Política Bolsonaro

João Dória | Foto: Shutterstock/Vitor Vasconcellos

Nas entrelinhas: Doria desiste, mas PSDB continua dividido

Luiz Carlos Azedo / Nas entrelinhas / Correio Braziliense

O ex-governador de São Paulo João Doria jogou a toalha e desistiu da candidatura à Presidência da República, após ser comunicado pela cúpula da legenda que seria candidato de si mesmo. Doria perdeu o apoio do grupo liderado pelo governador Rodrigo Garcia, que o sucedeu, e pelo presidente do PSDB, Bruno Araújo, aliados aos presidentes do Cidadania, Roberto Freire, e do MDB, Baleia Rossi. Se depender dos presidentes dos três partidos, a candidata da chamada terceira via será a senadora Simone Tebet (MS), do MDB.

Doria foi vítima dele mesmo. Rompeu com seu padrinho político, Geraldo Alckmin, que hoje é o vice na chapa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A aliança de segundo turno que havia feito com o presidente Jair Bolsonaro, em 2018, rompeu-se no começo da pandemia da covid-19, por causa da política de distanciamento social adotada pelo governo paulista para restringir a propagação da doença. Quando o Instituto Butantan, pioneiramente, começou a produzir a vacina chinesa CoronaVac, Doria se tornou o principal adversário de Bolsonaro, cujo negacionismo combateu em entrevistas diárias pela tevê.

A superexposição na mídia, porém, alavancou sua rejeição nas pesquisas de opinião, embora viesse fazendo um bom governo, dos pontos de vista administrativo e financeiro. Doria nunca teve uma trégua das lideranças petistas de seu estado, muito fortes nas áreas da saúde e da educação, e também sofreu oposição sistemática dos bolsonaristas de São Paulo, principalmente nas áreas do agronegócio e da segurança pública. Lançou-se candidato à Presidência em situação muito desvantajosa do ponto de vista de imagem.

Seu maior erro talvez tenha sido levar o vice-governador Rodrigo Garcia do DEM para o PSDB, o que aprofundou seu isolamento interno, afastando lideranças históricas, como Alckmin, que já estava com um pé fora da legenda, e os ex-senadores Aloysio Nunes Ferreira e José Aníbal. A mudança também provocou o afastamento de sua candidatura do antigo DEM, que viria a se fundir com o PSL e formar o União Brasil. Além disso, Doria terceirizou as articulações políticas com deputados federais, estaduais e prefeitos, deixando-as a cargo de Garcia.

Ungido seu sucessor natural, Rodrigo Garcia passou a operar com os deputados Carlos Sampaio (SP), Rodrigo Maia (RJ), Bruno Araújo e Baleia Rossi para tornar irreversível a saída de Doria do Palácio dos Bandeirantes. As prévias do PSDB, do ponto de vista prático, serviram apenas para isso. Quando Doria ameaçou não disputar a Presidência e permanecer no governo paulista, Garcia e Araujo assinaram um termo de compromisso garantindo que apoiavam sua candidatura ao Planalto. Doria caiu na armadilha: renunciou ao mandato de governador e acabou defenestrado.

Candidatura própria

Doria também nunca teve grande apoio fora de São Paulo. A desistência dele, porém, não unifica o PSDB. Os líderes históricos da legenda desejam lançar uma candidatura própria. Os nomes cogitados são os do ex-governador gaúcho Eduardo Leite, que perdeu as prévias para Doria e retirou sua candidatura, mas está desincompatibilizado para concorrer à Presidência; e o senador Tasso Jereissati (CE), um dos fundadores do partido. O deputado Aécio Neves (MG) e o ex-governador de Goiás Marconi Perillo defendem essa alternativa.

Entretanto, a reunião da Executiva que se realizaria hoje foi suspensa por Bruno Araújo. O grupo paulista não quer uma candidatura própria, para assim poder abrir o palanque de Garcia em São Paulo, numa tentativa desesperada de viabilizar a reeleição do atual gestor. Pesquisa divulgada ontem pelo Real Big Data revela que o candidato petista Fernando Haddad lidera a disputa com 29%, seguido de Tarcísio de Freitas (PR) e Márcio Franca (PSB), com 15%. Rodrigo Garcia tem 7%. Nos cenários sem Haddad ou França, Garcia permanece atrás de Tarcísio, o candidato de Bolsonaro.

A lógica das articulações da bancada paulista para remover a candidatura de Doria foi a da alça de caixão difícil de carregar. Com a desistência, a situação se alterou completamente, porque Garcia não tem mais nenhuma desculpa para explicar sua desvantagem nas pesquisas eleitorais e precisa recuperar a expectativa de poder que perde a cada dia. Ou seja, provar que a rejeição de Doria era seu principal obstáculo. Tem a seu favor o grupo econômico que apoiava seu antecessor e teve um papel decisivo no convencimento de que o tucano deveria desistir de disputar a Presidência. Entretanto, Tarcísio de Freitas também transita entre os empresários paulistas.

Viabilizar o palanque de Simone Tebet em São Paulo é uma prioridade na terceira via, mas tanto Baleia Rossi quanto o prefeito Ricardo Nunes (MDB), que administra a capital paulista, sabem que essa não é uma prioridade do atual governador. A candidata do MDB tem apoiou político de Garcia para impedir uma candidatura própria do PSDB, porém não tem nenhuma garantia de apoio eleitoral no estado com maior eleitorado do país.

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Simone Tebet precisa seduzir caciques do MDB | Foto: reprodução/Correio Braziliense

Nas entrelinhas: Simone Tebet precisa seduzir caciques do MDB

Luiz Carlos Azedo / Nas entrelinhas / Correio Braziliense

Os presidentes do PSDB, Bruno Araujo, e do Cidadania, Roberto Freire, em encontro com o presidente do MDB, Baleia Rossi, decidiram descartar a pré-candidatura do ex-governador João Doria e indicar à cúpula dos respectivos partidos o nome da senadora Simone Tebet (MDB-MS) como a candidata de consenso para unificar a chamada terceira via. O critério adotado foi uma pesquisa para avaliar qual dos nomes teria mais potencial eleitoral: deu Simone, por causa da rejeição de Doria. Agora, seu nome depende da aprovação dos demais dirigentes das três legendas, inclusive do MDB.

A 90 dias do prazo inicial de realização das convenções eleitorais, há um longo caminho a ser percorrido. Tebet terá que superar as contradições internas das legendas, num contexto eleitoral polarizado entre o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Há mais dois competidores à frente dela: o ex-governador Ciro Gomes, candidato do PDT, que se mantém em terceiro lugar nas pesquisas, e o deputado André Janones (MG), do Avante, que aparece sempre com 2% nas pesquisas. Ambos, porém, não são levados em conta pelos líderes da terceira via.

Roberto Freire convocou a Executiva nacional da legenda para examinar a proposta, na próxima terça. Não deve haver resistência, porque a ideia de uma candidatura unificada de centro está em sintonia com a tradição política da legenda e Doria é considerado carta fora do baralho pela bancada federal. A maioria do partido era simpática à candidatura de Eduardo Leite, que perdeu as prévias.

O constrangimento para apoiar a senadora do Mato Grosso do Sul era o fato de o PSDB ter um candidato, pois os dois partidos estão federados. Com o ex-governador fora do jogo, a resistência é residual e representada pelo ex-governador Cristóvam Buarque (DF), que defende o apoio a Lula já no primeiro turno.

Líderes locais

O PSDB continua mergulhado numa profunda crise. Bruno Araujo e o governador de São Paulo, Rodrigo Garcia, defendem o apoio a Tebet. Ambos são os principais responsáveis pela desestabilização da candidatura de Doria. Garcia tem o apoio de toda a bancada tucana e uma aliança estratégica com o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB). O problema é que outras lideranças, como o deputado Aécio Neves (MG), defendem que a legenda tenha um nome próprio.

Os cogitados são Eduardo Leite, que, agora, articula a volta ao governo gaúcho, e o senador Tasso Jereissati (CE), um dos fundadores do PSDB. Leite não quer voltar à arena da disputa presidencial. Tasso é um aliado de primeira hora de Tebet e somente aceitaria se houvesse uma ampla articulação em torno de sua candidatura. Sua indicação seria um golpe de morte nas pretensões de Ciro Gomes, seu afilhado político no Ceará.

Resta o MDB. Baleia Rosi controla 20 das 27 seções regionais do partido. Entretanto, isso não significa apoio dos demais caciques da legenda.

O ex-presidente Michel Temer, na moita, se preserva para a eventualidade de se tornar um tertius. Sonha com a candidatura à Presidência, mas, hoje apoiaria Tebet. Dos três governadores da legenda, dois estão com Lula: Helder Barbalho (Pará) e Paulo Dantas (Alagoas), recém-eleito pela Assembleia Legislativa local. Um é aliado de Bolsonaro — Ibaneis Rocha (DF).

O grupo formado pelo ex-presidente José Sarney e os senadores Eduardo Braga (AM), Jader Barbalho (PA), Renan Calheiros (AL) e Jarbas Vasconcelos (PE) apoia Lula, como outros caciques regionais hoje sem mandato, como Romero Jucá (RO) e Eunício de Oliveira. Os senadores Fernando Bezerra e Confúcio Moura (RO) vão de Bolsonaro, juntamente com os deputados gaúchos Osmar Terra e Alceu Moreira.

Ao contrário do PSDB, porém, o MDB é uma federação de caciques regionais, com uma ala governista e outra de oposição que convivem muito bem na divergência. O grupo que apoia Lula não tem força para impor à legenda essa orientação, nem a ala governista já engajada na reeleição de Bolsonaro.

É aí que a candidatura de Tebet ganha viabilidade para unificar a terceira via. Se vai se tornar realmente competitiva é outra história. O MDB tem tradição de cristianizar seus candidatos.

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Bolsonaro e Moraes chegaram a se cumprimentar durante evento | Imagem: reprodução/Brasil de Fato

Nova ofensiva de Bolsonaro contra Moraes amplia abismo entre Poderes

Alex Mirkhan, Brasil de Fato*

queixa-crime apresentada por Jair Bolsonaro contra o ministro Alexandre de Moraes, nesta segunda-feira (16), deflagrou uma nova crise na sua já conturbada relação com o Superior Tribunal Federal (STF). Embora a alegação de abuso de autoridade tenha sido rechaçada apenas dois dias depois, o clima continua tenso entre os dois poderes da República, trazendo ainda mais preocupação com os rumos das eleições majoritárias deste ano.

Nesta quinta-feira (19), o presidente manteve o tom beligerante ao reclamar de “interferências indevidas” do STF durante um evento no Rio de Janeiro. Para a oposição e juristas ouvidos pelo Brasil de Fato, o ataque faz parte da estratégia de Bolsonaro para desestabilizar as instituições democráticas, criar uma “cortina de fumaça” sobre problemas mais graves para o país e uma batalha de versões sobre o sistema eleitoral.

Frente ao rolo compressor bolsonarista, que reverberou a ofensiva contra Moraes, principalmente, membros da principal Corte do país saíram em defesa do colega. Como já era esperado, nesta quarta-feira (17), o ministro Dias Toffoli, sorteado para apreciar a denúncia feita pelo presidente, rejeitou as cinco justificativas apresentadas por Bolsonaro. 

“Não há nenhum fato concreto que permita ao Bolsonaro dizer que o Alexandre de Moraes está agindo com abuso de autoridade. O que ele quer, na verdade, é afastar o Alexandre de Moraes de todos os seus processos; alegar depois que há uma inimizade pessoal do ministro contra ele, o que o tornaria suspeito para julgar qualquer processo”, afirma Felippe Mendonça, advogado especialista em Direito Constitucional.

A reação de Bolsonaro, então, foi levar os argumentos de sua tese contra Moraes para seus discursos e também replicar o mesmo processo na PGR, órgão que também foi acionado nesta quarta pela ministra do STF Rosa Weber. Na contramão do presidente, a juíza encaminhou um novo pedido de investigação de condutas do presidente feita pelo deputado federal Israel Batista (PSB-DF).

Batista cobra a apuração de falas de Bolsonaro contra as urnas e o sistema eleitoral feitas durante o evento "Ato Cívico pela Liberdade de Expressão", realizado em abril no Palácio do Planalto. Na oportunidade, o discurso presidencial contou com sugestão para as Forças Armadas realizarem uma “apuração paralela” das eleições e a acusação de que os votos totais são contabilizados pelos ministros do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) dentro de “uma sala secreta”.

“Nós estamos acompanhando todas as falas do presidente, estamos anotando as falas do presidente, e adicionando à notícia-crime”, disse Batista com exclusividade ao Brasil de Fato. “O presidente já passou há muito tempo dos limites constitucionais. Ele anuncia que não pretende reconhecer o resultado da eleição. E isso por si só já precisa ser julgado, tratado com toda urgência.”

Unificação de processos no STF encurrala Bolsonaro e militares

Após conceder indulto ao deputado Daniel Silveira, em meados de abril, afrontando condenação decidida pelo próprio Moraes, a nova empreitada de Bolsonaro foi motivada pela unificação de dois inquéritos que o atingem frontalmente: um que apura a ação de milícias digitais, e outro que trata de notícias falsas sobre o sistema eleitoral, divulgadas pelo presidente durante uma live em 29 de julho de 2021.

A decisão de Moraes atende a um pedido da PGR, que alegou a necessidade de agrupar os dois inquéritos antes de tomar uma decisão sobre se procede, ou não, com a abertura do processo. A fundamentação também se baseia em informações obtidas durante investigação da Polícia Federal sobre o uso de instituições públicas para buscar informações e efetuar ataques contra as urnas e adversários políticos. 

“É importante lembrar que o STF não age por conta própria, e sim a partir de estímulos. Por isso, a conduta do Moraes está totalmente em conformidade à lei”, ressalta Mendonça. O jurista também considera acertada a estratégia jurídica de somar os dois processos para tentar aumentar seu alcance e impacto. “Como são casos que se conectam, de fato é melhor que seja apurado tudo junto, analisado em conjunto, não separadamente”.

Já o advogado Cláudio Vilela, especialista em direito eleitoral, desaprova a unificação dos inquéritos. “Pela minha experiência, é possível que se perca o foco, que o enquadramento legal acabe ficando mais frágil. Acredito que você só pode unificar quando existe uma conexão absoluta, o que não vejo nesse caso, que além de tudo é complexo e envolve as mais altas autoridades do país”, defende. 

Evidências apontam para crimes continuados praticados por “milícias digitais”

Para juristas, são vastas as provas colhidas sobre os casos, que também colocam na mira da PF outras autoridades do mais alto escalão do governo, como os generais Luiz Eduardo Ramos (Secretaria-Geral da Presidência da República) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional).

Outros nomes que passam a ser ameaçados são os de Alexandre Ramagem, ex-diretor-geral da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), do atual ministro da Justiça, Anderson Torres, e do coronel do Exército Eduardo Gomes da Silva, que também participa na live.

“A grande tarefa do inquérito que analisa essa questão é realmente mostrar o vínculo entre esses elementos e de dar nomes aos bois. De fato compreender, no caso das milícias, de onde parte essa estrutura, a mando de quem, com qual estratégia. No âmbito das fake news, de que forma isso é disseminado, se é de forma estratégica”, pontua Vilela.

A participação da Polícia Federal foi fundamental para expandir o alcance do processo de relatoria de Alexandre de Moraes. Em relatório assinado pela delegada Denisse Ribeiro, são apontados ganhos não apenas político-ideológicos, mas também monetários. 

“Quanto mais polêmica e afrontosa às instituições for a mensagem, (...) maior o impacto no número de visualizações e doações, reverberando na quantidade de canais e no alcance do maior número de pessoas", diz o relatório.

Para políticos da oposição, Bolsonaro quer melar as eleições

O embate entre os poderes Executivo e Judiciário atende à estratégia governista de “criar fantasmas” para desviar de problemas que certamente trariam prejuízos na campanha de Bolsonaro à reeleição. É o que pensa parte da oposição que se manifestou sobre o assunto nas redes sociais.
 
O senador Fabiano Contarato (PT-ES) considera a ação por abuso de autoridade contra Moraes uma denuncia caluniosa, passível de punição. Ele também acredita que a desconfiança com as urnas é nutrida por paixões e pelo sequestro do debate racional. 

“É sintomático que o principal eixo da campanha de Bolsonaro seja questionar os resultados: é como se passasse recibo antecipado da ruína de seu Governo, que será devidamente julgado e condenado pelas urnas em outubro”, afirma.

Já o deputado federal Bira do Pindaré (PSB-MA) enxerga os ataques ao STF como uma nova “cortina de fumaça”. “Enquanto o povo brasileiro enfrenta o desemprego, a fome e a miséria, o presidente da República insiste em criar um clima de beligerância, de ataque às instituições, para animar a sua claque e desviar dos verdadeiros problemas”, ataca.

*Texto publicado originalmente no Brasil de Fato (Título editado)


Nas entrelinhas: Traído por Garcia, situação de Doria é insustentável

Luiz Carlos Azedo / Nas entrelinhas / Correio Braziliense

Difundiu-se no Ocidente que a palavra Weiji significa crise e oportunidade em chinês, simultaneamente. Essa tradução é atribuída ao linguista norte-americano Benjamin Zimmer, num editorial de um jornal em língua inglesa para missionários na China, de 1938. Ganhou popularidade após um discurso antológico de John F. Kennedy, em Indianápolis, no dia 12 de abril de 1959. Desde então, integra o vocabulário otimista de políticos, consultores, economistas e executivos. A crise do PSDB seria, assim, uma oportunidade de refundação.

O sinólogo Victor H. Mair, da Universidade da Pensilvânia, porém, lembra que essa interpretação não é absoluta: enquanto wei significa “perigo, perigosos; causar perigo, ameaçar; risco; precário, precipitado; alto; medo, pavor, receio”, ji pode ter outros significados, como “ocasião apropriada, ponto crucial, momento incipiente, segredo, ardil”. Esse é o ponto em que se encontra a crise do PSDB, cuja cúpula resolveu descartar a candidatura do ex-governador João Doria, mas ainda não sabe como fazê-lo por acordo.

O presidente do PSDB, Bruno Araújo, não construiu uma saída negociada para Doria e percorreu um roteiro que esgarçou demais as relações dentro do partido, em razão de manobras, dissimulações e traições. A prévia realizada para escolher o candidato do PSDB, na qual o ex-governador paulista foi vencedor, revelou-se muito mais um ardil para afastá-lo do Palácio dos Bandeirantes do que um processo de escolha democrática, como fora concebido na origem.

Doria venceu as prévias com apoio dos que hoje o estão defenestrando da candidatura, depois de alijar da disputa o ex-governador gaúcho Eduardo Leite, que pleiteava a vaga de candidato a presidente da República.

Pela primeira vez em sua história, o PSDB não se apresenta como alternativa de poder, abdica de propor os rumos do país. Os bastidores da reunião de terça-feira da cúpula do PSDB, para a qual Doria não foi chamado, nem de longe se parecem com os encontros liderados por Franco Montoro, José Richa, Mário Covas, Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Euclides Scalco, Jaime Santana e outros fundadores da legenda.

Muitas vezes, eram almoços ou jantares frugais, nos quais a experiência política de alguns e as ideias iluministas de outros teciam uma praxis política inovadora para os padrões brasileiros, em busca de um projeto social-democrata que se plasmasse à realidade nacional. Esse PSDB não existe mais, está se acabando melancolicamente.

Naqueles encontros, os interesses do país, a lealdade e o compromisso entre seus líderes eram mais importantes do que as eventuais divergências sobre como levar adiante as ideias comuns. Hoje, o que está acontecendo não é a falta de consenso — é a falta de projeto mesmo. A transa política passou a ser o modus operandi do PSDB no Congresso.

Sua bancada mergulhou de cabeça no orçamento secreto do Centrão e está mais preocupada em aumentar a fatia no fundo eleitoral do que em construir uma alternativa de poder, que se contraponha ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ao presidente Jair Bolsonaro, que hoje polarizam as eleições.

Falta combinar

No domingo passado, Rodrigo Garcia sugeriu a Doria que desistisse da candidatura e lhe comunicou que faria campanha em São Paulo sem sua companhia. Foi um xeque-mate na candidatura. Uma conversa como essa seria inimaginável entre Mario Covas e Geraldo Alckmin ou José Serra e Alberto Goldman, por exemplo.

Garcia é uma invenção de Doria, que cometeu o grave erro de terceirizar a política como governador e cuidar apenas da gestão administrativa e financeira de São Paulo, uma das causas de sua rejeição e da falta de apoio político.

Quando Doria descobriu que estava sendo sabotado pelo vice e ameaçou concorrer à reeleição, permanecendo no Palácio dos Bandeirantes, era tarde demais. Levou um ultimato dos aliados de Garcia, que ameaçaram até destitui-lo do cargo com um impeachment. Nunca houve um precedente desta ordem na política paulista. Agora, não existe a menor possibilidade de Doria manter sua candidatura, sem apoio de Garcia, que ocupa o vértice do sistema de poder interno do PSDB pela força do cargo.

Bruno Araújo é um operador político do governador paulista. Ontem, na reunião com os presidentes do Cidadania, Roberto Freire, e do PMDB, Baleia Rossi, desligou os aparelhos e decretou a morte cerebral do Doria candidato. Antes, bloqueou os recursos da pré-campanha e decidiu cobrar os R$ 12 milhões do fundo partidário que já foram gastos pelo ex-governador paulista para se movimentar e estruturar a pré-campanha.

Garcia também comunicou aos aliados que está fora da campanha de Doria, cujo apoio, agora, se restringe aos empresários amigos e a poucos deputados leais. O consenso secreto a que chegaram os protagonistas da candidatura única, que será submetido às direções partidárias e foi anunciado ontem, é um segredo de polichinelo: a pesquisa quantitativa e qualitativa feita sob encomenda para demover Doria apontou a senadora Simone Tebet (MDB-MS) como a candidata mais competitiva de centro, por ter menos rejeição e ser menos conhecida. Só falta combinar com os eleitores.

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‘Gabinete do ódio está no coração do governo Bolsonaro’, diz Política Democrática

Em editorial, revista da FAP diz ser urgente disseminar informação sobre a cara do governo

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

“Precisamos de luz sobre o governo”, diz o editorial da nova edição da revista Política Democrática Online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), em Brasília. De acordo com o texto, a pandemia do coronavírus é questão crucial para o Brasil vem sendo tratada com “descaso esperado” pelo presidente Jair Bolsonaro e sua equipe. “O chamado gabinete do ódio está no coração do governo”, alerta outro trecho.

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No mundo todo, o coronavírus matou mais de 355 mil pessoas até esta quinta-feira (28) e, no Brasil, quase 26 mil. No país, há 418,6 mil casos confirmados e 190,8 mil pessoas conseguiram se recuperar. “Uma vez que o problema, para o governo, não é a doença, mas as medidas que o consenso da ciência indica para sua contenção, caminhamos celeremente para a quebra de todos os recordes negativos”, afirma o editorial.

Provavelmente, de acordo com a opinião da revista Política Democrática Online, o Brasil atingirá números mais elevados do mundo, tanto no que respeita a óbitos quanto a empregos destruídos. “Essa a verdadeira face do governo. A face alternativa é fugaz, fruto da pressão das circunstâncias e se dissipa na sua ausência”, destaca o texto.

De acordo com o editorial, é urgente disseminar a informação sobre a cara do governo e fazer chegar a todos os cidadãos o alerta sobre os riscos que lhes são impostos.

O texto também diz que, considerando o vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, “há identidade plena entre as barbaridades estampadas nos cartazes dos manifestantes, em circulação nos espaços mais tenebrosos das redes sociais, e o discurso do primeiro escalão do governo”, afirma.

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Maria Cristina Fernandes: Quem segura a explosão das favelas

Campanha bolsonarista contra quarentena ecoa em comunidades pobres até que a covid-19 atinja as avós, pilar de coesão social de famílias que têm, em suas filhas, o principal arrimo

Quando Júlio Ludemir começou a tossir, percebeu que, na verdade, se tornara parte de uma sinfonia. Assim como em outras favelas do país, na Babilônia, zona sul carioca, não é preciso encontrar o vizinho para descobrir que ele tosse. Produtor cultural de iniciativas como a Festa Literária das Periferias, Ludemir mora na Babilônia há sete anos. Já viu a favela mudar de cara muitas vezes.

Cenário de “Orfeu Negro” (1958) a “Tropa de Elite” (2008), a Babilônia já foi do PT de Benedita da Silva, do Comando Vermelho, da UPP, do Terceiro Comando, de Marcelo Crivella, dos turistas estrangeiros que se hospedam em seus “hostels”, da chuva que arrasou seus barracos, da falta d’água que perdura em tempos de pandemia e, finalmente, de Jair Bolsonaro, que arrebanhou a franca maioria de seus eleitores em 2018 e hoje é poupado pelas panelas de seus moradores. Ludemir só não viu ainda a favela se transformar pelo coronavírus.

Os mototáxis continuam pra cima e pra baixo deixando o comandante da Unidade de Polícia Pacificadora numa saia justa. A restrição privaria a comunidade de importante fonte de renda e de comunicação. Por outro lado, seu tráfego, sem capacete para o passageiro, incorreria em infração de trânsito. Por ora, permanecem em operação, com álcool gel no assento e no lado de fora do capacete, como fonte de contágio.

Assim como o mototaxista, o barraqueiro de praia, a manicure e o flanelinha de carro para alugar não têm outra fonte de renda que não seja aquela trazida por sua exposição diária na rua. Por isso, continuam a sair do barraco, ainda que a vida no asfalto, de onde muitos tiram seu sustento, esteja parada.

Julio Ludemir é o primeiro a assumir a irresponsabilidade de não ter feito o confinamento. Além da idade (60 anos), a doença já se espraiava na cidade. No primeiro dia dos sintomas, precisou usar o banheiro de uma birosca e, sem perceber que faltava água, acabou por quebrar a torneira. A dificuldade de manter a higiene necessária à prevenção não impede que as pessoas continuem nos bares, as crianças, nos becos, e muitos, no culto pentecostal à noite.
Ludemir já vê vizinhos se queixarem de pastores que, sem interromper os cultos, fazem deles vítimas de discriminação por parte de outros moradores. O chefe da Igreja Universal, Edir Macedo, chegou a gravar um vídeo em que diz que o debate sobre a doença “é mais uma tática de satanás, que trabalha com o medo, o pavor e a dúvida.”

O produtor cultural diz, no entanto, que a vida na favela só vai mudar quando as avós começarem a ser contaminadas. Se a mulher que trabalha por conta própria é o arrimo de famílias à margem do tráfico e do crime, é a avó que, encarregada dos netos e da gestão familiar, se transforma no pilar da vida nas comunidades. A sobrevivência delas vai moldar, em grande parte, a reação das favelas ao avanço da covid-19.

É a avó do andar de baixo a maior preocupação de Bárbara Nascimento, professora de escola pública de 42 anos. Moradora do Vidigal, favela que se espraia entre o Leblon e a Barra da Tijuca, na zona sul do Rio, Bárbara foi uma das primeiras moradoras a se envolver com a campanha de conscientização pela quarentena. A sua se transformou em casa de ferreiro com espeto de pau.

A despeito da militância de Bárbara, o marido, Marcelo, que trabalha como autônomo no conserto de eletrodomésticos, não parou. Continuou a trabalhar até o sábado, 14 de março, quando o Brasil já tinha centenas de casos mas nenhuma morte confirmada. Na segunda, começou a tossir.

Respondeu a questionários virtuais e constatou que estava com a doença. Apesar de hipertenso, Marcelo, aos 45 anos, preferiu não procurar um serviço de saúde. Como os dois cômodos da casa ficam em andares separados, Bárbara ficou no de cima, que tem acesso à laje onde o filho do casal, de oito anos, pode brincar, e Marcelo, no de baixo. Alternam-se para usar a cozinha.

No primeiro pavimento moram três mulheres. A avó que cuida da neta para a filha, que vive de bico, poder trabalhar. Tem cesta básica entregue pela associação dos moradores, mas está exposta porque a filha continua na rua. Na laje ao lado, várias famílias ainda se reúnem para fazer churrasco.

Se a Babilônia voltou às ordens da UPP, o Vidigal continua sob o Comando Vermelho. E lá, a boca de fumo não parou nem decretou toque de recolher. Blogs como o “Portal Favelas” convocam para a quarentena. É uma das tantas iniciativas comunitárias que receberam rasgado elogio do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Para quem não tem acesso à internet, porém, a única fonte de alerta é o carro de som do supermercado da região, que passa apenas nas vias principais e uma sirene da associação de moradores. Nem um nem o outro são ouvidos por quem mora na parte mais elevada do morro.

Lideranças da favela têm encomendado faixas e pedido para o carro rodar mais vezes, mas é tudo pago e o cobertor, curto. A solidariedade, cimento de coesão social na favela, tem limites.

“Ninguém tá fazendo nada por amor”, queixa-se Bárbara. Nos fóruns de que participa, a professora recomenda que as pessoas deixem de pagar contas de água, luz, telefone ou dívidas. E guardem o dinheiro para comer e comprar remédio. A começar por sua mãe, que mora em Guaratiba, na zona oeste, aos 67 anos, hipertensa e diabética, gasta metade de sua renda em remédios.

A dificuldade de amplificar a recomendação de quarentena na comunidade se reflete em crianças - e suas avós - que permanecem nas vielas e becos, cuja largura não ultrapassa dois metros, e homens que lotam os bares. Dos motoristas de ônibus, auxiliares de enfermagem, trabalhadores das companhias de eletricidade, água e limpeza que lá moram, Bárbara ouve que se eles saem de casa para trabalhar, podem também fazê-lo para se divertir.

Mesmo no Vidigal, favela que, ao contrário da Babilônia, não votou em Bolsonaro, a pregação do presidente pelo fim da quarentena ecoa. Lá, o panelaço, mais forte do que em muitos bairros de classe média, convive com entregadores como aquele que leva remédio para o marido de Bárbara. Seu comentário - “Todo mundo um dia vai morrer mesmo, então é melhor trabalhar” - foi um copia e cola da fala de Bolsonaro no domingo, 29, em que, pela enésima vez, passeou pela rua contrariando as autoridades sanitárias.

Em Sapopemba, bairro do extremo Leste de São Paulo, zona mais populosa da cidade, o discurso bolsonarista também ecoou. Nas favelas da região, monopolizadas pelo PCC, houve toque de recolher e suspensão dos bailes funk nos dois primeiros fins de semana da quarentena, mas a pressão presidencial contra a quarentena já surtiu efeito para levar mais movimento para a rua e incutir conflito na comunidade.

Em Carapicuíba, cidade-dormitório no oeste da Região Metropolitana de São Paulo, os conjuntos habitacionais construídos pelo programa Minha Casa Minha Vida estão sendo geridos com toque de recolher e regras como a de que apenas um integrante por família sai de casa para abastecê-la no supermercado. A maior parte dos conjuntos habitacionais para a população de baixa renda da cidade é gerida por empresas dominadas por ex-policiais militares.

Psicóloga de 48 anos, nascida e criada em Sapopemba, onde trabalha num centro de reabilitação do hospital do bairro, um dos maiores da capital, Cláudia Diroli prevê um atendimento congestionado em seu serviço na volta ao trabalho, a começar pelos próprios profissionais de saúde que estão na frente de batalha. Diz que a associação entre privação e medo vai afetar a saúde mental das pessoas e provocar toda sorte de transtornos pós-traumáticos.

À frente de uma campanha de mobilização para doações a entidades de moradores de rua e associações de moradores de Heliópolis, favela da zona sul de São Paulo, a socióloga Luna Zarattini arregimentou 450 voluntários e R$ 80 mil, além de doações de alimentos e produtos de limpeza, na primeira semana de atuação. Viu, no entanto, a demanda crescer muito mais que a oferta.

Apesar disso, ainda não se registra, a não ser na ação dos robôs bolsonaristas, um risco iminente de saques desenfreados nas comunidades mais pobres do país. À frente de uma equipe que analisa a origem e a propagação de mensagens em redes sociais, Manoel Fernandes foi despertado pela postagem de saques em duas cidades, Curupira, município de 24 mil habitantes, no interior de Pernambuco, e São Vicente, no litoral paulista. A notícia vinha acompanhada de fotos e vídeos de saques ocorridos num supermercado na Guatemala.

Não estivesse o país em meio a uma pandemia sob o comando de Jair Bolsonaro, a notícia teria se perdido. Não foi o que aconteceu. Em um único dia, a equipe de Fernandes identificou 6.667 tuítes sobre saques. A propagação desta notícia falsa foi associada ao caos a ser provocado pela quarentena da covid-19, com desabastecimento e violência.

As Forças Armadas chegaram a ser colocadas de prontidão para a eventualidade de caos generalizado no país provocado pelo crime organizado. O sinal de alerta foi dado pela rebelião, com fuga, em cinco presídios paulistas antes de o confinamento se espraiar pelo país. A associação entre o PCC e as fugas acabou não se comprovando. Tampouco a associação entre crime organizado e saques nas comunidades carentes. É na saúde das avós que o termômetro social hoje parece estar sintonizado. No início da semana, a Rocinha, na zona sul do Rio, registrou a primeira morte de um morador de favela. Maria Luiza do Nascimento, de 70 anos, morava com filha e neta na parte alta da comunidade.


Ricardo Noblat: Mourão começa a dar as cartas

Bolsonaro em seu labirinto

Que líder político de peso saiu em defesa do presidente Jair Bolsonaro depois do que ele disse e fez nas últimas 48 horas? Que economista capaz de ser ouvido com atenção pelo país? Que médico de referência? Que religioso reconhecidamente digno de sua condição? Ninguém saiu. Só os estúpidos de sempre. E a massa cada vez menor dos enganados por ingenuidade ou oportunismo.

O vazio das ruas país afora foi a manifestação mais contundente da divergência entre os brasileiros e o seu presidente. Ninguém achou prudente suspender o confinamento só porque Bolsonaro considerou-o desnecessário, um exagero, que prejudicará a economia. E porque outra vez chamou os governadores que baixaram a medida de “destruidores de empregos”.

Todos os governadores adotaram a medida. Nenhum ficou de fora. Os chefes de Estado de quase 60 países adotaram a medida. O modelo de quarentena varia de acordo com a gravidade da situação em cada um deles. Com o início da quarentena na Índia, há ao menos 2,8 bilhões de pessoas vivendo sob algum tipo de restrição. Isso significa um de cada três habitantes do planeta.

Em três meses, o coronavírus infectou mais de 420 mil pessoas e matou pouco mais de 20 mil. No Brasil, até ontem, havia 2.555 casos confirmados e 59 mortos. A pandemia só começará a perder sua força quando mais de 50% da população mundial tiver sido contaminada. Levará muito tempo. De resto, o vírus se espalhará em ondas. Essa é apenas a primeira onda.

Confinamento serve para impedir que o vírus se dissemine veloz, o que provocaria em todos os países alcançados por ele o colapso relâmpago do sistema médico de atendimento a vítimas. Colapso haverá como se vê na Espanha, com 3.434 mortos, e na Itália com 7.503. A Espanha ultrapassou a China em número de mortos. A França prorrogou o confinamento por mais três semanas.

Uma simulação feita pela BBC, corporação pública de rádio e televisão do Reino Unido e famosa por sua credibilidade, mostrou que, ao reduzir em 50% o seu contato social, uma pessoa infectada pelo coronavírus reduziria seu potencial de contágio de 406 pessoas em um mês para apenas 15 pessoas. Fácil de entender, não? Até Bolsonaro seria capaz de entender.

O problema dele é outro. Subestimou o vírus, como outros chefes de Estado o fizeram, inclusive o presidente Donald Trump que agora caiu na real. Ao invés de dar ouvidos aos médicos, deu a Paulo Guedes, ministro da Economia, que de saúde não saca nada, entende de números e é ruim de projeções. Quando se viu sem chão, Bolsonaro resolveu pôr a culpa nos outros.

O isolamento político não o preocupa. Nunca o preocupou. Como deputado durante 28 anos, viveu confinado na Câmara. Era da bancada dos irrelevantes. Acostumou-se com isso. Jamais imaginou que chegaria onde está. Passará à História como o presidente mais irrelevante do Brasil desde, pelo menos, os anos 30 do século passado. Mas quer um segundo mandato, ora vejam.

Contente-se com um. E torça para que possa completá-lo. Seu vice está aí para sucedê-lo antes da hora se for preciso. Vice existe para isso. E de 1985 para cá, três vices completaram o mandato de presidentes impedidos de fazê-lo – José Sarney porque Tancredo Neves morreu, Itamar Franco porque Fernando Collor foi derrubado, Michel Temer porque Dilma Rousseff também foi.

Calado até ontem, posto por Bolsonaro à margem da crise, o general Hamilton Mourão, ao reaparecer, o fez em grande estilo. Revelou seu incômodo com a maneira como Bolsonaro bateu boca com o governador João Doria (PSDB), de São Paulo. E, mais tarde, perguntado sobre o pronunciamento de Bolsonaro à Nação na última quarta-feira, respondeu sem receio de corrigi-lo:

“A posição do governo por enquanto é uma só. A posição do governo é o isolamento e o distanciamento social. Está sendo discutido e ontem o presidente buscou colocar, pode ser que tenha se expressado de uma forma que não foi a melhor, mas o que ele buscou colocar é a preocupação que todos nós temos com a segunda onda. Temos a primeira onda, que é a saúde, e a segunda que é a questão econômica”.

Valeu, Mourão! Aço! Selva!

Estado de Calamidade sob as rédeas curtas do Congresso

O que está por vir
Um projeto de decreto legislativo regulamentando o Estado de Calamidade, decretado na semana passada a pedido do Executivo, começou a circular, ontem, entre líderes de partidos na Câmara dos Deputados e no Senado.

A minuta, já em seu artigo primeiro, prevê que a União, ou seja, o governo federal deverá partilhar com os estados e os municípios o comando das ações frente à crise. A redação é esta:

“O enfrentamento da calamidade pública decorrente da pandemia do Covid-19 é responsabilidade solidária da União, Estados, Distrito Federal e Municípios.”

Mais adiante, segundo o relatório TAG REPORT, das jornalistas Helena Chagas e Lydia Medeiros, o decreto estabelece que:

“[…] mediante atuação em caráter nacional, transparente e fiscalmente proporcional ao máximo de recursos disponíveis, os entes federativos ficam obrigados aos deveres de coordenação continuada e consecução tempestiva de esforços para o atendimento das demandas sanitárias, econômicas e sociais diretamente vinculadas à pandemia do Covid-19, durante o prazo de vigência da Lei no 13.979, de 6 de fevereiro de 2020”.

Os parlamentares que articulam a aprovação do decreto querem apressar sua tramitação. Do ponto de vista político, acreditam que caberá agora ao Congresso fazer a mediação dos conflitos entre o presidente Jair Bolsonaro e os governadores.


Bruno Boghossian: Bolsonaro usa o terrorismo como estratégia de poder

Presidente oferece o pânico e não apresenta nenhuma saída para a economia

No fim dos anos 1980, Jair Bolsonaro se lançou candidato a vereador após ser absolvido da acusação de planejar atentados a bomba em quartéis, num julgamento controverso. Mais de três décadas depois, ele decidiu usar outro tipo de terrorismo como estratégia política.

Ao ignorar recomendações de especialistas por medidas de distanciamento contra o coronavírus, o presidente afirmou que o caos reinará se a economia não voltar logo ao normal. Nesta quarta (25), ele disse que o governo não terá como pagar funcionários públicos, supermercados serão saqueados e o país corre risco de uma ruptura democrática.

“Se nós não acordarmos para a realidade, daqui a poucos dias poderá ser tarde demais”, declarou.

Por semanas, o presidente ancorou uma campanha de negação dos riscos do coronavírus, criticando o que chamava de pânico e histeria. Agora, ele agiu rápido para instrumentalizar o desespero a seu favor.

Bolsonaro só consegue enxergar a ruína de um dos lados dessa crise. Ele continua minimizando as chances de contaminação em massa e do colapso de sistemas de saúde. Reconhece apenas a ameaça de desmoronamento econômico, em nome de ganhos políticos individuais.

A falsa cegueira cumpre duas funções. O presidente já conseguiu empurrar para os governadores parte do ônus da inevitável desaceleração provocada pela restrição à circulação de pessoas. O discurso, além disso, deixa a porta aberta para uma postura ainda mais radical e para a adoção de medidas de exceção.

A desordem sempre foi o campo político de Bolsonaro. A ameaça de agitação e devastação é sua ferramenta favorita para intimidar adversários e desmerecer seus críticos.

A agonia econômica é um perigo real, mas o presidente não oferece nenhuma saída concreta. Não explica como o governo vai preservar a saúde de quem voltar ao trabalho e propõe uma retomada sem qualquer planejamento, depois desmentida pelo próprio vice-presidente. Bolsonaro só quer deixar o medo no ar.


Maria Cristina Fernandes: A carta da renúncia

A costura de uma renúncia, como saída, passa pela anistia aos filhos

A tese do afastamento do presidente viralizou nas instituições. O combate à pandemia já havia unido o país, do plenário virtual do Congresso Nacional ao toque de recolher das favelas. Com o pronunciamento em rede nacional, o presidente conseguiu convencer os recalcitrantes de que hoje é um empecilho para a batalha pela saúde da nação. Se contorná-lo já não basta, ainda não se sabe como será possível tirá-lo do caminho e, mais ainda, que rumo dar ao poder em tempos de pandemia. A seguir a cartilha do presidiário Eduardo Cunha, seu afastamento apenas se dará quando se encontrar esta solução. E esta não se resume a Hamilton Mourão.

Ao desafiar a unanimidade nacional, no uniforme de vítima de poderes que não lhe deixam agir para salvar a economia, Bolsonaro já sabia que não teria o endosso das Forças Armadas para uma aventura que extrapole a Constituição. Era o que precisaria fazer para flexibilizar as regras de confinamento adotadas nos Estados. Duas horas antes do pronunciamento presidencial, o Exército colocou em suas redes sociais o vídeo do comandante Edson Leal Pujol mostrando que a farda hoje está a serviço da mobilização nacional contra o coronavírus.

Pujol falou como comandante de uma corporação que tem a massa de seus recrutas originários das comunidades mais pobres do país, hoje o foco de disseminação mais preocupante para as autoridades sanitárias. Disse que agirá sob a coordenação do Ministério da Defesa. Em nenhum momento pronunciou o presidente. Moveu-se pela percepção de que uma tropa aquartelada hoje é mais segura que uma tropa solta. Na mão inversa do trem desgovernado do discurso presidencial daquela noite.

Quando já estava claro que descartara o papel de guarda pretoriana, Pujol reforçou a importância do combate ao coronavírus: “Talvez seja a missão mais importante de nossa geração”. Vinte e quatro horas depois, o vídeo ultrapassava 500 mil visualizações, mais do que o dobro do efetivo do Exército.

O distanciamento contaminou os ministros militares com assento no Palácio do Planalto. “Não quero ter minha digital nisso”, comentou um deles ao perceber o rumo provocativo que o pronunciamento da noite de quarta-feira teria. Deixou o Palácio antes da gravação, conduzida sob o comando dos filhos e da milícia digital do bolsonarismo.

A insistência do presidente na tese esticou a corda com os governadores e com o Congresso, que amanheceu na quarta-feira colocando pilha na saída do ministro Luiz Henrique Mandetta. A pressão atingiu o pico do dia com o rompimento do governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), com o presidente. Aliado de primeira hora de Bolsonaro, presença mais frequente, entre seus pares, nas solenidades do Palácio do Planalto, Caiado foi um dos principais padrinhos de Mandetta, um deputado do Mato Grosso do Sul que não disputou em outubro de 2018 porque temia não se reeleger.

O ministro negaria a demissão num entrevista em que citou Caiado, mas não Bolsonaro. O Congresso mantinha a aposta na saída de Mandetta como mais um tapume no isolamento do presidente quando João Doria, na reunião de governadores com o presidente, partiu para o confronto. O discurso de palanque do governador de São Paulo não é unanimidade entre os envolvidos em busca de uma solução de consenso, especialmente os da farda, mas sua ação deliberada para levar os governadores a recusar interlocução com o presidente, caiu como uma luva para a estratégia de levar Bolsonaro ao limite do isolamento.

Para viabilizar o enfrentamento dos governadores, o Congresso busca meios de manter o acesso dos Estados a recursos com os quais possam manter suas políticas de combate à doença, hoje confrontadas pelo Planalto. O pronunciamento acabou por frear a proposta de emenda constitucional com a qual se pretendia criar um orçamento paralelo para viabilizar as ações de Bolsonaro no combate à pandemia e calar a tecla com a qual o presidente se diz impedido de agir pelo Congresso. Cogitou-se até incluir nesta PEC instrumentos com os quais Bolsonaro poderia ter mais poderes sobre o confinamento e o confisco de insumos hospitalares, como meio de evitar o Estado de Sítio.

Ainda que Bolsonaro hoje não tenha nem 10% dos votos em plenário, um processo de impeachment ainda é de difícil de viabilidade. Motivos não faltariam. Os parlamentares dizem que Bolsonaro, assim como a ex-presidente Dilma Rousseff, já não governa. Se uma caiu sob alegação de que teria infringido a Lei de Responsabilidade Fiscal, o outro teria infrações em série contra uma “lei de responsabilidade social”. Permanece sem solução, porém, o déficit de legitimidade de um impeachment em plenário virtual.

Vem daí a solução que ganha corpo, até nos meios militares, de uma saída do presidente por renúncia. O problema é convencê-lo. A troco de que entregaria um mandato conquistado nas urnas? O bem mais valioso que o presidente tem hoje é a liberdade dos filhos. Esta é a moeda em jogo. Renúncia em troca de anistia à toda tabuada: 01, 02 e 03. Foi assim que Boris Yeltsin, na Rússia, foi convencido a sair, alegam os defensores da solução.

Não faltam pedras no caminho. A primeira é que não há anistia para uma condenação inexistente. A segunda é que ao fazê-lo, a legião de condenados da Lava-Jato entraria na fila da isonomia, sob a alcunha de um “Pacto de Moncloa” tupiniquim. A terceira é que o Judiciário, agastado com o bordão que viabilizou o impeachment de Dilma (“Com Supremo com tudo”), resistiria a embarcar. E finalmente, a quarta:

Quem teria hoje autoridade para convencer o presidente? Cogita-se, à sua revelia, dos generais envolvidos na intervenção do Rio, PhDs em milícia.

A única razão para se continuar nesta pedreira é que, por ora, não há outra saída. Na hipótese de se viabilizar, o capitão pode estar a caminho de encerrar sua carreira política como começou. Condenado por ter atentado contra o decoro, a disciplina e a ética da carreira militar, Bolsonaro foi absolvido em segunda instância. Em “O cadete e o capitão” (Todavia, 2019), Luiz Maklouff, esboça a tese de que a absolvição foi a saída encontrada para o capitão deixar a corporação.

Em seguida, o Bolsonaro disputaria seu primeiro mandato como vereador no Rio. Trinta e quatro anos depois, a borracha está de volta para esfumaçar o passado. Desta vez, com o intuito de tirá-lo da política.


Bernardo Mello Franco: Apertem os cintos: Previsões para a "nova era" de Bolsonaro

Em novo livro, 22 intelectuais fazem previsões sobre o novo governo. ‘Passaremos por uma zona de forte turbulência política’, alerta o sociólogo Sérgio Abranches

O Brasil está condenado a reescrever uma página infeliz da nossa história? A pergunta ronda os 22 ensaios de “Democracia em risco?”, que chega às livrarias na semana que vem pela Companhia das Letras. Como indica o ponto de interrogação, a coletânea não oferece respostas definitivas. Sua proposta é ajudar a entender o que está em jogo na “nova era” de Jair Bolsonaro.

No texto de abertura, o sociólogo e cientista político Sérgio Abranches sustenta que a eleição de 2018 foi disruptiva. Ele afirma que a vitória do capitão encerrou o ciclo que organizou a política brasileira com relativa estabilidade nos últimos 25 anos. As instituições, que sobreviveram a dois impeachments e múltiplas crises, agora terão que enfrentar uma prova de resistência “mais significativa e direta”. “Apertem os cintos, pois passaremos por uma zona de forte turbulência política”, avisa.

O historiador Boris Fausto diz que é cedo para desenhar com clareza os rumos que o governo vai tomar. “Mas no âmbito educacional e da cultura, assim como no trato de determinadas minorias, as tendências não deixam dúvidas. Todas elas constituem um retrocesso”.

Ele prevê o acirramento da violência no campo, a reboque do discurso agressivo do presidente. “As porteiras estão abertas para as mortes de lideranças, para a invasão de terras indígenas pelas milícias armadas, para o desmatamento sem inibições”, escreve. Apesar dos temores, Fausto diz contar com a vigilância da imprensa, do Judiciário e da sociedade civil: “Ao menos por ora, não há razões para ceder ao catastrofismo”.

O sociólogo Celso Rocha de Barros parece menos confiante. “As bases do nosso progresso até agora — a democracia, a imprensa livre, a autonomia das instituições e a competição entre os partidos — podem desabar a qualquer momento”, afirma. Ele diz que a hora é de “rebaixar expectativas”: “O objetivo, nos próximos quatro anos, é evitar retrocessos”.

A historiadora Angela de Castro Gomes vê a ascensão de Bolsonaro como “uma ameaça efetiva a nosso regime democrático, que poderá ser corroído por dentro”. O jurista Conrado Hübner Mendes alerta para as afinidades do presidente com líderes da extrema direita do Leste Europeu. “O Brasil está batendo à porta da liga dos governos autoritários no aniversário de trinta anos da Constituição. Esse crepúsculo não é o fim, mas sua antessala”, escreve.

A historiadora Heloisa Starling costuma brincar que sua classe só é boa para prever o passado. Agora ela admite um sentimento de “perplexidade” com o presente. “Não sabemos ainda se a erosão da democracia no Brasil é um processo inevitável ou mesmo irreversível”, afirma. “Em 1964, a ruptura política e institucional se consumou; ocorreu um golpe de Estado e a deposição do presidente constitucional. Em 2018, o cenário é instável, a democracia brasileira saiu dos trilhos, mas o futuro está em aberto”, diferencia.

A professora observa que o presidente “é exatamente o que parece, e ainda podemos nos perguntar se as aparências enganam”. Mais adiante, ela pede cautela a quem considera que o país está mergulhando num novo ciclo autoritário: “A forma do que virá está em aberto — o tempo não é retilíneo, nele não existe lugar para a repetição e não há jeito de se governar a história”.


Luiz Carlos Azedo: A lógica do medo

A “unidade dos contrários” acontece entre o ex-presidente Lula e o deputado Bolsonaro, que parecem manter um acordo tácito quanto à estratégia de campanha

Na política a unidade dos contrários é mais comum do que se imagina. Por exemplo, por trás do debate sobre a denúncia do ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra o presidente Michel Temer, que tem por base a delação premiada do doleiro Lúcio Funaro, nem os governistas, nem a oposição, em sua maioria, querem que haja o afastamento e a continuidade das investigações. Daria muito trabalho reorganizar o governo tendo à frente o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a um ano apenas das eleições de 2018; de igual maneira, um governo com 3% de aprovação, desgastado pela crise ética, sobre o qual pode-se jogar a responsabilidade pelas dificuldades enfrentadas pela população, interessa à oposição.

A mesma “unidade dos contrários” ocorre na relação entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que parecem manter um acordo tácito quanto à estratégia de campanha. Exploram o medo da população em relação a um suposto retrocesso político e social, o que é facilitado pelo fato de a continuidade do governo não ser uma alternativa de poder para 2018, nem ter condições de construí-la a partir de seu núcleo principal, seja por meio da candidatura à reeleição do próprio presidente Temer, seja lançando outro nome do governo, como o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, que não consegue esconder essa ambição.

Essa estratégia é facilitada pela crise do PSDB, que vive um dos seus piores momentos na política brasileira, mesmo que o impeachment da presidente Dilma Rousseff parecesse pôr tudo a seu favor. Aécio Neves (PSDB-MG), que chegou a bater na trave em 2014, está fora da sucessão presidencial, assim como o senador José Serra (PSDB-SP), ambos desgastados pela crise ética. A bola da vez é o governador Geraldo Alckmin, de São Paulo, que ocupa o vértice do sistema de poder sob controle do PSDB, mas não tem o mando do partido. Presidente licenciado da legenda, Aécio sobreviveu às medidas cautelares do Supremo Tribunal Federal (STF), que foram rejeitadas pelo Senado, é o aliado principal de Temer e tem uma carta na manga, a eventual candidatura de Luciano Hulk, de quem é compadre, correndo por fora da legenda. Para complicar ainda mais, o prefeito de São Paulo, João Doria, pode ir à luta se estiver em melhores condições do que Alckmin.

Discurso único

Com Temer e Alckmin neutralizados, Lula e Bolsonaro nadam de braçada, cada qual ampliando a influência eleitoral à custa do medo que o outro provoca em parcelas do eleitorado que se vê sem alternativas robustas na disputa. Até agora, Lula explorou principalmente a resiliência dos militantes do partido e da base eleitoral cativa, sobretudo os 13 milhões de famílias beneficiadas por seu programa de transferência de renda. Isso o manteve à tona, mesmo já estando condenado pelo juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba, na Operação Lava-Jato. Agora, Lula parte para a ofensiva, restabelece conexões com as oligarquias nordestinas e explora o crescimento de Bolsonaro, para reagrupar os setores de esquerda que haviam se descolado do PT na crise ética e que começam a vê-lo novamente como alternativa de poder e “um mal menor”.

Bolsonaro também se aproveita dessa recidiva de Lula, se colocando como a única alternativa capaz de barrar a volta de Lula ao poder e o bolivarianismo, ao mesmo tempo em que adota um discurso autoritário e moralista, seja em relação aos costumes, seja quanto aos métodos de combate à corrupção. Também resgata velhas bandeiras nacionalistas, que já estiveram nas mãos de Lula, mas foram perdidas por causa dos escândalos, como a defesa da Petrobras e do pré-sal, além da Amazônia e suas jazidas minerais. Mas do ponto de vista da narrativa eleitoral, está funcionando. Candidato dos setores que defendiam uma intervenção militar, Bolsonaro inverte a equação: seria um militar no poder eleito por um regime civil. Isso seduz setores que deixam de vê-lo como ameaça à democracia, sem considerar que o golpe pode vir depois, mas que também não estão muito preocupados com isso, desde que seus interesses econômicos imediatos sejam atendidos.

O discurso único da elite política contra a Lava-Jato facilita muito a vida de Lula e Bolsonaro. Nada disso significa, porém, que ambos cheguem juntos ao segundo turno das eleições, isso é muito difícil, porque o medo que ambos disseminam pode convergir para outro candidato, com perfil ético e democrático, no decorrer do debate eleitoral.