política

Marcos Sorrilha: Realidade ou mundo virtual? Faça a sua escolha

Vivemos tempos em que o real e o ficcional estão cada vez mais mesclados pelas tramas da virtualidade/ realidade.

Marcos Sorrilha Pinheiro / Blog Horizontes Democráticos

Existe uma frase atribuída a Mark Twain na qual se afirma: “a diferença entre a verdade e a ficção é que a ficção faz mais sentido”. Ainda que seja uma referência à imprevisibilidade da vida, ela também aponta para um cuidado que todo escritor de ficção deve ter: estabelecer regras e limites para sua própria narrativa, fazendo com que ela soe crível ao leitor (ou espectador), para que ele aceite aquilo que está consumindo como sendo uma realidade plausível.

Mark Twain (1835-1910)

Mesmo as histórias de fantasia devem possuir esse cuidado: propor um conjunto de regras pelas quais aquele universo funciona, sob pena de “perder” a credibilidade junto ao público caso traia as balizas estabelecidas. Mario Vargas Llosa, na introdução de seu livro A Verdade das Mentiras, diz que a ficção é poderosa justamente por isso, pois oferece ao leitor uma realidade possível com a qual ele confronta a sua existência, percebendo suas imperfeições. Justamente por essa característica, os livros são tão subversivos quanto perseguidos.

Além disso, por estabelecer uma coerência a sua história, a preocupação com a plausibilidade exige que o autor recompense de alguma maneira as expectativas por ele criadas, seja com um final glorioso ou um anticlímax capaz de levar a audiência à indignação. Diferente da vida, o final da trajetória percorrida deve vir acompanhado de um prêmio.

Justamente por isso, filmes inspirados em vidas reais frequentemente possuem seu final alterado. Construir a história de um rei prometido, narrar suas vitórias, a trajetória que o leva ao trono, para que no dia de sua coroação ele morra engasgado, comendo peito de peru no café da manhã é totalmente inaceitável. Contudo, totalmente possível na realidade, ainda que não faça o menor sentido.

Acontece que até pouco tempo, esta barreira entre a realidade e a ficção estava muito bem-posta. Um livro ou um filme possuíam espaço de apreciação bem delimitado e suas narrativas estavam circunscritas ao momento de seu consumo. Porém, isso mudou no espaço dos últimos vinte ou trinta anos. Vivemos tempos em que o real e o ficcional estão cada vez mais mesclados pelas tramas da virtualidade/ realidade. 

Desde seu livro Cibercultura, Pierre Lévy (muito otimista, por sinal), dizia que haveria uma invasão do mundo real pelo virtual, de modo que as barreiras entre eles cairiam aos poucos. Segundo entendia, nossa memória de longo prazo seria substituída pelos mecanismos de armazenamento digitais e as interações sociais se concretizariam em multiplataformas, sendo o mundo físico, uma delas.

Cibercultura

Ao que parece, Lévy não estava tão errado, embora o resultado não tenha sido tão bom quanto ele esperava. As redes sociais e as redes de sociabilidade vivem um movimento de simbiose cada vez mais visceral, porém de maneira que as primeiras acabam por estabelecer parâmetros e referenciais sobre as segundas. As postagens de Instagram acostumaram nosso cérebro a pensar que aquelas narrativas construídas, roteirizadas e editadas sejam o equivalente a como a vida deve ser. Isso também serve para o impacto da incompatibilidade entre o posicionamento das pessoas no espaço público, comparado às expectativas geradas pela opinião pública virtual.

O problema em torno dessa questão é que, por aceitarmos que o que vemos no mundo virtual segue os mesmos padrões do mundo real, olhamos para a realidade buscando nela o mesmo “senso de edição” que consumimos em nossas plataformas digitais. Assim, a realidade (o fato dado) passou a ser compreendida não apenas como aquilo que não é previsível, mas como aquilo que não é crível, uma vez que destoa da versão roteirizada vista nas telas dos smartphones. Desta forma, ao não percebermos coerência na vida real, olhamos para ela como se ali existisse algum segredo guardado, capaz de torná-la semelhante às “mentiras verdadeiras” do mundo virtual.

Neste cenário, as teorias da conspiração ganham força e são turbinadas à sua máxima potência. Todos sabemos que fakenews sempre existiram, mas eram até pouco tempo “inofensivas”. O que mudou? Nossa relação com a ficção e a “verdade”. Afinal, as fakenews por mais que apresentem teorias que se desmancham quando postas ao teste do real, possuem uma coerência, uma lógica de roteiro, com causa e efeito, justificativa e ação, que faz dela um produto muito mais “factível” e atraente do que a realidade que ali se apresenta.

O mais incrível disso tudo (ou seria um plot twist?) é que a barreira quebrada entre a ficção e a “verdade” começa a afetar o próprio universo da produção de narrativas ficcionais. Exemplo claro disso é o próximo filme do Homem Aranha. Várias informações, oriundas de diversas fontes, confiáveis ou não, dão conta de que o filme reunirá os atores e personagens das franquias anteriores em um único filme. Diante de tal perspectiva, os fãs do herói montaram um roteiro “perfeito” em suas cabeças, sobre como devem ser as falas, os momentos em que os protagonistas virão à cena e como os vilões serão derrotados.

Cena de Matrix

Não existe, porém, uma única confirmação oficial de que isso de fato ocorrerá. O estúdio responsável pela produção do longa-metragem, assim como os atores, nega tais informações e, mesmo assim, todos seguem difundindo por aí aquilo que será “o maior filme de heróis de todos os tempos”. Pode ser que este crossover ocorra e que as informações sejam verdadeiras. Mas o fato é que já existe um roteiro moldado na mente das pessoas e, caso o filme (o verdadeiro) não cumpra com tais expectativas, ele será sumariamente execrado. Muitos dirão uma frase que vem se tornando cada vez mais célebre em relação ao universo da ficção: “este filme era muito melhor na minha cabeça”.

Isso já aconteceu em Game of Thrones e tem potencial para se repetir em Matrix – Resurrections. O irônico é que diferente do que ocorre no primeiro filme das irmãs Wachowski, escolhemos a pílula azul[1], pois não aceitamos o simples fato de que a realidade seja um deserto. O que funciona em nossas cabeças, nas simulações das realidades possíveis, das “mentiras verdadeiras”, passou a ser a medida de valor sobre como a vida deve ser. O exercício de se usar um romance para despertar nosso descontentamento diante da realidade tornou-se hábito corriqueiro para qualquer usuário de redes.

Não à toa, passamos a dizer que os roteiristas do Brasil ou de 2021, ou da próxima eleição se superam a cada dia. De fato, temos acreditado que a vida segue o fluxo de uma narrativa tal qual aquelas escritas por alguém. Assim, olhamos para a realidade esperando a mesma coerência de uma série da Netflix. Nesses tempos, atualizando Mark Twain, “a diferença entre verdade e a ficção é que a verdade parece ter perdido relevância”.


[1] As irmãs Wachowski (Lilly e Lana) dirigiram a trilogia de filmes Matrix. No primeiro dos três filmes da franquia, o personagem principal, Neo, descobre que a humanidade vive em um mundo de simulação criado por máquinas. Diante da descoberta, é oferecido a ele duas opções: tomar uma pílula vermelha e conhecer a realidade ou tomar uma pílula azul e seguir vivendo a simulação.

Fonte: Blog Horizontes Democráticos
https://horizontesdemocraticos.com.br/realidade-ou-mundo-virtual-faca-sua-escolha/


Luiz Carlos Azedo: Efeitos da bolha chinesa para o Brasil

Uma crise chinesa agora seria muito ruim para o Brasil. Em primeiro lugar, aumentaria a cautela dos investidores — no nosso caso, agravada pela crise fiscal

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

O discurso do presidente Jair Bolsonaro, na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), confirmou o que aqui já se sabia, embora tenha assombrado o mundo: nosso governante vive num país imaginário, que governa para uma bolha de eleitores que acreditam na sua ficção. O país real, porém, foi tangenciado quando Bolsonaro falou do agronegócio e de infraestrutura, os dois setores do seu governo que, numa análise fria e não-maniqueísta, vão bem, obrigado. Uma segunda bolha no horizonte, porém, pode formar uma tempestade perfeita: a crise de liquidez da Evergrande, uma das principais imobiliárias chinesas e a incorporadora mais endividada do mundo. Uma crise na economia da China é tudo o que o Brasil não precisa neste momento, pelo poder desarticulador que teria tanto nas nossas exportações de commodities agrícolas e de minérios quanto nos investimentos em infraestrutura.

A empresa é segunda maior do mercado chinês. Fundada em 1996, opera projetos de construção em 280 cidades, além de atuar no mercado de veículos elétricos, na mídia e no entretenimento. Tem até um clube de futebol profissional: o Guangzhou Evergrande, no qual jogam os brasileiros Alan Carvalho, Aloísio, Elkeson, Fernando e Ricardo Goulart. Sediada em Shenzhen, a Evergrande tem dívidas no valor de mais de US$ 300 bilhões (cerca de R$ 1,61 trilhão), equivalentes a 2% do PIB chinês. Credores exigem o pagamento até amanhã de US$ 84 milhões (R$ 450 milhões) de seus títulos offshore, e outros US$ 47,5 milhões de dólares (cerca de R$ 255 milhões) na próxima semana.

Na segunda-feira, houve certo pânico no mercado, embora fosse feriado na China. O preço das ações da empresa caiu 10% na Bolsa de Hong Kong. O índice Hang Seng Imobiliário caiu 7%, chegando aos piores patamares desde 2016. As perdas foram replicadas nos mercados europeu e norte-americano. A Bolsa brasileira fechou a segunda-feira em queda de 2,33% após operar o dia inteiro em baixa, mas, ontem, se acalmou. No fundo, há uma grande interrogação em relação à economia chinesa, que deve crescer menos do que a Índia neste ano — 6,7% e 5,7%, respectivamente.

A dívida total da China é mais de 300% de seu Produto Interno Bruto. O presidente Xi Jinping desde 2017 tenta controlar a dívida do país. A China caminha para um novo modelo de crescimento baseado em serviços, consumo e no setor privado, menos dependente do Estado, mas ainda está longe disso. A interrogação sobre a Evergrande decorre de que o Banco Central chinês vem numa linha de restrição de créditos. Em contrapartida, a economia chinesa é muito robusta, o governo tem grande poder de intervenção na economia e, no ano passado, investidores estrangeiros injetaram mais de US$ 150 bilhões no mercado financeiro chinês.

Infraestrutura
A China é o principal parceiro comercial do Brasil. Isso tem um impacto enorme na nossa estrutura produtiva, cuja infraestrutura foi montada para o Atlântico e precisa ser redirecionada para o Pacífico. Além de serem grandes consumidores de nossos minérios e produtos agrícolas, os chineses têm todo interesse em investir no Brasil, inclusive na infraestrutura. O programa de US$ 100 bilhões em novos investimentos e os US$ 23 bilhões em outorgas, na área de infraestrutura, com a privatização de 34 aeroportos e 29 terminais portuários, além de investimentos privados da ordem de US$ 15 bilhões em ferrovias, destacados por Bolsonaro na ONU, estão alavancados pela balança comercial com a China.

Uma crise chinesa agora seria muito ruim para o Brasil. Em primeiro lugar, aumentaria a cautela dos investidores de um modo geral — no nosso caso, agravada pela crise fiscal, que provoca elevação de juros e alta do dólar. Hoje, na reunião do Copom, segundo o mercado, os juros devem subir mais 1 ponto percentual. No Congresso, a agenda que está sendo implementada pelo Centrão não tem nenhum compromisso com o equilíbrio fiscal e com a segurança jurídica. Cálculos de especialistas estimam uma explosão no deficit público, que pode chegar a R$ 1,5 trilhão em 10 anos. Reforma do Imposto de Renda, PEC dos precatórios, vale-gás, Refis, desoneração da folha, subsídio ao diesel, fundo social de privatizações compõem a pauta bomba.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-a-bolha-chinesa

Cristovam Buarque: O rumo para o país está na escola

História de outros países mostra que a educação não ficou boa porque eles ficaram ricos, mas que ficaram ricos porque a educação era boa

Cristovam Buarque / Correio Braziliense

Em coluna no Correio Brasiliense, Luiz Carlos Azedo, além da honra de colocar-me ao lado de Paulo Freire, Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira, me provocou com o título “Onde perdemos o rumo”, na véspera do bicentenário da Independência: estancados na economia, com pobreza e violência nas ruas e democracia fragilizada.

Nascemos sob o rumo insustentável da economia baseada no trabalho escravo para produção agrícola e mineradora, voltada para exportação. Atravessamos assim 350 dos 500 anos da história, e até hoje temos a economia semi-primária e semi-escravocrata. Fomos governados por populismo ou ditadura, com sistemático desrespeito ao equilíbrio fiscal, insensibilidade às necessidades sociais e urbanas, permanente concentração de renda, depredação ambiental. Tentamos rumo baseado em fazendas, minas, lojas, indústrias, estradas, hidrelétricas, uma nova capital, nunca em escolas.

Perdemos o rumo quando o quase Imperador gritou “Independência ou Morte” em vez de “Independência e Escola”; ou por esperarmos 350 anos para erradicar o escravismo e a Princesa assinar a Lei Áurea com o único artigo abolindo a escravidão, sem estes outros: “a terra pertence a quem nela produz” e “fica estabelecido um sistema nacional de educação para todos”. A bandeira republicana adotou o lema escrito “Ordem e Progresso”, em vez de “Educação é Progresso”, e até hoje não abolimos o analfabetismo: 12 milhões de adultos não reconhecem a própria bandeira.

Perdemos o rumo ao demorarmos 420 anos para criar nossa primeira universidade; ao implantarmos industrialização ineficiente, que tirou recursos da infraestrutura social e provocou inflação para cobrir custos do protecionismo; ao adotarmos o desenvolvimento sem sustentabilidade monetária, ecológica, fiscal, urbana, cultural ou política; e por até hoje não montarmos um Estado eficiente, democrático e republicano. Mas a causa principal do nosso descaminho tem sido o desprezo endêmico à educação em geral e a aceitação da desigualdade, conforme a renda e o endereço do aluno.

Chegamos ao terceiro centenário da independência, na Era do Conhecimento, sem uma população que leia e escreva bem português, fale outros idiomas, saiba matemática e ciências, conheça os problemas do mundo, use modernas ferramentas digitais e domine um ofício profissional. Perdemos o rumo ao imaginar que a boa educação é consequência do crescimento e da democracia, em vez de entendermos que crescimento sustentável e democracia sólida são consequências da educação.

A história de outros países mostra que a educação não ficou boa porque eles ficaram ricos, mas que ficaram ricos porque a educação era boa. Foi assim na Europa Ocidental e na América do Norte, desde o século XIX; na Irlanda, Coréia do Sul e Finlândia, desde meados do século XX. Foi a educação de qualidade que lhes deu base para elevar a renda social e distribuí-la com justiça, ainda que também graças à abertura comercial, finanças públicas equilibradas e instituições democráticas sólidas, capazes de liberar o talento das pessoas educadas. Cada vez mais a educação será o vetor do progresso econômico, a plataforma da distribuição de renda e da justiça social, a argamassa do regime democrático e o enlace para a sustentabilidade. Sem levar isso em conta, não encontraremos o rumo para o futuro que desejamos e para o qual temos potencial.

A educação é tão importante que, por falta dela, ainda não conseguimos perceber sua importância; agimos como pessoa perdida que não sabe para que serve o mapa que tem em mãos. Os traficantes usavam força para não deixar os escravos saltarem ao mar, porque os viam como mercadoria de valor, mas nós não damos condições para nossas crianças permanecerem em escola com qualidade até o fim do ensino médio, porque não as vemos como principal instrumento da criação de riqueza para o país.

Por isso, não aceitamos que o rumo está em escola de máxima qualidade para todos: não acreditamos que o Brasil pode ter uma educação das melhores do mundo, nem que seja possível no Brasil a educação ter a mesma qualidade para todos, independentemente da renda e do endereço da criança.

Temos recursos para implantar um Sistema Único de Educação de Base com qualidade. Não podemos adiar este rumo. É possível financeira e tecnicamente, também politicamente se entendermos que educação é o vetor do progresso, e moralmente, se percebermos a indecência e estupidez de não garantir que a qualidade seja a mesma para todos.

*Professor Emérito da UnB e membro da Comissão Internacional da Unesco para o Futuro da Educação

Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/opiniao/2021/09/4950612-cristovam-buarque-o-rumo-esta-na-escola.html


Luiz Carlos Azedo: Naufrágio em dique seco

O projeto de construção do submarino nuclear brasileiro, uma parceria com a França, nunca agradou aos Estados Unidos e ao Reino Unido

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

Jair Bolsonaro participou, ontem, de reunião bilateral com o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, em Nova York, onde estão para participar da 76a Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), hoje. Em vídeo divulgado nas redes sociais do presidente da República, o premier afirma que havia prometido visitar o Brasil, mas a pandemia da covid-19 impediu a viagem. O tema da covid-19 dominou o encontro.

Entretanto, quem quiser que se engane, o pano de fundo das relações estratégicas entre o Reino Unido e o Brasil são a forte presença comercial chinesa no continente, o controle do Atlântico Sul, área de influência dos ingleses, e o acordo militar com a França para construção do submarino nuclear brasileiro. Além disso, o Brasil apoia as pretensões da Argentina no sentido de recuperar a soberania sobre as Ilhas Malvinas (Falkland Islands), arquipélago localizado na plataforma continental da Patagônia, porém um território ultramarino britânico.

De abril a junho de 1982, a Argentina tentou recuperar o controle do território, mas levou uma surra da Marinha inglesa, com apoio logístico dos Estados Unidos e constrangida neutralidade brasileira. A derrota na Guerra das Malvinas colocou em xeque a doutrina de segurança nacional dos países da América do Sul, inclusive o Brasil, pois supunha-se que o aliado principal contra qualquer outra potência de fora do subcontinente eram os EUA. O conceito de “Amazônia Azul” e a decisão de construir um submarino nuclear em parceria com a França, para aumentar o nosso poder de dissuasão em águas territoriais, têm tudo a ver com o petróleo da camada pré-sal e a Guerra das Malvinas.

Na semana passada, Reino Unido e EUA protagonizaram um novo acordo militar com a Austrália, ou seja, no Pacífico e no Índico, no qual se comprometeram a fornecer submarinos nucleares àquele país da Oceania. Parlamentarista, a Austrália faz parte dos Reinos da Comunidade de Nações (Commonwealth realms), cuja chefe de Estado é a Rainha Isabel II (Elizabeth II). O acordo detonou o contrato de US$ 65 bilhões da Austrália com a França para compra de 12 submarinos franceses com propulsão convencional.

Após o anúncio do acordo militar entre Austrália, EUA e Reino Unido, a China também reagiu e considerou a aliança uma ameaça “extremamente irresponsável” à estabilidade regional. Pequim reivindica soberania sobre parte do Mar da China Meridional, muito rico em recursos naturais e importante rota comercial. Por isso, rejeita as pretensões territoriais de outros países da região, como Vietnã, Malásia ou Filipinas.

Submarino brasileiro
Acontece que o projeto de construção do submarino nuclear brasileiro, uma parceria com a França, nunca agradou aos EUA e ao Reino Unido. Os franceses forneceram tecnologia para construção do casco do submarino, um grande desafio. O reator nuclear, porém, foi todo desenvolvido pela Marinha brasileira (usará combustível com apenas 6% de urânio, contra um mínimo de 15% dos franceses e 90% dos norte-americanos).

O Almirantado “economiza arroz” para viabilizar o Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub) e o Programa Nuclear da Marinha (PNM), mas o projeto está naufragando em dique seco, com cortes de 31% e 49%, respectivamente, no seu orçamento. Para garantir a continuidade mínima do projeto, a Marinha precisa recuperar R$ 267,5 milhões que seriam destinados ao Prosub, mas foram vetados por Bolsonaro.

O Brasil possui quatro submarinos da classe Tupi (Tupi, Tamoio, Timbira, Tapajó), um da série Tikuna e o Riachuelo, da classe Sporpene, o primeiro do Prosub. O Humaitá, em fase de testes, é o segundo. Terceiro e quarto, respectivamente, o Tonelero estava programado para ser lançado em dezembro deste ano, enquanto o Angostura, em dezembro de 2022. O valor total dos quatro submarinos convencionais é de 100 milhões de euros, o equivalente a R$ 630 milhões em câmbio atual. Somados, é mesmo valor do submarino movido por energia nuclear, cujo nome será Álvaro Alberto, o almirante que liderou o programa nuclear brasileiro. O cobertor, porém, é curto. A esquadra está sucateada e precisa de novas fragatas e navios-patrulha também em construção.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-naufragio-em-dique-seco

Luiz Sérgio Henriques: Do Terceiro Reich até nós

Não estamos em 1930 e os embriões de Hitler e Mussolini não passam disto: embriões

Luiz Sérgio Henriques / O Estado de S.Paulo

Há versos ou poemas inteiros que grudam na memória e, mudos, passam a nos desafiar para sempre, retornando em particular nos momentos agudos de crise. Entre tais lembranças, difícil deixar de incluir Inquisitorial, de um jovem e talentoso José Carlos Capinan de meados dos anos 1960, ainda no rescaldo da guerra e do vasto sentimento antifascista que ela havia desencadeado.

“O poeta não mente, dificulta” – dizia Capinan –, e a dificuldade que propunha retirava-nos qualquer conforto possível: uma coisa é zombar, levados pelo gênio de Chaplin, do ridículo do Terceiro Reich, mas, de fato, o que faríamos se vivêssemos naquele tempo e tivéssemos de encarar em primeira pessoa o que só depois se revelaria absurdo?

Lição de arte e de vida, sem dúvida. A lição, porém, não implica comparações imediatas, como seria o caso se aplicássemos automaticamente o rótulo infame – fascismo ou nazismo – aos modernos ou pós-modernos movimentos de corrosão da democracia liberal ou, mais apropriadamente, da democracia tout court. Mais adequado é observar o modo como tais movimentos contemporâneos, repropondo em novas bases a figura do homem providencial, buscam arregimentar o povo, ou a “sua” parte do povo, indispondo-a contra as instituições republicanas que garantem as liberdades individuais e os direitos humanos.

Por óbvio, aqui nos valemos da engenhosa fórmula, criada por Yascha Mounk, para descrever a ação dos novos homens fortes. Da Rússia de Putin à Venezuela de Chávez e Maduro, países e estruturas políticas variam e personalidades podem não ser decalques umas das outras, ainda que haja entre elas imitadores baratos. Contudo, há algo de inquietantemente regular nos procedimentos que, hoje, buscam dissociar democracia e liberalismo e instaurar o cerco populista aos mais variados “Capitólios”, inclusive o nosso.

Deixando de lado os fatores “estruturais” da grande transformação, que põem de ponta-cabeça as relações entre economia e sociedade, nação e mundo, as respostas regressivas apoiam-se sempre em pesados elementos ideológicos, no sentido mais negativo do termo.

Há quem tenha detectado, como os autores de um relatório da controvertida Rand Corporation (Paul & Matthews, The Russian ‘Firehouse of Falsehood’ Propaganda Model, de 2016), a matriz putiniana do emprego maciço e coordenado de meias-verdades e mentiras consumadas, criando uma realidade paralela a partir da qual milhões de pessoas interpretam a realidade, fazem escolhas e se orientam, ou desorientam, na vida real. Não há ideologia inocente e não deixa de ser curioso que, aceita a hipótese da origem putiniana, haverá algum resquício de tipo “soviético” nas técnicas manipulatórias que se disseminaram, com o Brexit e a eleição de Trump, nos países ocidentais mais emblemáticos.

O “jato de mentiras” que jorra da boca dos autocratas não é um simples meio de “desviar a atenção” de questões incômodas para o governante ou fazer com que a sociedade se distraia de outros assuntos mais cruciais. Tal efeito não está de modo algum excluído, muito ao contrário, mas nos interessa sublinhar que este tipo de violação da linguagem é que permite a imposição de estratégias para a extração do consenso ao menos passivo de expressivos contingentes da sociedade.

Um consenso ativo pressuporia, por parte das camadas dirigentes, recursos hegemônicos capazes de dinamizar a vida cívica, enriquecer as formas da política e incorporar forças e ideias divergentes e até antagônicas num contexto de liberdade e pluralismo. Mais democracia, portanto, e não menos. À falta de tais recursos, a direita populista e iliberal dos nossos dias, ao contrário do que queria o poeta, mente e dificulta, corrói as instituições e faz adoecer as palavras. Congênita a ela é a busca obsessiva e paranoica do inimigo geopolítico e dos seus agentes internos a serem aniquilados, numa imóvel guerra fria que se limita a substituir espantalhos: antes, a Rússia de 1917, agora a China de 1949.

A liberdade que a direita autocrática apregoa é internamente contraditória. Ela é, acima de tudo, a liberdade do indivíduo autarquicamente concebido, desembaraçado de vínculos e obrigações, e armado até os dentes para defender o que discricionariamente entende ser seus “direitos”. A contradição interna fica patente quando se observa que, para fazer valer a liberdade sem laços e os direitos sem contrapartida, torna-se necessária a implantação de um Estado baseado, primariamente, na força e, secundariamente, na fabricação artificial do consenso. Em resumo, na mentira, na distorção e na enfermidade de palavras e sentidos.

Elites políticas, de direita, centro ou esquerda, dirigentes econômicos e cidadãos comuns, como qualquer um de nós, quase podemos “tocar” na história que se desenrola à nossa frente, com seus fatos e personagens precários e bizarros. É verdade, não estamos em 1930 e os embriões de Hitler e Mussolini não passam disto: embriões. O Inquisitorial, no entanto, continua a incomodar e a tirar o fôlego: “Tu, ante o presente, / Como te defines ao que será passado?”.

*TRADUTOR E ENSAÍSTA, É UM DOS ORGANIZADORES DAS OBRAS DE GRAMSCI NO BRASIL

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,do-terceiro-reich-ate-nos,70003842196


Paulo Fábio Dantas Neto: Agruras da razão diante da política como ela é

Declaração do presidente do Senado transmite sensação de segurança institucional, pelo cargo que ocupa

Paulo Fábio Dantas Neto / Democracia e Novo Reformismo

“[..} Os mineiros, como políticos, têm o seu perfil.  É o perfil de moderação, ponderação, busca de consensos, conciliação, mas que não confundam esse perfil de mineiro de se fazer política com inércia ou tolerância em relação àquilo que não transigimos. Porque quem objetivar mitigar o estado de direito ou estabelecer retrocessos à democracia terá o pulso firme e forte da política de Minas Gerais para resistir” (declarações de Rodrigo Pacheco, em evento promovido pela UFMG, publicadas em matéria da jornalista Luciana Amaral, UOL em 17.09.21)

A declaração do presidente do Senado transmite sensação de segurança institucional, pelo cargo que ocupa. Além disso, ao recorrer ao simbolismo da “mineiridade” política, reforça de modo importante, como faz desde que chegou ao cargo, o coro de vozes que pregam a pacificação do país. Trata de pacificação como algo bem distinto da mera conciliação com Bolsonaro, pois a disposição conciliadora compartilhada pelo senador mineiro, em seu conservadorismo republicano genuíno, significa, por definição, uma não-conciliação com o golpismo do presidente. Ambas as dimensões do posicionamento (a institucional e a política) agradam a este comentarista, mas não é disso que trata a coluna de hoje.

O intuito é analisar a declaração sob o ângulo de seu aparente sentido de posicionar o presidente do Senado na discussão pré-eleitoral que transcorre, contra o relógio, dentro do campo político que integra. As assim chamadas direita e centro-direita precisarão, nos próximos meses, definir-se por um caminho eleitoral próprio ou por contribuir a uma agregação mais ampla, que englobe o centro do espectro ideológico, podendo chegar à soleira da porta da assim chamada centro-esquerda. A premissa de que parto para considerar apenas essas duas possibilidades é o desvanecimento prático da opção de renovar, pela aposta na reeleição de Bolsonaro, o pacto regressista vencedor em 2018.

Sob esse enquadramento, a declaração parece mais um toque de reunir do que um chega para lá. Acena à reconfiguração republicana do governismo, mais do que ao nascimento de uma oposição conservadora ao governo. Do seu posto de observação privilegiado, Pacheco constata todos os dias que o fantasma da orfandade ronda a nuvem política que se agarrou no mito em 2018 e percebe seu esfarelamento a um ano das próximas eleições. Mas que mensagem será capaz de reunir proativamente essas forças hoje perdidas no varejo e dispersas no atacado? A da firme resistência institucional é, sem dúvida, um bom e nobre começo, capaz de reparar, na prática, o malfeito anterior.

O pulso forte do republicanismo mineiro-nacional, no entanto, além de espantar o perigo que ronda a nação e sua democracia, construirá o que? Sua agenda positiva será a das chamadas "ilhas de racionalidade" do atual governismo, quase invisíveis a olho nu enquanto Bolsonaro estiver sentado na sela em que transformou a cadeira presidencial? Que acenos concretos uma centro-direita racional, como a que Pacheco ensaia encarnar, pode fazer aos quase náufragos da aventura populista, para tomarem o barco governista das mãos nada limpas e ainda por cima ineptas do capitão e dos tripulantes mais chegados, ou para o abandonarem à deriva e tomarem assento em outra embarcação?

A racionalidade dos cálculos eleitorais nem sempre está ao alcance de uma razão esclarecida. O pulso forte que essa razão comanda, se não achar um discurso econômico que o conecte ao mundo social, pode se ver neutralizado pela eficácia prática de uma mão boba trafegando em sentido oposto, mão calçada com luvas de uma confortável dianteira em pesquisas eleitorais. Vistosas luvas, que tentam náufragos ávidos por sombra e afagos.

Mas não apenas no arraial governista a razão esclarecida cambaleia. Se nele ela tenta se aprumar a partir de um discurso de resistência conservadora das instituições, no arraial oposto, da oposição de esquerda, sua missão não é menos complexa que a de Pacheco. Dinos, Freixos, Tábatas, no PSB e fora dele, tentam fazer segunda voz num coro em torno de um mito que, ao contrário do da direita, parece ir muito bem, obrigado. Sequer podem insinuar, no momento, uma concertação crítica. Precisam divisar, no maciço ideológico e pragmático que ata PT e esquerda ao lulismo, ilhas de racionalidade com as quais possam, ao menos, dialogar para moderar o apetite populista da caravana que segue o virtual campeão de votos, ignorando o ladrar de teimosos perseguidores de uma terceira via.

Uma entrevista de um personagem bem menos visível, o economista Guilherme Melo, do Instituto de Economia da Unicamp e da Fundação Perseu Abramo (“O PT quer o fim do teto de gastos. E uma nova regra fiscal no lugar”) concedida aos jornalistas Daniel Rittner e Fabio Graner e publicada pelo jornal Valor Econômico, em 13.09.21, permite uma interessante comparação, dentro do mesmo ângulo de análise do debate pré-eleitoral.

Apesar de minhas evidentes e confessas limitações cognitivas na área da economia, percebi, no discurso de Melo, uma atitude moderadora. Temas especialmente controversos, como expansão do gasto público, reforma tributária, metas de inflação e independência do BC são enfrentados na entrevista sob enquadramento político que lembra, talvez, a disposição, ou sentido de missão pragmática, da “Carta aos brasileiros” de 2002. Sem uso de dogmas ideológicos da primeira infância do partido, do maniqueísmo dos tempos da sua oposição intransigente aos governos de FHC, de certezas arrogantes no exercício do poder, ou de chavões populistas costumeiros do petismo da década passada.

Naturalmente há muitas afirmações vagas, opções ainda não bem delineadas num discurso substantivo, mas é perceptível uma retórica "nem, nem" (nem liberalismo econômico, nem nova matriz Rousseff/Mercadante), com a ressalva, de Melo, de que ele não fala por Lula. Com tudo isso, a entrevista mostra que uma certa terceira via é pensada em ilhas de racionalidade acadêmica petistas, onde se procura fazer economia e política conversarem sob a batuta de uma razão soberana que considera, aqui e ali, a experiência de uma década de interdição dessa conversa no Brasil.  A sinalização é de uma inflexão racional ao centro.

Na arena plebiscitária, no entanto, que alimenta e se alimenta de pesquisas de imagem, de potencial e de intenção de voto, a substância e o tom de Lula até aqui não dão espaço a nem, nem algum, seja os de uma virtual terceira via, seja os que sussurram na sua cozinha.  É populismo explícito em política e quase nacional-desenvolvimentismo em economia. A evocação simbólica à persona de Luiza Trajano (nem estimulada, nem rejeitada pela própria) tem indisfarçável sabor de revival, tanto na intenção de dissipar receios empresariais (compartilhada, também, com a da Carta aos brasileiros), quanto na afinidade que a "apresentação" apologética da empresária, feita pelo político pop, líder das pesquisas, guarda com aquela retórica dos campeões nacionais do tempo da nova matriz.

Por enquanto, são pequenas as chances de proposições como a do economista Melo darem o tom da campanha petista, pois, ao que tudo indica, o candidato, agora, não será um Haddad. Isso não significa recusa do centro por Lula, mas precisamente sua busca, através de outra racionalidade, que a razão soberana desconhece. Algo que de modo sintético pode ser representado pela ideia estratégica de usar uma polarização sem nuances para se eleger e depois a conciliação para governar. Seria passar da oposição aguerrida a governo moderado, sem a mediação de uma campanha cujo conceito seja Lulinha paz e amor.

A comparação das agruras da razão esclarecida nos dois arraiais deixa evidente um contraste entre o terreno politicamente resolvido da esquerda e a cacofonia que ainda impera na direita. A primeira está em campo, a segunda no divã. Explica-se, portanto, que na esquerda já se esboce, inclusive, um discurso econômico para conversar com a política, ainda que limitado pelo poder de veto discricionário de Lula. Já nas áreas politicamente próximas ao atual desastre governamental o discurso econômico ainda repete slogans doutrinários como biombos de pragmatismos espúrios. Paulo Guedes é um pântano do qual potentados privados indigentes em ética pública não conseguem se desprender.  Sintoma de que a direita stricto sensu não tem até aqui o que dizer numa conversa entre economia e política. Há realistas, mas na falta de um rei, não entabulam um plano real.

A indeterminação reinante nas cercanias do palácio e a insuficiência de uma razão conservadora endógena para superar essa indeterminação fazem-me pedir licença aos inúmeros fatalistas de plantão, que anunciam diariamente o aborto de uma terceira via, para dizer que o centro democrático poderá ter um papel decisivo nessa eleição. Só ele pode produzir o programa que a direita e a centro-direita juntas não têm. Falta-lhe até aqui um nome próprio que trafegue de modo fluente no território onde há razões que a própria razão desconhece. Essa não é lacuna pouca e desconhecê-la é bobagem. Ainda resta um tempo para seguir tentando que esse nome emerja de lugares sociais onde impera a lógica plebiscitária da necessidade. É tempo cada vez mais pouco e o sucesso dessa hipótese é improvável, para dizer o mínimo.  Porém, a não ocupação do vácuo é limitação da virtù política, artigo raro hoje em dia. Ela não desmente a existência do vácuo, que expressa a ausência de tradução política da presença sociológica do centro político. Pesquisa após pesquisa, esse centro persiste na foto e desafia os ululadores do óbvio.

Se os partidos do centro democrático não tiverem, de fato, razões suas para produzirem, institucionalmente, no parco tempo que lhes resta, a agregação política que não surgiu de um movimento bem-sucedido de alguém junto ao eleitorado, será porque eles também, a exemplo das arenas plebiscitárias onde o eleitorado se entoca, são lugares de onde emanam razões que a própria razão desconhece.  Nesse caso, a ideia de terceira via será espólio disputado pela esquerda lulista, plena no discurso, que buscará subsumi-la em seu abraço hegemônico e por uma direita que precisa dela para encontrar algum discurso.

Com o tempo veremos o que o pulso forte a que alude Rodrigo Pacheco tem a ver com isso. Duas prospecções são possíveis com os inerentes riscos de engano. Primeiro que a razão esclarecida é condição necessária, mas não suficiente para que o aludido pulso firme e forte produza efeitos não apenas defensivos. O desencarceramento de ideias depende em muito de um saber prático. Segundo que o entendimento da centro-direita com o centro parece questão de tempo, mas aí há duas incertezas relevantes, uma sobre as bases desse entendimento (quem entraria com que no consórcio) outra sobre a sua tempestividade. O desejo das partes diretamente envolvidas é contarem com um tempo elástico. O da esquerda é encurtá-lo ao máximo. O de Bolsonaro, ser intempestivo para cessar qualquer entendimento e poder se desentender até consigo. A mineiros cabe vigiar o capitão, sem deixar de tocar o barco.

*Cientista político e professor da UFBa

Fonte: Democracia e Novo Reformismo
https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/09/paulo-fabio-dantas-neto-as-agruras-da.html


Míriam Leitão: O risco real é o de banalizar o crime

Se o impeachment não for o propósito neste momento estarão sendo revogados o artigo 85 da Constituição, a Lei 1079

Míriam Leitão / O Globo

Discordo radicalmente da afirmação de que iniciar um processo para o afastamento do Presidente Bolsonaro seria banalização do impeachment. O verdadeiro risco que o país corre é o de banalizar o crime. A começar pelo crime de responsabilidade. O presidente os comete em série. Se o impeachment não for o propósito neste momento estarão sendo revogados o artigo 85 da Constituição, a Lei 1079, artigos do código penal e todo o arcabouço institucional e civilizatório em torno do qual o Brasil refez o seu pacto social após a ditadura militar.

O presidente Bolsonaro tem provocado retrocessos em todas as áreas, ameaçado direitos e avanços. Não houve uma semana de paz em todo este governo. Um tempo em que ele não tivesse infringido alguma lei, algum inciso, algum dos nossos mais caros valores. Está claro, a esta altura, que um dos defeitos a corrigir nas leis brasileiras é o direito absolutista dado ao presidente da Câmara. Os crimes se acumulam, e os pedidos de impeachment são ignorados. A mesa do presidente da Câmara receberá em breve um novo pedido apoiado em relatório da devastadora Comissão Parlamentar de Inquérito. E o deputado Arthur Lira (PP-AL) poderá continuar ignorando, porque nada há no ordenamento legal brasileiro que modere esse poder. Está claro também que o país subestimou o risco que pode representar um procurador-geral da República alinhado com o governo e em busca da ambição de uma cadeira no STF. Apesar de tudo o que ele não fez, foi amplamente aprovado para mais um mandato.

A professora Maria Hermínia Tavares de Almeida, da USP, explicou numa palestra no Brazil Lab, de Princeton, que o Brasil vive um paradoxo: o sistema é democrático, mas o presidente é autoritário. Ele não controla as instituições, mas a estratégia é de sistemática confrontação. A definição do momento é perfeita, o país tem resistido aos ataques autoritários, mas há um dilema diante de nós. Nessa confrontação ele tem cometido crimes. Se esse paradoxo não for enfrentado da maneira correta, punindo-se o infrator, a democracia vai sair debilitada deste período infeliz.

Não tem lógica o argumento de que não pode ser usado esse remédio constitucional porque ele já foi utilizado recentemente. Por mais traumático que seja o impeachment, não tentá-lo neste momento seria o mesmo que abdicar do dever de proteger a democracia brasileira com os instrumentos legais existentes. Os partidos que defendem a democracia, estejam de que lado estiverem na dispersão ideológica natural de um sistema plural, precisam defender incansavelmente o impeachment do presidente Bolsonaro. Porque nunca antes dele um presidente cometeu tantos crimes de responsabilidade. Bolsonaro cometeu crimes contra a vida humana na calamitosa gestão da pandemia.

Houve quem dissesse que a CPI não deveria ser instalada porque o país vive uma pandemia, era preciso unir o país no combate à crise sanitária, para depois verificar quem cometeu erros. Os trabalhos da Comissão mostram como estava equivocada a turma do deixa-disso. A CPI não apenas tem revelado fatos desconhecidos do país, como estancou transações criminosas armadas dentro do Ministério da Saúde. O país é informado do que não sabia, mesmo quando os depoentes repetem que se reservam o direito ao silêncio. A CPI trabalha tão bem que as intervenções dos senadores revelam mais do que os depoimentos. Eles mostram documentos e provas em cada pergunta que fazem. E sem dúvida a CPI fez o governo acelerar o processo de aquisição de vacinas que nos permite ter a esperança de sair deste pesadelo.

O presidente da Câmara, Arthur Lira, acha que iniciar um processo de impedimento agora só conseguiria transformar o Brasil num país governado por um pato manco. O ex-presidente Rodrigo Maia temia iniciar um processo que poderia ter o efeito contrário do esperado, ele ser absolvido e se fortalecer. Há muitos grupos políticos fazendo cálculos do que poderá ganhar ou perder num eventual afastamento do presidente. Não conseguem ver que há algo mais valioso em perigo. Se um presidente como Bolsonaro sair impune, mesmo diante de tudo o que ele fez, faz e continuará fazendo, o país estará correndo o risco de se fixar esse patamar de degradação da função da Presidência da República.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/o-risco-real-e-o-de-banalizar-o-crime.html


Luiz Carlos Azedo: O refúgio de Bolsonaro

O Palácio do Planalto faz mistério sobre o roteiro político do presidente da República na ONU, mas o próprio nos deu uma dica: “Podem ter certeza, lá teremos verdades

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

A tradição é o Brasil ser o primeiro país a se manifestar na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), desde 1955, logo após os discursos de abertura do presidente da Assembleia e do secretário-geral da Organização. Nos últimos 65 anos, essa ordem somente não foi seguida três vezes. “Certos costumes surgiram durante o debate geral, incluindo o costume da ordem dos primeiros oradores”, explica a própria ONU. Nossos presidentes da República gostam de comparecer à abertura dos trabalhos do mais importante organismo de cooperação e governança global. Trata-se de uma vitrine para o mundo, um momento de reconhecimento e demonstração de prestígio internacional para o nosso país.

Entretanto, Bolsonaro está no pior momento de seu governo para a opinião pública nacional e internacional. Decidiu comparecer à abertura da Assembleia Geral, na terça-feira, para dizer algumas “verdades” sobre o país. Viaja, neste domingo, acompanhado pela primeira-dama, Michelle, e chegará “causando” porque, até hoje, não se vacinou contra a covid-19. Durante a semana, isso criou a maior celeuma, porque a Prefeitura de Nova York, cidade onde está localizada a sede da ONU, restringe a circulação de pessoas não vacinadas.

A própria ONU exige o atestado de vacina para participar da Assembleia Geral. Porém, diante do impasse, decidiu flexibilizar o protocolo e aceitar a presença de chefes de Estado que não tomaram a vacina, desde que apresentem um atestado de que estão saudáveis, ou seja, não sejam portadores do vírus da covid-19. É o tipo de atitude que queima o nosso filme já no desembarque. Nova York é uma cidade multiétnica e cosmopolita, na qual os brasileiros não passam batido: são 300 mil residentes na metrópole.

O projeto final do belíssimo prédio da sede da ONU, selecionado por uma equipe de arquitetos de diversos países, liderada por Wallace Harrison, é de autoria de Oscar Niemeyer com a colaboração de Le Corbusier. Construída entre 1949 e 1952, fica no setor leste de Manhattan, às margens do Rio East, em terrenos comprados por Nelson Rockefeller por US$ 8,5 milhões e doados por seu herdeiro à administração local. Era um antigo matadouro. A comissão selecionou o projeto de Niemeyer por sua leveza, ao definir prédios distintos para os diferentes órgãos das Nações Unidas em vez de um só edifício, como propôs Le Corbusier.

O Secretariado foi erguido às margens do Rio East, tendo a Assembleia Geral logo à direita, criando uma ampla praça cívica na frente. A sede da ONU é uma verdadeira galeria de arte, com obras de grandes artistas, entre os quais Cândido Portinari. Os monumentais painéis de Guerra e Paz estão expostos no salão dos delegados. Encomendados pela United Nations Association of the United States of America, como um presente às Nações Unidas, foram projetados em Nova York. Portinari, porém, teve problemas com o visto (era acusado de ser comunista), por causa da Guerra Fria, voltou para o Brasil e pintou os painéis no Rio de Janeiro.

Refúgio

Bolsonaro poderá circular pelo prédio da ONU, mas não poderá frequentar a área interna de nenhum restaurante da cidade. Não chega a ser um problema. O presidente da República gosta de ambientes populares e pode até criar um factoide na vida mundana dos brasileiros em Nova York. Na zona central da cidade, o Little Brazil, rua entre a 5a e a 6a Avenidas, tem bons restaurantes brasileiros, entre os quais os famosos Via Brazil, Ipanema e Emporium. Todos têm leite condensado, caipirinha, feijoada e picanha, além de mesas nas calçadas. Dependendo do dia da semana, rola um pagode no Samba Kitchen & Bar. Fora do quadrado, o Miss Favela, no Brooklyn, a US$ 45 por cabeça o menu completo, tem música ao vivo e clima de boteco.

Deixemos a gastronomia de lado. O Palácio do Planalto faz mistério sobre o roteiro político de Bolsonaro na ONU, mas o próprio nos deu uma dica, na semana passada: “Podem ter certeza, lá teremos verdades, realidade do que é o nosso Brasil e do que nós representamos verdadeiramente para o mundo”, disse. Na última sexta-feira, nosso presidente não participou do Fórum das Grandes Economias sobre Energia e Clima, evento online promovido pelo presidente Joe Biden como preparação da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP 26, marcada para ocorrer entre os dias 1 e 12 de novembro. Os presidentes da Argentina, Alberto Fernández, e do México, Andrés Manuel Lopez Obrador, participaram.

Bolsonaro deve voltar ao Brasil logo após a abertura da Assembleia Geral. Não tem reunião agendada com nenhum outro chefe de Estado. Pelo rumo da prosa, como a maioria dos governantes de países emergentes e periféricos quando estão enfraquecidos, apelará para o discurso nacionalista, um refúgio bem conhecido na diplomacia. É uma forma de mascarar seu negacionismo em relação à pandemia da covid-19, à grave crise hídrica e ao desmatamento na Amazônia, além de dificuldades econômicas e a atual instabilidade política que criou.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-refugio-de-bolsonaro

Luiz Carlos Azedo: Muito barulho por nada

A reprovação ao governo Bolsonaro oscilou dois pontos para baixo em relação ao levantamento de julho: 53% consideram o governo ruim ou péssimo”

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

Graças às redes sociais, a participação da sociedade na política se ampliou muito, com certas características da forma como as pessoas se articulam na internet, ou seja, as chamadas de “tribos” — quando se agrupam por interesses permanentes — ou “bolhas”, no caso das correntes de opinião política encapsuladas em grupos de pressão. Tanto as mudanças econômicas, financeiras e tecnológicas aceleradas pela globalização, como a revolução nos costumes, por exemplo, são fatores de maior diversidade social e pluralismo político.

A expressão “maioria silenciosa” se refere às pessoas politicamente acomodadas que, de um modo geral, têm posições conservadoras, mas não manifestam opinião publicamente. Esse conceito surgiu nos Estados Unidos, como muitos outros, durante o governo de Richard Nixon, quando, em 1969, ele pediu à população americana mais apoio ao envio de tropas para lutar no Vietnã. Havia, com razão, muita resistência à intervenção norte-americana no Sudeste Asiático, mas Nixon conseguiu o apoio da maioria da sociedade. Desde então, conquistar o apoio dessa parcela da sociedade passou a ser uma das principais preocupações dos políticos.

A eleição de Donald Trump foi um momento de mudança na relação dos políticos com essa “maioria silenciosa”, que deixou de sofrer a influência predominante dos grandes meios de comunicação para ser pautada por minorias ativas nas redes sociais, em parte formada por setores que, até então, não tinham como se expressar nos movimentos civis e sociais. Tais grupos são muito barulhentos e conseguem pautar as políticas públicas, e até os meios de comunicação. Esse fenômeno voltou a ocorrer, com sinal trocado, na campanha que levou o democrata Joe Biden à vitória.

Um marco dessa mudança foi o movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), que hoje tem caráter internacional, mas surgiu na comunidade negra dos EUA, que luta contra a violência racista. Emergiu em 2013, com o uso da hashtag #BlackLivesMatter em redes sociais, após a absolvição de George Zimmerman, que atirou fatalmente no adolescente negro Trayvon Martin. O movimento ficou conhecido por suas manifestações de rua após a morte, em 2014, de dois afroamericanos. Em maio de 2020, o movimento ganhou repercussão mundial com a morte de George Floyd, durante uma ação policial em Minneapolis. Milhares de pessoas foram às ruas protestar a favor da vida das pessoas negras no mundo todo. Foi então que Trump começou a perder as eleições.

Pesquisa

Como estamos na esfera de influência do chamado americanismo, esse fenômeno também ocorre no Brasil, obviamente com características próprias, entre as quais o peso da questão ética no posicionamento da sociedade em relação à política. Em grande parte, a vitória do presidente Jair Bolsonaro, em 2018, foi uma deriva da eleição de Trump e da forte rejeição provocada pela Operação Lava-Jato à política tradicional e ao envolvimento dos grandes partidos em escândalos de corrupção. Agora, as pesquisas estão mostrando um movimento em sentido inverso, em decorrência do desempenho do governo Bolsonaro em diversas áreas: crise sanitária, alta inflacionária, crise hídrica, ameaças à democracia etc.

A pesquisa DataFolha divulgada ontem é uma comprovação disso. A reprovação ao governo Bolsonaro oscilou dois pontos percentuais em relação ao levantamento feito em julho: 53% consideram o governo ruim ou péssimo, o pior índice do mandato — na última pesquisa, eram 51%. O percentual dos que consideram o governo bom ou ótimo caiu de 24% para 22%, enquanto a parcela que o considera reguar manteve-se em 24%. A pesquisa ouviu 3.667 pessoas com mais de 16 anos, dos dias 13 a 15 de setembro, em 190 municípios brasileiros. A margem de erro é de dois pontos para mais ou para menos.

O mais importante é que o levantamento foi feito após as manifestações do 7 de Setembro, convocadas por Bolsonaro, que foram muito maiores do que as de oposição moderada, realizadas no dia 12 passado. A alta de preços da gasolina, do gás e dos alimentos, e a existência de 14,4 milhões de desempregados pesaram na balança da pesquisa, inclusive na classe média e entre os evangélicos, onde o presidente da República perdeu muito apoio. Em resumo, a chamada “maioria silenciosa” mudou de lado.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-muito-barulho-por-nada

CPI ouve Marconny Faria, apontado como lobista da Precisa Medicamentos

A CPI da Pandemia se reúne para ouvir o depoimento do advogado Marconny Nunes Ribeiro Albernaz de Faria, apontado como lobista da Precisa Medicamentos. Ele terá de explicar a troca de mensagens no aplicativo WhatsApp e arquivos de mídia vinculados aos diálogos, fruto da Operação Hospedeiro. A justiça atendeu o pedido, feito pela comissão, de mandado de condução coercitiva, se Marconny não comparecer, nem justificar “a ausência ao ato de inquirição designado”.

Assista:



Fonte: Agência Senado
https://www12.senado.leg.br/noticias/ao-vivo/cpi-da-pandemia


'Presidente já esperava', diz Mourão sobre devolução da MP do Marco Civil

Presidente do Senado oficializou devolução da medida que limitava a possibilidade de remoção de conteúdo nas redes sociais

Ingrid Soares / Correio Braziliense

O vice- presidente Hamilton Mourão (PRTB) afirmou nesta quarta-feira (15/9) que o presidente Jair Bolsonaro já esperava que a Medida Provisória que alterava o Marco Civil da Internet fosse devolvida. "Presidente já esperava isso aí. Então, sem problemas”, alegou a jornalistas na chegada ao Palácio do Planalto.

"Pelo que eu avaliei, não vi o presidente tão empenhado nisso aí. Não sei quais foram os movimentos que foram feitos, quais foram as mensagens trocadas. Não posso esclarecer isso aí pra vocês, tá?", completou.

Na noite de terça-feira (14), o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), oficializou a devolução da medida que limitava a possibilidade de remoção de conteúdo nas redes sociais. A decisão foi comunicada ao Palácio do Planalto e lida por Pacheco no plenário do Senado.

Na decisão, Pacheco afirmou que a MP gera insegurança jurídica e configura um "abalo" ao desempenho das funções do Congresso. O presidente do Senado citou a tramitação de um projeto de lei sobre o tema aprovado no Senado e aguardando votação na Câmara. O senador também citou que a MP de Bolsonaro impacta diretamente no processo eleitoral.

Ainda ontem, durante cerimônia no Palácio do Planalto, Bolsonaro defendeu a MP e afirmou que "fake news faz parte da nossa vida". Ele ainda comparou a prática de disparo de notícias enganosas a 'mentir para a namorada'. Ao contrário do fenômeno de alto compartilhamento de notícias falsas, presidente alegou que "hoje em dia, fake news morre por si só. Não vai para a frente".

Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/09/4949607-presidente-ja-esperava-diz-mourao-sobre-devolucao-da-mp-do-marco-civil.html


Elena Landau: ‘Queremos achar convergência política diante do descalabro’

Ex-diretora do BNDES defende alternativa à polarização e diz que empresários ‘caíram no conto’ de Paulo Guedes

Pedro Venceslau, O Estado de S.Paulo

Uma das integrantes da linha de frente do grupo 'Derrubando Muros', a economista e colunista do Estadão Elena Landau comandou nesta terça-feira, 14, um seminário sobre reforma do Estado do qual também participaram ou participarão outros expoentes de sua geração da PUC-Rio: Armínio Fraga, Pérsio Arida André Lara Resende (o evento continua nesta quarta-feira). Autointitulado uma "iniciativa cívica", o movimento tem 92 integrantes, entre empresários, banqueiros, políticos, economistas e intelectuais de várias áreas. O objetivo é buscar pontos de convergência e criar pontes em torno de um objetivo comum: combater o presidente Jair Bolsonaro.        

Elena Landau ganhou notoriedade nos anos 1990, por colaborar com o Programa Nacional de Desestatização. Em 1994, durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, ela se tornou diretora do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) Ali permaneceu até 1996. Também passou pelo conselho administrativo da Eletrobrás.Nessa entrevista ao Estadão, a economista fala sobre os pontos que podem unir a terceira via. Ela critica duramente o ministro da Economia, Paulo Guedes, que considera “sem noção de realidade”.

Quais propostas econômicas unem a terceira via que vai de Ciro Gomes a João Amoêdo?

O Estado que a gente pensa é progressista, liberal, inclusivo e sustentável. Isso é fácil de a gente discutir. O grande problema é chegarmos a uma convergência sobre os meios de chegar lá. Esse é o desafio do seminário: um mínimo de convergência, não só na economia, mas na política também. A minha visão de Estado vai ser diferente da do Ciro, evidentemente. Um é mais intervencionista, eu sou mais liberal. Temos que achar algum tom de convergência. A ideia (de criar o grupo 'Derrubando Muros') é mais política e institucional diante desse descalabro que estamos vivendo. 

É possível encontrar pontos de convergência na economia com o PT e estar ao lado do partido se o adversário for Borsonaro no segundo turno?

É muito cedo para pensar nesse tipo de coisa. O Derrubando Muros é uma tentativa de construir uma terceira via. Não vou antecipar o segundo turno neste momento. A gente está trabalhando, quando chegar a hora vamos decidir o voto.    

Como avalia a estratégia de privatizações do governo Bolsonaro? Até onde devem ir as privatizações? 

Este governo não está fazendo privatização nenhuma por enquanto. Ele conseguiu autorização do Congresso Nacional para a privatização da Eletrobrás, que saiu muito ruim, e tem outro projeto para os Correios. A minha visão é que se deve privatizar tudo aquilo que o setor privado pode assumir, incluindo os Correios. Sou radicalmente a favor das privatizações, mas o que deve ser um pressuposto de todos no grupo é a responsabilidade fiscal. Prometer responsabilidade fiscal é o mesmo que prometer ser honesto: isso é pressuposto. Sem ele não há responsabilidade social. Não dá para dissociar uma coisa da outra. 

Qual deve ser o papel do Estado na recuperação e no crescimento da economia?

O Estado deve permitir que o setor privado floresça. Tem que dar segurança jurídica, uma boa regulação, fiscalização e respeitar os contratos. Uma coisa importante para ser discutida no grupo são evidências em políticas públicas. Sair do desejo e ver o que deu certo e o que deu errado no Brasil. Todas as políticas de grande intervenção geraram inflação e desemprego.  Temos que ver também o que deu errado: intervenção em juros e no câmbio não dá certo. O Brasil melhorou com o tripé econômico, a flutuação do câmbio e o Banco Central independente. Essas coisas devem ser defendidas, pois passaram por vários governos, independente da ideologia. Imagine se o Banco Central não fosse independente nesse momento?

Vários empresários, banqueiros e pessoas do mercado financeiro estiveram na Avenida Paulista no domingo na manifestação contra Bolsonaro. A ficha caiu?

Não faço parte do mercado financeiro, mas alguns apoiaram Bolsonaro no passado porque eram anti-PT ou caíram no conto do Paulo Guedes. Não é só a questão econômica que importa. Há uma crise institucional muito grave. A defesa das instituições democráticas é a pauta mais importante do Brasil. Isso está unindo os empresários de consciência. Sem democracia não tem mercado nem economia. 

Qual a sua avaliação sobre o desempenho do Paulo Guedes?

É a mesma avaliação de sempre, de 30 anos atrás, 2018 e hoje. Ele é uma pessoa completamente inábil e sem nenhuma noção da realidade. É um economista de palestra. Nada do que está acontecendo me surpreendeu.  

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,queremos-achar-convergencia-politica-diante-do-descalabro-diz-landau-sobre-terceira-via,70003840305