realidade

Inflação e dívidas | Foto: Denys Kurbatov/Shutterstock

Nas entrelinhas: A insensatez e o efeito manada

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

A Marcha da Insensatez, da historiadora Barbara Tuchman, que venceu o prêmio Pulitzer por duas vezes, trata de situações nas quais seus protagonistas contrariaram seus próprios interesses, nos casos da Guerra de Tróia, da Reforma Protestante, da Independência dos Estados Unidos e da Guerra do Vietnã. Nesses episódios, as lideranças políticas mais poderosas tomaram decisões catastróficas. Por isso, o livro é um clássico da política.

Tuchman descreve a desastrosa atuação dos papas do fim do século XV e início do XVI, a arrogância da aristocracia inglesa frente às colônias americanas e, por fim, a cegueira da elite político-militar dos EUA na Guerra do Vietnã. O mundanismo — o enriquecimento do alto clero — dividiu a Igreja e embalou a Reforma de Lutero e Calvino. A inflexibilidade e a cobiça da aristocracia inglesa resultaram na perda de suas Colônias na América do Norte. A Guerra do Vietnã levou os Estados Unidos a uma de suas mais profundas e longas crises políticas.

No Brasil, estamos vivendo um momento parecido. Estão em xeque nossa ordem democrática e a institucionalidade da economia. Ulysses Guimarães, o grande patrono da nossa Constituição Cidadã, quando alguém se queixava do Congresso, costumava dizer que a safra de parlamentares seguinte seria pior. Sua pilhéria virou uma maldição, porque o grau de deterioração das práticas políticas no Congresso só aumenta.

Depois que os políticos do Centrão, aliados ao presidente Jair Bolsonaro, passaram a dar todas as cartas no nosso Parlamento, um câncer corrói as entranhas da política brasileira, o chamado orçamento secreto, que cedo ou tarde será mais um caso de polícia. Para completar, o bilionário fundo eleitoral destinado aos partidos nas eleições está se transformando num obstáculo à renovação dos costumes políticos.

Criou-se uma situação de absurda desvantagem entre quem tem mandato, e usufrui de verbas do Orçamento da União, estruturas de gabinete e recursos abundantes de campanha, e aqueles que serão candidatos e não têm as mesmas possibilidades. Como se não bastasse, agora vem o pacote de bondades da PEC da Eleição, que será a bandeira eleitoral de quem pleiteia a reeleição.

Seu objetivo seria mitigar os efeitos da inflação na vida da população de mais baixa renda, mas isso é apenas uma cortina de fumaça para o que realmente está acontecendo. São medidas de curto prazo, de caráter populista, que não vão resolver os problemas da população, porque o rombo fiscal que provocará será um fator acelerador da própria inflação, corroendo os seus benefícios.

Mais graves são as consequências em termos institucionais, como o desrespeito ao calendário eleitoral e o abuso do poder econômico nas eleições, de um lado, e a ruptura na institucionalidade de nossa economia, devido à falta de responsabilidade fiscal, de outro. A insegurança jurídica provocada por emendas à Constituição casuísticas, aprovadas à toque de caixa, ampliam o cenário de incertezas em relação ao futuro da própria moeda, o real.

A três meses das eleições, essas medidas que estão sendo aprovadas no Congresso desnudam um descolamento dos partidos políticos e seus representantes dos verdadeiros interesses da sociedade. São um fator de enfraquecimento da própria democracia. Já passamos por outras situações semelhantes, ao longo da história, que nos levaram a profundas crises.

A hiperinflação da década de 1980, que coincidiu com a transição à democracia, ainda hoje nos cobra pedágios, pois nunca mais conseguimos ingressar num ciclo longo e sustentável de crescimento, mesmo depois de o Plano Real ter estabilizado a nossa moeda e as privatizações terem se realizado, para restabelecer o equilíbrio das contas públicas. A Lei de Responsabilidade Fiscal está sendo rasgada.

Encenação

O preço desse fracasso está anunciado: é a iniquidade social que explode nas ruas e não será superada na campanha eleitoral com esse pacote de medidas proposto pelo governo. O Senado aprovou a PEC das Eleições com apenas um voto contrário, o do senador José Serra (PSDB-SP), um economista experiente, que governou São Paulo, conhece as contas públicas e entende de política de desenvolvimento.

Casa de ex-ministro e ex-governadores, muitos dos quais candidatos nestas eleições, o Senado protagonizou um acordão sem precedentes entre o presidente Bolsonaro, o Centrão e a oposição, num pacto do tipo “nos locupletemos todos”. Com toda a certeza, não será a Câmara que irá restaurar a moralidade.

O misancene que está sendo feito pela oposição, cujos parlamentares estão docemente constrangidos, apenas disfarça o efeito manada. A palavra de origem francesa — “mise en scène” — significa encenação. É o que está acontecendo nas manobras de obstrução da votação na Câmara. É muito difícil para um parlamentar com mandato em risco votar isoladamente contra as benesses anunciadas no pacto. Não teria como explicar aos eleitores.

O presidente Jair Bolsonaro aposta todas as fichas na PEC da Eleição para reverter a desvantagem em que se encontra em relação à preferência das parcelas mais pobres da população, principalmente no Nordeste. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva acredita que as medidas o beneficiarão, porque estão sendo adotadas de última hora, diante do risco de derrota eleitoral do governo. É a marcha da insensatez.

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Deives Rezende Filho: Não adianta só chamar para a festa, tem que tirar para dançar

Não haverá mudança real sem perfis diversos ocupando os cargos de liderança

A frase do título deste artigo é inspirada em uma tradução livre de uma fala de Verna Myers, vice-presidente de Inclusão da Netflix. Eu costumo usá-la quando vou falar sobre a diferença entre diversidade e inclusão. Gosto de usar a seguinte metáfora para explicar meu pensamento: não adianta convidar para a festa e não chamar para dançar. E, mais do que isso, como eu e uma amiga, grande consultora e parceira profissional, costumamos dizer: se o outro não souber a dança, deve-se ensinar. Se não for assim, o baile nunca será de todos, sempre alguns vão se divertir enquanto os outros só observam.

A realidade tem mudado aos poucos, é verdade, mas muitas vezes ainda me vejo em uma reunião em que são anunciados dados sobre o aumento da presença de negros, PCDs (pessoas com deficiências), mulheres e LGBTQI+ na empresa, mas ao redor, na sala, só vejo os homens brancos. Por quê?

Quando falo sobre convidar para a dança, é sobre buscar ativamente indivíduos diversos para ocupar diferentes cargos dentro da empresa e promover programas de mentoria que incluam essas pessoas até que se sintam confiantes e confortáveis não só para acompanhar os passos mas também criar coreografias e seus corpos de baile.

Diversidade e inclusão ainda são vistas por boa parte do mercado como uma etapa burocrática a ser seguida e que não influenciam de verdade no negócio. Mas essa realidade vem mudando muito rapidamente nos últimos tempos. Investimentos são ou deixam de ser feitos baseados em como a empresa age socialmente.

Uma pesquisa da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje) aponta que diversidade e inclusão serão dois dos temas mais debatidos entre as lideranças empresariais em 2021. Das 204 empresas respondentes, 58% disseram que já fazem esse tipo de comunicação internamente. Das que ainda não o fazem, 32% afirmaram ser provável ou muito provável que comecem a fazê-lo ainda neste ano.

É inegável que o caminho a ser percorrido ainda é muito longo, mas conquistas consideráveis já foram feitas e elas devem ser celebradas. A rede social profissional LinkedIn identificou que perfis com o cargo de diretor de diversidade e inclusão cresceram 107% nos últimos cinco anos. Por outro lado, uma pesquisa global de Diversidade e Inclusão, feita pela consultoria PwC, aponta que 30% das 3 mil companhias analisadas em 40 países ainda não têm um líder de Diversidade e Inclusão.

A diversidade é o primeiro passo, mas a palavra-chave é, definitivamente, inclusão. As organizações têm que ter uma estrutura para acolher a diversidade ou então estaremos cumprindo metas sem sentido. Sem mentoração e perfis diversos ocupando cargos de liderança não conseguiremos efetivamente gerar e por consequência enxergar uma mudança real nas empresas e na sociedade.

Enquanto isso, a pressão das comunidades que cercam essas organizações cresce, pois há um interesse e uma cobrança sobre a necessidade de posicionamentos acerca de posturas mais contundentes sobre racismo, homofobia, equidade de gênero, um olhar sobre os grupos mais maduros e crescimento sustentável.

Esses parecem, cada vez mais, serem fatores inexoráveis a um futuro pacifico e sustentável dentro e fora do mercado. As organizações que olharem e cuidarem disso agora sairão na frente; as que ainda ignoram, terão que gerir crises inevitáveis e serão forçadas em algum momento a aceitar o fato de que uma sociedade mais diversa exige marcas, empresas e instituições cada vez mais diversas, inclusivas e flexíveis.

*Deives Rezende Filho é fundador da Condurú Consultoria, é especialista em temas de governança ética, ética empresarial, conflitos no ambiente de trabalho, protagonismo do negro e inclusão racial


Michael França: O que a decadência do Brasil tem em comum com a do futebol?

Para um país que sonhava com a série A das economias, a série B já é uma dura realidade

Final da Copa de 2002, 33 minutos do segundo tempo, Ronaldo Nazário, também conhecido como “Fenômeno”, marca o seu segundo gol sobre o badalado goleiro alemão. A vitória está selada. O Brasil consolida seu domínio no esporte mais popular do planeta e se torna pentacampeão mundial.

Ao mesmo tempo, atletas brasileiros como Kaká, Rivaldo, Ronaldinho e Ronaldo figuram regularmente entre os melhores do mundo. Para muitos, a seleção brasileira é considerada um orgulho nacional e o time a ser batido.

O tempo passa, o futebol evolui, e o Brasil fica para trás. Clubes ao redor do mundo passam por um profundo processo de profissionalização da gestão, modernização estrutural e altos investimentos na formação de jogadores.

Enquanto isso, no Brasil, quem dão as cartas são os cartolas. Muitos desses, além da incapacidade de gerar valor para o futebol nacional, se tornam especialistas em aumentar os seus patrimônios.

Regularmente, apostam em jogadores mais velhos em detrimento da juventude. Com a falta de transparência nos gastos, aumentam o endividamento dos seus clubes sem investir na melhoria da infraestrutura. A gestão ineficiente leva grandes clubes ao rebaixamento.

A limitação administrativa não fica somente nos clubes, mas perpassa todas as entidades ligadas ao futebol. Na falta de preparo, sempre vence o discurso barato.

Tudo tem custo, mas também benefício potencial. Essa afirmação, embora aparentemente trivial, parece não ser bem compreendida por muitos brasileiros. A Copa do Mundo de 2014 é simbólica nesse sentido.

Fora de campo, em um país com graves problemas sociais, a escolha é usar dinheiro público para construir estádios superfaturados para sediar o evento.

Dentro das quatros linhas, nas semifinais, a Alemanha dá uma aula de como a boa gestão pode impactar o futebol. Nesse contexto, as péssimas escolhas da sociedade brasileira ficam visíveis também dentro de campo.

Porém, isso não é suficiente para mudar a mentalidade dos brasileiros. Chega o intenso verão carioca de 2019 e, com ele, dez jovens jogadores morrem, queimados, em um incêndio enquanto dormem em contêineres no alojamento do centro de treinamento do Flamengo. Clube que tem obtido no período recente expressivos retornos financeiros com a venda de jovens revelações.

Em muitos aspectos, o futebol é uma caricatura especial da sociedade brasileira. Talvez uma das características mais marcantes seja a falta de apreço pelas futuras gerações.

Assim como no futebol, o desprezo do país com a formação dos seus cidadãos é evidenciado regularmente nas escolhas sociais. A pandemia ajuda a ilustrar isto: bares abertos e escolas fechadas. Com isso, Brasil se tornou um dos países em que as crianças passaram mais tempo sem aulas presenciais.

O descompasso fica ainda mais claro quando se olha para as transferências públicas entre os grupos etários. Laura Muller Machado e Ricardo Paes de Barros chamam a atenção para isso e destacam um estudo da Cepal de 2014 que aponta que os idosos recebem cerca de seis vezes mais gasto público do que a juventude (“O legado de uma pandemia”, 2021).

A exclusão de talentos é outra caricatura nacional interessante. Curiosamente, os negros são bons só dentro de campo e, fora dele, o mundo do futebol é dominado pelos homens brancos.

Nesse cenário, a falta de uma gestão eficiente voltada para formação e a promoção de talentos afeta a produtividade da economia e, consequentemente, a competitividade.

Assim, para um país que sonhava jogar em grande estilo na série A das economias globais, a série B já é uma dura realidade. E, no ritmo que a deterioração está acontecendo, a série C não está distante.

O texto é uma homenagem à música “Brasil”, de Cazuza, George Israel e Nilo Romero.

*Michael França é doutor em Teoria Econômica pela Universidade de São Paulo; foi pesquisador visitante na Universidade Columbia e é pesquisador do Insper.


PPS lança o Manual do Candidato e da Candidata com orientações para a disputa eleitoral de 2018

O PPS acaba de lançar o Manual do Candidato e da Candidata. A publicação tem como objetivo preparar os candidatos e candidatas do partido para as eleições deste ano.

O livreto aborda questões gerais da política com foco na realidade social e política brasileira e traz os valores e princípios que norteiam as ações formadoras de quem disputará o próximo pleito. Ele também contém as propostas formuladas na Conferência Nacional “A Nova Agenda do Brasil”, promovida pela FAP, além de trechos da proposta do PPS para um Programa de Governo.

Faça o download do Manual do Candidato e da Candidata do PPS

O Manual apresenta ao candidato as informações necessárias para compreender e utilizar os mais diversos e modernos recursos que o auxiliarão na busca de votos. Além disso, traz ainda leis e resoluções do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), assim como a Resolução Eleitoral e as normas do PPS para as convenções que serão realizadas entre os dias 20 de julho e 05 de agosto.

Trata-se de um material mais que necessário para que dirigentes partidários e quem vai assumir candidatura nas unidades da Federação tenham ao seu dispor todos os passos a serem dados em busca do sucesso pessoal ou partidário.