fato que se discutia? "Eu estou segurando a boca de duas pessoas, Cunha e Funaro". "Muito bom, muito bom, tem que manter isso." Esse diálogo não foi negado pelo presidente, mas ele diz assim: "A interpretação que eu faço desse diálogo é outra". Se a gente não vive o país da carochinha, vamos interpretar o que está dito, gravado.

O sr. disse que soube da gravação de Joesley no Jaburu depois que ela ocorreu. É difícil acreditar nisso...
Eu não sou mentiroso, vamos começar por aí.

Por que ele faria isso da cabeça dele sem saber se vocês aceitariam? Ele não correu um risco?
Vocês acreditariam se alguém dissesse "peguei o presidente da República com a boca na botija"? Aí você diz assim: "E qual a prova que você tem?" "Nenhuma, eu ouvi o cara falar." Você acha que eu assumiria o risco de induzir uma prova ilícita que eu não pudesse usar depois? É maluquice completa. Eu nunca conversei com ele antes disso.

Há uma bala de prata contra o presidente?
Não, existem flechas [risos]. Eu sou ecológico.

O presidente fala que o sr. tem atuado de forma política e pessoal contra ele.
Sempre trato os investigados e réus com respeito. Quando é que me dirigi ao presidente de maneira desrespeitosa? Não posso tergiversar com a pessoa que praticou ilícito. Isto é uma República, a lei é igual para todos.

A defesa de Temer diz que seus atos desestabilizam o país econômica, política e socialmente. O sr. acha que o Ministério Público leva em conta esses fatores ou deve levar?
Não deve levar. A partir do momento em que começo a contabilizar fatores econômicos, políticos, sociais, antropológicos, aristocráticos, como é que tenho critério objetivo para dizer que uma investigação vai desse jeito e a outra não? A solução para esse imbróglio só tem uma saída e é política. Agora, saída política não é você considerar bandido como político. O bandido que se esconde atrás do manto político não é político, é bandido.

O presidente Temer é um bandido?
Não, não estou falando isso. O bandido que se esconde atrás do manto de empresário não é empresário, é bandido. O bandido que se esconde atrás do Ministério Público não é membro, é bandido. Tem que ser tratado como bandido.

Há quem diga que sua sucessora, Raquel Dodge, é reservada e o sr. mais expansivo, com estilo midiático. Isso pode ter criado imagem de que o o sr. age para enfrentar, para retaliar, com o 'fígado'?
As pessoas fazem suas interpretações dependendo do que lhes é conveniente. Dizer que tenho um perfil midiático, quantas vezes eu falei com a imprensa? Falo muito pouco. Isso é tudo construção para favorecer os investigados.

Alguns críticos falam que a PGR trabalha com calendário político, mede passos em cima de episódios.
De jeito nenhum. Na minha cabeça, depois da Odebrecht, que era dita a "delação do fim do mundo", surge a JBS, que foi a colaboração Armagedom. Essa Armagedom não estava na nossa cogitação. Esse calendário não é meu.

A PF pediu a revogação da delação do Sérgio Machado (ex-presidente da Transpetro), falando que não avançou. Tanto a delação dele como a do Delcídio do Amaral não ocorreram sem provas?
Tudo o que foi colhido em áudio pelo Machado, de que é "preciso dar um basta", "nós temos que controlar essa história", não está acontecendo? O colaborador pode perder a colaboração se não auxiliou na obtenção da prova. Antes de sair estarei -não vou dizer de quem- inaugurando um incidente de revogação de um acordo por falta de protagonismo do colaborador.

O sr. costuma falar em divergência de procedimentos com a dra. Dodge. Quais são essas divergências?
Eu tenho facilidade para delegar, porque se não conseguir, não consigo marchar para a frente. E, pelo que conheço dela, não tem essa facilidade de delegar, é uma pessoa que concentra mais. Isso não é erro. Tenho uma maneira de trabalhar, ela tem outra. Não me preocupo de ela mexer ou alterar (investigações em curso). De ela engavetar me preocupo, sim. Se pretender engavetar, é lógico que vou me preocupar. Não acredito nisso.

*

Raio-X
Formação
Graduado e mestre em direito pela UFMG, especializou-se em meio ambiente e consumidor na Scuola Superiore Sant'Anna, em Pisa (Itália)

Cargos
Ingressou no Ministério Público Federal em 1984. Foi promovido a procurador regional da República em 1993 e a subprocurador-geral em 2003. Foi secretário-geral do MPF de 2003 a 2005

-Cronologia
17.mai.2017
É revelada a delação da JBS, que ameaça o mandato de Temer. Janot é criticado por conceder benefícios aos irmãos Joesley e Wesley Batista

26.jun.2017
Janot denuncia o presidente ao Supremo sob acusação de corrupção passiva. Temer reage e acusa Janot de buscar "revanche, destruição e vingança"

1.jul.2017
Procurador-geral diz que "enquanto houver bambu, lá vai flecha" em referência a seu trabalho nos meses que restam de mandato

2.ago.2017
Denúncia é barrada na Câmara e Temer diz que peça de Janot é uma "ficção" baseada em um ato criminoso patrocinado por um "cafajeste" e "bandido"

3.ago.2017
Temer volta a criticar procurador-geral, que define estratégia para apresentar ao STF nova denúncia, desta vez sobre obstrução da Justiça

17.set.2017
Data em que Janot encerrará o mandato. Equipe dele e advogados dos envolvidos trabalham para tentar fechar antes mais acordos de delação