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Zulu Araújo: Primeira prefeita negra de Cachoeira (BA) é ameaçada de morte

Considerada uma joia do Patrimônio Cultural Brasileiro, desde 1971, com belos casarões e igrejas e com bens tombados pelo IPHAN desde 1940, Cachoeira, cidade histórica do Recôncavo Baiano, vive hoje momentos de terror. A prefeita Eliana Gonzaga, primeira mulher e primeira negra eleita para governar a cidade está sendo ameaçada de morte por milicianos políticos. O caso é tão grave que o Governo do Estado da Bahia determinou que a mesma tivesse escolta militar dia e noite.

O drama da prefeita e da cidade começou no dia 15 de novembro de 2020, quando ela, juntamente com sua vice Cristina Pereira, venceram as eleições para a prefeitura com mais de 2.500 votos de vantagem, num universo de 18 mil votos, numa vitória histórica. O derrotado que concorria pela quarta vez a prefeitura foi um grande empresário da região e que continua inconformado. Por conta dessa vitória, Cachoeira não teve mais sossego desde então.

Para quem não sabe, a cidade tem uma importância histórica para a Bahia e o Brasil. Em 25 de junho de 1822, por meio da Câmara Municipal de Cachoeira foi declarada a verdadeira Independência do Brasil e o inicio das sangrentas batalhas que culminaram com a expulsão dos portugueses da Bahia e a declaração de sua independência no dia 2 de Julho de 1823. Por conta dessa atitude corajosa a Cachoeira é conhecida como “Cidade Heroica”.

Se não forem adotadas medidas urgentes e rigorosas contra esses milicianos, Cachoeira pode viver mais uma tragédia. Pois as ameaças não são de brincadeira. Dois dos apoiadores da campanha eleitoral da prefeita já foram assassinados em plena luz do dia sem que até o momento se tenha conhecimento dos autores. São eles, Ivan Passos (morto dois dias após as eleições e Gerolando Silva, assassinado com 10 tiros, em frente à delegacia local.).

Importante dizer que Cachoeira é uma cidade eminentemente negra, com mais de 80% da população de origem africana. Onde os terreiros de candomblés tem uma forte presença, assim como a famosa Irmandade da Boa Morte que é liderada por negras sexagenárias da cidade e encanta o mundo inteiro. Ainda assim, nunca uma mulher negra havia sido eleita para dirigi-la. Ao que parece o racismo e a misoginia se juntaram para impedir que a vontade da população seja respeitada.

“Eu não vou renunciar. Eu não tenho medo. Junto com os meus ancestrais, aqui também pulsa a veia sindical, e muito forte e não sou covarde. A veia do sindicalista não recua”, disse a prefeita, que já foi feirante, líder sindical e vereadora na cidade por dois mandatos. Ela também tem recebido apoios importantes, tanto de entidades do movimento negro baiano, a exemplo da Unegro, do Movimento de Mulheres e de parlamentares de todas as matizes, como a deputada federal Lidice da Mata, que denunciou as ameaças durante audiência na Procuradoria da Mulher da Câmara Federal. Enfim, essa luta também é nossa, afinal, não podemos permitir que uma nova Marielle Franco se materialize na nossa querida Cachoeira.


Zulu Araujo: Nu com a mão no bolso

Não poderia existir metáfora mais adequada para traduzir a grave situação do Brasil que o ditado popular que dá título a este artigo. O diversionismo estabelecido por setores da sociedade brasileira em um falso dilema – isolamento horizontal/isolamento vertical ou economia versus saúde, esconde em verdade um drama muito mais profundo que o país padece e que sua elite dirigente tenta esconder a todo custo.

Numa velocidade estonteante a pandemia do Coronavirus pôs a nu toda a farsa da pujança da nossa economia e deixou à mostra a dura realidade em que vive a maioria do povo: sem emprego, sem dinheiro, sem assistência social, sem saúde e sem futuro.

O chamado confinamento vertical para idosos, é nada mais nada menos que a Lei do Sexagenário rediviva, (Lei n.º 3.270, promulgada em 28 de setembro de 1885, garantindo liberdade aos escravos com 60 anos ou mais, com o pagamento de indenização. A indenização deveria ser paga pelo liberto, sendo obrigado a prestar serviços ao seu ex-senhor por mais três anos ou até completar 65 anos de idade). Parece brincadeira, mas não é. Nessa equação, vidas humanas não importam, ainda mais se forem de velhos, negros e pobres. Qualquer semelhança com o momento atual não é mera coincidência.

Em verdade, a pandemia expôs as vísceras do pensamento genocida e eugênico de parte da elite do país. Além disso, a pandemia está revelando, que apesar da precariedade do sistema público de saúde, a salvação da lavoura, está sendo o SUS, tão demonizado pelos empresários dos planos de saúde e que era alvo de um desmonte sem precedentes.

Do mesmo modo, a precariedade da informalidade no campo do trabalho, cantada em prosa e verso como “empreendedorismo” está deixando à mostra o seu lado mais cruel. São milhões de pessoas que ganham dinheiro agora para comer daqui a pouco, não tendo o direito sequer de cuidar da sua saúde. O desespero das pessoas na busca do auxilio emergencial, escancarados nas câmeras de tvs são sinais dolorosos dessa vulnerabilidade.

Enquanto isso o Banco Central anuncia um conjunto de medidas que deve disponibilizar para os bancos (setor mais lucrativo do país) algo em torno de  1 trilhão e 216 bilhões de reais  (dez vezes mais o apoio dado em 2008, quando da crise econômica), correspondendo a 16,7% do Produto Interno Brasileiro e para os 70 milhões de informais, 60 bilhões de reais, representando não mais do que 1% do PIB nacional, segundo a Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado da República. É assim que se manifesta a desigualdade no Brasil.

Não fosse a forte pressão do Poder Legislativo e do Judiciário, juntamente com Governadores e Prefeitos sobre o Executivo Federal, e nem essa migalha de 600 reais o povão teria direito, pois a tese no Executivo é de que pouco importa quantos morram, pois a economia não pode parar.

E por mais que nos incomode, a pandemia também está revelando a dimensão política da pobreza. Aproximadamente um terço da população tem apoiado as teses genocidas. A ignorância e desinformação, tem sido presa fácil dos obscurantistas de plantão. E nesse território de carências o povo tem sido facilmente manipulado, sendo terreno fértil para o florescimento do fascismo. Não por acaso a pregação aberta do racismo, da intolerância religiosa, da homofobia e da volta da ditadura tem obtido tanto apoio.  E as grandes vitimas dessa perversidade histórica são e serão os pretos e pobres da sociedade brasileira.

O momento é grave e não podemos vacilar. Temos que juntar as forças democráticas de todos os campos, (político, empresarial, religioso, cultural, popular, etc.), em especial o movimento negro e enfrentarmos o obscurantismo que nos ameaça, em todos em todos os espaços, pois para nós, além de combater o vírus, precisamos garantir a democracia, que ela é oxigênio vital para uma sociedade saudável.

Toca a zabumba que a terra é nossa!