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Carlos Blanco de Morais: Redes sociais vs. media profissional - “Vídeo, mentiras e hate speech”
Se o trollismo retira qualidade à democracia, a censura por interposta pessoa asfixia-a de morte lenta
Na última década criou-se o mito de que a chamada “democracia digital”, tecida pelas redes sociais, iria oxigenar uma democracia representativa em crise. Com as redes teria nascido um universo de opinião influente, novos controlos difusos ao poder político e um diálogo direto entre governantes e governados (Saskia Sassen). A “democracia digital” modernizaria a “democracia deliberativa” de Habermas, legitimando decisão política pelo debate.
No pico de um ciclo de entusiasmo, em que alguém defendeu que o Twitter deveria receber o Nobel, alguns céticos como Evgeny Morozov alertaram para a manipulação das redes por ditaduras ou serviços secretos de grandes potências. Outros, como Vallespin, observaram que sendo numerosas as informações falsas, muitos cidadãos conviveriam bem com essa falsidade para fulminar adversários. Na verdade, a “democracia digital” pouco teria de democrático, sendo antes uma manifestação do pluralismo social e político ampliada por uma tecnologia neutra, sendo possível usar o ciberespaço, tanto para derrubar ditaduras como para permitir a estas perseguir adversários; tanto para denunciar a corrupção como para dessacralizar o poder; e tanto para defender as liberdades como para violar o direito à privacidade.
Em 2016, tudo mudou na “lua de mel” do establishment político e dos media com as redes sociais quando estas migraram das primaveras árabes ou do movimento “Occupy” para a direita populista. Com o impacto das redes no triunfo do “Brexit”, de Trump, de Putin, dos partidos populistas europeus e agora com Bolsonaro no Brasil, deflagrou a pandemia do trollismo (inspirado no troll, um mostrengo das lendas célticas), e que consistiria na queda das redes sociais nas mãos dos que postam notícias falsas e discursos de ódio. Ora a associação do trollismo à direita populista foi feita pelos media do mainstream depois do êxito de Trump e Bolsonaro que, frente a uma media hostil, usaram as redes para comunicarem com os eleitores, sem filtragem jornalística.
O trollismo no ciberespaço ameaça a democracia? Para os media profissionais, o trollismo ameaçaria a democracia porque as redes seriam manipuladas por forças ultraconservadoras para difundir fake news e hate speech (discurso de ódio), substituindo uma comunicação social isenta por uma informação alienante do eleitor. Embora acompanhemos Morozov no seu ceticismo sobre as virtudes das redes, entendemos que o trollismo não tem um único viés ideológico.
As campanhas norte americana e brasileira demonstram que as fake news proliferaram à esquerda e à direita. Se na eleição de 2016 nos EUA eram falsas as notícias sobre a doença grave de Hillary Clinton e a sua substituição por um duplo, também foi falsa a notícia de que apoiantes de Trump teriam gritado num comício “odiamos muçulmanos, odiamos negros, queremos o nosso País de volta em 2018”. Também no Brasil, não havendo dúvida que a direita lançou uma campanha violenta contra o PT nas redes, não é menos verdade que foram desmontadas como falsas as notícias de que partidários de Bolsonaro teriam assassinado um conhecido capoeirista da Baía e gravado uma suástica na pele de uma jovem. Fake news e hate speech não têm marca ideológica exclusiva.
Tão pouco o trollismo põe em causa a democracia. A censura ameaça a democracia porque impede a liberdade de expressão e o acesso à informação, em tempo eleitoral. O trollismo é, ao invés, um abuso censurável dessa liberdade de expressão, que se contraria através da sua denúncia nas redes, nos media e em observatórios e se pune nos tribunais quando incita ao crime. É certo que afeta a qualidade da democracia quando condiciona uma fatia elevada do eleitorado, se bem que tal suceda também com as sondagens eleitorais falhas ou manipuladas (que ninguém põe em xeque já que são usadas pelos media).
Redes vs. imprensa profissional. Os media profissionais generalistas, sem prejuízo de criarem jornais digitais que interagem com redes sociais, contrapõem a estas os seus pergaminhos de liberdade, rigor e isenção. E é um facto que uma sociedade livre supõe uma imprensa profissional, pois esta tem uma maior exigência na filtragem de notícias, na acuidade dos conteúdos e na sua controlabilidade. Mas seria uma fábula erigi-la a guardiã sacra da verdade e da privacidade e isentá-la do pecado do hate speech.
A violação da privacidade e do bom nome é feita quotidianamente em media prestigiados, como a CNN, que dedicou um painel de discussão sobre as partes íntimas de Trump. Isenção, equidistância e rejeição do “discurso de ódio” é algo que também faltou quando a maioria dos media americanos ergueu uma “firewall” contra Trump em plena campanha eleitoral; quando na CNN o Presidente é chamado de racista, animal ou nazi; ou quando o editor do Die Zeit alemão escreveu que para se evitar a catástrofe populista se imporia um assassinato na Casa Branca.
No Brasil, os media largaram uma maré de notícias falsas ou não comprovadas, como as de que Bolsonaro teria ameaçado de morte a ex-mulher; que teria votado no Congresso contra deficientes; e que haveria financiamento ilegal da sua campanha com propaganda massiva, robotizada no WhatsApp.
Há muito que os media profissionais formam consciências. Hoje, são forçados a sobreviver com encargos salariais, oscilações de tiragem ou audiências, concorrendo com as redes, que são veículos informativos incontroláveis e de baixo custo onde muitos cidadãos, bem ou mal, fazem, com um clique, uma escolha da informação do seu agrado, a partir do Facebook ou do WhatsApp. A vitória, para muitos imerecida, de populistas, operada pela comunicação em rede, foi inesperada e amarga, pois significou não apenas a derrota do establishment político, mas também a da media profissional que tenazmente se lhes opôs.
Hoje, os temores reais dos partidos tradicionais e dos media, ante o provável avanço populista nas eleições europeias de 2019, criaram a tentação de restringir a liberdade de expressão nas redes. Só que, em democracia, cada pessoa é livre de aceder às notícias que deseja e no formato que entenda, tanto as fidedignas como as radicalizadas e até disparatadas que os algoritmos indicam ser da sua preferência. Essa liberdade, mesmo que menos esclarecida, não pode ser suprida por um Big Brother, pois terminou o tempo em que os media proclamam: “nós decidimos o conteúdo e vocês lêem.”
É certo que o ciberespaço, pelo seu relevo político e securitário, não pode ser uma “terra sem lei”, devendo haver regulação. Só que é duvidoso que a mesma possa ter como paradigma a Lei Alemã (NetzDG de junho de 2017), que tornou as firmas gestoras das redes, sob pena de pesadas multas, responsáveis pela remoção de conteúdos “ilícitos”, como fake news e hate speech (que passou a ser entendido num sentido perigosamente lato), gerando um sistema de censura indireta, como é o caso do Facebook que contratou um exército de “moderadores”. Ora, se o trollismo retira qualidade à democracia, a censura por interposta pessoa asfixia-a de morte lenta.
O Estado de S. Paulo: ‘Sem Lula, esquerda não tem candidato’, diz historiador
Para o pesquisador José Murilo de Carvalho, o PT terá que se aproximar do centro se quiser ser competitivo em 2018
Wilson Tosta, do O Estado de S.Paulo
Mesmo com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva condenado e preso na Operação Lava Jato e, a partir de 2019, com um novo presidente eleito, o Brasil seguirá dividido e longe da normalidade, avalia o historiador José Murilo de Carvalho. Estudioso das mudanças que marcaram a política nacional, o pesquisador diz, porém, que mesmo na prisão Lula poderá ser um ator político importante. Já o PT não vai – “nem deve”, pondera – desaparecer, mas precisará se refundar.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Há quem compare Lula ao caso de Juscelino na ditadura. São situações análogas?
Não muito. O ódio contra JK era devido à sua aproximação com o varguismo, vinculado, segundo militares e líderes udenistas, ao comunismo, embora tivesse sido acusado também de corrupção, coisa nunca provada. (JK) Foi preso, humilhado, sujeito ao arbítrio dos inquéritos policiais-militares. A natureza política da ação contra ele era inegável. Agora há também alegações de viés político na condenação de Lula, mas sem a obviedade do caso de JK. E não há IPMs (Inquéritos Policial Militar).
O que se abre agora, para a campanha de 2018, com a prisão do ex-presidente?
Se Lula de fato não puder concorrer – tudo é possível neste país – e dada a rejeição pelos grandes partidos, o maior beneficiário será o candidato de extrema-direita, segundo colocado nas pesquisas de intenção de voto. Um panorama preocupante, pois lembra a vitória de (Fernando) Collor (presidente de 1990 a 1992, quando foi derrubado por impeachment). Sem Lula, a esquerda não tem candidato viável. Se quiser competir para valer terá que fazer alianças ao centro. No centro, também não há candidato convincente. Enfim, mais instabilidade, menos concentração na tarefa de retomar o crescimento.
A prisão de Lula encerra uma era na política brasileira?
Prisão de ex-presidente por crime comum é fato inédito em nossa história. Mas não sei se irá encerrar o ciclo iniciado em 1985. Será mais um tropeço, como o foram os dois processos de impeachment.
Mesmo preso, Lula poderá influenciar o processo eleitoral?
Sem dúvida. (Eurico Gaspar) Dutra, depois de depor (Getúlio) Vargas em 1945, embora fosse um “poste” eleitoral, ganhou as eleições em função do anúncio do endosso de Vargas: “Ele disse!”. O PT não tem candidato viável sem Lula, mas o apoio dele a outro candidato pode fazer diferença. Há uma diferença entre o PT de hoje e o PTB de Vargas. O último sobreviveu e cresceu mesmo sem o carisma do chefe. O PT ainda depende demais do carisma de Lula.
Com a prisão do ex-presidente, o petismo e o lulismo tendem a desaparecer ou a se reduzir?
O PT não vai, e não deve, desaparecer. Precisamos de um forte partido de esquerda para a saúde de nossa democracia. Mas ele terá que por os pés no chão e começar um processo de refundação, inclusive para reduzir a dependência de Lula.
As pressões sobre o Supremo tiveram peso na decisão dos ministros de liberar a prisão de Lula?
Sem dúvida. Refiro-me, sobretudo, à declaração do comandante do Exército feita na véspera. Nenhuma corte está isenta de pressões externas, por mais que alguns juízes queiram acreditar nisso.
Como analisar a manifestação do comandante do Exército?
A declaração foi infeliz e intempestiva. A Constituição diz que as Forças Armadas se destinam à defesa da pátria e à garantia dos poderes constitucionais. A intervenção no Rio para garantia da lei e da ordem, ordenada pelo Executivo, foi perfeitamente constitucional. A declaração do comandante, sem que houvesse ameaça aos poderes constitucionais, foi política e inadequada.
Isso não evoca o passado do regime militar?
Nas décadas de 1950 e de 1960, declarações de chefes militares, individuais ou coletivas, eram frequentes e culminaram nas quedas de Vargas e de Goulart. Não creio que haja ameaça de intervenção militar na fala do comandante, mas suas declarações revivem velhos fantasmas.
Os militares podem voltar a ter peso na política?
Um dos pontos positivos das crises da República iniciada em 1985 foi a neutralidade política mantida pelas Forças Armadas. Seria um enorme retrocesso democrático se essa neutralidade fosse rompida. Resta saber se os comandos da Marinha e da Aeronáutica compartilham a posição do comandante do Exército.
A crise política chegou ao STF?
Até pouco tempo, o STF era o poder da República menos atingido pela descrença dos cidadãos. Não é mais. Suas hesitações e contradições, os conflitos e bate-bocas entre ministros, a loquacidade de seus membros fora dos autos, tudo isso tem contribuído para o desgaste da instituição. Muito ruim para a saúde da República.
Esse processo de politização tem volta?
A judicialização da política não é fenômeno apenas brasileiro. Mas aqui ela tem adquirido dimensões preocupantes. Juízes e promotores não são eleitos, não são representantes dos cidadãos. O vácuo de poder gerado pelo descrédito dos outros poderes e dos partidos políticos é que tem incentivado o ativismo judicial. Só a extinção do vácuo poderá sanar o mal.
A eleição de 2018 pode levar o Brasil de volta à normalidade?
Com ou sem Lula, as eleições não trarão de volta a normalidade. O próximo presidente, seja quem for, terá que construir sua base parlamentar, fazer os velhos acordos de sempre e não terá forças, ou vontade, de fazer as reformas de que o País necessita para retomar o crescimento e para atacar o problema máximo do País que é a redução da desigualdade.